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Chegamos à Parte 3. Aqui vamos conversar um pouco sobre as formas de organização da produção de base familiar, tão característica das comunidades rurais e tradicionais.

O desenvolvimento da agricultura no Brasil a partir da década de 1960

No Brasil, o modelo de desenvolvimento da agricultura, implantado na década de 1960, foi denominado “Revolução Verde". A sua forma de produção acabou por substituir técnicas seculares centradas em conhecimento, por insumos e pacotes tecnológicos ditos “modernos”.

Este modelo se viabilizou sob a produção em larga escala, o aumento da produtividade e o uso extensivo de insumos e maquinários, substituindo, em grande parte, o trabalho humano.

Apesar do aumento da área plantada e da produção, este modelo tornou os agricultores dependentes da indústria de tratores, fertilizantes, pesticidas e tecnologias, as quais, comumente, foram desenvolvidas em países com limitações, necessidades e potencialidades distintas das existentes no Brasil.

Essa forma de produção, dependente de insumos químicos, além de apresentar um custo elevado, tem gerado impactos ambientais negativos.  Exemplos dos impactos que afetam o meio ambiente pela atividade agrícola são registrados por: redução da biodiversidade; perda de fertilidade dos solos; contaminação de solos e água, erosão do solo e eutrofização dos rios. Tais aspectos têm contribuído para o desequilíbrio dos ecossistemas.

Sob o ponto de vista social, esse modelo de produção não tem sido compatível com os modos de vida das comunidades rurais e tradicionais. Deste modo, geraram-se, na maioria das vezes, conflitos agrários, ambientais e sociais.

Para os agricultores e agricultoras familiares, a adoção do modelo de produção, baseado na Revolução Verde, ocasionou a perda de poder aquisitivo e o endividamento das famílias, indicando a inviabilidade desse modelo de produção à realidade da agricultura familiar.

Miniglossário

Revolução Verde: foi concebida como um pacote tecnológico – insumos químicos, sementes de laboratório, irrigação, mecanização e grandes extensões de terra ‒, baseado no uso intensivo de agrotóxicos e fertilizantes sintéticos na agricultura (CALDART et al., 2012).

Biodiversidade: variabilidade de organismos vivos de todas as origens, compreendendo, dentre outros, os ecossistemas terrestres, marinhos e outros ecossistemas aquáticos e os complexos ecológicos de que fazem parte. Compreende, ainda, a diversidade dentro e entre espécies e de ecossistemas (BRASIL, 1998).

Eutrofização: é a elevação da quantidade de nutrientes presentes na água, essencialmente nitrogênio e fósforo, resultando no crescimento excessivo de plantas aquáticas para níveis que afetem a utilização normal e desejável da água (DOS SANTOS, 2015).

Ecossistema: pode ser definido como um sistema funcional de relações complementares entre organismos vivos e seu ambiente (GLIESSMAN, 2008).

Erosão do solo: é o processo de desagregação e transporte de terra pela ação de agentes erosivos, como a água e o vento (CARVALHO; DINIZ, 2007).

Construindo o desenvolvimento sustentável com os povos do campo, das águas e das florestas no cerrado

As comunidades rurais e tradicionais, como já vimos, têm como uma das características a produção pelo autoconsumo, o uso do trabalho familiar e o manejo da natureza. Todos estes aspectos permitem pensar um modelo de desenvolvimento baseado na sustentabilidade socioambiental do cerrado.

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Pensar o cerrado sob o ponto de vista do desenvolvimento sustentável e solidário implica incluir atividades produtivas que visem a atender, prioritariamente, o consumo local, além dos mercados nacional e global, sem prejudicar os processos ecológicos naturais. Ademais, devem-se valorizar os saberes locais dos povos tradicionais, bem como seus territórios. Fortalecer as economias locais, priorizando os circuitos curtos, criar redes de mercado solidárias, gerar renda às populações rurais e respeitar a sociobiodiversidade são estratégicos para o desenvolvimento regional.

Fruto da diversidade genética e cultural, os povos que se enraizaram no cerrado constituem, hoje, um importante acervo da humanidade. Milênios de tradição e de contato direto com o ambiente tornaram os povos do cerrado conhecedores privilegiados do bioma e de suas potencialidades. O cerrado é tudo para essas sociedades. A mestiçagem e as adaptações para a sobrevivência no bioma engrossaram o caldo cultural que temos no cerrado.

Indígenas, quilombolas, extrativistas, raizeiros, ribeirinhos e vazanteiros formam hoje o grupo dos povos tradicionais do cerrado.

Aliar o conhecimento dos povos que habitam o cerrado há séculos ao da ciência investigativa voltada para as demandas socioambientais reais (não se esquecendo das mudanças na estrutura fundiária) é uma importante ferramenta a ser usada para se atingir tais objetivos. 

A agroecologia é o escopo deste novo desenvolvimento.

Os problemas ambientais podem ser enfrentados sobre uma perspectiva de justiça socioambiental. Para isto, pensar o manejo ecológico dos recursos naturais é tão importante quanto garantir a soberania alimentar e fortalecer as comunidades rurais e tradicionais. Neste sentido, a dimensão social, política e econômica também faz parte da agroecologia. Diferentes experiências camponesas e de comunidades tradicionais têm se tornado relevantes para a soberania alimentar, a partir do potencial endógeno de conhecimento agrícola.

Foto quintal agroecológico (mandala) de uma comunidade rural em Três Ranchos - Goiás. Foto: Leniany Moreira, 2018.

O conceito de agroecologia quer sistematizar diferentes formas de produção num modelo tecnológico abrangente, que seja socialmente justo, economicamente viável e ecologicamente sustentável. Um modelo que se insere em um novo jeito de relacionamento com a natureza, onde se proteja a vida, estabelecendo uma ética ecológica. A rigor, pode-se dizer que agroecologia é a base científico-tecnológica para uma agricultura sustentável.

O modelo de agricultura sustentável é calcado nos conhecimentos empíricos dos agricultores, acumulados através de muitas gerações, ao conhecimento científico atual para que, em conjunto, técnicos e agricultores possam fazer uma agricultura com padrões ecológicos (respeito à natureza), econômicos (eficiência produtiva), sociais (eficiência distributiva) e com sustentabilidade em longo prazo.

Na agroecologia, a agricultura é vista como um sistema vivo e complexo, inserida na natureza rica em diversidade, com vários tipos de plantas, animais, microrganismos, minerais e infinitas formas de relação entre estes e outros habitantes do planeta Terra.

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O conceito de agroecologia e agricultura sustentável consolidaram-se na Eco 92, quando foram lançadas as bases para um desenvolvimento sustentável no planeta .  Nos dias de hoje, o termo é entendido como um conjunto de princípios e técnicas que visa a reduzir a dependência de energia externa e o impacto ambiental da atividade agrícola, produzindo alimentos mais saudáveis e valorizando o homem do campo, sua família, seu trabalho e sua cultura.

A agroecologia também é definida como a produção, o cultivo de alimentos de forma natural, sem a utilização de agrotóxicos e adubos químicos solúveis.

A produção agroecológica ou orgânica cresce no mundo todo a passo acelerado, a uma taxa de 20 a 30% ao ano. Estima-se que o comércio mundial movimenta atualmente cerca de 20 bilhões de dólares, despontando a Europa, os Estados Unidos e o Japão como maiores produtores e consumidores.

Os sistemas agroecológicos têm demonstrado que é possível produzir propiciando a possibilidade natural de renovação do solo, facilitando a reciclagem de nutrientes do solo, utilizando racionalmente os recursos naturais e mantendo a biodiversidade, que é importantíssima para a formação do solo.

É preciso repensar os processos tecnológicos e produtivos que têm gerado degradação ambiental!

Para Enrique Leff (2006) é urgente a necessidade de que um paradigma produtivo esteja fundado em uma racionalidade ambiental que estabeleça estratégias teóricas, investigações científicas e ações práticas para que as qualidades da natureza sejam convertidas em fontes reais de riqueza. Esta racionalidade ambiental deve emergir de uma nova teoria que produza uma construção de sociedades sustentáveis, ressignificando e revalorizando socialmente a natureza, por meio da apropriação cultural dos processos ecológicos, inserindo o homem na sua íntima relação entre a cultura e o meio onde vive.

A saber, a agroecologia é um paradigma proposto pela nova filosofia da ciência, abarcando a historicidade como fator preponderante na compreensão do conhecimento científico. E é a partir dessa nova filosofia da ciência, proposta por Thomas Kuhn, que se tem o desenvolvimento da ciência como uma atividade autônoma, e não mais linear/acumulativa. Seus modelos de apreensão da realidade não têm como conferir caráter neutro às descobertas científicas (GOMES, 2005).

Na agricultura familiar, sabe-se que o conhecimento tradicional depende da reprodução por meio do surgimento de novas pessoas e do aprendizado sobre o modo de reprodução que as caracteriza, definindo, assim, um contexto histórico e cultural. A agroecologia permite potencializar, justamente, os saberes locais e a relação com os territórios.

Em resumo, temos que “a chave para a sustentabilidade é encontrar [...] um sistema que imite a estrutura e funções de ecossistemas naturais e, ainda assim, produza uma colheita para uso humano” (GLIESSMAN, 2008, p. 568).

A agroecologia compreende a agricultura como um modo complexo de se retirar proveito da terra, a partir dos conhecimentos intrínsecos ao modo de vida local, respeitando a qualidade ambiental advinda de uma produção ecologicamente correta e que liberta a localidade da crescente insegurança alimentar.

Os agroecossistemas trabalhados por gerações de camponeses permitem contentar as necessidades locais e atender demandas inclusive nacionais, baseando-se na sustentabilidade em longo prazo. Para tanto, devem ser reconhecidos como exemplos de aplicação de conhecimento ecológico apurado.

Em um sentido amplo, a agroecologia aponta uma dimensão integral em que, pelas variáveis sociais, pretende-se entender as múltiplas formas de dependência que a economia e a política geram ao agricultor.

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As principais premissas da agroecologia são:

  1. os sistemas sociais e ecológicos têm potencial agrícola;
  2. esse potencial foi captado pelos agricultores tradicionais, por tentativa e erro, seleção natural e aprendizagem cultural;
  3. os sistemas sociais e ecológicos coevolucionaram cada um, mantendo dependência e semelhança em relação ao outro, gerando dependência estrutural;
  4. a natureza do potencial dos sistemas sociais e biológicos pode ser mais bem compreendida usando o atual estoque de conhecimentos científicos, permitindo compreender o estágio em que as culturas agrícolas tradicionais captaram e utilizaram esse potencial;
  5. o conhecimento científico objetivo, o conhecimento desenvolvido nos sistemas tradicionais, o conhecimento e algumas inovações desenvolvidas pela ciência agrícola moderna e as experiências e tecnologias geradas por instituições agrícolas convencionais podem ser combinados para uma significativa melhora nos ecossistemas tradicional e moderno;
  6. o desenvolvimento agrícola por meio da agroecologia, manterá mais opções ecológicas e culturais para o futuro e trará menores efeitos nocivos para a cultura e o meio ambiente do que a tecnologia por si só (GOMES, 2005).

Relação entre agroecologia, saúde e saneamento

A agroecologia tem vínculos claros com a saúde e o saneamento. Uma produção livre de insumos químicos e orgânica pode garantir melhor qualidade nutricional, além de evitar a contaminação das pessoas por resíduos (SOUZA et al., 2017; PALMA, 2011).

Em relação ao saneamento básico, as práticas agroecológicas promovem a reutilização de resíduos na agricultura, por exemplo. A reutilização de resíduos na agricultura pode ser uma forma inteligente de aproveitamento que beneficiará as comunidades familiares, levando em consideração o aspecto econômico, social e ambiental.

De acordo com Barbosa e Langer (2011), os problemas ambientais causados pela má destinação dos dejetos, no meio rural, comprometem a qualidade de vida das pessoas que ali vivem, podendo contaminar o solo, a água e o ar e, ainda, trazer a proliferação de insetos e roedores que acabam trazendo doenças para os seres humanos. Sabe-se, também, do potencial que existe nesses resíduos ‒ quando tratados de forma correta para a sua possível reutilização ‒, como a transformação desses resíduos em compostos orgânicos que poderão ser utilizados nas próprias atividades agrícolas.

Diferentes estudos têm sido desenvolvidos sobre resíduos de agrotóxicos. Você pode conhecer um pouco mais vendo os seguintes filmes disponíveis no YouTube:

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Saber o que estamos comendo é um direito de todos!

A sociedade tem se tornado cada vez mais exigente, e a busca por alimentos mais saudáveis, cultivados sem o emprego de agrotóxicos, fertilizantes químicos e manejos que agridam menos o meio ambiente, tem tido uma procura cada vez maior. Com isso surge o mercado para os produtos orgânicos e agroecológicos, com o objetivo de suprir esta demanda.

Existe uma classificação para esses alimentos. De acordo com Darolt (2007), o alimento orgânico:

Trata-se do alimento produzido em sistemas que não utilizam agrotóxicos (inseticidas, herbicidas, fungicidas, nematicidas) e outros insumos artificiais tóxicos (adubos químicos altamente solúveis), organismos geneticamente modificados – OGM/ transgênicos ou radiações ionizantes. Esses elementos são excluídos do processo de produção, transformação, armazenamento e transporte, privilegiando a preservação da saúde do homem, dos animais e do meio ambiente, com respeito ao trabalho humano. Em 23 de dezembro de 2003 foi sancionada a lei n. 10831, que estabelece as normas de produção, embalagem, distribuição e rotulagem para produtos orgânicos de origem animal e vegetal (DAROLT, 2007, p.08).

A Portaria nº 007 do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento apresenta uma série de restrições de uso de produtos para a agricultura orgânica e descreve as principais recomendações.

De acordo com Muñoz et. al. (2016), são três as normativas mais importantes para a agricultura orgânica no Brasil: a Lei nº 10.831 de 24 de dezembro de 2013; o Decreto nº 6.323 de 27 de dezembro de 2007 e a Instrução Normativa nº 46 de 06 de outubro 2011. Estas foram integradas em três unidades de análise, sendo as diretrizes dos sistemas e produção, o processo de comercialização e os mecanismos de controle. 

Vale ressaltar que houve um processo de luta das organizações sociais para a criação dessas normativas, diante da necessidade de mecanismos reguladores da qualidade dos produtos orgânicos e que atendessem aos pequenos agricultores.

A Lei nº 10.831/2013 dispõe sobre a agricultura orgânica, trabalha com conceitos a respeito da produção orgânica, questiona qual a finalidade desse sistema de produção e estabelece alguns parâmetros em relação à certificação, inspeção e fiscalização da produção (BRASIL, 2003). Esta lei considera o sistema de produção orgânica como:

Art. 1º Considera-se sistema orgânico de produção agropecuária todo aquele em que se adotam técnicas específicas, mediante a otimização do uso dos recursos naturais e socioeconômicos disponíveis e o respeito à integridade cultural das comunidades rurais, tendo por objetivo a sustentabilidade econômica e ecológica, a maximização dos benefícios sociais, a minimização da dependência de energia não renovável, empregando, sempre que possível, métodos culturais, biológicos e mecânicos, em contraposição ao uso de materiais sintéticos, a eliminação do uso de organismos geneticamente modificados e radiações ionizantes, em qualquer fase do processo de produção, processamento, armazenamento, distribuição e comercialização, e a proteção do meio ambiente (BRASIL, 2003).

A lei também traz um recorte sobre a comercialização, na qual os produtos orgânicos deverão ser certificados por organismos reconhecidos oficialmente ou por processos próprios de organização e controle social, que deverão ser cadastrados junto ao órgão fiscalizador (BRASIL, 2003).

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O Decreto nº 6.323/2007 regulamenta a Lei nº 10.831/2003, sem prejuízo do cumprimento das demais normas que estabeleçam outras medidas relativas à qualidade dos produtos e processos (BRASIL, 2008).

Já a IN nº 46/2011 estabelece o Regulamento Técnico para os sistemas orgânicos de produção e a relação de substâncias e práticas permitidas para uso nos sistemas orgânicos, o qual deverá ser seguido por toda pessoa física ou jurídica responsável por unidades de produção em conversão ou por sistemas orgânicos de produção (BRASIL, 2011).

Em relação aos sistemas de certificação orgânica no Brasil, podem-se distinguir três sistemas, certificação por auditoria, certificação por sistemas participativos e organização de controle social. Segue a descrição de cada um:

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A Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica, por Iana Chaves e Karla Hora

A Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PNAPO) foi instituída pelo Decreto nº 7.794, de 20 de agosto de 2012, e tem o objetivo de integrar, articular e adequar políticas, programas e ações indutoras da transição agroecológica e da produção orgânica e de base agroecológica, contribuindo para o desenvolvimento sustentável e a qualidade de vida da população, por meio do uso sustentável dos recursos naturais e da oferta e do consumo de alimentos saudáveis.

Um dos principais instrumentos dessa política é o Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo), conhecido sob a denominação de Brasil Agroecológico, que tem como gestoras a Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (CNAPO) e a Câmara Interministerial de Agroecologia e Produção Orgânica (CIAPO).

Nesse primeiro ciclo de execução do Planapo, entre 2013 a 2015, o plano assumiu as diretrizes definidas na Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica. São elas:

  • Promover a soberania e segurança alimentar e nutricional do direito humano à alimentação adequada e saudável.
  • Promover o uso sustentável dos recursos naturais.
  • Promover a conservação e recomposição dos ecossistemas naturais, por meio de sistemas de produção agrícola e de extrativismo florestal baseados em recursos renováveis.
  • Promover sistemas justos e sustentáveis de produção, distribuição e consumo de alimentos, que aperfeiçoem as funções econômica, social e ambiental da agricultura e do extrativismo florestal.
  • Valorizar a agrobiodiversidade e os produtos da sociobiodiversidade e estímulo às experiências locais de uso e conservação dos recursos genéticos vegetais e animais, que envolvam o manejo de raças e variedades locais, tradicionais ou crioulas.
  • Ampliar a participação da juventude rural na produção orgânica e de base agroecológica.

A elaboração do Planapo se deu por meio de um amplo processo de participação social articulado por diferentes atores sociais do campo, das florestas e das águas. A ação da Marcha das Margaridas (articulação de mulheres do campo das florestas e das águas), em 2011, protagonizou importantes ações que levaram à promulgação da Lei de Agroecologia. Além disto, o debate sobre igualdade de gênero no meio rural levou a que, no Planapo, fossem instituídas, pela primeira vez, políticas públicas com paridade de gênero, exemplificadas pela oferta dos serviços de assistência técnica e extensão rural, com igual atendimento para homens e mulheres (HORA; MOLINA, 2014).

O processo de continuidade e aperfeiçoamento levou ao lançamento do Planapo 2016-2019, pela Portaria Interministerial nº 1, de 3 de maio de 2016, com a finalidade de implementar programas e ações fomentadoras da transição agroecológica, da produção orgânica e de base agroecológica, que cooperam com o desenvolvimento sustentável e promovem melhor qualidade de vida para a população, por meio da produção e do consumo de alimentos saudáveis, com práticas que não degradem o meio ambiente.

No entanto, muitos temas correlatos dificultando a efetividade da política em nível nacional, um dos principais estão relacionados à aprovação e revisão do marco legal do uso dos agrotóxicos (com a sua restrição) e a melhoria do processo de rotulagem e uso dos organismos geneticamente modificados.

Referências

BRASIL. Decreto nº 7.794, de 20 de agosto de 2012. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/decreto/d7794.htm.

HORA, K. E. R.; MOLINA C. B. Mulheres rurais e as políticas públicas de apoio à produção agroecológica e de base sustentável In: Mujeres e Medio Ambiente: feminismo e ecologia. Madri - Espanha: Punto Rojo, v.1, p. 109-130, 2014.

Secretaria Especial de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário. Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica – Planapo. Disponível em: http://www.mda.gov.br/planapo/.

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Vamos conhecer algumas experiências de gestão em cooperativas e redes de desenvolvimento local de base ecológica e novas formas de relação com o mercado e a economia solidária

No processo de construção da agroecologia, os agricultores familiares passam por várias etapas que são desafiantes nesse período de construção de uma agricultura de base sustentável. Um dos grandes desafios é a o processo de comercialização de seus produtos. Existem algumas experiências importantes de comercialização na agricultura familiar que vêm dando salto de qualidade às condições sociais e econômicas das famílias que produzem com base agroecológica. Apresentaremos abaixo algumas dessas valiosas experiências de comercialização, tendo como foco o desenvolvimento local de base ecológica.

Produção e comercialização de arroz orgânico

         Com aproximadamente 18 anos de experiência, os assentamentos de Reforma Agrária construíram, ao longo desse período, a experiência de produção e comercialização de arroz ecológico. Segundo Menegon (2009), nesse mesmo ano o grupo produtor de arroz era composto de 180 famílias assentadas, cultivando uma área de aproximadamente 1.254 hectares de arroz orgânico certificado.

Essas famílias estão distribuídas em seis municípios do estado do Rio Grande do Sul, envolvendo sete assentamentos, sendo eles: Charqueadas (Assentamento 30 de Maio); Eldorado do Sul (Assentamentos Integração Gaúcha e Conquista Nonoaiense); Guaíba (Assentamento 19 de Setembro); Capela (Assentamento Capela); Tapes (Assentamento Lagoado Junco); Viamão (Assentamento Filhos de Sepé). Deste universo, 75 famílias possuem o status de produtoras de alimento agroecológico, podendo comercializar arroz com selo orgânico nos mercados brasileiro, europeu, norte-americano e japonês, e 105 famílias encontravam-se em processo de conversão.

Pastoreio Racional Voisin – PRV

O Pastoreio Racional Voisin – PRV é um método racional de manejo do complexo solo-planta-animal, idealizado cientista francês André Voisin. O PRV propõe o pastoreio direto e em rotações de pastagens, através da subdivisão da área em piquetes, permitindo o direcionamento do gado para aqueles que apresentam o pasto no seu tempo de repouso adequado. (Machado, 2004) Esse sistema tem sido uma ferramenta importante no processo de transição agroecológica, existem várias experiências bem sucedidas na produção de leite a base de pasto principalmente na região Sul do Brasil, porém essas experiências tem se expandido.

Em Pesquisa realizada por Silveira et al., 2014 com o objetivo de sistematizar experiências com o PRV no Cerrado, identificou-se três experiências em funcionamento em Goiás. A primeira experiência em uma unidade de agricultura familiar no município de Catalão, a segunda no município de Itapuranga e a terceira no município de Crixás. De acordo com os autores observou-se nas três experiências visitadas que a relação unidade animal por hectare é no mínimo três vezes maior que a média no Cerrado, somando-se a isso observou-se que a fertilidade do solo está acima da média da fertilidade natural dos solos do Cerrado.

MACHADO, Luiz Carlos Pinheiro. Pastoreio racional voisin: tecnologia agroecológica para o terceiro milênio. Porto Alegre: Cinco Continentes, 2004. 313 p.

Silveira, A. L., Costa, R. V., Gomes, L. H., & Moreira, L. P. (2014). Sistematização de experiências de sistemas de Pastoreio Racional Voisin em propriedades de agricultores familiares e assentados no estado de Goiás. Cadernos de Agroecologia, 9(3).

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Experiências de produção e agroecologia em Goiás

Buscando na literatura algumas experiências agroecólogicas em Goiás, podemos dizer que o estado de Goiás tem dado um salto no que se refere à busca por uma produção de alimentos sustentáveis. Destacamos algumas experiências:

Hortaliças agroecológicas - Assentamento Cunha

O assentamento Cunha está localizado no município de Cidade Ocidental em Goiás e é constituído por 60 famílias, das quais 16 trabalham de forma coletiva e no sistema de produção agroecológica. O carro chefe é a produção de hortaliças, e a comercialização se dá através dos programas governamentais (PNAE e PAA), das feiras livres e cestas agroecológicas.

Captação de água da chuva e círculo de bananeiras - Assentamento Sílvio Rodrigues

O assentamento Silvio Rodrigues está localizado no município de Alto Paraíso de Goiás e vem desenvolvendo valiosas experiências para a construção da agroecologia. O assentamento, que sofre com a dificuldade de acesso a água na região, trabalha com a experiência de reservatórios domésticos de captação de água da chuva com cisternas de ferrocimento, e realizam o tratamento biológico do esgoto doméstico com experiencias de tecnologias sociais implementadas inicialmente pelo projeto Caravana da Luz, com as fossas sépticas econômicas para as águas negras, e do círculo de bananeiras para as águas cinzas. O assentamento conta ainda com a produção de Sistemas Agroflorestais (SAFs) e a atuação do Grupo de mulheres Mães da Terra com a produção, beneficiamento e venda dos produtos artesanais com os frutos do Cerrado.

Quintais produtivos – Comunidade Kalunga

Trabalhos desenvolvidos por Pereira e De Almeida (2011) mostram que, nos quintais Kalungas, localizados nos municípios de Cavalcante e Teresina de Goiás, se pratica grande parte da sua cotidianidade, tendo uma relação íntima com o lugar, produzindo plantas medicinais e alimentícias. De acordo com o autor, o quintal para o Kalunga representa o espaço dos saberes. É nele que a mulher, sobretudo, reproduz seus conhecimentos com as plantas, trazendo presente os conhecimentos adquiridos historicamente, passados por gerações, de mãe para filha, de avó para neta.

Produção de sementes crioulas – AEPAGO

A Associação Estadual dos Pequenos Agricultores de Goiás (AEPAGO) trabalha com agricultores e agricultoras do estado de Goiás. Os agricultores e agricultoras associados vêm desenvolvendo um amplo trabalho de resgate com sementes de variedades crioulas, trabalho realizado em parceria com a Embrapa Cerrados.

Uma das experiências realizadas são os chamados corredores agroecológicos que, além de selecionarem as sementes, cumprem um papel fundamental na recuperação do solo. Na imagem abaixo, podemos observar diversas variedades de milho crioulo produzidas em uma propriedade familiar em Catalão – Goiás.

Variedade de sementes crioulas de comunidades rurais de Catalão-GO (foto: Leniany Moreira, 2018).
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A feira Agro Centro-Oeste Familiar

Outra importante experiência em Goiás é a construção e realização da feira Agro Centro-Oeste Familiar.

A feira é um evento realizado anualmente e trata-se de uma construção coletiva gerida pelas organizações sociais, juntamente com as instituições de ensino e entidades públicas. É um importante evento que traz a discussão sobre temas relevantes sobre agricultura familiar.

Durante o evento são realizados oficinas, minicursos, mostras tecnológicas e exposições de produtos oriundos da agricultura familiar, trazendo muito presente a troca de experiências entre os agricultores e as agricultoras.

Para conhecer

Você já ouviu falar em economia solidária?

A origem da economia solidária relaciona-se com o movimento associativista operário do século XIX na Europa, a partir de uma reflexão de uma dinâmica de resistência popular, fazendo emergir, neste contexto, várias experiências solidárias pela ideia de ajuda mútua, estando presente a cooperação e associação (FRANÇA FILHO, 2002).

Segundo Paul Singer (2005), ao falarmos em economia solidária é preciso pensarmos que, antes de tudo, ela é um processo contínuo de aprendizado de como praticar a ajuda mútua, a solidariedade e a igualdade de direitos, no panorama dos empreendimentos, os tornando capazes de melhorar a qualidade de seus produtos, as condições de trabalho, o nível de ganho dos sócios e a preservação e recuperação do meio ambiente, praticando um comércio justo entre os empreendimentos e os relacionamentos solidários com fornecedores e consumidores. A economia solidária pode ser compreendida como:

 Um ato pedagógico em si mesmo, na medida em que propõe uma nova prática social e um entendimento novo dessa prática. A única maneira de aprender a construir a economia solidária é praticando-a. Mas seus valores fundamentais precedem sua prática (SINGER, 2005, p. 19).

Para conhecer

Você já ouviu falar de compras públicas?

Programa de Aquisição de Alimentos (PAA)

O PAA foi criado no ano de 2003, no governo Lula, como parte do programa Fome Zero, com o objetivo de assegurar o acesso aos alimentos por populações que vivem em situação de insegurança alimentar ou nutricional, assim como fortalecer a agricultura familiar, por meio de compras governamentais de alimentos (HESPANHOL, 2013).

Programa Nacional de Merenda Escolar (PNAE)

Segundo o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), o PNAE é um programa que oferece alimentação escolar a estudantes de todas as etapas da educação básica pública. O governo faz o repasse, aos estados, municípios e às escolas federais, dos valores financeiros de caráter suplementar da alimentação escolar. A Lei nº 11.947, de 16/06/2009, garante que 30% do valor repassado pelo PNAE devem ser investidos na compra direta de produtos da agricultura familiar, medida que estimula o desenvolvimento econômico e sustentável das comunidades.

Atividade

Depois de tudo que lemos, estudamos e aprendemos, vamos aplicar à nossa realidade? Você consome algum alimento, em casa, que possui algum rótulo de identificação de procedência? Vamos listar e conversar sobre o significado? (FÓRUM)

Existem feiras da agricultura familiar, feiras orgânicas ou vendas diretas aos consumidores pelos agricultores e agricultoras familiares das comunidades rurais e tradicionais no seu município? Vamos conversar no FÓRUM?

Em que a agroecologia pode ajudar a pensar aspectos de saneamento, higiene e saúde? Vamos conversar no FÓRUM?

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Referências

BRASIL. Decreto nº 2.519, de 16 de março de 1998. Promulga a Convenção sobre Diversidade Biológica, assinada no Rio de Janeiro, em, v. 5.

BRASIL. Instrução normativa nº 46, de 06 de outubro de 2011. Lei nº 10.831, de 23 de dezembro de 2003. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 06 Outubro. 2011. Seção 1, p. 8.a.

BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Controle social na venda direta ao consumidor de produtos orgânicos sem certificação. Secretaria de Desenvolvimento Agropecuário e Cooperativismo, Brasília: Mapa/ACS, 2008.  24 p.

BRASIL. Lei nº 11.947/2009. Dispõe sobre o atendimento da alimentação escolar e do Programa Dinheiro Direto na Escola aos alunos da educação básica. Brasília: Presidência da República, p. 16-06, 2009.

CALDART, Roseli et al. Dicionário da Educação do Campo. Rio de Janeiro, São Paulo: Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, Expressão Popular, 2012.  

CAPORAL, Francisco; HERNÁNDEZ, J. Morales. La Agroecología desde Latinoamérica: avances y perspectivas.) http://agroeco. org/brasil/material/La_Agroecologia_ LA. pdf, 2004.

CARVALHO, José; DINIZ, Noris Costa. Cartilha erosão. Brasília: Universidade de Brasília: FINATEC, 2007. 34p.: il. 3º edição.

DAROLT, Moacir Roberto. Alimentos orgânicos: um guia para o consumidor consciente. IAPAR, 2007.

DOS SANTOS FERREIRA, Camila; DA CUNHA-SANTINO, Marcela Bianchessi; JÚNIOR, Irineu Bianchini. Eutrofização: aspectos conceituais, usos da água e diretrizes para a gestão ambiental. Revista Ibero-Americana de Ciências Ambientais, v. 6, n. 1, p. 65-77, 2015.

FRANÇA FILHO, Genauto Carvalho de. Terceiro setor, economia social, economia solidária e economia popular: traçando fronteiras conceituais. Bahia Análise & Dados, v. 12, n. 1, p. 9-19, 2002.

GADOTTI, MOACIR.  Economia solidária como práxis pedagógica. São Paulo: Editora e Livraria Instituto Paulo Freire, 2009 (Educação popular).

GLIESSMAN, Stephen R. Agroecologia: Processos ecológicos em agricultura sustentável. 3. ed. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2008.

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