Introdução
O presente artigo apresenta resultados de um projeto de vivência artística voltado ao culto e ao cultivo de ações que visam promover a arte como alimento, ritual e oferenda. Trata-se do projeto de artes integradas Arte como Alimento, Ritual e Oferenda, uma experiência de viagem, pesquisa e vivência artística e cultural no Brasil e na Índia, com visitas a lugares sagrados, contato com pessoas e instituições ligadas ao meio artístico e à preservação ambiental por parte de comunidades rurais. O objetivo foi o de qualificar as relações das pessoas em seus cotidianos – um fazer artístico – que literalmente as nutre em termos materiais e simbólicos.
A proposta do projeto caracteriza-se por construir territórios de arte, por meio de atividades artísticas e de pesquisa, tais como técnicas de observação direta, registros em diários de campo e fotográficos, instalações, arte de rua e criação de espaços para a reflexão em meio à natureza. Na Índia, foi possível realizar atividades de arte e exposições com apoio da Fundação Sanskriti; interagir nas ruas de Delhi e demais cidades de nosso roteiro de viagem, nas quais foram feitas pesquisas de observação e registro em templos e festivais religiosos, eventos de doação de alimentos a pessoas carentes e as comidas de rua.
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Fonte: Paula Mello, 2016.
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Fonte: Julia Carmona, 2016
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Fonte: Regina Carmona, 2016.
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Fonte: Henrique Carmona Duval, 2016.
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Fonte: Paula Mello, Regina Carmona e Mrinmoy Das, 2016..
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Fonte: Paula Mello, Regina Carmona e Mrinmoy Das, 2016..
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Fonte: Paula Mello, Regina Carmona e Mrinmoy Das, 2016..
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Fonte: Paula Mello, Regina Carmona e Mrinmoy Das, 2016..
No Brasil, outras atividades foram realizadas em comunidades rurais e na capital do estado de São Paulo. Destacamos a interação com os estudantes de primeiro grau da escola municipal Maria de Lourdes da Silva Prado, localizada no assentamento rural Monte Alegre, Araraquara/SP, com a apresentação do projeto e a vivência na Índia, a criação de um mural no refeitório e a instalação coletiva da palavra “AMA” na horta da escola. Outra ação coletiva se deu no Espaço Tyba de estudos alternativos em Echaporã/SP, onde preparamos o alimento compartilhado num grande almoço e criamos uma instalação na natureza, um espaço para assistir o pôr do sol. Em São Paulo, na Gravura Brasileira realizamos uma ação coletiva para criação da fachada da galeria.
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Fonte: Paula Mello, 2016.
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Fonte: Regina Carmona, 2016.
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Fonte: Júlia Carmona, 2016.
Nessas vivências foram realizadas pesquisas em comunidades que vinculam o trabalho cotidiano ao artístico, que desenvolvem seus ofícios em estrita relação e afeto com a natureza e seus elementos, conhecimento de plantas alimentícias e medicinais, de rezas e benzeduras, cura e rituais de devoção espiritual, o que vem a fortalecer a proposta e o campo de pesquisa de forma simples e natural, relacionando arte e artistas, obra e os meios de criação, a vida e a nutrição através da arte.
Conforme Tagore:
A primeira lição importante deveria ser a improvisação – devidamente afastado do “já feito” – a fim de dar continuamente a cada um o meio de se descobrir através das surpresas trazidas pela pesquisa. Isso seria uma lição de vida simples, mas de vida criadora. Minha escola não é uma gaiola fechada onde espíritos vivos são artificialmente nutridos, mas uma casa aberta onde professores e alunos são uma coisa só. Juntos, eles vivem uma vida completa, dominada por um mesmo ideal de verdade e a necessidade de repartir as maravilhas do conhecimento (TAGORE, 2006, pg108;109).
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Fonte: Paula Mello, 2016.
As ações artísticas foram realizadas de forma interligada por linguagens mistas e múltiplas, tais como performance, vídeo, fotografia, instalação, estampas e murais. Como resultado, destacam-se as instalações e interações no meio ambiente, a arte levada para a rua e para o campo, bem como a constituição de um acervo de imagens e vídeos que fortaleceram a difusão cultural.
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Fonte: Paula Mello, 2016.
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Fonte: Júlia Carmona, 2016
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Fonte: Regina Carmona, 2017.
Salientamos, neste projeto, a importância da inserção de outros projetos compartilhados de artistas de várias nacionalidades, de propostas interativas com a participação do público com o apoio e estímulo de profissionais, pesquisadores e colaboradores dos mais diferentes campos sociais. Conforme Ólafur Eliasson (ELIASSON et al., 2015), são essas relações que contribuem para abarcarmos diferentes formas de ver e entender o mundo. Portanto, a inserção de outros projetos e artistas é relevante para a construção de espaços para se contatar com o mundo, nos quais podemos acolher e ser acolhidos, contemplar o primordial e a intemporalidade desses momentos. Cerca de 80 artistas de arte urbana do projeto Cola Aqui Stick Here, contribuíram para ressaltar a importância de expor a diversidade dos meios de criação engajadas através dos murais e da arte de rua que realizamos como forma de uma oferenda contemporânea, para circular ideias livremente e incentivar a mudança de atitudes. Um movimento artístico que atualmente pode ser visto em grandes cidades brasileiras, com o evidente crescimento de uma arte que abraça a tudo e todos, pode-se dizer, até de forma afetiva, uma vez que dilata vias na sociedade com a inserção e respeito ao "diferente", abrindo portas à compreensão de grupos extremamente produtivos e atuantes.
173Nesse caminhar registramos cotidianos repletos de devoção, observamos como homens e mulheres se religam ao espiritual, ao sagrado, por rituais onde a arte se faz alimento e, muitas vezes, vem do próprio alimento, da terra, da cultura local. A compreensão dessas pequenas ações cotidianas é igualmente essencial e fortalecedora de suas capacidades, de forma plena e verdadeira. Assim, destaca-se a importância das atividades, dos artistas e de todos aqueles integrados no mesmo propósito de alimentar a arte e fazer dela o seu alimento.
O tema que unifica o alimento, o ritual e a oferenda, por meio da arte, possui vários vieses interpretativos e diferentes perspectivas artísticas. O ato de se alimentar é um deles, desde uma ideia de alimentação do corpo físico, por meio da comida, como daquilo que comemos fazer parte de um arcabouço cultural de complexa significação que envolve a transformação de alimentos em comidas, o conhecimento de questões como as estações climáticas, a ecologia local, a semeadura, a colheita e todas as fases e métodos do trato cultural. Há também os conhecimentos sobre as formas de preparo e de consumo da comida, os gostos e as preferências do paladar, as formas de servir e com quem se junta à mesa no ato de compartilhar a comida.
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onte: Paula Mello, Regina Carmona e Henrique Carmona Duval, 2016.
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onte: Paula Mello, Regina Carmona e Henrique Carmona Duval, 2016.
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onte: Paula Mello, Regina Carmona e Henrique Carmona Duval, 2016.
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onte: Paula Mello, Regina Carmona e Henrique Carmona Duval, 2016.
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Fonte: Henrique Carmona Duval, 2016.
As vivências proporcionadas pelo projeto evidenciaram que o alimento da nossa matéria é físico e tem efeitos imediatos na transformação do corpo e da saúde. Por outro lado, em torno do alimento há uma simbologia, afinal, a alimentação não é somente o ato de nutrir o corpo, mas o alimento em si que carrega forte significação cultural: o alimento que me dá identidade, que alimenta o corpo e a alma. Tudo isso denota fortes ligações ao fazer artístico que tem a ver com a alimentação integral do ser, do ato envolto por aspectos ritualísticos e pela oferenda.
A partir dessas considerações sobre o ato alimentar e o paralelo entre arte e alimento, observado no percurso do projeto, vincula-se o ato criativo ao cotidiano, aos grupos sociais e seus modos de vida, a homens e mulheres detentores de conhecimentos diversos da natureza, da responsabilidade de criar e alimentar suas famílias e manter toda a base física e espiritual que lhe dá suporte. Por isso, o projeto possui um claro recorte no ser holístico e na sua capacidade de transmissão e transformação.
No entanto, essa transmissão cultural não se dá em rios tranquilos, pois a alimentação moderna invade a cultura, muda hábitos e escolhas. De certo, vivemos um impasse frente às sementes transgênicas que invadem os campos, alterando os modos de produção dos alimentos (SHIVA, 2003). Um impasse e também uma disputa, que por meio da alimentação expõe não apenas este aspecto da cultura, mas modos de vida como um todo, que contrapõe o que é sagrado com aquilo que pode ser profanado, como a terra e as sementes da alimentação cotidiana. Além de resgate da tradição, a alimentação integral do ser é um aspecto em transformação na modernidade (NAVDANYA, 2010).
174Os resultados do projeto apontam que há grande relevância nas trocas estabelecidas, nas pesquisas e vivências coletivas em cenários diversos de arte, seja nas cidades, nos campos, vilas e comunidades, expressos nos potentes territórios para criação e manifestação de arte, coleta de material e conhecimentos, experiências individuais transmutadas junto às demais experiências em grupo. Experiências que só vieram a ampliar e enriquecer os propósitos para, ao final, serem escoadas no desdobramento das atividades relacionadas.
Ressalta-se a importância da integração, da diversidade, da criação engajada e compartilhada, convite à construção de territórios culturais contemporâneos e coletivos, espaços para a reflexão sobre um quase invisível grão - sua significação e dimensão na reprodução social.
Tomando por princípio a poética, a criação e o fazer artístico no ato de se alimentar, continuamos dependentes de alimentos. A reprodução social depende daquilo que é consumido, das ideias e sentimentos que nutrimos em nossos seres, aquilo que deliberadamente damos continuidade, os projetos e utopias daquilo que perseguimos. Esse conjunto de coisas deu forma ao projeto Alimento Ritual e Oferenda, propiciando a criação de um território cultural sob a perspectiva da observação da vida cotidiana, das intencionalidades e dos espaços que são comuns.
O projeto permanece na busca por integrar um trabalho que, em diferentes perspectivas, sugere uma pesquisa do movimento e dos passos que damos e que, por alguma razão, nos conduzem a algum lugar, a uma transformação dialética do ser. Um território cultural que engloba a arte e a expressão, o ritual cotidiano, a forma de ser e de se expor, as interconexões abertas à complementaridade entre alimento, corpo e espírito, a energia coletiva produzida, transformada e ofertada à manutenção da vida.
Referências
ELIASSON, Olafur; ABRAMOVIC, Marina; GRAHAM, Dan (Orgs.) AKADEMIE X: Lessons in Art + Life. Studio Rags Media Colletive: Phaidon Press, 2015.
NAVDANYA. Bhoole Bisre Anaj. Forgotten Foods. New Delhi, Índia, 2010.
SHIVA, Vandana. Monoculturas da mente: perspectiva da biodiversidade e da biotecnologia. São Paulo: Gala, 2003.
TAGORE, Rabindranah. Gitanjali. São Paulo: Martin Claret, 2006.
Link para o vídeo do projeto: https://vimeo.com/178894786
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