Como decidir qual solução tecnológica em saneamento é a mais adequada para uma comunidade rural? Que critérios considerar? Há uma tecnologia melhor que outra?
Nesta parte da Unidade 2, nos debruçaremos sobre tais questões. Primeiramente é importante considerar que há fatores que influenciam a escolha das soluções tecnológicas que passam por estudos de viabilidade técnica e viabilidade econômica. Mas, não estamos falando, exclusivamente, disso. É importante considerar fatores culturais e sociais ao se trabalhar com comunidades rurais. Portanto, nesta parte vamos nos atentar a estudar e questionar a adequabilidade da solução tecnológica aos modos de vida das comunidades rurais e tradicionais.
Vamos lá!
Um território com grande sociobiodiversidade
O Brasil é considerado um país continental, ocupando a 5ª posição no mundo, em termos territoriais. Esta extensa área abrange territórios heterogêneos, contendo uma sociobiodiversidade elevada, o que nos coloca dentro dos 17 países com 70% da biodiversidade do planeta, denominados países da megadiversidade (MITTERMEIER; MITTERMEIER, 1997). Neste território são vistos biomas distintos e climas específicos.
Mas não é só essa biodiversidade que se destaca no país. Em 2018, a população brasileira ultrapassava 209 milhões de habitantes. E, considerando o perfil dos municípios brasileiros e a nova proposta de classificação e caracterização dos espaços rurais e urbanos, pelo IBGE, 75,89% viviam em áreas urbanas , em 2010. O restante da população se distribuía em municípios adjacentes ou rurais.
Nesse imenso território, vivem diferentes povos e cultura. Isto nos permite dizer que temos uma grande sociobiodiversidade. Muitas expressões culturais e modos de vida dos povos possuem uma relação direta com os biomas e seus territórios. Podemos exemplificar essa sociobiodiversidade por meio das grandes redes de articulação que reúnem, por exemplo, os Povos das Florestas, como o Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), os Povos do Cerrado (Rede Cerrado) e as populações e organizações do Semiárido, como a Articulação no Semiárido (ASA). Estudamos um pouco sobre as comunidades que integram estas redes no Módulo 2, conhecendo os povos e as comunidades tradicionais.
Lembremos, por exemplo, das quebradeiras de coco babaçu, que possuem uma relação direta com o território dos babauçais nas regiões de Matas dos Cocais, que abrange Maranhão, Tocantins, Pará e Piauí. Podemos citar, também, as comunidades de fecho de pasto, com seu modo de vida específico no cerrado baiano. Isto sem contar os povos indígenas, que somam 305 no Brasil; ou, ainda, as populações ribeirinhas e extrativistas que mantêm uma relação direta com os cursos d’água na Amazônia.
Para saber mais!
Você pode conhecer um pouco mais sobre as quebradeiras de coco babaçu pelo Boletim Repórter Brasil:
https://reporterbrasil.org.br/comunidadestradicionais/quebradeiras-de-coco-babacu/
Você pode conhecer um pouco mais sobre as comunidades de fecho de pasto pelo documento:
Você pode conhecer um pouco mais sobre os povos indígenas consultando o site: https://pib.socioambiental.org/pt/P%C3%A1gina_principal
Você pode conhecer um pouco mais sobre a Rede Cerrado visitando o site: https://redecerrado.org.br/
Você pode conhecer um pouco mais sobre a ASA visitando o site: https://www.asabrasil.org.br/
Ao entender que essa extensa dimensão territorial abrange culturas e biomas distintos, em territórios heterogêneos e diversos, entendemos que não haverá uma solução tecnológica única e específica em saneamento para todas as comunidades que habitam as áreas rurais.
Se, por um lado, a urbanização provocou a massificação de soluções tecnológicas, por meio da produção em série (vide os conjuntos habitacionais ou as vilas de casas seriadas), o que também beneficiou as decisões e soluções tecnológicas em saneamento, por outro a existência de um mundo rural, na contemporaneidade, preservou modos de vida distintos, nos quais soluções tecnológicas diversas se integram ao território e às práticas culturais e sociais locais. Muitas dessas construções ou soluções foram denominadas de vernaculares, ou seja, aquelas que têm origem no próprio lugar.
Atenção!
Há uma grande discussão sobre esta terminologia no campo da arquitetura e antropologia que busca diferenciar arquitetura primitiva e arquitetura vernacular. Sobre isto, ver: TEIXEIRA, Claudia M. Considerações sobre a arquitetura vernácula. Cadernos de Arquitetura e Urbanismo, v. 15, n. 17, 2º sem./2008, p. 28-45.
No Brasil, as construções vernaculares são exemplificadas pelas habitações indígenas e pelos sistemas construtivos em adobe, utilizados em comunidades quilombolas. Para entender melhor, veja exemplos de construções que levam em consideração as necessidades locais e utilizam os materiais da própria região (Figuras 5.1).
Há, também, exemplares de construções do período colonial brasileiro, embora seja considerada uma adaptação da arquitetura popular de origem ibérica, no Brasil (TEIXEIRA, 2008). Lúcio Costa, arquiteto-urbanista responsável pelo projeto urbanístico de Brasília, foi um grande estudioso da arquitetura colonial brasileira, sendo considerado um arquiteto de estilo neocolonial no início da sua carreira (CARLUCCI, 2005). Conhecer as construções produzidas no período colonial significa compreender as soluções tecnológicas que adequaram uma arquitetura de terra (adobe e madeira) ao clima e relevo local.
155Essas construções vernaculares, de diferentes matrizes, influenciaram a produção arquitetônica no Brasil, muitas das quais permanecem, até hoje, como referências no meio rural. Para Teixeira (2008),
nossas três matrizes culturais: a indígena, a africana e a branca possuíam uma arquitetura doméstica própria a cada uma delas. Ademais, as matrizes negra e indígena eram compostas por diferentes etnias, e o branco, também mestiço, era resultado de vários povos que ocuparam a Península Ibérica ao longo de sua história e pré-história (TEIXEIRA, 2008, p. 39).
Até aqui você pode observar a grande sociobiodiversidade na área rural, preservando as construções aos modos de vida e às práticas culturais e sociais distintas. Portanto, se estamos falando de soluções tecnológicas em saneamento, também nos interessa saber como esta solução se integra e incorpora a casa pré-existente na comunidade.
Mas, não é só a existência de um habitat e sua relação com o ambiente local que influenciam as escolhas sobre as soluções tecnológicas em saneamento. Quando falamos em modo de vida dessas comunidades, estamos compreendendo um conjunto de práticas sociais e culturais que mantém relações diretas com as atividades produtivas desenvolvidas por elas.
Nas comunidades rurais ainda se percebe a moradia como uma extensão do quintal, lugar em que ocorre a produção mais próxima ao habitat e, normalmente, é destinado para o autoconsumo da família (Figura 5.2a). Este tipo de produção, que abrange o cultivo de hortas (Figura 5.2b), plantas medicinais (Figura 5.2c) e criação de pequenos animais (Figura 5.2d), normalmente tem as mulheres como protagonistas desta atividade.
Ao mesmo tempo em que cuidam deste quintal, também cuidam da casa (trabalho doméstico), cozinham no fogão à lenha, ralam a mandioca na varanda etc. Este tipo de relação em que “trabalhar” e “morar” ocorrem no mesmo espaço é uma característica própria das comunidades rurais. No meio urbano, mesmo com as mudanças nas formas de trabalho, ainda é comum morar e trabalhar em lugares distintos.
156Na agricultura familiar e camponesa e nos povos e comunidades tradicionais, mesmo que a modernização da agricultura tenha imputado mudanças nos padrões tecnológicos de produção, ainda se verifica a existência da produção de alimentos destinada ao autossustento familiar e à produção destinada ao mercado. Esta relação casa–quintal–produção imputa relações diferenciadas com os padrões de saneamento e habitação. É comum, por exemplo, que o banheiro (quando existe este cômodo na casa) fique próximo à varanda para facilitar a higiene pessoal antes de entrar na habitação. Também é comum a varanda ser rodeada por telas de arame, já que os animais pequenos (galinhas e porcos) tendem a ficar soltos no quintal. Essa cultura do morar, cujo limite entre as práticas de sanear é diferente, pode ser vista tanto como barreiras quanto como potencialidades para o emprego de soluções técnicas adequadas em saneamento. Esta decisão também se baseará sob qual perspectiva tecnológica se está apoiando a decisão.
Aqui, neste curso, estamos considerando que a dimensão territorial e cultural deve ser considerada na escolha da tecnologia para cada comunidade, e isto dialoga com a perspectiva do saneamento ecológico. Veremos um pouco sobre isto no item a seguir.
Logo, estamos falando que há especificidade nas áreas rurais que abrangem as mais 29 milhões de pessoas que as habitam no Brasil. Essa população representa oito vezes a população do Uruguai (3,7milhões de habitantes); quatro vezes a população do Paraguai (6,8 milhões de habitantes); 2,9 vezes a população do Portugal (10,3 milhões de habitantes) e 1,7 vezes a população da Holanda (17,1 milhões de habitantes), para citar alguns. Se são diferentes as tipologias e os modos de vida das comunidades, por que falar de uma solução única e universal? E, mesmo que a solução seja a mesma, a metodologia e a abordagem para implementação devem ser contextualizadas para cada comunidade.
Tecnologia apropriada e tecnologia social para um saneamento rural e ecológico
Estudamos, no Módulo IV, e agora no Módulo V, que saúde e saneamento são considerados direitos sociais básicos e, portanto, o Estado deve garantir o seu acesso a toda população, independente da classe social, gênero, raça e etnia. Entretanto, também temos estudado que há assimetrias no atendimento das componentes de saneamento básico quando analisamos as áreas rurais e urbanas.
O saneamento rural tem sido considerado um conjunto de ações de saneamento básico aplicado às áreas rurais. Esta definição é incompleta para o que estamos falando. Não se trata de uma divisão geográfica: campo ou cidade, mas do significado cultural que está imbuído nos modos de vida destes territórios e como a solução tecnológica se viabiliza sob diferentes perspectivas (econômica; técnica; cultural) junto à comunidade. Observemos as Figura 5.3 a e 5.3b. O que vemos nelas?
157As Figuras 5.3a e Figura 5.3b mostram bacias sanitárias sendo utilizadas como vasos para plantas ornamentais nos quintais domésticos. Essas louças sanitárias seriam descartadas, porque foram inutilizadas e substituídas. Contudo é possível encontrar, em áreas rurais, o uso inadequado ou inadvertido de bacias sanitárias. Nem todas as comunidades têm no banheiro uma prática cultural presente no seu cotidiano. Este é o caso de algumas comunidades indígenas. Também é possível encontrar comunidades em que o banheiro é considerado um lugar “sujo” e, portanto, não deve fazer parte da habitação, que é um lugar “limpo” e “sagrado”. Entender isto é importante para definir as abordagens e metodologias que serão utilizadas na sensibilização e no diálogo com cada comunidade.
Na ausência do Estado e de serviços públicos adequados, as populações rurais criam estratégias de reprodução social diferenciadas, incluindo as soluções de saneamento e as alternativas para saúde. Já ouvimos falar dos cultivos de plantas medicinais, certo? E, também, já vimos e ouvimos sobre as soluções rudimentares de saneamento, tais como as fossas rudimentares, cacimbas, a queima de lixo e outras. Para além dessas soluções, que se apresentam tecnicamente inadequadas, precisamos destinar um novo olhar às estratégias adotadas pelas comunidades e que podem contribuir com soluções adequadas para o saneamento rural. Algumas tecnologias estão sendo levadas para o meio rural sem, necessariamente, serem discutidas com as comunidades. Nestes casos, as soluções ficam inutilizadas e sem sentido, levando o descrédito das soluções adotadas pelas próprias comunidades.
Atividade de estudo 1 no Fórum de Discussão:
Olhando para as Figuras 5.4a e Figura 5.4b, o que é possível falar sobre elas? Registre suas impressões no Fórum.
As Figuras 5.4b e 5.4a mostram soluções tecnológicas que atenderiam tanto ao abastecimento de água quanto ao destino final de dejetos animais (excreta de gado). Porém, no caso da Figura 5.4a, as famílias não receberam orientação adequada para o uso e manutenção do biodigestor, levando à sua inutilização. Na Figura 5.4b, o poço foi construído em local inadequado, sendo posteriormente descartado pelas próprias famílias e utilizado como local para resíduos.
Cada decisão desta teve um custo para a família e para a comunidade. Portanto, a escolha da tecnologia deve ser acompanhada de processos educativos e informativos.
158A solução tecnológica em saneamento deve fazer sentido para a comunidade. Autores, tais como Carneiro, Pessoa e Teixeira (2017) e Dias (2017), falam em processos socioeducativos como instrumentos para promoção da saúde e saneamento nas comunidades rurais. Em Carneiro, Pessoa e Teixeira (2017) é possível vermos experiências que relacionam saúde, saneamento e práticas de educação popular. Dias (2017) apresenta as possibilidades de mudanças nos territórios com as tecnologias sociais, transformando vidas.
Sobre essa perspectiva, tem-se visto a atuação de propostas de saneamento com base em tecnologias apropriadas e tecnologias sociais. Ambas buscam inserir a participação social da comunidade como um elemento determinante para a escolha da solução tecnológica.
As abordagens educacionais estudadas no Módulo 3 deste curso destacam que a educação popular e a educação do campo têm sido importantes para o estabelecimento de processos de promoção da autonomia das comunidades. Farias (2009) aponta as estratégias da educação contextualizada como uma perspectiva de aproximação da escola à realidade da comunidade rural no semiárido brasileiro. Para a autora,
Ao produzir um saber que estabeleça vínculo com outros aspectos que compõem a vida em comunidade, a Conivência [com o semiárido] estaria contribuindo para pensar a cultura escolar como processo de construção e reconstrução dos saberes. Ou seja, ao referendar a importância de uma educação contextualizada e o cultivo de um saber que, extrapolando os muros das escolas, essa proposta de desenvolvimento possibilita a tomada de consciência tão imprescindível à aquisição da autonomia da população do Semiárido (FARIAS, 2009, p.18).
As comunidades rurais e tradicionais convivem diariamente com: processos de desigualdades sociais; carência de infraestrutura; instabilidade e insegurança quanto aos seus direitos territoriais; perdas de direitos básicos fundamentais, com o fechamento das escolas do campo e a inexistência de atenção básica em saúde específica para estas comunidades; envelhecimento da população rural e migração da juventude para as cidades, e falta de efetividade de políticas que garantam os direitos para as mulheres rurais. Tudo isto afeta as condições de vida dessas populações.
Saiba mais!
Conhecendo experiências populares em práticas de saneamento em comunidades rurais
Vamos conhecer algumas experiências que relacionam saúde e saneamento e indicam formas de seleção de tecnologias sociais. Você já ouviu falar das experiências a seguir?
- Caminho das águas – experiência no semiárido brasileiro
- Construção de cisternas para armazenamento de águas – programa 1ª água e 2ª água (P1MC e o P1+2)
- Construção de mandalas – sistemas de produção diversificado
- Energia das mulheres da terra – experiência no cerrado brasileiro
- Construção de moradias rurais com uso de tecnologias sociais em saneamento – experiências vinculadas à Contag/Fetaeg; Movimento Camponês Popular; Fetraf.
Vamos buscar relatos sobre alguma dessas experiências e trocar informações no Fórum de discussão da turma. O que estas experiências nos dizem sobre a participação social? Que elementos foram considerados para a escolha de tecnologias?
Essas propostas usam métodos da educação popular, educação do campo educação contextualizada para a inserção das tecnologias junto às comunidades rurais.
O saneamento básico se refere a um componente da qualidade de vida no meio rural, mas ele precisa se integrar aos diferentes fatores e desafios ali colados.
159A proposta de Scaratti e Bezerra (2019), apresentada na Unidade 1, dialoga com uma perspectiva cultural e de autonomia dos povos e comunidades rurais ao dizerem que o saneamento rural pode ser visto
como o conjunto de ações de saneamento básico desenvolvidas para atender as comunidades rurais e populações tradicionais (comunidades quilombolas, povos indígenas, assentamentos etc.), mediante o emprego de soluções economicamente viáveis e com a participação social, devendo ser compatível com as características sociais e culturais e os modos de vida e de territorialidade (SCARATTI; BEZERRA, 2019).
O saneamento rural pensado a partir das comunidades também pode e deve dialogar com os sistemas de produção. Dias e Hora (2018) falam de uma perspectiva de saneamento ecológico como uma estratégia das comunidades que relaciona as práticas produtivas agroecológicas com processos de transformação social e conservação ambiental. No Módulo 2, estudamos um pouco sobre agroecologia e, no Módulo 5, estamos estudando tecnologias que se baseiam no reuso ou no manejo de resíduos e efluentes não apenas domésticos, mas também provenientes dos sistemas produtivos.
Sob essa perspectiva de compreender essa unidade de produção familiar cujos sistemas de produção se desenvolvem no entorno da casa e afetam as condicionantes de salubridade e saneamento, a agroecologia tem o potencial de conciliar atividades de produção de alimentar, com ações de promoção de autonomia dos povos e iniciativas de salubridade ambiental. Tecnologias sociais que possibilitam a interação do saneamento, saúde e meio ambiente se articulam perfeitamente com a agroecologia.
É nesse contexto que Dias e Hora (2018) explanam que
o saneamento ecológico deve ser compreendido a partir da ampliação dos conceitos de saneamento básico e ambiental, apresentando-se como uma estratégia de luta e de emancipação dos povos do campo, das florestas e das águas. Ele abrange componentes teóricos, técnicos e metodológicos construídos a partir das experiências de vida, mediadas pelo trabalho como princípio educativo. Ele é sistêmico e incorpora as ações e narrativas das comunidades em interação com seus territórios (DIAS; HORA, 2018, n.p.)
Esse tipo de proposta tem sido articulado pelos movimentos sociais do campo, das florestas e das águas. Há uma busca por integrar as ações de saneamento ecológico com construções e melhorias habitacionais e/ou com as atividades produtivas. As Figuras 5.5a, Figura 5.5(b) e Figura 5.5c são exemplos de soluções tecnológicas com base no conceito de saneamento ecológico.
160A Figura 5.6a apresenta o processo de construção de um sistema convencional de fossa séptica e sumidouro do Programa Moradia Camponesa em Goiás. Nesse mesmo projeto observa-se a construção de soluções tecnológicas que se baseiam em tecnologias sociais como o círculo de bananeiras utilizado para as águas cinzas (Figura 5.6b), tanque de evapotranspiração utilizado para as águas fecais (Figura 5.6c). Lembrando que essas tecnologias foram detalhadas no tema 5.2 desta unidade.
A agroecologia e a produção nos quintais são atividades comuns para as mulheres rurais. Como, na maioria das vezes, o trabalho doméstico está sob a responsabilidade delas, as discussões das alternativas de saneamento podem abranger tanto ações de melhoria das condições salubridade da casa-quintal, aproveitando resíduos e efluentes tratados na produção, quanto à valorização do trabalho das mulheres, discutindo-se a divisão justa do trabalho doméstico entre todas as pessoas da casa. A Figura 5.7a apresenta um quintal agroecológico e o detalhe da bacia de evapotranspiração (Figura 5.7b) implantada em uma unidade de produção familiar na Comunidade de Taquaral, Orizona-GO.
161Atividade de estudo 2 no Fórum de Discussão
Com base nas Figuras 5.6 e 5.7 e no conhecimento adquirido no Tema 2, descreva no fórum o que você aprendeu.
Ao integrarmos as soluções em saneamento com atividades do cotidiano na unidade de produção familiar e moradia, vemos abrir novas perspectivas na comunidade rural que perpassam pela:
- produção de alimentos saudáveis;
- realização de ações de manejo ambiental;
- compreensão da diversidade sociocultural;
- análise da heterogeneidade ambiental;
- fortalecimento da auto-organização dos povos e das comunidades;
- promoção do desenvolvimento endógeno de base solidária e sustentável;
- promoção da igualdade de gênero no meio rural, e
- promoção da saúde ambiental integrada às ações de saneamento ecológico.
Esses elementos devem ser considerados como critérios para a escolha das soluções, e os mecanismos de operacionalizá-los devem se basear nos pressupostos já estudados no Módulo 2, ou seja, na participação social e nos princípios da educação popular como elementos de transformação local.
As estratégias de abordagem e discussão são diversas. Hora (2019) apresenta uma sistemática para o planejamento e parcelamento em assentamentos rurais do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) em Goiás por meio do uso de desenhos, mapas e maquetes. Estratégias similares também são vistas em projetos sociais de promoção de saúde e saneamento (CARNEIRO; PESSOA; TEIXEIRA, 2017). Muitas destas estratégias também foram usadas nas etapas de diagnóstico do projeto “Saneamento e Saúde Ambiental em Comunidades Rurais e Tradicionais em Goiás” (para saber mais, acesse www.sanrural.ufg.br), e os registros (fotos) estão disponíveis para consulta pública no site do projeto (www.sanrural.ufg.br). A linguagem do desenho, da percepção sobre o território, da análise dos elementos do cotidiano é uma estratégia de aproximação dos saberes sobre a realidade local.
O GT de Mulheres da Articulação Nacional de Agroecologia desencadeou uma metodologia de mensuração da produção das mulheres por meio das cadernetas agroecológicas. Trata-se de uma espécie de caderno, no qual as mulheres marcam o que produzem e qual é o destino delas. Esse registro, além da informação, permite que as mulheres conversem sobre o tema com suas vizinhas e nos encontros da comunidade (GT MULHERES ANA, 2017). Por que não podemos pensar uma forma de registro participativa das condições de saneamento e, por meio dela, discutir soluções conjuntas com a comunidade? Certamente as mulheres rurais e suas dinâmicas de formação têm muito a contribuir com as práticas de saneamento ecológico.
Visando sistematizar processos como este, Magalhães Filho et al. (2019) apresentam uma “ferramenta de gestão de saneamento sustentável para tomada de decisão em áreas isoladas no Brasil”, na qual a consulta à população é inserida como estratégia. Essa proposta foi apresenta no 49º Congresso da Assemae por Paula Loureiro de Paulo e consta com uma etapa de diagnóstico e outra de alternativa, conforme Figura 5.8.
162Todos os processos e estratégias citados necessitam de um conhecimento prévio da comunidade envolvida. O respeito mútuo e a confiabilidade também são condições para o sucesso da ação a ser desempenhada. Devemos considerar que muitas dessas comunidades passaram por contextos complexos de violência territorial e/ou pessoal. Portanto, os processos de seleção de tecnologias e as formas de decisão devem se apoiar na criação de laços de solidariedade e trocas de conhecimento. Qualquer processo que tende a subjugar o conhecimento das comunidades poderá incorrer em projetos inacabados ou inadequados para as populações.
Resumindo
Por fim, há muitos caminhos a trilhar. A solução tecnológica não pode ser vista como um fim em si mesma. Ela é, também, um instrumento de aprendizagem e formação. O mecanismo de tomada de decisão é um processo de empoderamento do sujeito em relação ao seu meio. Portanto, é importante para a comunidade participar, perceber, ler o mundo à sua volta, conhecer e poder decidir sobre “o que” e “como fazer”. Ela (a comunidade) não precisa estar sozinha. O conhecimento técnico deve estar junto com ela, num diálogo de saberes, para que as decisões façam sentido para a vida.
"QUE A IMPORTÂNCIA DE UMA COISA NÃO SE MEDE COM FITA MÉTRICA NEM COM BALANÇAS NEM BARÔMETROS ETC. QUE A IMPORTÂNCIA DE UMA COISA HÁ QUE SER MEDIDA PELO ENCANTAMENTO QUE A COISA PRODUZA EM NÓS" (MANOEL DE BARROS apud CARNEIRO; PESSOA; TEIXEIRA, 2017, p. 5).
Referências
CARLUCCI, Marcelo. As casas de Lúcio Costa. Universidade de São Paulo. São Carlos, 2005. Disponível em: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/18/18131/tde-04012006-140038/publico/As_casas_de_Lucio_Costa.pdf. Acesso em: 5 jul. 2019.
CARNEIRO, Fernando F.; PESSOA, Vanira M.; TEIXEIRA, Ana Cláudia de A. Campo, florestas e as águas: práticas e saberes em saúde. Brasília: Ed. UNB, 2017. Disponível em: http://www.saudecampofloresta.unb.br/wp-content/uploads/2019/01/LivroObteia_NOV2018_Vers%C3%A3oWEB.pdf. Acesso em: 5 jul. 2019.
DIAS, Alexandre Pessoa. Tecnologias sociais em saneamento e educação para o enfrentamento da transmissão das parasitoses intestinais no Assentamento 25 de maio, Ceará. Tese (Doutorado - Programa de Pós-Graduação em Medicina Tropical) − Ministério da Saúde, Fundação Oswaldo Cruz, Instituto Oswaldo Cruz. Rio de Janeiro, 2017. Disponível em: https://www.arca.fiocruz.br/handle/icict/23824?mode=full. Acesso em: 5 jul. 2019.
DIAS, Alexandre Pessoa; HORA, Karla Emmanuela Ribeiro. Saneamento Ecológico. Verbete. Não publicado. 2018.
FARIAS, Ana Elizabeth M. de. Educação Contextualizada e a convivência com o semi-árido no assentamento Acauã-PB. Dissertação (Mestrado) − UFPB/CCHLA, João Pessoa, 2009. Disponível em: https://repositorio.ufpb.br/jspui/bitstream/tede/6020/1/arquivototal.pdf Acesso em: 5 jul. 2019.
HORA, Karla E. R.; Mauro, Rogério A.; CALAÇA, Manuel. Desafios para o parcelamento dos assentamentos de reforma agrária sob a perspectiva ambiental a partir da experiência do MST em Goiás. Revista Nera, n. 49, v. 22, Presidente Prudente: Unesp, 2019. p. 140-167. Disponível em: http://revista.fct.unesp.br/index.php/nera/article/view/5881. Acesso em: 5 jul. 2019.
163IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Classificação e caracterização dos espaços rurais no Brasil: uma primeira aproximação. Rio de Janeiro: IBGE, 2017. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv100643.pdf. Acesso em: 5 jul. 2019.
GT DE MUJERES DE LA ANA. La construcción de uma agenda feminista en la agroecológia. In: NOBRE, M.; FARIA, N.; MORENO, R. (Orgs.) Las mujeres em la construcción de la economia solidaria y la agroecologia. São Paulo: SOF, 2015.
MAGALHÃES FILHO, F. J. C.; DE QUEIROZ, A. A. F. S. L.; MACHADO, B. S.; PAULO, P. L. Sustainable Sanitation Management Tool for Decision Making in Isolated Areas in Brazil. Int. J. Environ. Res. Public Health, 2019, v. 16, p. 1118. Disponível em: https://doi.org/10.3390/ijerph16071118. Acesso em: 5 jul. 2019.
MITTERMEIER, R. A.; MITTERMEIER, C. G.; Gil, P. R.; WILSON, E. O. Megadiversity: Earth’s Biologically Wealthiest Nations. (CEMEX, 1997).
SCARATTI, Dirceu; BEZERRA, Nolan. Aspectos conceituais, legais e técnicos do saneamento básico rural. Material Didático. Curso Especialização em Saneamento e Saúde Ambiental. Goiânia: UFG/CESSA, 2019.
TEIXEIRA, Claudia M. Considerações sobre a arquitetura vernácula. Cadernos de Arquitetura e Urbanismo, v. 15, n. 17, 2º sem./2008, p. 28-45. Disponível em: periodicos.pucminas.br/index.php/Arquiteturaeurbanismo/article/download/.../990. Acesso em: 5 jul. 2019.
Os demais 24,11%s habitam municípios que foram classificados como “Intermediário Adjacente; Intermediário Remoto; Rural Adjacente e Rural Remoto”, sendo que os dois últimos abrangiam 16,89% da população em 2010 (IBGE, 2017).
A apresentação foi disponibilizada no site do congresso: http://www.assemae.org.br/palestras-49-congresso-nacional/item/4870-07-05-2019-mesa-3-saneamento-rural-auditorio-das-flores. Acesso em: 06 de julho de 2019.