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Por uma geografia nova do ensino de África no Brasil

Denílson Araújo de Oliveira

Introdução

Apesar de sermos considerados um dos países com um dos maiores percentuais de descendentes de africanos do mundo fora da África, o imaginário eurocêntrico continua invizibilizando as histórias das diásporas e da África no currículo escolar de Geografia. Imaginários ideologizados, metonímicos e equivocados acerca da África, que fortalecem um supremacismo branco eurocentrado, que busca infundir um grotesto desejo de imitar os opressores e de autoanulação de si para o outro, ou seja, negar identidades afrocentradas (NASCIMENTO, 1981). Esses elementos revelam aquilo que Guerreiro Ramos (1957) chamou de a patologia social do branco que ao estabelecer um desejo colonial de ser branco adotando padrões estéticos/éticos/políticos/epistêmicos eurocentrados apontando que tudo relacionado ao negro e a África geraria medo e simbolizaria o mal.

Logo, desafios se colocam na construção de uma interpretação da África e da diáspora que possibilite analisar a pluralidade de experiências e novas metodologias para o ensino de Geografia rompendo com o eurocentrismo. Essa é a proposta deste artigo.

Por agendas descoloniais para o ensino geografia da áfrica

O líder político de Cabo Verde e Guiné Bissau, Amilcar Cabral afirmava em seus discursos contra o colonialismo europeu na África que era necessário reafricanizar os espíritos como forma de emancipação (SPAREMBERGER, 2011). Cabral percebia que o domínio colonial ultrapassava a conquista territorial e a imposição de uma soberania (o colonialismo). Sua proposta de reafricanizar os espíritos se constitui como um trabalho de educação político-cultural que busca que xs negrxs tornem-se protagonistas de suas histórias e arquitetos de seus próprios destinos (VILLEN, 2013). Ou seja, o “nascimento de um homem novo e uma mulher nova (ambos restituídos à sua própria história)” (Idem: 17) descolonizando as imagens da África. As ideias expressas por Cabral e dos intelectuais orgânicos da luta anticolonial de diferentes tempos e espaços (Toussanit L’Ouverture, Malcon X, Aime Cesaire, Patrice Lumbumba, Thomas Sankara, ...) iriam estabelecer sementes para reaprender a ser, mas que são constantemente invisibilizadas pelo eurocentrismo.

Entendemos que a reafricanização de Cabral pode ser mobilizada tanto para descolonização do saber quanto tem sido utilizada como uma das bandeiras de luta do feminismo negro brasileiro. As feministas negras utilizam-se da ideia de reafricanização como estratégia de produção de uma nova consciência histórica/política da África e da diáspora. Cria-se uma forma de desobediência epistêmica (MIGNOLO, 2008) através da indumentária, do estilo dos cabelos, dos adornos corpóreos, oficinas de turbantes e a construção de uma economia política da diáspora, com feiras de produtos de culturas africanas ou de uma África que se imagina, e saberes e pensadores afrocentrados mobilizados. Ou seja, uma consciência regional não vivida/experenciada, mas percebida corporealmente como central na construção política da identidade dxs negrxs brasileirxs que possa romper com a cultura e os lugares de esquecimento, marca do eurocentrismo (NORA, 1993) e epistemologias que nos causam cegueira (SANTOS, 2004). Essas oficinas criadas pelas feministas negras para reafricanização dos espíritos são tanto espaços pedagógicos de uma afrocentricidade quanto engendram, através de um consumo político (SANTOS, 2002), uma economia política da diáspora. Desta forma, cria-se o que Spivak (2010) chama de um essencialismo estratégico, isto é, uma inversão do essencialismo produzido pela dominação para construir um uso político. Esse essencialismo estratégico que busca reafricanizar para empoderar como uma prática crítica de retomada da memória, pois a Europa submeteu o mundo a sua memória, na expansão geográfica da sua civilização. (MUDIMBE, 2013).

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Assim, a aplicação da Lei 10.639/03 envolve um campo de disputa por leituras de mundo afrocentradas e o combate ao racismo epistêmico. Por racismo epistêmico entendemos uma hierarquia acerca do humano baseada em princípios raciais que reproduzem uma imagem eurocentrada de mundo, definindo pessoas e áreas representando uma sub-humanidade ou como não humanos (GROSFOGUEL, 2014). Histórias negras são vistas sem importância, vidas descartáveis e sem valor (MBEMBE, 2006). O racismo epistêmico é parte de um sistema de dominação racial mais amplo, que não se limita a um fenômeno epidérmico e corpóreo (NASCIMENTO, 1981; GROSFOGUEL, 2014), pois destrói formas de conhecimento de ancestralidades africanas e usurpa modos de ver, sentir fazer e ser-estar no mundo.

A revisão e inserção de conteúdos acerca da África e da diáspora revela uma luta antiga contra o racismo epistêmico. Contudo, essa luta só colheu frutos recentemente com a Lei 10.639/03. Apesar de mais de 10 anos da lei, marcas eurocêntricas ainda persistem no ensino da África. Desconhecimento, despreparo dos professores e profissionais das escolas, fundamentalismos religiosos que ‘demoniza’ as manifestações culturais afrodiaspórica, o ensino da África e da diáspora, má formação nas universidades, professores sobrecarregados com rotinas de trabalho intensas, preconceitos, estereótipos, estigmas e equívocos em materiais didáticos e práticas de ensino, entre outros. São muitos obstáculos. Discursos racistas são resgatados da Idade Média para impedir a aplicação da lei. Ou seja, o racismo brasileiro reinscreve uma biblioteca e um acervo colonial de estereótipos e estigmas sobre os povos de pele escura da área que hoje chamamos de África de diferentes tempos e espaços (MUDIMBE, 2013). Para exemplificarmos, usaremos um caso de grande repercussão. Na sua rede social, o deputado federal Marcos Feliciano, em vários momentos, associou problemas da África hoje à descendência amaldiçoada de Cam. Para Marcos Feliciano, são povos que foram penalizados com doenças, miséria, fome e guerras (assim a escravidão foi uma maldição divina e não criação humana). Esse legislador federal restitui também outro imaginário medieval racista que estabelece a cor negra como sinal de ausência de luz (ou seja, as trevas) representaria o espaço espiritual de ascendência diabólica por primazia. A geografia do além que estabelece um imaginário espiritual do inferno e do purgatório, como diria Jacques Le Goff (1995), é usado para justificar missões religiosas brasileiras para este continente. Desenha-se aí uma rede de igrejas brasileiras que se utilizam de fundamentalismos religiosos cristãos e de uma visão mercadológica que disseminam hoje na África como salvação para este continente, que, em nosso entender, tem forte inspiração kantiana e hegeliana (este último falaremos um pouco mais a frente). Para Kant,

Os Negros de África não têm por natureza nenhum sentimento que se eleve acima do insignificante. O senhor Hume desafia qualquer um a citar um único exemplo de um Negro que tenha mostrado talentos, e afirma que entre os centenas ou milhares de negros que são transportados dos seus países para outros lugares, ainda que muitos deles tenham sido libertados, ainda não foi encontrado nenhum que tenha apresentado algo de grandioso na arte ou na ciência ou qualquer outra qualidade digna de apreço, apesar de entre os brancos ter sempre havido alguns que se elevaram da mais baixa ralé e que, através de dotes superiores, ganharam o respeito do mundo (KANT, 1763, secção IV apud MIGNOLO, 2004).
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Logo, tudo que envolve a África e as culturas negras em diáspora, especialmente que criam algum vínculo religioso, é sinônimo de maldade. Estamos vendo discursos racistas sendo entoados em alto e bom tom através de violências contra a ancestralidade ‘africana’ que se reverbera em várias escolas em todo o país, justificando: 1- proibição de uso de símbolos religiosos das religiões de matriz afro nos corpos dos alunos e profissionais das escolas; 2- já existem relatos de casos de apedrejamento de pessoas que usam trajes e adornos de religiões de matriz afro; 3- boicote as aulas que tratam de África e cosmogonias religiosas africanas e afrodescendentes; 4- boicote as aulas que tratam do papel sangrento das missões religiosas cristãs no continente; entre outros exemplos. Assim, a África e seus descendentes (conscientes de sua afrodescendência) ocupam uma posição de desprestígio epistêmico.

Vemos que as lutas de combate ao racismo mexem em estruturas profundas de nossa sociedade, pois não é uma fala individual. A fala do deputado federal acima além de mentirosa, ‘deseduca’, reproduz estigmas e estereótipos, uma visão fundamentalista da religião e da história, fere direitos sociais, a dignidade da pessoa humana, as memórias das populações africanas e dos descendentes em diáspora em todo o mundo (GOMES, 2010). Desta forma, o racismo expresso neste discurso cria uma prática multidimensional de coerção cultural, política e econômica com o objetivo de manter uma relativa distância desses assuntos da escola.

Esse cenário apresentado contribui e reforça uma luta por uma perspectiva descolonial do currículo. Assim a descolonização das narrativas sobre a África e sobre os negros é ao mesmo tempo uma necessidade teórica e política.

Desafios para o ensino de uma geografia nova da África

Qual o sentido de estudar uma Geografia Nova da África? Várias respostas poderiam ser elencadas para essa pergunta. Sugerimos algumas como: 1- o combate ao racismo (epistêmico, cultural, institucional, religioso, científico); 2- a compreensão mais ampla e densa da organização espacial das diferentes sociedades em constantes transformações ao longo do tempo; 3- a participação de diferentes grupos “africanos” na formação socioespacial brasileira; 4- outras formas de conhecer, grafar e dar significado ao mundo em que vivemos; 5- a diversidade e a diferença territorial do continente.

Podemos apontar várias justificativas para o ensino de uma Geografia Nova da África. 1ª justificativa de caráter jurídico/político com os PCN’s, legislações municipais, estaduais e a Lei 10.639/03, que afirmam a obrigatoriedade do ensino de África e das culturas negras em diáspora nos bancos escolares. 2ª justificativa de caráter formativo devido ao uso “inadequado” e o desconhecimento sobre esses conteúdos por muitos profissionais da educação. 3a justificativa de caráter intelectual ao compreender o espaço geográfico em sua totalidade e a África como um dos “efeitos colaterais” da construção do espaço do capital.

Neste sentido, Lima (2006a) aponta alguns cuidados importantes no tratamento do tema como: 1- a não romantização e uniformização dos ‘africanos’ e seus descendentes nascidos na Diáspora, pois eram seres diversos e alguns contraditórios, pois algumas sociedades na ‘África’ atuaram como agentes do tráfico; 2- é um equívoco problematizar as culturas Africanas e/ou da diáspora como “manifestações folclóricas” identificadas como atraso, curioso, exótico, de menor valor; 3- é um equívoco buscar origens puras das religiões de matriz africana, ou dos ritmos, danças e brincadeiras, pois muitas dessas manifestações nasceram no entre-lugares (na diáspora).

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Tais perspectivas confrontam-se com as ideias de Negro/África na modernidade-colonialidade. Mbembe (2014) afirma que África e Negro são processos históricos co-produzidos a partir da ideia de raça (uma ficção útil para classificar pessoas e as suas regiões). Para este autor, a modernidade gestou-se a partir de delírios acerca do Negro/África.

O primeiro delírio da modernidade foi que “[...] o Negro ser aquele (ou ainda aquele) que vemos quando nada se vê, que nada compreendemos e, sobretudo, quando nada queremos compreender”. Logo, é uma tábua rasa à espera do projeto civilizatório europeu. Já o segundo delírio da modernidade foi que “[...] ninguém – nem aqueles que inventaram nem os que foram englobados neste nome – desejaria ser um negro ou, na prática, ser tratado como tal” (MBEMBE, 2014: 11). Assim, a ideia de África/Negro nasce marcada por uma biblioteca colonial (MUDIMBE, 2013) e um poço de alucinações (MBEMBE, 2014). Logo representam o princípio ativo do mal; seres instintivos e animalescos; a estética da feiura; seres e “lugares” homogêneos; e um repertório limitado de destino e possibilidades. São populações desumanizadas. Para Hegel, a

África é, em geral, uma terra fechada, e mantém este seu caráter fundamental [...] Entre os negros é, com efeito, característico o fato de que sua consciência não tenha chegado ainda à intuição de nenhuma objetividade, como, por exemplo, Deus, a lei, na qual o homem está em relação com sua vontade e tem a intuição de sua essência [...] é um homem bruto’. [...] Este modo de ser dos africanos explica porque que seja tão extraordinariamente fácil fanatizá-los. O reino do Espírito é entre eles tão pobre e o Espírito tão intenso ... que uma representação que se lhes inculque basta para impulsioná-los a não respeitar nada, a destroçar tudo ... África ... não tem propriamente história. Por isso abandonamos a África para não mencioná-la jamais. Não é parte do mundo histórico; não apresenta um movimento nem um desenvolvimento histórico ... O que entendemos propriamente por África é algo isolado e sem história, sumida por completo no espírito natural, e que só pode mencionar-se aqui no umbral da história universal (HEGEL apud DUSSEL, 1995, p. 15-17).

QUADRO 1 – A Divisão da Sociedade na Modernidade. Fonte: VIEIRA, 2015.

A linha abismal, que classifica as populações humanas, apresentada por Vieira (2015) acima é concomitantemente uma classificação espacial das sociedades em que a África estaria abaixo desta linha. Sugerimos, mesmo sabendo dos limites da nossa proposta, algumas possibilidades metodológicas para o ensino descolonial de uma Geografia Nova da África. Apontamos a necessidade de uma nova periodização geográfica; avaliar as múltiplas experiências territoriais; compreender como foi inventada essa região, exemplificar algumas redes regionais na sua história; a criação de africanidades como transterritorialidades e os processos de regionalização.

A Periodização Geográfica

Colocar em questão uma periodização geográfica que rompa legados eurocêntricos no ensino de Geografia da África nos convoca imaginar distintas dimensões espaço-temporais para o estudo deste vasto e complexo continente. Os recortes descoloniais do tempo a partir da leitura espacial das sociedades colocam para análise: Quais os espaços e grupos sociais foram negligenciados? Quais os enquadramentos e as escalas pertinentes na leitura descolonial de mundo? Aonde tal periodização tem pertinência? Qual é lócus de enunciação de quem define a periodização?

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A periodização que divide o tempo em Idade Antiga ou Antiguidade, Idade Média ou Medievo, Idade Moderna ou Modernidade e Idade Contemporânea ou Pós-Moderna não serve adequadamente para compreender o mundo como um todo e sim uma pequena região, a Europa. São recortes de tempo insuficiente para compreender a África (GRATALOUP, 2006). É importante termos o cuidado de não (re)produzirmos um enquadramento cronológico das diferentes regiões do mundo reduzido ao particularismo europeu (Idem).

Portando, até o início de um nível mundial, a partir do século XVI, só existe periodizações num âmbito espacial limitado. [...] Os recortes espaciais só tem pertinência no âmbito de limites cronológicos particulares – e reciprocamente. Pensar ou classificar permanente sendo sempre uma tarefa delicada (Ibidem: 35)

Periodizar é produzir nomeações dentro de uma grade espaço-temporal que possuem algum grau de sincronia. Grataloup (Idem) aponta que usar da dinâmica ambiental para construir essa sincronia entre os lugares é problemático, pois caminha por uma linha tênue do determinismo. Há estudiosos que restituem uma dimensão geológica no estudo espaço-temporal da África remontando o contexto da pangeia, isto é, quando os continentes em todo o mundo eram unidos. Esses estudos têm sido utilizados para apontar conexões entre a África e a América do Sul para apontar algumas semelhanças que ainda hoje existem no quadro geológico e pedológico que permitiram aos povos escravizados, no processo de reterritorialização, encontrassem pequenas semelhanças na paisagem natural dos locais de onde foram sequestrados. Esses estudos têm buscado ressaltar algumas semelhanças nas produções materiais dos povos afrodescendentes nas “Américas”, pois os materiais encontrados eram parecidos.

Outra perspectiva dos estudos acerca da periodização que tem sido utilizada nas leituras espaço-temporais deste continente é dos tempos socialmente inscritos nas paisagens das primeiras sociedades. Moore (2005) irá propor uma perspectiva marcada por uma influência braudeliana que buscamos fazer algumas adaptações. Essa periodização apesar da sua natureza historiográfica tem intensas implicações geográficas. Moore (Idem) expressa a pobreza das periodizações acerca da África que se limitam a falar apenas do tráfico de escravizados, o imperialismo e os conflitos pós-independências. Esse tipo de leitura ideologizada coloca a multiplicidade de povos africanos como vítimas. Lembremos que a experiência da escravidão ocorreu em várias sociedades em todo o planeta e a fome no mundo não se concentra na África.

Estudos sobre a perspectiva espaço-temporal inscrita em perfis de solo permitiram que os arqueólogos pudessem comprovar que a África é o berço da humanidade em todas as suas configurações, tanto antiga (homo habilis, homo erectus, homo neanderthalensis) como moderna (homo sapiens sapiens) (MOORE, 2005). Vestígios fósseis dessas espécies foram encontrados especialmente na região no entorno do lago Turkana e do Rift Valley (no atual Quênia e Uganda). Desta forma, os primeiros gêneros de vida, o processo de hominização e a criação do meio natural das primeiras sociedades aí se constituíram, assim como sistemas técnicos formaram a gênese e o desenvolvimento das primeiras sociedades. Assim a África foi o centro das primeiras civilizações agro-sedentárias e agro-burocráticas (Idem). Esses primeiros sistemas técnicos desenvolvidos permitiram a migração e o povoamento do continente. Essa humanidade antiga irá criar distintos meio geográficos no continente, mas, ainda, sob influência da dinâmica da primeira natureza. A observação, experimentação e seletividade dos elementos da natureza e dos ambientes permitiram tanto a sedentarização e a criação de assentamentos agrícolas poderosos de algumas sociedades quanto os êxodos do continente e subsequente povoamento do planeta. Vários itinerários migratórios foram construídos a partir de ensaios e erros na busca de ambientes que pudessem satisfazer a necessidades desses grupos nômades.

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Portanto, as atuais diferenças morfo-fenotípicas entre as populações humanas – as chamadas ‘raças’ – são um fenômeno recente na história da humanidade (presumivelmente do final do paleolítico superior, 25 mil a.C. – 10 mil a.C.) e a ciência já descartou como anti-científica a idéia de que o morfo-fenótipo possa incidir de algum modo nos processos intelectuais de socialização ou de aquisição/aprimoramento de conhecimento (Ibidem: 136).

Portanto, a África é um local no planeta onde surgiram as primeiras instituições políticas da história. Desta forma, foi palco também de tensões entre povos que buscavam a hegemonia territorial. Foram inúmeros exemplos, como o expansionismo intra-africano desde a antiguidade nubio-egípcia até a contemporaneidade. Moore (2005) ressalta também as invasões do exterior, desta forma, os intercâmbios conflituoso com povos de diferentes lugares expressas na conquista e colonização árabe da África setentrional gestando a diáspora esquecida (falaremos a frente) e os tráficos negreiros intra-continentais e transoceânicos, ou seja, o violento processo de des-reterritorialização inaugurador do mundo globalizado. Neste sentido, essas diásporas produziram processos de desintegração de espaços sócio-históricos constituídos e, consequentemente, os processos de regressão social. Todavia, é importante ressaltar as resistências e os outros projetos territoriais silenciados pelo eurocentrismo. Uma forma de resistência também foi o retorno. Vários povos conseguiram retornar. Lima (2008) aponta que o retorno dos escravizados da ‘América’ para ‘África’ aconteceu de várias formas. 1- prêmio de guerra ao lutar junto com os colonizadores; 2- deportação para afastar indivíduos ‘perigosos’, lideranças ou articuladores de revoltas; 3- alforrias condicionadas à deportação; 4- enviar para bem longe ex-escravizados libertos que circulavam livremente nas cidades e eram considerados indesejáveis. Hoje, em vários países, como a Nigéria, Libéria, Togo, Gana e o Benin, muitos desses antigos descendentes de escravizados que retornaram mantêm algumas tradições dos seus antepassados em várias comunidades como os Agudás e Tabons.

O papel das Geledés, da rainha Nzinga Mandi, as revoltas contra as escravização, os conflitos nos navios negreiros e a insubordinação dos cativos modificam a forma de demarcar períodos históricos acerca deste vasto continente.

O imperialismo não só inscreveu uma geo-grafia, mas também redirecionou a organização espacial das sociedades africanas. Há que se reescrever as histórias/geografias da África no contexto de disputas da hegemonia mundial. No período pós-independência, a África tem sido marcada por uma inserção seletiva nos circuitos financeiros globais e regionalismo políticos e econômicos, com grande atuação das grandes corporações globais, os principais potencializadores de conflitos, no continente.

As Múltiplas Experiências Territoriais

As narrativas acerca da África e da diáspora no mundo ocidental inscrevem-se numa vontade de poder das representações (MOSCOVICI, 2002) eurocêntricas, que buscam colonizar o passado, as lembranças e as memórias. Assim, repensar a história nos convoca a avaliar as múltiplas experiências territoriais silenciadas e subalternizadas pelo eurocentrismo na África.

Na sociedade brasileira o imaginário colonial sempre se colocou a postos dos agentes usurpadores de memórias emancipadoras em relação à África e à diáspora. Portanto, centenas de cidades e organizações territoriais extremamente complexas foram destruídas pelos colonizadores europeus na África, são substituídas pelo imaginário racista que afirma que são aglomerações simples, isto é, tribais (OLIVA, 2006), sem qualquer desenvolvimento técnico e científico. Oliva (Idem) alerta para o papel político exercido pelo simbólico eurocentrado na subalternização de territorialidades.

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O mesmo alerta serve para a designação das sociedades africanas, que se organizam em estados, como tribais. Tal denominação, encontrada comumente nos meios de comunicação, nas escolas e imaginário social brasileiro, desconsidera um intenso debate acerca da utilização dessa categoria – tribal – pelas Ciências Sociais e Humanas (SOUTHALL, 1997:38-51 e DAVIDSON, 1994:141-145) [...] Sua recorrência sinaliza para uma continuidade das idéias divulgadas pelas teorias que defendiam a suposta inferioridade dos povos africanos perante os europeus, já que tribo aparece na literatura colonialista com o significado oposto ao de civilização. Ou seja, o termo designaria os grupos “selvagens e primitivos”, portanto, inferiores às sociedades ou às civilizações ocidentais. (HENRIQUES, 2004:51-60; APPIAH, 1997:155-192) (OLIVA, 2006:209).

O imaginário colonial que difunde a ideia da África como um continente atrasado e que a maioria da população vive em tribos precárias, habitando cabanas com paredes de barro ou palha silenciam que: 1- estas sociedades historicamente se caracterizaram como sociedades sustentáveis; 2- optaram por esse modo de vida; 3- são a minoria da população na África, e, em alguns países, ela inexiste; 4- silenciam a história colonial do termo tribo criado para desmerecer as organizações territoriais multiétnicas; 5- maior parte da população deste vasto continente vive em modernas cidades que se globalizam e se fragmentam devido a crescentes desigualdades, muito parecidas com cidades no mundo ocidental. Torna-se necessário (re)inscrever as representações espaciais deste vasto continente.

Oliva (2006) lembra aí as leituras eurocentradas sobre as formações políticas africanas. Entendemos essas formações como projetos territoriais que possuem singularidades que nem sempre são visualizadas. Transpõem-se formas de organização territorial europeias para compreender as realidades geo-históricas africanas sem nenhuma mediação e tradução. Oliva (Idem: 208) aponta que “apesar de não existir qualquer interdição veemente com relação ao uso de termos como reino e império para designar às estruturas políticas africanas, é preciso contextualizar o seu emprego para as conjunturas históricas em África”.

De acordo com historiador congolês Elikia M’Bokolo, podemos fazer uso de outras categorias para definir essas estruturas e configurações políticas em África, como, por exemplo, a de “hegemonias políticas”. O conceito empregado nessa definição é muito semelhante ao elaborado pelo antropólogo francês Jean-Loup Amselle, chamado de “sociedades englobantes” (1999: 11-47). Ele envolve a perspectiva de que as relações de poder estabelecidas não se prendiam à questão das fronteiras fixas e da imposição de controle essencialmente centralizado. Os mecanismos das trocas comerciais, o pagamento de tributos, os movimentos de reciprocidade, os graus variados de autonomia e os laços de parentesco poderiam estar envolvidos como variantes chaves dessas formações (M’BOKOLO, 2003:154-162). Dessa maneira, a França de Luís XIV, não era o Mali de Sundiata Keita, assim como o Reino dos Francos não guarda relação de identidade ou de proximidade absoluta com o Reino de Oyo. (OLIVA, 2006:208/209)

Moore (2005), numa crítica direta ao imaginário hegeliano e kantiano que afirmavam que a África não tinha história e civilizações, sugere além da periodização, como falamos anteriormente, que este continente foi marcado por grandes espaços civilizatórios. Sob influência braudeliana, Moore (Idem) apresenta uma análise de longa duração desses espaços civilizatórios “africanos” partindo do período neolítico (10.000 a.C). Eles seriam: Núbio-egípcio-kushita; Etíope-somálio-axumita; Ugando-ruando-burundês; Tanzano-queniano-zairiano; Zimbábuo-moçambicano; Botswano-azaniano; Madagasco-comoriense; Namíbio-zambiano; Congo-angolano; Nígero-camaronês; Ganeano-burkino-marfinense; Senegalo-guineo-maliense; Mauritano-saeliano; Marroco-numídio-cartaginês; Chado-líbio. Percebemos neste exemplo que esses espaços civilizatórios comportavam múltiplas experiências territoriais (sociedades englobantes, nos termos de Jean-Loup Amselle, apontado por Oliva (2006) acima.

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Durante a construção do sistema-mundo moderno-colonial os sistemas territoriais na África foram intensamente alterados pelo projeto colonial. A África no período pós-independência permaneceu com restos de existências do colonizador criando inúmeros obstáculos, dificuldades de comunicação e uma não identificação de vários povos (MBEMBE, 2008). Um desses restos de existências é o princípio da “intangibilidade das fronteiras” traçadas no contexto colonial e revela uma sobreposição das geo-grafias eurocentradas sobre a região que apresenta hoje um grande desafio para análise territorial do continente. Contudo, Silva (2009: 05) alerta que “as principais fontes de instabilidade política da África, que resultou em conflitos, não se originam na disputa de ‘fronteiras étnicas’, mas nos interesses geopolíticos e geoeconômicos, tanto localizados, como potencializados por interesses estrangeiros”.

A conquista de um ‘nome próprio’ foi também uma forma que muitos países africanos recém-libertos do colonialismo buscaram para produzir um enterro simbólico do imaginário colonial (MBEMBE, 2008). Rodésia torna-se Zimbabwe, Alto Volta torna-se Burkina Faso, Costa do Ouro tornou-se Gana, entre outros. As toponímias passam a ser uma pauta na luta política da descolonialização, na busca da conquista do direito sobre si e sobre o mundo (Idem). Contudo, Mbembe (Ibidem) também ressalta a ambiguidade que essa recuperação possui, especialmente em territorialidade de grupos que atuavam com agentes do tráfico ou de recuperação de antigos nomes de lugares dados pelos colonizadores. As disputas acerca das significações espaciais do real revelam os conflitos ainda muito presentes na territorialização de projetos espaciais da dominação racial. A renomeação dos lugares e a destruição e/ou resignificação de monumentos que representavam a dominação racial convocam a outra escrita da história. “La gestación de una nueva conciencia dependerá, efectivamente, de nuestra capacidad en producir, cada vez, nuevas significaciones” (MBEMBE, 2008).

A Invenção de uma Região

Oliva (2008) aponta que desde a antiguidade europeia existe um mal-estar acerca de como os povos estrangeiros referiram a esse continente. A África é uma construção histórica e geográfica marcada por uma constelação de poder de olhares exteriores. Oliva (Idem) aponta que a parte norte do continente era chamada de Etiópia. Os muçulmanos chamavam de Sudão (terra dos homens negros em Árabe).

[...] a parte centro-meridional da África, a área conhecida hoje como subsaariana, não era citada pelos geógrafos e viajantes do período. De acordo com o filólogo congolês Valentin Mudimbe, para os antigos, o atual norte-africano seria dividido em três partes: a Libya, o Egito e a Aethiopia. A Libya seria a região a oeste das fronteiras do Egito e que se estenderia do litoral Mediterrânico até os limites norte das grandes e intermináveis faixas de areia do Saara. O Egito ligava-se às áreas de domínio faraônico, anterior e contemporâneo ao controle romano, e o Nilo seria seu eixo maior, sua essência definidora. A Aethiopia corresponderia à região ao sul do Egito..

Ainda na Antigüidade outras fórmulas seriam utilizadas para referir-se à África e as suas populações. Como exemplifica Mudimbe, para os romanos, habituados a ver os Outros pelas lentes da política, a “África designaria uma de suas províncias e os africanos, os afri ou africani, seus habitantes”. Assim, uma das possíveis origens do atual termo empregado para denominar ao continente refere-se apenas a uma das áreas de domínio romano, e que, corresponderia a “terceira parte do mundo ao sul do Mediterrâneo, a Líbia”. A cor da pele de suas populações, diferentemente do caso da Aethiopia dos helenos, não participava como elemento central dessa definição. (OLIVA, 2008: 03).

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Nas toponímias da ‘antiguidade’ criada para se referir ao atual continente africano é possível identificar uma intensa e estreita relação entre o continente e a Grécia antiga. Desta forma, derrubam-se vários mitos de que a Grécia antecedeu a ‘África’, especialmente o Egito, em termos civilizatórios, como já apontaram Cheikh Anta Diop, Martin Bernal, Molefi K. Asante, entre outros. “A negação da origem africana da civilização ocidental representa só uma dimensão da teoria ‘científica’ da inferioridade de gente negra e da cultura do racismo” (NASCIMENTO, 1981: 31).

A origem do termo África possui uma dimensão geo-ambiental. Essa marca tem influenciado as formas de percepção do continente até hoje. As leituras deterministas associam a influência climática na construção das ‘sociedades africanas’. Essas leituras serviram a projetos de dominação racistas teológicos que iram associar ao calor a pele escura símbolo do mal.

A Africa do latim referia-se a uma região ensolarada.. De acordo com o historiador burquinense Joseph Ki-Zerbo, para além do termo latino aprica (ensolarado), outra possibilidade explicativa das origens da palavra África poderia ser encontrada também na expressão grega Apriké (isento de frio).

É preciso enfatizar que as obras dos pensadores da Antigüidade teriam uma influência decisiva na forma de se pensar os africanos tanto no medievo europeu como no começo da era moderna. Idéias como o calor intenso e insuportável, as influências causadas pelo clima nas características físicas das sociedades e a crença que abaixo do Equador somente criaturas animalescas poderiam sobreviver, teriam uma participação chave nas explicações dos teólogos e geógrafos medievais e nos viajantes do início da Idade Moderna sobre o continente localizado ao sul da Europa.

É certo afirmar que, próximo ao ano mil – espaço concreto/temporal e mítico/espiritual híbrido –, as referências sobre a Aethiopia se encontravam completamente tangidas pelo imaginário da cristandade. A transposição da Cosmografia Celestial sobre a geografia terrestre, nascida das interpretações teológicas cristãs, articulava-se à difusão da teoria camita sobre as origens das populações negro-africanas. Mais do que isso, associava-se a essas imagens a idéia de que a cor negra representaria a escuridão bíblica ou a maldade em seu estágio demoníaco. Esse conjunto de crenças acabou por reforçar a posição de desprestígio geográfico e cultural que a tradição greco-romana já havia concedido à África, somando, agora, o elemento espiritual (OLIVA, 2008: 04).

Percebemos aí que a questão geo-ambiental (a temperatura) foi usada ideologicamente pela igreja católica em sua geografia do além no estabelecimento do imaginário espiritual do purgatório (LE GOFF, 1995) e do inferno como locais muito quentes. Lembremos que “[...] a África é o continente mais uniformemente quente do planeta” (ANJOS, 2005: 19). Logo, o imaginário cristão usou tais narrativas para demonizar os povos desta região.

[...] nas representações cartográficas dos séculos XIII ao XV, a região norte do continente africano já aparece intitulada de África que, como vimos, é uma nomenclatura latina empregada para referir-se às áreas de domínio político romano. Valentin Mudimbe explica que o “declínio do uso do termo Aethiopia como nome do continente começou com as explorações européias no século XV”. A partir de então outras expressões passaram a ser empregadas para denominar as sociedades e aos próprios territórios africanos. Um grande diferencial nesse caso era o fato de que, na expressão de origem latina o “[...] africano, que é o equivalente a afer, assinala simplesmente a qualquer pessoa do continente, sem importar sua cor. Traduz-se literalmente por africanus [...]” e não por homem de cor negra (OLIVA, 2008: 09/10).

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As críticas apresentadas por Oliva (Idem) referendando também as críticas apontadas por Lima (2006a) revelam as diversas representações socioespaciais estereotipadas e estigmatizadas criadas sob a ‘África’. Na modernidade, a biblioteca colonial estabelece representações de mundo através de discursos de estranhamentos, exotismos, admirações e/ou desqualificações acerca dos ‘outros’.

Com as navegações européias ao longo dos séculos XV e XVI encontramos, na literatura de língua portuguesa, o termo guinéus (“homens de cor negra”) para referir-se aos africanos negros da costa da África Ocidental, e, Guiné, para denominar à área como um todo. Em outros textos, como revela Mudimbe, empregava-se a expressão Nigritia para descrever toda a África. Este termo, originado da palavra latina niger, era de domínio dos geógrafos antigos e corresponderia ao termo grego melas, ou seja, “homem com a cara queimada pelo sol”. Já os muçulmanos chamavam a área de Bilad es-Sudam, ou o “País dos Negros” . O importante é que, a partir do século XV, com o desbravar gradual do Atlântico, ocorreria um acentuado aumento dos relatos fantásticos acerca do continente “negro”. Os temores sobre o Mar Oceano e o imaginário dos navegantes iriam, de forma intensa, acentuar as leituras depreciativas acerca da Africa. (OLIVA, 2008: 10).

O eurocentramento do mundo a partir do século XVI se articulou com as heranças do referencial teológico católico do medievo, referenciais científicos passam a ser codificados e hegemonizados pela escrita silenciando o vastíssimo conhecimento das tradições orais como fazia os diélis (mais conhecidos com a denominação francesa griots, os contadores de histórias que viviam na África Ocidental). A escravização para a ‘América’ destituía de qualquer humanidade os escravizados sendo identificados como peças da Guiné. Isto é, além do genocídio provocado pela escravidão (NASCIMENTO, 1978) tentou-se também um epistemicídio. A oralidade dos griots expressava uma dimensão do conhecimento mais horizontalizada, onde todos têm acesso e compartilham de forma mais igualitária o modo e a lógica do conhecimento. O conhecimento dos griots informa uma importante dimensão do conhecimento produzido como narrativa que vem sendo revigorado atualmente por diversos movimentos sociais.

Mas a idéia de uma África como terra de todos, e de uma identidade africana, foi surgindo articulada às formas de reinvenção de identidades, característica dos oitocentos, originando-se nesse momento específico da relação com a sociedade dominante.
Da mesma forma, sabemos que, na luta pela libertação do jugo colonial na África do século XX, foi fundamental a criação de vertentes ideológicas que ressaltassem os aspectos comuns, como as idéias de negritude, de pan-africanismo, entre outras. Todas essas idéias tiveram um papel na História: o de negar os discursos dos colonizadores e de forjar integrações necessárias. Mas não eram verdades absolutas. Aqueles que as tomaram como verdades sem matizes logo se sentiram derrotados quando viram que pertencer ao continente como nativo não os fazia necessariamente irmãos uns dos outros.

[...] No entanto, não há que se perder de vista os aspectos comuns, dentro de uma visão de totalidade, abrangendo amplas regiões da África. Podemos falar, sim, de grandes aspectos, de histórias compartilhadas, de longos tempos de interações e trocas. Regionalmente, em grandes áreas geoculturais e lingüísticas, isso foi e é perceptível. (LIMA, 2006b: 44).

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Vemos como as representações interferem nas formas de compreender espacialmente o mundo. Na história da modernidade, tanto as representações quanto as memórias dominantes buscaram constituir e certificar verdades históricas. Assim, questionar tais ideias é também questionar a moderna-colonialidade e o processo de invisibilização de outras trajetórias.

As Redes Regionais

A relação da África com outras regiões é uma marca milenar. Lembremos novamente que neste continente teria surgido a espécie humana e daí se iniciou o processo de povoamento do planeta. Ou seja, tanto trocas materiais quanto simbólicas foram exportadas quanto importadas para a África. Assim, pensar em redes regionais nos coloca um alerta metodológico-político sobre o caro debate sobre autenticidade.

A articulação regional se dá em diferentes esferas sociais que vão da econômica-política, a funcional e simbólico-cultural (HAESBERT, 2010). Na África, a criação de laços entre as regiões aconteceu tanto numa dimensão interna (vide a expansão do tronco linguístico banto) quanto externa (vide as diásporas enquanto redes regionais de opressão ou pan-africanismo, enquanto rede política regional contra-hegemônica). É importante ressaltar que a dinâmica interna e externa das redes regionais marcou a história do continente. Usamos apenas a expansão banta, as diásporas e o pan-africanismo como exemplos.

No início da Era Cristã, os povos de língua banta que se encontravam no entorno da região conhecida hoje como planalto de Bauchi (atual Camarões e Nigéria) passaram, a partir de um conhecimento adquirido com o domínio de sistemas técnicos de fundição de metais (metalurgia) e da agricultura, especialmente o cultivo de inhame e banana procedentes do sudeste da Ásia (ANJOS, 2005), expandir para o sul do continente. Estes fatores proporcionaram uma melhor organização social e política destas distintas sociedades falantes de língua banto, criando uma rede regional histórica que marcou quase toda a África abaixo do Saara por mais de mil anos.

Outras redes regionais foram desenhadas também no passado. Para fora do continente podemos falar das diásporas. Entre o século IX e XV foram escravizados em direção à península arábica e a Ásia milhões de ‘africanos’ (MOORE, 2008) diretamente articulados a difusão do islã para essa região. Para Demant (2004), os escravizados na cultura mulçumana preenchiam três funções básicas. Empregados como guardiões e soldados para proteger os sultões. Muitos escravizados obtiveram grande poder político, inclusive protagonistas em algumas dinastias, quando foram alforriados. A segunda função dos escravizados na cultura muçulmana era o dos escravos domésticos, servindo no harém nas casas abastadas. Uma posição tida de confiança e responsável pela manutenção da ordem familiar e social. Já a terceira função era preenchida exclusivamente por escravas “unicamente ao prazer sexual do homem, num concubinato indicado por juristas islâmicos como alternativa ao vício” (DEMANT. 2004: 147).

Demant (Idem) afirma que “os descendentes de tais laços eram muitas vezes alforriados e contribuíram para o processo de mestiçagem no Oriente Médio”. Moore (2008) aponta que os eixos territoriais do tráfico articulando as regiões eram: Kanen-Bornou e o Cairo; Cairo-Sudão; Zanzibar e Omam até a Arábia; Sudão Ocidental e Península Ibérica (quando os árabes dominaram a Península Ibérica a partir do século VIII).

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Os descendentes desses tráficos esquecidos se encontram hoje espalhados em todo o Oriente Médio, na Turquia, no Irã, no Paquistão, no Afeganistão, na Índia e no Sri-Lanka (JAYASURIYA & PANKHURST, 2003). [...] Na Índia existem atualmente as comunidades descendentes desses primeiros tráficos – os Siddis ou Habshis –, que se encontram hoje, em praticamente todas as partes do país [...].

No século IX, sob a dinastia Abássida, com sede em Bagdá (Iraque), ocorreram as primeiras revoltas e insurreições negras da história. As repetidas insurreições das populações afro-árabes, denominadas Zang, faziam tremer as elites do Império Árabe. O maior movimento de revolta por parte dos escravizados de qualquer época aconteceu em 967 d.C. e durou até 980 d.C., quando os escravos afro-árabes (Zang) do sul do Iraque se organizaram e criaram um Estado independente dos Zang, sob o comando de Ali Muhamed, dirigente religioso de origem árabe, que se identificou com a causa dos revoltosos negros. Cabe a Ali Muhamed, homem místico de raça branca, o grande mérito de ter se erguido contra o Império Abássida, colocando-se à frente da maior das empreitadas realizadas por escravos na história antes da Revolução de Haiti, em 1804. (MOORE, 2008: 14/15).

No contexto de invenção do sistema-mundo moderno colonial no século XV/XVI até a segunda metade do século XIX foram os povos da Europa Ocidental que protagonizaram o controle do tráfico de escravizados, através do Oceano Atlântico, só que agora tendo a raça como padrão de poder que justificava a captura e o sequestro violento para o trabalho forçado nas “Américas”. A abertura dos litorais atlânticos criada pelas rotas de traficantes a partir do século XV/XVI para o trabalho forçado nas ‘Américas’ teve efeito profundo sobre a ‘África’, mesmo com a diminuta presença humana europeia nas franjas do continente até o final do século XIX. As redes que se estabeleceram promoveram a “difusão de plantas americanas, como a mandioca e o milho, que alteraram substancialmente a dieta de numerosas populações. Pela introdução de armas de fogo. Pelo surgimento de nova e crescente demanda por escravos, mais dinâmica do que as do Magrebe, do Oriente Médio e do Índico” (COSTA E SILVA, 1994: 24). Uma tensão de territorialidades se estabeleceu no controle do continente que se chamou de África entre a Europa Cristã e o mundo muçulmano. As redes de caravana de base islâmica que atravessava o Saara desde o século IX da era Cristã até o sul do continente frente à rede de caravelas de base cristã católica a partir do século XV, que tinha como centro a escravidão racial e atlantização deste comércio (COSTA E SILVA, 1994). A rede regional de mais de cinco séculos de base islâmica foi se dissolvendo com os circuitos comerciais transatlânticos a partir do século XV/XVI (BRAUDEL, 1996).

Com a escravização feita pelos europeus de diversos povos da ‘África’ uma mudança sem precedentes se desenvolveu. Esse processo de des-reterritorialização transcontinental expressa um dos eventos inaugurais do processo de globalização. Encontros/confrontos entre ‘regiões’ e a criação de uma ‘África’ multicultural, fragmentada, multiétnica e multiterritorial com as diásporas. Ademais, o interesse no vastíssimo conhecimentos dos povos da ‘África’ era um elemento central para o projeto colonial já que eram bons agricultores, ferreiros e mineradores (ANJOS, 2005) conhecimentos centrais para o projeto colonial. As disputas pelo controle deste lucrativo mercado de pessoas acentuaram as tendências de diferenciação social e dispersão política no continente (MATTOS & GRINBERG, 2003). Onde ocorreu escravidão sempre existiu resistência. Do sequestro na ‘África’ aos navios negreiros pelo Atlântico ou no trabalho forçado nas ‘Américas’, através do suicídio (banzo), fugas, aquilombamentos, assaltos às fazendas, revoltas individuais e coletivas, negociações e insurreições (AZEVEDO, 2004).

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No século XX, as redes regionais que se estabeleceram tinham outra natureza. Em verdade, redes que tinham a região como base para luta política. O pan-africanismo, ao buscar uma coesão político-simbólico da unidade regional na África e conexões na diáspora com grupos progressistas, apresenta o nacionalismo africano como base para autonomia territorial e solidariedade política com todo o continente dominado pelo imperialismo. “O nacionalismo africano e afro-americano está inextricavelmente ligado ao pan-africanismo” (NASCIMENTO, 1981: 33). Parada et al (2013) afirma que os militantes do pan-africanismo e os poetas da negritude se apropriaram e recriaram ideias de outros continentes para construir teorias sobre a África no contexto de luta pela descolonização. Os pan-africanistas modificaram o sentido do deslocamento africano criado pelas diásporas. O centro do deslocamento agora era visando à formação educacional na Europa e EUA para uso na sua terra natal e articulações políticas na metrópole. Uma nova ‘diáspora’ da diáspora de estudantes africanos e do Caribe, especialmente encontrando-se nos centros de poder. Parada et al (2013) afirma que essa diáspora sofreria influência do Pan-Africanismo e vice-versa. Essas redes regionais pan-africanistas se reforçaram no contexto pós-independência como forma de solidariedade da luta antirracista em diferentes contextos espaço-temporais.

Atualmente, redes regionais têm se estabelecido com os fluxos migratórios que renova os laços entre regiões, agora não só pela identidade cultural, mas, também, pela modernização capitalista via redes sociais e programas televisivos. No trecho da música Eu sou de lá do grupo Dois Africanos podemos verificar a renovação dos valores pan-africanista e os seus laços regionais. Assim a música nos diz: “Eu sou de lá, sou da África / Sou filho de lá, filho da África / Cada sonho tem um preço / O meu me fez deixar minha terra, o meu lindo reino”. O trecho da música expressa a história de dois africanos que vieram estudar no Brasil. Esses jovens, um do Togo e outro do Benin, trazem com eles restos de existência de suas terras natais. No entanto, se descobrem no Brasil como africanos. Isto é, não são vistos na sua singularidade nacional (imigrantes angolanos, moçambicanos, congoleses, cabo-verdianos, togoleses, benienses, entre outros) tanto fruto de turismo (em menor escala), capacitação para estudos (graduação e pós-graduação) quanto exilados e refugiados de conflitos sociais, mas são percebidos pela sua particularidade regional (africanos). Essa leitura silencia as múltiplas redes e os vínculos socioespaciais com localidades distintas.

O aumento do fluxo de estudantes de diferentes países da África nas últimas décadas, fruto de acordos internacionais do governo brasileiro, tem colocado em questão os laços regionais do Brasil com a África para além da violenta diáspora africana do século XVI-XIX. Contudo, a música referida acima dialoga com os fluxos históricos da violenta diáspora ao politizar identidades afrocentradas e criar um campo de possibilidades para a consciência histórica da ancestralidade negra brasileira. Desta forma, esse “Eu sou de lá / Sou da África” coloca a possibilidade de politização das africanicanidades enquanto regionalidades e transterritorialidades.

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Africanidades como Transterritorialidades

Pensar em africanidades significa para os geógrafos memórias inscritas no espaço de heranças tanto nos sistemas de objetos quanto nos sistemas de ações (SANTOS, 2002). Estima-se que para o ‘Novo Mundo’, entre século XVI e XIX, entre 10 a 11 milhões de pessoas foram violentamente retiradas dos seus territórios, escravizadas e levadas para o trabalho forçado. Logo, as africanidades são marcas também de resistências e ‘r-existênicas’. Uma regionalidade percebida fora do continente e transterritorialidades que informam a multiplicidade de ‘Áfricas’ reinscritas nas Américas. Apesar da exploração e espoliação, os escravizados com seu impulso de vida, o brilho de seu espírito, trouxeram

[...] com eles, sua cultura, seus saberes e conhecimentos técnicos também fizeram deles uma força de caráter civilizatório. Os africanos ensinaram aos habitantes do território brasileiro e das Américas escravistas muitas coisas fundamentais para a sobrevivência e o crescimento do chamado “Novo Mundo”. [...] Foram artífices, construtores, cirurgiões-barbeiros, cozinheiras. Foram agricultores que trouxeram plantas novas, que serviram e servem como alimento e remédio, e também introduziram diferentes técnicas de cultivo. Entre esses escravos havia artistas e músicos com novos instrumentos, ritmos e movimentos que encheram nossa terra de cores e sons – que hoje são tão nossos, tão brasileiros. E suas línguas modificaram o português, fizeram dele a língua nacional, levando-o pelo território, introduzindo palavras e tonalidades. E também trouxeram novas maneiras de se comportar nas relações familiares, de se relacionar com o sagrado, novos modos de celebrar e de se ligar aos antepassados, ou seja, posturas diante da vida e da morte. (LIMA, 2006b: 45)

Desta forma, nos distanciamos de uma leitura culturalista desprovida de relações de poder que aponta as africanidades no Brasil para o entretenimento despolitizado. Os lugares de memória (NORA, 1993) de lutas contra a colonização/colonialidade e criação de outras formas de ser e de organizar o espaço inspiradas nas Candaces, rainha Nzinga Mandi, Toussaint L'Overture, Geledés, Zumbi, Chico Rei, Zeferina, Acotirene, Maria Felipa, Luiza Mahin, Aqualtune e outros e outras protagonistas da resistência e ‘r-existência’ negra não povoam o debate da emancipação social e do currículo escolar, entre outras inúmeras memórias apagadas, negligenciadas em campanhas de negação do protagonismo criadas pelo imaginário colonial eurocêntrico. Os esforços hercúleos que a colonialidade busca eliminar os rastros coloniais conformadores de privilégios no presente nas rugosidades do espaço, transformando locais de antigos pelourinhos, valongos, casas grandes e senzalas (lugares de horror e de violências) em turismo étnico despolitizado. As africanidades expressam que o colonialismo terminou, mas a colonialidade persiste e insiste (QUIJANO, 2000) na assumida não reconciliação com o passado e a negação de qualquer tipo de reparação a história.

Assim, o papel da memória espaciais da diáspora no ensino descolonial e afrocêntrico de Geografia da África e da diáspora evoca não só o passado, mas, também, princípio ético-políticos que permitam o alargamento das fronteiras do presente, pois a luta do movimento negro no Brasil tem politizado os lugares de memórias (NORA, 1993) do contexto colonial enquanto o que chamamos de formas espaciais da diáspora. A efervescência política e simbólica engendrada com a Lei 10.639/03 e várias legislações antirracistas no país se expressa nas insurgências de saberes diaspóricos que desvelam e produzem novas narrativas acerca da África e (re)inventam memórias. Assim, propomos tanto uma perspectiva crítica afrocentrada quanto corretiva da leitura de África e da diáspora dando outros sentidos e apresentando outras trajetórias da existência das africanidades.

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A afrocentricidade permite que os africanos deslocados - removidos ou desenraizados de seu território cultural e afastados da teoria e das tradições africanas – se relocalizem, ou seja, retomem a humanidade, a história e a herança que lhes foram negadas, reapropriando-se delas. Como crítica, a afrocentricidade localiza os elementos antiafricanos e anti-humanos do pensamento e da prática particulares que se apresentam como ‘a religião’, ‘a ciência’, ‘a arte’ ou até ‘a tradição antiga’. Examinando-os contra o pano de fundo da epistemologia e da experiência históricas e culturais africanas, oferece uma alternativa ética igualitária ao impulso imperial. Ademais, como corretivo, a afroncenticidade realoca e recentraliza, fornecendo tanto aos seus adeptos quanto aos ‘sujeitos’ (por oposição a ‘objetos’) sob exame e/ou questionamento bases mútuas e morais sobre as quais se podem engajar criticamente e estabelecer um intercâmbio dialético uns com os outros. Os afrocentristas interpelam as dicotomias científicas ocidentais: mente versus corpo; eu versus outro; cientista social como sujeito versus pessoa, lugar ou fenômeno sob investigação ‘científica’ como objeto. Os afrocentristas julgam problemática a ‘abordagem desinteressada’ que pretensamente permite a ‘objetividade’ científica porque não questiona – ou, na linguagem dos afrocentristas, não localiza – as raízes racistas do empreendimento científico ocidental (ASANTE, 1990, 1992, 2000a; OUTLAW, 1996, 2003). (RABAKA, 2009: 134/135)

Desta forma, a (re)leitura das memórias, heranças, projetos, inscrições e trajetórias da diáspora que aqui construímos foram corporificada no/com e a partir do espaço. Isto é, uma busca de enredar as histórias, os hábitos, costumes, cotidianos, paisagens perdidas por povos sequestrados, escravizadas e levados nus nos navios negreiros para o trabalho forçado nas “Américas” que se reterritorizaram e rescreveram suas trajetórias a partir de lutas por autonomia de suas memórias. “Eu sou por que nós somos”, como diria a ética ubuntu, isto é, são histórias de coletividades que definem o que somos e que caminhos escolhemos. Estudos têm demonstrado que as africanidades buscavam transpor formas espaciais das sociedades perdidas em África traduzindo as novas realidades. Waldman (2012) afirma que os Baobás constituem um marcador social, indissociável da comunidade aldeã e dos seus dinamismos na África Tradicional que entendemos como expressão dessas africanidades, pois se constituíram como símbolos identitários apropriados da natureza como memória dos saberes étnico-botânicos reinscritos com a diáspora.

O baobá passou a ser utilizado pelo movimento negro brasileiro como símbolo político da transposição de elementos das paisagens ‘naturais’ feitas pelos povos escravizados em seu processo de reterritorialização, já que não é uma árvore brasileira, e foi trazida na diáspora. Rompe-se assim com a perspectiva passiva e voltada apenas para a dinâmica do trabalho das populações escravizadas. Percebemos aí um movimento de descolonização da paisagem natural ao romper com as sucessivas separações gestadas pelo imaginário colonial eurocêntrico.

O mundo ocidental, ao trabalhar paradigmas de natureza em estado puro ou original – e nesta linha de raciocínio, “congelando” contextos ecológicos ao abstraí-los de sua historicidade – declinou da preocupação de analisar os processos específicos de artificialização da paisagem encetados pelas demais civilizações. Esta postura respaldou, no caso africano, interpretações que enquadraram a totalidade do continente enquanto um “domínio natural” carente de intervenção humana e, por extensão, na categorização das suas populações como incultas, atrasadas e selvagens (cf. WALDMAN, 2010, 2009, 2008, 2006 e 2003).

Todavia, é importante advertir para a existência de um longo, árduo e persistente trabalho de esculturação da paisagem por parte das sociedades tradicionais africanas (WALDMAN, 2012: 226).

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A leitura eurocentrada da paisagem, além de racionalizar o seu entendimento, produz sucessivas separações rivalizando o sacro X profano (matriz religiosa); a sociedade X natureza (matriz civilizatória); a razão X emoção; (matriz científica). Compreender outras matrizes científicas, religiosas e civilizatórias nos fornece subsídios para a compreensão das africanidades inscritas/produtoras de paisagens rompendo com essas dicotomias. O baobá inscrito na diáspora, além de dar dimensão social à natureza, rompe com a lógica cartesiana de razão separada da emoção; passado do presente, a sociedade da natureza, o sagrado do profano, pois cria além de um giro descolonial, gesta um giro ontológico, já que sua permanência espaço-temporal, por várias gerações, incide sobre ele um repositório de experiência ancestrais (WALDMAN, 2012) do ser-estar no, com e através do mundo. Desta forma,

Mas, os atrativos da árvore não se resumem às suas características naturais. Aspectos práticos contribuem com generoso quinhão de deleites. A árvore é fonte de alimento: as folhas podem ser consumidas na forma de cozidos, saladas ou como tempero (picadas ou em pó); o fruto agridoce – conhecido como múkua em Angola – é rico em vitamina C (seis vezes mais que as laranjas) e em cálcio (duas vezes mais do que o leite de vaca); com as sementes secas, se faz um substancioso mingau; quando torradas, se transformam em tira-gosto.

Para completar, sabe-se que a madeira do Baobá é excelente para fabricar instrumentos musicais; do seu cerne, se obtém fibra fortíssima, com a qual se tecem cordas e linhas; em Angola e Moçambique, hábeis carpinteiros ampliam as fendas do seu tronco para criar cisternas comunitárias; enfim, a árvore fornece sombra, óleo vegetal, remédios, celulose, cabaças e corantes. [...]

Aliados às suas benesses naturais, somam-se muitos valores sociais. Fato quase alegórico, em milhares de aldeias disseminadas por toda a África, a Adansônia irrompe no centro da povoação, revelando o papel que lhe é conferido pela sociedade. Seria o caso de fazer uso da máxima do geógrafo Milton Santos, pela qual estamos diante de um fixo a magnetizar fluxos do dinamismo social (SANTOS, 1998, 1988 e 1978).

Conferindo: sob a copa do Baobá se reúne o conselho dos anciãos, atuam os contadores de história, as pessoas fofocam e os namorados se encontram. A árvore é o palco de acertos e desacertos, onde as pessoas se unem e se separam. Seja lá o que for, o Baobá testemunha tudo o que de importante acontece na aldeia. Cenário por excelência dos eventos marcantes da comunidade, o Baobá se torna eixo da vida social. Exatamente por isso ele é, acima de tudo, a árvore da aldeia.

Dignificados enquanto marco identitário, os Baobás confirmam um mandato repassado por gerações que habitam o reino dos antepassados, ciosamente resguardado em nome da tradição. Assim, bem mais do que uma árvore, o Baobá é, por excelência, o guardião de sentidos e significados endossados pelos povos da África, pelas suas sociedades e culturas, seus modos de ser, suas aspirações, expectativas de vida e religiosidade. (Idem: 224/225)

Tuan (1980) traz um saber geopolítico inscrito no arranjo espacial dos baobás na África, isto é, a localização/distribuição que tem sido ressaltado pelo movimento negro como um saber espacial estratégico transposto e usados na luta contra a escravidão. Para Tuan (Idem: 90)

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A porção do deserto do Calaari em que vivem os bosquímanos Gikwe não apenas é árida como desprovida de marcos visuais, exceto pelos baobás, e mesmo estes crescem um longe do outro; algumas áreas não têm nenhum. Para os bosquímanos o deserto não é sem atrativo e vazio. Eles têm um conhecimento extraordinariamente detalhado de sua área de andanças, que para cada grupo de cerca de vinte pessoas pode atingir uma extensão de várias centenas de quilômetros quadrados. Dentro de seu próprio território os bosquímanos "conhecem cada arbusto e pedra, cada ondulação do terreno e geralmente dão um nome para cada lugar em seu território, onde certos tipos de alimentos da savana podem crescer, mesmo que esse lugar tenha apenas alguns metros de diâmetro, ou onde há somente uma mancha de altos juncos ou uma árvore oca com enxame de abelhas e deste modo cada grupo de pessoas conhece várias centenas de lugares pelo nome".

Por sempre serem escolhas, retenções de dadas percepções e experiências, toda a memória é uma construção e reconstrução de acontecimentos passados (HALBWACHS, 1990). Logo, a memória não é dada e sim uma construção social (Idem). As africanidades não estão dadas. Elas são (re)construções sociais, geralmente utilizadas com interesses políticos e de conscientização da história de discursos e práticas explícitos e/ou ocultos das diferentes matrizes africanas que aqui se territorializaram. Lima (2006b: 46) ressalta o papel da memória no ensino de África a partir da Lei 10.639/03, mas alerta para alguns cuidados, pois “trata-se de um equilíbrio delicado entre o resgate de uma história que deverá servir para elevar o orgulho de pertencer a ela e a valorização de posturas estreitas que tendem a criar esquemas explicativos maniqueístas”. Os estudos sobre memória, heranças e inscrições das Áfricas, dos africanos e dos descendentes da diáspora nos permitem a compreensão de como as coisas tornaram-se o que são e como fazer para que elas sejam diferentes do que são neste momento. Desta forma, este debate nos convoca a pensar a constelação de poderes inscritos na invenção da ideia de África e das africanidades nas diásporas.

A busca pela desculturalização também tem sido uma forma de negar as africanidades que se inscreveram com a diáspora e reproduzir práticas de poder

A tentativa de transformar o acarajé, bolinho feito com massa de feijão uma das iguarias ofertada à Iansã ou Oyá nos rituais de candomblé em uma comida de orientação gospel reforça bem o fato de estarmos em plena execução de um programa sistemático de extinção das religiões de matrizes africanas e brasileiras tendo como instrumento atos de intolerância religiosa aliado ao imobilismo governamental que de olho nos votos de cabresto dos templos evangélicos não se manifesta ou mesmo como se o povo de santo não. Tal ataque é certo quando vemos que somente aspectos culturais aliados à cultura afro foram transformados em atividades gospel, como: Capoeira Gospel, acarajé de Jesus ou bolinho de jesus, descarrego santo, roupas brancas às sexta-feiras e demais atividades exclusivas da cultura afro. Há ainda também a forçosa votação que transformou a música gospel em atividade cultural possibilitando as grandes produtoras abocanharem uma grande soma de dinheiro que era destinado às atividades culturais tradicionais. [...] Fica uma pergunta aos que julgam que eu sempre vejo intolerância em tudo: "Por que não fizeram o IYaksoba de Jesus? Porque não fizeram a Pizza de Jesus? Porque não fizeram Kravg-Magá Gospel? Porque não fizeram o Kung-Fu e o Judô gospel!? simples eles não são oriundos da cultura afro brasileira. Pense nisso! (ALVES, 2014)

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As práticas culturas afrodescendentes estão sendo desculturalizadas por uma apropriação por via espoliação e extermínio de traços da diáspora por fundamentalismos de base cristã. Estas violências que sofrem as culturas e os afrodescendentes é a marca da contínua colonialidade que progressivamente busca eliminar a pluralidade de experiências sociais por meio de interações reguladas racistas que buscam romper com a ancestralidade. Vemos aí um tipo de racismo por extermínio. Essas falas revelam que as representações envolvem preparação para ação, na medida que guiam comportamentos, e, sobretudo, remodelam e reconstituem elementos do meio em que o comportamento deve ter lugar (MOSCOVICI, 2002).

A presença africana enquanto ‘lugar do reprimido’, tem sido reinventada com a intenção de se criar uma nova narrativa sobre os negros, que se posiciona, dentre outras coisas, como opositiva ao discurso que construiu um Brasil ‘harmoniosamente mestiço’. Com a transnacionalização de elementos culturais diversos, o mercado de bens simbólicos tornados disponíveis criou comunidades hermenêuticas em todo o mundo a partir de elementos dessa presença africana, permitindo que se constituam atos narrativos a partir da vivência desses símbolos. A África é a mais poderosa destas metáforas (Hall, 1996). A história da presença africana no Brasil nos revela que os afrodescendentes sempre se valeram de táticas variadas para definirem suas identidades e garantir um mundo autônomo e vivo de cultura para si próprios. (PINHO, 2004: 171).

A identidade se coloca como um elemento central mais na diáspora do que na própria África, pois se constitui como elemento simbólico para ação política. O radical afro demonstra um reconhecimento político-cultural de culturas políticas inscritas nas relações sociais de poder. Ademais, o radical afro também funciona como um signo de ancestralidade e uma prática contra-hegemônica que (re)inventa tradições pois, com a dominação eurocêntrica “as palavras deixam de ter memória” (MBEMBE, 2014: 30) e as práticas sociais deixam de ter significado. Logo, as identidades afro envolvem uma consciência de si, para si e para os outros. Ou seja, uma unidade da diversidade de povos da diáspora que resignificam suas trajetórias. Essa consciência não é dada. Elas são historicamente construídas e espacialmente georreferenciadas por ações políticas em determinados contextos socioespaciais e políticos, portanto, o conceito de identidade é portador de ambiguidades teóricas e políticas não sendo uma ‘coisa em si’, isto é, ele é sempre relacional e portador de inúmeras tensões de poder (HALL, 2004) por expressarem disputas de sentido. O movimento negro, ao politizar as espacialidades da diáspora africana e as inscritas pela dominação racial reafirmando sua historicidade, corporifica significados de toponímias dando novos rumos da identidade em política (MIGNOLO, 2008). Mbembe (2014), estudando o contexto pós-independência africana, aponta que esta preocupação com o nome próprio não se produz sem ambiguidades, pois caminha em direção ao perigoso discurso da busca da autenticidade. Ou seja, a afirmação das formas simbólicas espaciais da diáspora tem uma forte conotação política que reafirme a diáspora.

As africanidades inscritas na diáspora trazem estilos de existências que revelam políticas com os corpos que remetem a uma ancestralidade africana. São corporeidades dissonantes que reconstrói memórias, tradições e a historicidades dos objetos técnicos (indumentária e adornos), produzindo tanto um essencialismo estratégico (SPIVAK, 2010) quanto geossímbolos inscritos na paisagem de elementos afros. Na história da luta antirracista brasileira, as africanidades se constituíram como formas de resistências que viviam no limite driblando e produzindo contornamentos aos imaginários racistas do colonialismo/colonialidade (HAESBERT, 2014; NOGUEIRA, 2013). Não só transitaram entre diferentes territórios, mas, também, eram performáticas e eram visibilizadas e/ou invisibilizadas, dependendo do contexto político-racial, isto é, produziam discursos ocultos como arte da resistência (SCOTT, 2000). Os códigos ocultos aproveitavam-se do anonimato para dirimir ações fora do alcance da dominação racial, isto é, mecanismos ocultos que dissimulam seus propósitos e, ao mesmo tempo, fazem críticas à dominação em contextos que são impossíveis qualquer ataque frontal (Idem).

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Os Processos de Regionalização

As representações hegemônicas reproduzidas sobre África no mundo Ocidental são marcadas por imagens eurocêntricas negativas que incidem sobre comunidades inteiras silenciando a enorme diversidade territorial deste continente. Rojas (2004) aponta que as formas de representação podem encobrir sutis mecanismos de invisibilização, isto é, um fardo de representações coloniais na construção da análise regional tanto nas ‘realidades das divisões’ quanto nas ‘divisões das realidades’ (BOURDIEU, 1989). Apresentar esta região e os diferentes processos de regionalização significa enfrentar as tensões nas representações (internas e externas) deste complexo continente.

Seguimos aqui o alerta feito por Haesbaert (2010) no entendimento da região não sendo simplesmente concebida nem como ‘fato’ (concreto), um ‘artifício’ (teórico), ou um instrumento de/para a ação, “mas a região como um ‘artefato’, tomada na imbricação entre o fato e artifício e, de certo modo, também, enquanto ferramenta política” (Idem: 109). Para este autor, a região é produto-produtora de distintos processos de: 1- diferenciação espacial tanto diferenças discretas e de grau quanto contínuas de tipo ou natureza; 2- das dinâmicas concomitantes das distintas combinações e intensidades dos processos de globalização-fragmentação; 3- a atuação de diferentes sujeitos em suas lógicas espaciais zonais, reticulares e a ‘i-logica’ dos aglomerados resultantes dos processos de exclusão e precarização territorial; 4- as tensões entre os atores internos e externos. O exemplo apontado por Waldman (2013: 17) é revelador destes processos.

[...] o Saara Ocidental, ex-colônia espanhola ilegalmente ocupada pelo Marrocos desde 1975, vivencia situação sui generis. Embora os marroquinos controlem 80% do território, mantendo em suas mãos a parte do leão das riquezas locais, a maioria dos governos africanos reconhece o direito da população local - os Saarauí - a um país independente. Dito de outro modo, o Saara Ocidental é um Estado de jure, mas que não usufrui existência de facto. Um contencioso até hoje sem solução a vista (BESENYÖ, 2009; WALDMAN et SERRANO, 2007: 103, 112, 244/245).

Aliás, comentar a cartografia política de África também obriga a contestar difuso senso comum pelo qual a presença colonial no continente teria sido erradicada in totum, dela não restando qualquer vestígio. Nada mais incorreto.

Pontualmente subsistem senhorios alienígenas no que comumente são catalogadas como “possessões residuais” do colonialismo. São pequenos atóis, alcantilados, ilhéus, escolhos, bancos de areia, arquipélagos e proeminências costeiras, frações “nanicas” de território nos quais tremulam as bandeiras das velhas metrópoles européias.

Pensar atualmente esta região é lançar-se diante de um emaranhado histórico de relações tensas internas e externas. A história da regionalização da África aponta que ela já foi eurocentricamente utilizada como um dispositivo de saber-poder que reduziu um conjunto heterogêneo de discursos mobilizando uma classificação racial e geoambiental para leitura da região. Esses dispositivos tiveram profundos efeitos nas representações deste continente (HAESBERT, 2010; MOORE, 2005).

Essas representações circunstâncias da região carregadas de eurocentrismo que dividiram a África em Branca e Negra buscavam associar o domínio e busca de hegemonia regional europeia a hegemonia racial. As diferenças de natureza marcante da diversidade territorial de norte a sul do continente foram transformadas em diferenças de grau (desigualdades) para sustentar o racismo (HAESBAERT, 2010). O foco de poder/dominação deste imaginário colonial eurocêntrico foi construir aquilo que Fanon (1983) chamou de complexo de dependência, isto é, um círculo vicioso criado pelos discursos eurocêntrico como fala significante que dá autoridade ou não a fala de outros lugares. Só os brancos tinham autoridade de falar para explicar qualquer desenvolvimento civilizatório na África.

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Apesar da crítica acerca da divisão regional da África em Branca e África Negra ter mais de 30 anos, ainda persiste em muitos materiais didáticos no Brasil esse tipo de leitura racista criada para apagar as experiências civilizatórias dos povos classificados como negros pelos europeus. Segundo o ideal racista desta regionalização, o desenvolvimento civilizatório na África seria o resultado da presença do homem branco. Desta forma, o Egito foi extirpado da África, com grande ajuda do cinema Hollywoodiano. Assim, qualquer desenvolvimento na África Negra era atribuído à influência de algum homem branco no passado. Apesar de inscrições imagéticas nas paredes das pirâmides, as imagens nos documentos encontrados do ‘Egito Antigo’ e nos estudos arqueológicos comprovarem a existência de civilizações classificadas hoje como negras no ‘Egito Antigo’, várias produções brasileiras religiosas cinematográficas e de séries televisivas tem sido feitas pela TV Record, ambientadas no ‘Egito Antigo’, que se negam a apresentar atores negros como os representantes dos governos e protagonizando os modos de vida daquela época e região. Mesmo com intensas críticas do movimento negro brasileiro acerca destas representações alimentarem um racismo epistêmico, cresce o número de produções que (re)produzem um branqueamento geo-histórico da região.

Tributário da visão kantiana e hegeliana acerca da África que mantinha a extirpação do Egito e toda África setentrional dizendo que “esta parte não pertence propriamente a África, senão à Espanha com a qual forma uma concha” (HEGEL, 1928 apud HERNANDEZ, 2008: 20), outra regionalização de base geoambiental foi se desenvolvendo (África Saariana e Subsaariana). Esta regionalização também eurocentrada busca afirmar que ao sul do Saara dominava a selvageria (povos que não produziriam cultura e eram sem ‘vontade racional’). Essas duas Áfricas representavam estágios civilizatórios distintos e se sobrepunham a regionalização racializada África Branca e África Negra.

As críticas a esses modelos de regionalização fizeram com que estes perdessem força no mundo acadêmico, mas não dos círculos escolares. No contexto pós-independência na África, o quadro regional passou a ter uma relação mais estreita com a dinâmica geopolítica (Guerra Fria) e geoeconômica (circuitos financeiros globais). Contudo, tanto conflitos sociais em várias partes da África quanto às tentativas de construção de blocos regionais, a exemplo que estavam sendo gestado na Europa, geraram outros processos de regionalização. Penna Filho (2000) afirma que as formas de integração regional no continente africano nos últimos 50 anos objetivam: 1- reduzir a dependência dos Estados membros em respeito às forças externas; 2- eliminar as sequelas do colonialismo; 3- influenciar as políticas e orientações econômicas dos países africanos; 4- coordenar os programas de desenvolvimento nos diferentes setores e subsetores, com vistas a acelerar o ritmo do crescimento econômico e do desenvolvimento. Contudo, vários problemas no processo de integração regional surgiram como: 1- fracassos na integração nacional (previa condição para integração regional); 2- decomposição política dos estados ungidos por problemas internos; 3- aguda crise financeira e econômica (as políticas impostas pelo exterior); 4- Apego a soberania e micronacionalismos; 5- Proliferação de conflitos com repercussão regional; 6- Debilidade do comércio intra-africano. As consequências espaciais são diretas como: 1- gestão externa dos territórios (em algumas ocasiões) marcada por fortes críticas acerca dos interesses políticos dessas intervenções; 2- fragmentação e autonomia territorial; 3- lutas pela soberania de territórios e regiões; 4- migração forçada e reclusão territorial para outros países e/ou áreas longe dos conflitos; e 5- mudança na composição interna da população dos países com o deslocamento forçados.

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Waldman (2013) aponta que o quadro regional apresentado e endossado pela 26ª Sessão Ordinária do Conselho de Ministros da Organização da Unidade Africana (OUA), em 1976, na cidade de Adis Abeba (sede da organização), aprovou a seguinte regionalização do continente em cinco macroconjuntos que nos círculos escolares brasileiros é pouco debatida: África Central, Oriental, Setentrional, Ocidental e Austral.

Neste início do século XXI ideias pan-africanistas novamente passam a ser ressaltadas na busca de superação de problemas internos a partir da cooperação regional. Assim, o processo de regionalização do continente está passando por processos de mudanças, especialmente a partir da proposta da União Africana em inserir a proposta da Diáspora como sexta região.

1. Nós, da Diáspora, atendemos ao chamado da União Africana, durante as comemorações dos 50 anos da União Africana, no contexto da preparação da Agenda Visão África 2063, para a mobilização e articulação da VI Região Africana;

2. Embora subsistam desafios significativos para a África atingir o seu pleno potencial, ela surge no século 21 como um continente de esperança e oportunidade com base em vastos recursos naturais, diversidade populacional e desenvolvimento institucional significativo;

3. Assistimos a um período de maior reconhecimento da "Identidade Africana" e engajamento entre as e os descendentes de africanos, que levaram a União Africana para designar a Diáspora Africana como a sexta região de África;

4. De acordo com a União Africana, a Diáspora Africana é entendida como povos de origem africana que vivem fora do continente, independentemente da sua cidadania e nacionalidade e que estão dispostos a contribuir para o desenvolvimento do continente e a consolidação da União Africana;

5. Diferentes iniciativas foram desenvolvidas com foco no Panafricanismo, entre as quais as parcerias com organizações regionais, como a Comunidade do Caribe (CARICOM) e da União das Nações Sul-Americanas (Unasul); o diálogo com o Caucus Negro e com o Parlamento Negro das Américas, criado em San José, Costa Rica, em 2005.

Marca deste processo de regionalização, a descontinuidade mostra prerrogativas práticas/política que buscam um reordenamento do espaço a partir da assunção de uma identidade cultural. A proposta de regionalização apresentada pela União Africana, que inclui a diáspora como uma parte (uma região) da África, mostra não somente algumas limitações da análise regional clássica marcada pela ideia de contiguidade, uma meso-escala (entre o local e nacional), síntese de múltiplas dimensões do espaço (do físico ao humano). Mas também, ressalta outros aspectos dessa mesma, como a região como um produto histórico e dotada de certa singularidade (HAESBAERT, 2010). Ademais, a perspectiva dessa nova regionalização não enfatiza inicialmente as diferenças de grau (especialmente no que tange uma articulação sul-sul), mas especialmente uma diferença de natureza (a diáspora) (Idem). Embora saibamos que há um continum entre as diferenças de natureza e de grau, o cultural e o simbólico são priorizados nesta primeira etapa que busca uma nova regionalização. Eis um desafio interessante a ser acompanhado os seus desdobramentos.

Considerações Finais

Buscamos apresentar uma agenda de leitura geográfica da África. Sabemos das possibilidades e limites desta agenda. Lima (2006b: 46) lembra que “não podemos, a despeito da exigência da lei, sair repassando nas nossas salas de aula informações equivocadas, ou tratar o tema de uma maneira folclorizada e idealizada”. Nosso esforço foi construir uma possibilidade metodológica para o ensino de Geografia da África nos bancos escolares. Só o tempo e as críticas dirão se fomos felizes.

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Mesmo depois de mais dez anos da implementação da lei há muita coisa ainda a se fazer. Há um enorme caminho a ser feito, contudo, o trajeto é árduo e cheio de armadilhas políticas, teóricas e metodológicas.


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Este artigo é resultado das críticas e reformações do trabalho publicado anteriormente (OLIVEIRA, 2015).

Apesar de ser o continente com o maior número de Estados Nacionais, a África é ‘confundida’, rotineiramente pelo imaginário colonial, com um país que fala uma única língua e toda a população do continente é negra.

A cartografia do mundo imaginado pelo imaginário teológico católico no período medieval o mundo era dividido em: “Europa” (população descendia de Jafet, primogênito de Noé); “Ásia” (população que descendia dos filhos de Sem, filho de Noé); “África” (população que descendia de Cam, filho de Noé). Os descendentes de Cam seriam punidos e amaldiçoados com a escravidão por ter zombado do pai ao flagrá-lo nu e embriagado. Vemos um imaginário teológico mítico que foi uma das bases para justificar a escravidão racial na era moderna sendo restituído mais de 1000 anos depois.

Vários conflitos com igrejas brasileiras já têm sido gerados, especialmente em Angola, inclusive com intervenção do governo.

Para Moore (Idem: 21) a África poderia ser dividida em vários períodos: “O processo de hominização; o povoamento do continente africano pela humanidade arcaica; os êxodos do continente e o subsequente povoamento do planeta; o processo de migração intra-africana sedentarização e assentamento agrícola; o processo da construção dos primeiros Estados agro-burocráticos da história; as lutas e rivalidades políticas entre povos e nações africanas, os expansionismos intra-africanos desde a antiguidade núbio-egípcia até a contemporaneidade; as invasões do exterior; a conquista e colonização árabe da África setentrional; os tráficos negreiros intra-continentais e transoceânicos; os processos de desintegração de espaços sócio-históricos constituídos e, consequentemente, os processos de regressão social; a conquista e colonização europeia de todo o continente africano; as lutas de libertação e a descolonização da África” .

[...] o fato de que a noção de ‘raça’ não traduz uma realidade biológica não quer dizer que ‘raça’ não exista como construção histórica. [...] ela corresponde não a uma realidade genotípica (biológica), mas sim a um fato socio-histórico baseado numa realidade morfo-fenotípica concreta à qual se deu uma interpretação ideológica e política.

É precipitado pensar que a África sempre existiu enquanto categoria de análise. A África e os Africanos são Invenções Estrangeiras. Lima (2006b: 44) lembra que “[...] a própria idéia de ‘africano’ não existia entre os escravos e li­bertos brasileiros trazidos cativos do continente, antes do século XIX”.

Na mitologia grega, Libya, seria filha de Epaphus, ou Apis o deus-touro na mitologia egípcia, um dos descendentes de Zeus nascido no Egito. Por sua vez, Libya, teria gerado Belus que por sua vez gerou o Egito e a Núbia. Cf. GOLDENBERG, David. The Curse of Ham: race and slavery in early Judaism, Christianity, and islam. Princeton: Princeton University Press, 2003, p. 172.

Sabe-se que o termo utilizado para denominar a região nasceu de uma derivação da palavra grega Aethiops, nome que na mitologia greco-romana pertence ao filho do deus Vulcano, e que passou a designar os “homens de pele escura”. Assim sendo, Aethiopia, seria a “terra ou país dos homens escuros”. Essa fórmula seria sintomática das relações imagéticas construídas acerca das populações da área, pois estaria vinculada a duas ideias: o estranhamento em relação às condições climáticas (o calor excessivo) e às características físicas das populações (cor da pele, textura dos cabelos e anatomia corporal). Cf. MUDIMBE, Valentin. The idea of Africa. Indianapolis: Indiana University Press, 1994, p. 26.

Ibid., p. 27.

Ibid., p. 26.

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MUDIMBE, Valentin. The idea of Africa. Indianapolis: Indiana University Press, 1994, p. 26.

O historiador africano Joseph Ki-Zerbo parece não concordar com essa perspectiva. Para ele “[...] a palavra África [...] foi imposta a partir dos romanos sob a forma de ÁFRICA, que sucedeu ao termo de origem grega ou egípcia Lybia, país dos Lebu ou Lubin do Gênesis. Após ter designado o litoral norte-africano, a palavra África passou a aplicar-se ao conjunto do continente, desde o fim do século I antes da Era Cristã”. Cf. KI-ZERBO, Joseph. Introdução Geral. In: ______. (Org.). História Geral da África: metodologia e pré-história da África. São Paulo: Ática; Paris: UNESCO, 1982, p. 21.v. I.

Cf. ZURARA, Gomes Eanes. Crônica dos feitos notáveis que se passaram na conquista da Guiné por mandado do Infante D. Henrique. Lisboa: Academia Portuguesa de História, 1981.

MUDIMBE, 1994, op. cit., p. 26.

Cf. M’ BOKOLO, Elikia. África Negra História e Civilizações. Até ao Século XVIII. Lisboa: Vulgata, 2003, p. 122-127.

[...] Os descendentes afro-árabes dessa antiga população Zang ainda estão lá. E naquelas primeiras imagens de invasão americana do Iraque, em março de 2003, as pessoas se depararam com algo inusitado: não sabiam por que esses árabes negros compunham a população iraquiana. Mas, as imagens que estavam sendo divulgadas retratavam a realidade do sul do Iraque, o antigo bastião dos Zang.

“A expressão africanidades brasileiras refere-se às raízes da cultura brasileira que têm origem africana. Dizendo de outra forma, queremos nos reportar ao modo de ser, de viver, de organizar suas lutas, próprio dos negros brasileiros e, de outro lado, às marcas da cultura africana que, independentemente da origem étnica de cada brasileiro, fazem parte do seu dia-a-dia” (SILVA, 2013: 26).

A Presidente do Centro Cultural Pequena África, Celina Rodrigues, mais conhecida como Mãe Celina de Xangô, na Conferência de abertura do I Seminário de Direito e Racismo 26 de setembro de 2016 na Faculdade de Direito da UFF, afirmou que foram encontrados mais de 100 mil objetos nas obras no entorno do Cais do Valongo vinculados à diáspora que permanecem encaixotados em containers pelo poder público.

Waldman (2012) aponta que os baobás ou baobab são árvores emblemáticas de várias regiões da África. Seu porte imponente, podendo chegar até a 30m de altura, sua longevidade, que pode durar milênios, e uma enorme capacidade de resistir a longos períodos de seca (por ser um grande reservatório de água, segundo estudos mais de 120 mil litros de água) expressa um dos principais símbolos das sociedades tradicionais africanas, especialmente na percepção da diáspora. No Senegal é uma árvore sagrada. Marcada em vários provérbios, lendas e histórias do continente, os atuais estudos afirmam a existência de oito espécies, todas pertencentes ao gênero Adansônia. Das oito espécies, seis são de Madagascar, uma domina as extensões subsaarianas do continente e a outra não tem origem africana.

Nestas duas nações, os Baobás são comumente chamados de imbondeiros ou embondeiros.

Esclarecendo: conquanto outras espécies estejam revestidas deste papel, nenhuma delas agremia a primazia e a notoriedade dos Baobás.

Thomas, The Harmless People, p. 10.

O nosso lócus de enunciação influencia diretamente no recorte espaço-temporal que desejamos construir. Ou seja, pensar em periodizações e regionalizações descoloniais da África a partir da diáspora é bastante distinta de pensa-la a partir da África. A natureza política de compreender a pluralidade de experiências territoriais, a criação de uma periodização e regionalizações na diáspora envolvem as lutas antirracistas no Brasil.

0% do Saara Ocidental estão em poder da Frente Polisário (acrônimo de Frente Popular de Libertação do Saguia-al-Hamra e do Rio de Oro), organização representativa dos independentistas autóctones e que está à testa da RASD (República Árabe Saarauí Democrática), proclamada em 1975.

Em 1984, em virtude da admissão do Saara Ocidental na antiga Organização da Unidade Africana (OUA), o Marrocos retirou-se da entidade. A diplomacia marroquina reiterou a decisão quando a União Africana (UA) manteve o reconhecimento da RASD como único representante legítimo do território e membro pleno da organização.

Resguarde-se que sob a lente das relações mantidas pelos Estados com o espaço, não se julga desprezível nem sequer uma mínima fração de território. É o que torna plausível a existência de “Estados Anões”: Liechtenstein, San Marino, Andorra e Mônaco, cujos espaços, se esforçam por conservar.

Todos os pontos da reunião dos representantes da União Africana e governos da diáspora podem ser encontrados em: http://www2.camara.leg.br. Retirado em 11/04/2016 às 19hs.