Caro educando e cara educanda,
Neste módulo já falamos de muitas coisas. Vamos tentar relembrar um pouco?
Na Parte 1, falamos sobre os diferentes tipos de conhecimento (popular e o científico) e ressaltamos os elementos de metodologia científica que lhe auxiliarão na elaboração e no desenvolvimento de sua pesquisa. Na Parte 2, falamos sobre didática e suas estratégias de ensino e aprendizagem. Na Parte 3, estudamos sobre a educação popular e sua interface com a educação do campo. Além disto, apresentamos alguns caminhos para o estudo da relação “educação e comunicação” na atualidade.
Agora que você já tem domínio dos conceitos básicos de metodologia científica e das estratégias de educação popular, vamos aplicá-las ao estudo da educação ambiental e sua relação com as ações de mobilização social em saneamento.
Vamos continuar nossos estudos?
Você sabe em que contexto surgiu a educação ambiental e qual a sua importância?
1) Histórico da educação ambiental
Desde a antiguidade, os seres humanos enfrentam problemas ambientais que afetam a sua saúde e qualidade de vida. No entanto, notadamente a partir da Revolução Industrial, que começou na Inglaterra no século XVIII, esses problemas se intensificaram.
A transição dos métodos de manufatura de produtos da maneira manual para aqueles produzidos por máquinas acelerou os processos produtivos e aqueceu a economia mundial por meio da industrialização e geração de novos empregos e profissões. No entanto, esse processo de industrialização trouxe consigo alguns aspectos negativos, como maiores níveis de poluição do ar, contaminação de fontes de água e do solo e aumento do risco de desenvolvimento de doenças, devido às maiores concentrações de pessoas nas cidades, vivendo, muitas vezes, em condições insalubres.
Para tentar reverter esses problemas, foram criados leis, normas e decretos de caráter proibitivo, disciplinadores e punitivos, mas estes instrumentos nem sempre resultaram em avanços concretos na resolução dos problemas ambientais e na melhoria da qualidade de vida das pessoas.
Nesse contexto, percebeu-se a necessidade de associar o processo educativo para conceber estrategicamente a sociedade, surgindo, assim, a educação ambiental. Deste modo, na década de 1960 foi utilizada pela primeira vez a expressão educação ambiental (enviromental education) na “Conferência de Educação” da Universidade de Keele, na Grã-Bretanha.
No entanto, foi a partir da década de 1970 que, diante do reconhecimento mundial da complexidade crescente dos problemas que afetam o meio ambiente, a expressão educação ambiental impregnou não só o ideário político, como também passou a ocupar destaque no contexto pedagógico (RAMOS, 2001).
No quadro que se segue, apresentamos um breve histórico da educação ambiental no mundo:
24Anos 1960 | Anos 1970 | Anos 1980 | Anos 1990 | Anos 2000 |
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1962 - Publicação da “Primavera Silenciosa”, por Rachel Carlson. 1965 – Utilizou-se a expressão “educação ambiental” (enviromental education) na “Conferência de Educação” da Universidade de Keele, na Grã-Bretanha. 1966 - Pacto Internacional sobre os Direitos Humanos - Assembleia Geral da ONU. 1968 - Fundação do Clube de Roma, 1968, Manifestações de Maio de 68 na França. |
1972 - Publicação do Relatório “Os Limites do Crescimento” - Clube de Roma. 1972 - Conferência de Estocolmo - Discussão do Desenvolvimento e Ambiente, Conceito de Ecodesenvolvimento. Recomendação 96, Educação e Meio Ambiente. 1973 - Registro Mundial de Programas em Educação Ambiental – USA. 1974 - Seminário de Educação Ambiental em Jammi, Finlândia - Reconhece a Educação Ambiental como educação integral e permanente. 1975 - Congresso de Belgrado - Carta de Belgrado - estabelece as metas e os princípios da educação ambiental. 1975 - Programa Internacional de Educação Ambiental (PIEA). 1976 - Reunião Subregional de EA para o ensino Secundário Chosica, no Peru. Questões ambientais na América Latina estão ligadas às necessidades de sobrevivência e aos direitos humanos. 1976 - Congresso de Educação Ambiental Brasarville, na África - Reconhece que a pobreza é o maior problema ambiental. 1977 - Conferência de Tbilisi, na Geórgia - Estabelece os princípios orientadores da EA e remarca seu caráter interdisciplinar, crítico, ético e transformador. 1979 - Encontro Regional de Educação Ambiental para a América Latina, em San José, na Costa Rica. |
1980 - Seminário Regional Europeu sobre EA, para a Europa e a América do Norte. Assinala a importância do intercâmbio de informações e experiências. 1980 - Seminário Regional sobre EA nos Estados Árabes, Manama, Bahrein. UNESCO - PNUMA. 1980 - Primeira Conferência Asiática sobre EA Nova Delhi, na Índia. 1987 - Divulgação do Relatório da Comissão Brundtland, Nosso Futuro Comum. 1987 - Congresso Internacional da UNESCO – PNUMA, sobre Educação e Formação Ambiental - Moscou. Realiza a avaliação dos avanços desde Tbilisi, reafirma os princípios de educação ambiental e assinala a importância e necessidade da pesquisa e da formação em educação ambiental. 1988 - Declaração de Caracas. ORPAL - PNUMA, sobre Gestão Ambiental em América. Denuncia a necessidade de mudar o modelo de desenvolvimento. 1989 - Primeiro seminário sobre materiais para a educação ambiental. ORLEAC - UNESCO - PIEA. Santiago, no Chile. 1989 - Declaração de HAIA, preparatório da RIO 92. Aponta a importância da cooperação internacional nas questões ambientais. |
1990 - Conferência Mundial sobre Ensino para Todos, satisfação das necessidades básicas de aprendizagem, Jomtien, na Tailândia. Destaca o conceito de analfabetismo ambiental. 1990 - ONU declara o ano de 1990 como o Ano Internacional do Meio Ambiente. 1991 - Reuniões preparatórias da Rio 92. 1992 - Conferência Sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, UNCED, Rio/92 - Criação da Agenda 21; Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis; FORUN das ONGs - compromissos da sociedade civil com a educação ambiental e o meio ambiente; Carta Brasileira de Educação Ambiental - aponta as necessidades de capacitação na área. 1993 - Congresso Sul-americano continuidade Eco/92 – Argentina. 1993 - Conferência dos Direitos Humanos. Viena. 1994 - Conferência Mundial da População. Cairo. 1994 - I Congresso Ibero Americano de Educação Ambiental. Guadalajara, no México. 1995 - Conferência para o Desenvolvimento Social. Copenhague. Criação de um ambiente econômico-político-social-cultural e jurídico que permita o desenvolvimento social. 1995 - Conferência Mundial da Mulher/Pequim. 1995 - Conferência Mundial do Clima. Berlim, 1996, Conferência Habitat II Istambul. 1997 - II Congresso Ibero-americano de EA. Junho, Guadalajara, no México. 1997 - Conferência sobre EA, em Nova Delhi. 1997 - Conferência Internacional sobre Meio Ambiente e Sociedade: Educação e Conscientização Pública para a Sustentabilidade, Thessaloniki, na Grécia. 1999 - É lançada a revista Tópicos en Educación Ambiental, uma publicação internacional editada no México, que contém informações sobre as variadas vertentes e áreas da educação ambiental. |
2002 - Em dezembro, a Assembleia Geral das Nações Unidas, durante sua 57ª sessão, estabeleceu a resolução nº 254, declarando 2005 como o início da Década da Educação para o Desenvolvimento Sustentável, depositando na Unesco a responsabilidade pela implementação da iniciativa. 2003 - Durante a XIV Reunião do Foro de Ministros de Meio Ambiente da América Latina e Caribe, em novembro, no Panamá, oficializou-se o PLACEA, o Programa Latino-americano e Caribenho de Educação Ambiental, que teve como principal protagonista a Venezuela e, como foro de discussões, a série dos congressos ibero-americanos de educação ambiental. 2003 - Em novembro, realizou-se, na Venezuela, a reunião de trabalho de especialistas em gestão pública da educação ambiental na América Latina e no Caribe, que elaborou o plano de implementação do PLACEA, de modo articulado com a Iniciativa Latino-americana e Caribenha para o Desenvolvimento Sustentável. 2003 - Em janeiro criou-se, em Portugal, durante as XII Jornadas Pedagógicas de Educação Ambiental da ASPEA, Associação Portuguesa de Educação Ambiental, a Rede Lusófona de Educação Ambiental, reunindo educadores ambientais brasileiros, portugueses e outras nacionalidades de língua portuguesa. |
Mas, afinal, o que é educação ambiental?
Existem vários conceitos para definir educação ambiental. Vamos ver alguns deles?
A educação ambiental é um processo de reconhecimento de valores e clarificações de conceitos, objetivando o desenvolvimento das habilidades e modificando as atitudes em relação ao meio, para entender e apreciar as inter-relações entre os seres humanos, suas culturas e seus meios biofísicos. A educação ambiental também está relacionada com a prática das tomadas de decisões e a ética que conduzem para a melhora da qualidade de vida.
Conferência Intergovernamental de Tbilisi (1977)Entendem-se por educação ambiental os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade.
Política Nacional de Educação Ambiental - Lei nº 9795/1999, Art. 1º.A Educação Ambiental deve proporcionar as condições para o desenvolvimento das capacidades necessárias; para que grupos sociais, em diferentes contextos socioambientais do país, intervenham, de modo qualificado tanto na gestão do uso dos recursos ambientais quanto na concepção e aplicação de decisões que afetam a qualidade do ambiente, seja físico-natural ou construído, ou seja, educação ambiental como instrumento de participação e controle social na gestão ambiental pública.
QUINTAS, J. S. Salto para o Futuro, 2008.
Como podemos ver, apesar de os conceitos serem diferentes, todos possuem em comum o fato de trazerem a educação ambiental (EA) como uma educação política, no sentido de que ela reivindica e prepara os cidadãos para exigir justiça social, cidadania nacional e planetária, autogestão e ética nas relações sociais e com a natureza.
Dessa forma, segundo Dias (2004), a EA pretende:
2) Princípios básicos da educação ambiental
Segundo a Política Nacional de Educação Ambiental (Lei nº 9795/1999), são princípios básicos da EA:
- O enfoque humanista, holístico, democrático e participativo;
- A concepção do meio ambiente em sua totalidade, considerando a interdependência entre o meio natural, o socieconômico e o cultural, sob o enfoque da sustentabilidade;
- O pluralismo de ideias e concepções pedagógicas, na perspectiva da inter, multi e transdisciplinaridade;
- A vinculação entre a ética, a educação, o trabalho e as práticas sociais;
- A garantia de continuidade e permanência do processo educativo;
- A permanente avaliação crítica do processo educativo;
- A abordagem articulada das questões ambientais locais, regionais, nacionais e globais;
- O reconhecimento e o respeito à pluralidade e à diversidade individual e cultural.
Ainda segundo essa mesma lei, são objetivos fundamentais da educação ambiental:
- o desenvolvimento de uma compreensão integrada do meio ambiente em suas múltiplas e complexas relações, envolvendo aspectos ecológicos, psicológicos, legais, políticos, sociais, econômicos, científicos, culturais e éticos;
- a garantia de democratização das informações ambientais;
- o estímulo e o fortalecimento de uma consciência crítica sobre a problemática ambiental e social;
- o incentivo à participação individual e coletiva, permanente e responsável, na preservação do equilíbrio do meio ambiente, entendendo-se a defesa da qualidade ambiental como um valor inseparável do exercício da cidadania;
- o estímulo à cooperação entre as diversas regiões do País, em níveis micro e macrorregionais, com vistas à construção de uma sociedade ambientalmente equilibrada, fundada nos princípios da liberdade, igualdade, solidariedade, democracia, justiça social, responsabilidade e sustentabilidade;
- o fomento e o fortalecimento da integração com a ciência e a tecnologia;
- o fortalecimento da cidadania, autodeterminação dos povos e solidariedade como fundamentos para o futuro da humanidade.
3) Educação ambiental e o Programa de Educação Ambiental e Mobilização Social em Saneamento (PEAMSS)
O saneamento básico, ou a falta dele, está diretamente relacionado à qualidade de vida da população. Muitas doenças podem ser causadas devido à falta de saneamento básico adequado.
No entanto, pela complexidade do tema, que envolve inclusive questões relacionadas aos hábitos de vida da população, apenas o desenvolvimento de infraestruturas de saneamento adequadas pode não ser suficiente para evitar que a população seja afetada.
Dessa maneira, segundo Brasil (2009a), é imprescindível desenvolver ações educativas que possibilitem a compreensão sistêmica que a questão exige e estimular a participação popular, engajada e consciente, no enfrentamento dessa questão.
Nesse contexto, a educação ambiental em saneamento pode ser uma estratégia eficaz para despertar o protagonismo da população por meio de ações articuladas entre as questões relativas ao saneamento básico e à educação ambiental.
Partindo dessa premissa, o governo federal brasileiro, por meio do Programa de Educação Ambiental e Mobilização Social em Saneamento (PEAMSS), tem desenvolvido estratégias para tentar formar cidadãos comprometidos em atuar coletivamente rumo à construção de “sociedades sustentáveis”, como preconiza o Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global (BRASIL, 2009a).
O PEAMSS também está em consonância com o preconizado na Lei Nacional do Saneamento Básico nº 11.445, de 05/01/2007, que tem como principais objetivos a universalização dos serviços de saneamento e a participação efetiva da sociedade no controle social das ações deflagradas.
O objetivo principal do PEAMSS é fomentar e apoiar o desenvolvimento de iniciativas de educação ambiental e mobilização social em saneamento, de modo que se consolidem como ações continuadas e transformadoras que contribuam para o conhecimento, a participação e o controle social, a universalização do acesso aos serviços de saneamento básico e a construção de sociedades sustentáveis.
Os princípios do PEAMSS são:
27- Transversalidade e Intersetorialidade: as iniciativas de educação ambiental e mobilização social perpassam toda ação de saneamento básico, em todas as suas modalidades, promovendo a interlocução entre os segmentos interessados, o diálogo entre os vários ramos (níveis) do conhecimento e a articulação dos diferentes programas e ações dos governos federal, estaduais e municipais.
- Transparência e Diálogo : educação ambiental deve promover o acesso à informação e fortalecer os processos de mobilização social, estimulando o diálogo entre sociedade e poder público na definição e consolidação das políticas públicas.
- Continuidade e Permanência : as ações de mobilização social e educação ambiental devem ser continuadas, buscando o impacto permanente na qualidade e efetividade no acesso e no direito aos serviços de saneamento.
- Emancipação e Democracia: a ação educativa deve promover a reflexão crítica, fortalecer a autonomia, garantir a liberdade de expressão e empoderar os envolvidos para a participação nas decisões políticas.
- Tolerância e Respeito: a ação educativa deve promover o reconhecimento da pluralidade e da diversidade, seja no meio natural, social, econômico e cultural.
Também é importante destacar as diretrizes do PEAMSS, pois elas têm caráter orientador e articulador das ações de saneamento básico, devendo ser reconhecidas e observadas como prioritárias e de caráter permanente.
As diretrizes do PEAMSS são as seguintes:
- Incentivo e valorização do desenvolvimento e utilização de tecnologias sociais sustentáveis em saneamento
- Incentivo à gestão comunitária, escala local e direito à cidade
- Promoção da compreensão das dimensões da sustentabilidade em saneamento
- Respeito ao regionalismo e à cultura local em saneamento
- Incentivo à participação, mobilização social e educomunicação
4) Temas geradores em saúde e saneamento
O termo tema gerador foi cunhado por Paulo Freire, em 1985, e, segundo ele, o tema gerador é o tema ponto de partida para o processo de construção da descoberta. Por emergirem do saber popular, os temas geradores são extraídos da prática devida dos educandos, substituem os conteúdos tradicionais e são buscados através da “pesquisa do universo vocabular”.
Em saúde e saneamento, vários temas geradores podem ser levantados junto às comunidades onde irão ser desenvolvidas as ações de mobilização social em saneamento.
Exemplos de temas geradores em saúde e saneamento incluem:
Partindo desses temas geradores é possível estabelecer objetivos e estratégias de ação para cada comunidade, baseados na sua realidade local.
Exemplos de temas geradores e respectivos objetivos podem ser obtidos no “Caderno Metodológico para as ações de educação ambiental e mobilização social em saneamento” (BRASIL, 2009b).
5) Estratégias metodológicas participativas para ações educativas em saúde e saneamento
Duas das principais metodologias participativas utilizadas em ações educativas em saúde e saneamento são o biomapa e o diagnóstico rural participativo (DRP).
Referências
BRASIL. Ministério das Cidades. Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental. Departamento de Articulação Institucional. Diretrizes para ações de Educação Ambiental e Mobilização Social em Saneamento – Documento de referência conceitual. Brasília, DF: Ministério das Cidades, 2009a.
BRASIL. Ministério das Cidades. Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental Programa de Educação Ambiental e Mobilização Social em Saneamento. Caderno metodológico para ações de educação ambiental e mobilização social em saneamento. Brasília, DF: Ministério das Cidades, 2009b.
DIAS, G. F. Educação Ambiental: princípios e práticas. 9. ed. São Paulo: Gaia, 2004.
FREIRE, P. A importância do ato de ler. São Paulo: Cortez/Autores Associados, 1985.
RAMOS, E. C. Educação ambiental: origem e perspectivas. Educar, Curitiba, n. 18, p. 201-218. 2001. Editora da UFPR.