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Apresentação

O Colóquio Nacional Espaço e Diferença (E&D) é uma iniciativa do Laboratório de Estudos de Gênero, Étnico-Raciais e Espacialidades do Instituto de Estudos Socioambientais da Universidade Federal de Goiás (LaGENTE/IESA/UFG), fundado em março de 2008, e do Grupo Dialogus/UFG/CNPq, em parceria com o Curso Gênero e Diversidade na Escola/UFG/ Regional Catalão e conta com a participação de pesquisadorxs vinculadxs a grupos que trabalham com a dimensão espacial das relações etnicorraciais, de gênero e sexualidade e do ensino da África e cultura afro-brasileira. O evento retoma discussões realizadas coletivamente em períodos anteriores.

Entre 24 e 26 de outubro de 2009 realizamos o Seminário Nacional Geografia e Relações Étnico-Raciais: Campos de Pesquisa e Perspectivas de Ensino, que teve como objetivo situar e debater, a partir de perspectivas geográficas, as questões ligadas à temática étnico-racial e sua vinculação com o ensino no espírito das Leis 10639/03 e 11645/08 que instituem a obrigatoriedade dos conteúdos ligados à História e Cultura Africana, Afro-Brasileira e Indígena no ensino fundamental e médio. Entre os participantes externos/as estavam Marcia Spyer Resende (UFMG), Renato Emerson dos Santos (UERJ) e Leomar Vazzoler (UFF).

Em 2013, de 4 a 6 de abril, organizamos o I Colóquio Nacional Espaço e Diferença. Tivemos dois Grupos de Trabalhos – “Gênero e trajetórias” e “Diferença Étnico-racial e Espaço” – e contamos com as seguintes mesas, convidados/as externos/as e interlocutores/as internos/as: “Quilombos, dinâmicas territoriais e ambientais”, com Rafael Sânzio Araújo dos Anjos (UnB) e Selma Simões de Castro (UFG), “A diferença de gênero e sexualidade no urbano”, com Joseli Silva (UEPG) e Celene Cunha Monteiro Antunes Barreira (UFG); “Diferenciação, segregação espacial e racial”, com Renato Emerson dos Santos (UERJ) e Eguimar Felício Chaveiro (UFG).

Na segunda edição, realizada de 30 de março a 2 de abril, buscamos ampliar e consolidar a reflexão acerca dos conflitos e possibilidades espaciais que marcam a trajetória e a territorialidade de indivíduos e grupos pertencimentos étnicos, raciais, sexuais e de gênero. Tivemos três Grupos de Trabalhos: “África e relações etnicorraciais”, “Territórios e lugares étnica e racialmente diferenciados” e “Gênero, raça, sexualidade e espaço”.

Dentre os/as participantes – comissão científica, coordenações de GT e apresentadores/as de trabalho – houve docentes da rede básica dos Estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná e Goiás e docentes de Instituições de Ensino Superior, efetivos e temporários, das cinco regiões brasileiras: Norte (UNIR, UFT), Nordeste (UFC), Centro-Oeste (UFG – Regionais Goiânia e Catalão, UEG – Unidades de Itapuranga, Pires do Rio e Morrinhos, Sudeste (UERJ, CEFET-RJ, UFF, UNIRIO, UFES, UNESP). Contamos com a participação de coordenadores/as e integrantes de grupos de pesquisa, ensino e/ou extensão dos Estados do Rio de Janeiro (Núcleo de Estudos e Pesquisas em Geografia, Relações Raciais e Movimentos Sociais, NEGRAM/FFP/UERJ, e Núcleo de Estudo e Pesquisa em Geografia Regional da África e da Diáspora, NEGRA/FFP/UERJ; Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros – NEAB/CEFET-RJ), Rondônia (Grupo de Estudos sobre a Mulher e Relações de Gênero – GEP-Gênero/UNIR), Paraná (Grupo de Estudos Territoriais - GETE/UEPG), Tocantins (Laboratório de Ensino e Prática em Geografia – LEPG/UFT-Araguaína), Ceará (Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas – Instituto Federal do Ceará – NEABI/IFCE) e Goiás (Dialogus – Estudos Interdisciplinares em Gênero, Cultura e Trabalho – UFG/Regional Catalão; Laboratório de Estudos Étnicos – LABETI/UEG-Campus Pires do Rio; Núcleo de Estudos Africanos e Afro-Diaspóricos – NEAAD/UFG; e Laboratório de Estudos de Gênero Étnico-Raciais e Espacialidades – LaGENTE/UFG), caracterizando um saber/pensar/agir em rede com foco na diferença étnica, racial, de gênero e sexual no espaço, tratada, por determinadas vezes, em perspectiva interseccional.

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Destas experiências surgiu esta produção que agrega artigos sobre questões étnico raciais, de gênero e de educação e que tem como intuito contribuir para o debate e formação de profissionais para o trabalho, com importantes temáticas na formação humana. Nesta edição, contamos com doze trabalhos que abordam as temáticas e a forma como estas têm sido pesquisadas e abordadas, em especial pela Geografia brasileira, num claro intuito de promover o debate e o fortalecimento das questões de gênero e diversidades.

Na primeira parte do livro – Abordagens da África e da questão racial na Geografia - Denilson de Araújo Oliveira, no artigo – Por uma geografia nova do ensino da África no Brasil, – discorre sobre os desafios que se colocam na construção de uma interpretação da África e da diáspora que possibilite analisar a pluralidade de experiências e novas metodologias para o ensino de Geografia rompendo com o eurocentrismo.

Alex Ratts, em seu artigo – A perspectiva do “mundo negro”: notas para o ensino de Geografia da África no Brasil –, retoma os conteúdos e princípios da Lei 10.639 em face de demandas históricas de acadêmicxs e ativistxs negrxs, e apresenta três aspectos da abordagem feita na disciplina que trabalha no IESA/UFG – a relação entre eurocentrismo, racismo e a Geografia; as sociedades africanas da antiguidade; as sociedades africanas do período moderno/colonial – e, por fim, aborda um princípio que tem relação com tema geral: o reconhecimento da autoria negra africana e da diáspora.

Renato Emerson dos Santos, em seu artigo sobre relações raciais no campo da geografia urbana brasileira: algumas notas introdutórias a partir dos eventos nacionais da Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB) constrói uma amostra de como o tema relações raciais é abordado ao longo da realização dos eventos desta entidade e como vem ganhando espaço nos Grupos de Trabalhos.

Na segunda parte – Relações de gênero no espaço, Carmem Lúcia Costa, no artigo Geografia, trabalho e gênero: as trabalhadoras da educação em Goiás apresenta uma análise a partir da categoria gênero para tratar da carreira docente e suas especificidades no Estado de Goiás em um momento de transformações consideráveis na carreira e na composição trabalhista, mostrando a difícil tarefa de se equilibrar entre o mundo do trabalho no espaço público e no privado.

No artigo – Corpos e marcadores de desigualdades na análise geográfica: gênero, sexualidade e racialidade – os autores Joseli Maria Silva, Márcio Ornat, Tamires R. A. de O. César e Alides B. C. Júnior exploram a emergência do corpo na análise geográfica, tomando como base um contexto internacional, a fim de instigar pesquisadores brasileiros por meio de caminhos geográficos já trilhados, mesmo que em outros contextos. Na segunda parte do texto estão registradas algumas trajetórias de pesquisas geográficas no Brasil sobre gênero e sexualidades, sendo que a terceira parte aborda a produção científica de raça/etnia. Esses temas estão profundamente relacionados com marcadores sociais dos corpos que hierarquizam os seres humanos e incidem nas suas experiências espaciais.

Maria das Graças Silva Nascimento e Silva, no artigo – Poderes e saberes das parteiras ribeirinhas da Amazônia –, apresenta uma pesquisa que foi desenvolvida com 15 parteiras da área ribeirinha do município de Porto Velho (RO) e com 250 mulheres, também ribeirinhas, que em algum momento de suas vidas haviam procurado os serviços da parteira. Neste capítulo, apresentou-se a caracterização que a autora construiu sobre as parteiras no espaço ribeirinho e a questão dos hábitos alimentares, em específico, segundo os seus saberes.

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Na terceira parte – Territorialidades de grupos etnicorraciais e os povos tradicionais –, o capítulo de Geny Ferreira Guimarães, no artigo – O conceito de lugar no processo-projeto patrimonial negro-brasileiro, a autora apresenta algumas reflexões acerca do conceito de lugar, das possibilidades de relacioná-lo com a discussão patrimonial brasileira e relações étnico-raciais. No desenvolvimento do capítulo, a princípio, foi traçada uma revisão conceitual de lugar por meio das perspectivas de Gomes (2012, 2013), Souza (2013), Oslender (2002) Ferreira (2000) e Massey (2001, 2007). A autora entende que para pensar a construção patrimonial brasileira necessitamos relacionar o seu processo de estruturação nacional em paralelo com o projeto de construção de identidade e nação brasileira. Neste caso, torna-se quase impossível não sustentar uma reflexão geográfica desvinculada do conceito e lugar. O capítulo segue construindo a relação entre lugar, patrimônio e lugar e racismo. Importante salientar que o ponto de partida para as reflexões é o recente trabalho de GUIMARÃES (2015), tese de doutorado, cujo foco foi discutir o processo-projeto patrimonial na cidade do Rio de Janeiro a partir do ponto do Cais do Valongo. O que foi trazido da tese para este capítulo foi especificamente um repensar a importância e a característica que o conceito de lugar apresenta na discussão de patrimônios negros.

Patrício Alves de Sousa, em seu capítulo – Espaços que pesam: ficção política e heterotopia no congado mineiro -, problematiza, a partir da aproximação aos festejos negros de grupos de Congado, a maneira como algumas normas regulatórias atuam na abjeção de determinados espaços, conferindo a estes um status de inferioridade em relação a espaços institucionalizados e portadores de significação positiva. No capítulo, o autor discute, ainda, as maneiras como determinados espaços, através dos tensionamentos de poder e a partir da formulação de lugares festivos, se instituem como heterotopias que produzem novos arranjos para corpos e espaços marcados pelas questões de gênero, raça e etnicidade.

Kênia Gonçalves Costa, no capítulo – Ilha do Bananal e o povo Iny entre narrativas e representações cartográficas numa perspectiva intercultural –, apresenta parte da tese concluída, que teve como objetivo compreender a relação dos grupos indígenas Karajá e Javaé (povo Iny) com o complexo da Ilha do Bananal, formada pelo Rio Araguaia e inserida na Bacia Araguaia-Tocantins, situada no Estado do Tocantins, por meio de representações cartográficas na ótica de diferentes atores, particularmente do povo Iny e de estudiosos de algumas áreas, notoriamente da Geografia, Antropologia e Linguística, a respeito das dinâmicas geoambientais, territoriais e étnicas naquela área.

Vinícius Gomes de Aguiar, no capítulo – Território em conflito: Quilombo Mesquita e os urbanos de Brasília e Cidade Ocidental –, apresenta uma compreensão de como o processo de especulação imobiliária produz pressões territoriais no quilombo Mesquita, localizado na fronteira entre o município de Cidade Ocidental (GO) e o Distrito Federal (DF).

Para atender ao objetivo, foram buscados marcos legais e referenciais teóricos relacionados à questão quilombola, ambiental e da dinâmica urbana, especialmente envolvendo o DF e Cidade Ocidental (GO). Ainda houve, também, a utilização do software QGIS 2.6 para a elaboração dos produtos cartográficos que representassem cartograficamente a dinâmica e as pressões urbanas que envolvem o quilombo Mesquita.

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No capítulo, – Aquilombar-se: o processo de constituição do território quilombola de Manzo Ngunzo Kaiango, Belo Horizonte, Minas Gerais –, a autora Ana Maria Martins Queiroz apresenta as novas acepções que o termo quilombo vem adquirindo, não apenas para as ciências, como também para as comunidades negras. A emergência dos territórios quilombolas ocorre em áreas rurais e em áreas urbanas, entretanto, os processos que levam ao ressurgimento desta coletividade se distinguem nesses espaços. Distinções que precisam ser consideradas para melhor compreensão da emergência ou ressurgimento de grupos como esse na sociedade brasileira. A autora entende que essas comunidades ao se reconhecerem como quilombolas reivindicam para si identidades que lhes possibilitam construir territórios de resistência, pois, a constituição dos quilombos marca um processo de contraposição a uma ordem estabelecida e a uma ideologia que homogeneíza os territórios e as identidades.

Eguimar Felício Chaveiro, no capítulo – Dentro de si, no fundo do mundo: o sujeito no espaço contemporâneo apresenta reflexões que se ajustam à compreensão que não convém analisar o sujeito fora das transformações do mundo, nem reduzi-lo a um mero elemento econômico. Daí decorre o seguinte: as análises reconhecem os conflitos sociais que atravessam a pele – e a dobra, na mesma proporção que não retiram do sujeito a sua singularidade, a sua complexidade, a sua subjetividade. Especialmente a sua capacidade de agir, propor. Enfim, é a capacidade de agir do sujeito, de desenvolver diferentes práticas e aceder-se ativamente no cotidiano que cria territórios existenciais em linhas de contato e de comunicação com os espaços hegemônicos, negando-os, negociando com eles, tensionando-os ou derivando deles diferentes possibilidades de produzir a vida.

A equipe organizadora deseja a todos e todas uma boa leitura!