VOLTAR À COLEÇÃO ISBN:978-65-997623-6-9
Volume 4

Experiências na educação básica

Práticas de formação e metodologias de ensino

As metodologias ativas e o percurso entre a tradição e a inovação

AUTORES
Adriane Oliveira de Lima
Letícia de Souza Gonçalves
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Introdução

Temos vivenciado algumas mudanças nos meios de comunicação e o crescente desenvolvimento das tecnologias digitais. Esses novos formatos acabam por exigir de nós, professores, alguma adequação para que tenhamos um processo de ensino e aprendizagem mais efetivo. Porém não se trata de uma tarefa fácil. O que, na nossa formação, era comum em uma educação tradicionalista, hoje já não tem a mesma funcionalidade e espaço.

Somos bombardeados com inovações no campo educacional. Ou seja, ideias surpreendentes baseadas no uso das metodologias ativas com o apoio de recursos tecnológicos, ou não, surgem como verdadeiras salvadoras do fazer pedagógico. Porém, quando partimos para a prática e tentamos implantar as receitas ditas milagrosas, somos pegos de surpresa diante de algumas particularidades, tais como: falta de preparo do professor, falta de maturidade do aluno, falta de acesso a recursos tecnológicos, entre outras.

A proposta das metodologias ativas surge em um cenário no qual percebemos a necessidade de rever as relações no processo de ensino e aprendizagem. Retomam-se as buscas pela autonomia do discente que, orientado por seu professor, ganha espaço ativo na construção de seu conhecimento. É válido ressaltar que essa máxima de construção de autonomia remete aos estudos da educação, desde a Grécia Antiga. Sócrates (469 A.C. 399 A.C) assim já ensinava, com base no debate e no diálogo. Esse processo denominado maiêutica refere-se à arte de parir ideias através do diálogo.

Outro ponto de atenção refere-se à tomada de decisão para realizar um trabalho com as metodologias ativas. Isto exigirá do professor um exercício de autocrítica, desconstrução e reconstrução de suas práticas. Ele precisará se desgarrar de todas as suas vivências de cunho tradicionalista e se abrir para outras possibilidades, embora aquilo que destoa da nossa rotina comum cause desconforto e medo. Nem sempre estamos abertos a enfrentar mais um desafio diante de tantos outros.

Devemos nos atentar sobre quais os interesses na implementação de certas tendências. As metodologias ativas, como proposta metodológica, visam tornar a aprendizagem do aluno mais significativa. Porém, isto não a isenta de abrir margens para o interesse mercadológico, no qual ocorre a transferência de intencionalidade para o mercado na educação, ao usar o discurso de inovação. Muitas reflexões são necessárias para a percepção das verdadeiras intenções, por exemplo: as metodologias ativas, quando propostas, são vistas pelos motivos educacionais ou pelos neoliberais?

Do ponto de vista docente, em um contexto de escola de educação básica no Brasil, este ensaio apresenta reflexões acerca das metodologias ativas e da tentativa de implementação nas nossas práticas de sala de aula, bem como das consequências contemporâneas para o ensino. Nesse sentido, nosso objetivo é refletir criticamente a mudança de perspectiva dos agentes participantes do processo de ensino e aprendizagem. Ademais, visamos abordar os principais conceitos sobre a autonomia do estudante em Immanuel Kant, John Dewey e Paulo Freire.

Para auxiliar nosso diálogo, distinguimos alguns autores, como: Bacich, Neto e Trevisani (2015), Mello, Neto e Petrillo (2019) com conceito e características das metodologias ativas. Além desses, recorremos a outros teóricos, como: Dewey (2011), Kant (1996) e Freire (1993 e 1996) que, há alguns anos, vem possibilitando discussões sobre construção da autonomia, Libâneo (2013) e Nunes (2008) sobre a posição e o desafio de professores ante as inovações, e Laval (2019) que reflete sobre a implementação das leis de mercado na escola.

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As metodologias ativas e a construção do conhecimento

Com a popularização do uso das tecnologias digitais de informação e comunicação (TDIC) no século XXI, diferente forma de comportamento foi gerada exigindo, assim, mudança das instituições sociais, incluindo-se a educação. As metodologias ativas, em seu sentido amplo, surgem como estratégias para essa transição no campo educacional.

Ao buscar os conceitos relacionados às metodologias ativas, tem-se como característica a mudança de perspectiva das relações entre alunos, professores e conhecimento. Elas surgem em oposição aos modelos tradicionais, nos quais o conhecimento é visto como objeto prioritário do professor que, hierarquicamente, estabelece sua autoridade e repassa os conteúdos aos estudantes.

A proposta das metodologias ativas, então, muda a dinâmica. O papel do professor passa a ser de tutor que irá direcionar o aluno e, este, de maneira ativa construirá o seu conhecimento.

As metodologias ativas dão ênfase ao papel protagonista do aluno, ao seu envolvimento direto, participativo e reflexivo em todas as etapas de processo, experimentando, desenhando, criando, com orientação do professor [...]. Metodologias ativas são estratégias de ensino centradas na participação efetiva dos estudantes na construção do processo de aprendizagem, de forma flexível, interligada e híbrida (MORAN, 2018, p. 04).

Tomando por base o desenvolvimento da autonomia do aluno, entre as estratégias de ensino e aprendizagem, podemos mencionar algumas, sendo: a sala de aula invertida, a aprendizagem baseada em projetos, a rotação por estações, a gamificação, entre outras. Essas estratégias colocam o aluno como agente de seu próprio processo de construção de conhecimento. Entre essas estratégias, a sala de aula invertida e a rotação por estações estão intimamente relacionadas às TDIC, enfatizando a aprendizagem personalizada.

A sala de aula invertida é a abordagem em que o conteúdo e as instruções são estudados on-line, anteriormente à aula propriamente dita e, a aula em si torna-se um momento para esclarecer dúvidas e aprofundar alguns tópicos. A rotação por estações, por sua vez, promove um circuito em que se misturam sala de aula e outros espaços. Nesse contexto, cada grupo de estudantes desenvolve uma atividade sobre o mesmo conteúdo, entretanto, de maneira diferente.

Outro ponto a ser considerado no uso das metodologias ativas diz respeito à busca de proporcionar aos alunos uma aprendizagem significativa, bem como a personalização da aprendizagem. Esses movimentos tendem a respeitar o tempo e o estilo para a construção do conhecimento de cada aluno.

De acordo com Moran (2018, p. 5), “a personalização, do ponto de vista do educador e da escola, é o movimento de ir ao encontro das necessidades e interesses dos estudantes”. Desse modo, o aluno não é visto como mero espectador, além do fato de ter sua capacidade de desenvolvimento ampliada, respeitando-se suas particularidades.

Logo, podemos considerar que um dos principais pontos que caracterizam as metodologias ativas é a construção da autonomia do aluno, o que não é algo recente. Em se tratando das estratégias para o desenvolvimento da autonomia, estas podem ser consideradas contemporâneas; em alguns casos, são baseadas no uso das TDIC com finalidade pedagógica.

Ao percorrer a história da educação sobre as teorias de ensino e aprendizagem, encontramos algumas discussões sobre o tema. Sendo assim, trazemos um recorte de três autores que, em seus estudos, dialogam a respeito da construção de autonomia na educação. São eles: Immanuel Kant (1724 – 1804), John Dewey (1859 – 1952) e Paulo Freire (1921 – 1997). Elencamos esses teóricos devido à relevância deles no campo educacional com contribuições chave à construção do conhecimento e aos modos de ensinar e aprender em contextos específicos.

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O desenvolvimento da autonomia em Immanuel Kant, John Dewey e Paulo Freire

Immanuel Kant, Paulo Freire e John Dewey trouxeram algumas concepções sobre o que é autonomia e sua importância na vida do homem. Kant foi um filósofo, nascido na cidade da Prússia em 1724. As contribuições literárias desse autor abordam temas, como: a filosofia da moral, a ética, a metafísica e a lógica. Ele não formulou teorias específicas sobre educação, porém, contribuiu com ela; considerava-a de suma importância para o desenvolvimento do ser humano.

Em sua obra Sobre pedagogia (1803), tem-se a seguinte afirmação: “O homem é a única criatura que precisa ser educada” (KANT, 1996, p. 11). Para Kant, a educação era o caminho que levava o homem a sair de sua situação de animalidade. Os escritos desse autor trazem o conceito de autonomia por meio do “Esclarecimento” que significa a saída do homem de sua minoridade. Ou seja: a incapacidade dele de se servir do seu próprio entendimento sem a tutela de outro, com vistas a alcançar a maioridade.

A autonomia é o melhor resultado que podemos alcançar por meio da Educação como projeto importante e necessário. Ao dizer sobre a necessidade da Educação, Kant apud Schulz (2016) assim afirma:

Outra razão de a educação ser necessidade é que, ao nascer, a criança, o ser humano, não é nem bom nem mau por natureza, mas apresenta tendência para, e daí a necessidade da educação para que não venha depender de vícios, sendo desde cedo educada para uma futura autonomia (KANT, 1996, p.14 apud SCHULZ, 2016, p. 655).

Com o conceito Esclarecimento, Kant traz características fundamentais para a construção de autonomia, o homem por ele mesmo buscando se situar no mundo de maneira consciente e sem a dependência de outro para isso; saída da heteronomia para autonomia.

O segundo autor que também contribuiu, não só para o conceito de autonomia na educação como também para as relações entre alunos, professores e conhecimento, foi John Dewey. Entre suas obras mais famosas estão Democracia e Educação (1916) e Experiência e Educação (1938). Esses estudos fizeram do filósofo um dos primeiros a considerar o aluno como centro no processo de ensino-aprendizagem. Não se pretende desmerecer outras posições, porém realçar a importância do papel ativo e responsável, diferentemente da postura reforçada pela educação tradicionalista, em que o aluno é totalmente passivo.

A escola progressista, baseada na individualidade e autonomia do aluno, postula que a educação é um processo de vivência e não preparação para vida futura. Além de ter surgido pelo descontentamento com a educação tradicional, essa escola é uma crítica ao modelo tradicional:

Quando essa crítica implícita se torna explícita, temos algo como o que se segue: o esquema tradicional é, em sua essência, uma imposição de cima para baixo e de fora para dentro. Impõem padrões, matérias de estudo e métodos desenvolvidos para adultos sobre aqueles que ainda caminham lentamente para a maturidade. A distância entre o que é imposto e os que sofrem tal imposição é tão grande que as matérias de estudo, os métodos de aprendizagens e o comportamento esperado são incoerentes com a capacidade correspondente à idade do jovem aluno (DEWEY, 2011, p. 21).
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Dewey (2011) fez breve relato sobre as escolas tradicionais e as escolas progressistas e o que elas esperam dos alunos. A escola tradicional é definida pelo autor como preparação para as vivências futuras. Elas se encaixam mais em um plano de organização, pois existem modelos de regras, métodos de aprendizagens, informações e habilidades que são passadas de geração para geração. Segundo o autor, o que se espera dos alunos nessa visão tradicional é que sejam receptivos a todas essas características com obediência.

Em suas reflexões, Dewey aponta a problemática de como proporcionar aos alunos as experiências de forma qualitativa; simplesmente abandonar o velho não seria a resolução de qualquer situação, mas, sim, a importância de a filosofia educacional ser reformulada como plano construído, com base no que é e como deve ser feito. Ou seja: bem planejado para ser posteriormente executado.

Dewey (2011) defendia uma educação progressista, na qual deveriam ser garantidas ao aluno experiências de qualidade, de maneira a prepará-lo para vivências futuras mais complexas. No processo de ensino e aprendizagem, não se pode hierarquizar as condições internas ou as condições objetivas; ambas precisam ser colocadas no mesmo patamar. No modelo tradicional, Dewey afirma que a existência de disciplinas podem fragmentar o conhecimento, anulando o aluno em sua participação ativa, engessando suas perspectivas futuras.

Ao pensar em um novo modelo de escola, surge a indagação e até mesmo a preocupação de qual seria o papel do professor. Dewey (2011, p.60), quando se refere ao papel do professor, nem o inferioriza, nem o exalta; coloca-o na posição de orientador, ou seja: “como o membro mais amadurecido do grupo, ele tem a responsabilidade especial de conduzir as interações e intercomunicações que constituem a própria vida do grupo enquanto comunidade”.

O educador deve estudar as capacidades e necessidades do grupo particular de indivíduos com o qual está lidando e, ao mesmo tempo, organizar as condições que disponibilizem as matérias ou conteúdos, de forma a proporcionar experiências que satisfaçam essas necessidades e desenvolvam essas capacidades.

O autor realça o papel do professor na formação humana como o líder do grupo, aquele que conduz todo o processo de aprendizagem e as interações nas experiências que os alunos irão vivenciar. Para Dewey (2011, p.60), “é um absurdo excluir o professor, não reconhecendo sua participação como membro do grupo, como o membro mais amadurecido do grupo”.

Para Dewey, a construção da autonomia na formação humana se dá pelas experiências significativas, formando o aluno para atuar de maneira ativa e responsável, com base em experiências e vivências, impedindo que o processo educativo ocorra de forma unilateral.

O terceiro autor, o educador e filósofo brasileiro Paulo Freire, é conhecido internacionalmente como importante teórico que se dedicou à causa da educação, colocando-a como “instrumento privilegiado de entendimento, crítica e transformação da realidade” (FÁVERO, 2011, p. 3). As reflexões desse autor proporcionaram novo tipo de educação que trouxesse autonomia às classes dominadas e fortalecesse a atuação delas no mundo por meio de uma educação emancipadora.

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A Educação, para Paulo Freire, não se restringe ao ensino escolar, muito menos ao treinamento de como ser bom professor. Trata-se da formação do homem, considerado como inacabado, em permanente processo de formação (FÁVERO, 2011, p.5). O autor considerou como “educação bancária” a visão hierarquizada do professor como aquele que detém o saber, em oposição ao aluno como receptor do saber, sendo a aprendizagem o acúmulo de conhecimentos. Logo, em contraposição, Paulo Freire defende a educação como processo de construção de conhecimento. Este acontece de forma dialogada, possibilitando aos envolvidos liberdade e capacidade para transformar seu ambiente. Ou seja, promover uma educação libertadora, no sentido político, na qual se tenha a garantia da formação de cidadãos reconhecidos e atuantes, evitando-se experiências de manipulação opressora.

O educador vê na relação entre professor e aluno um diálogo que acontece de maneira horizontal, ou seja, não há hierarquia, ambos possuem papéis fundamentais para que ocorra a educação autêntica. Paulo Freire (1993, p.98) afirma que a educação “não se faz de ‘A’ para ‘B’ ou de ‘A’ sobre ‘B’, mas de ‘A’ com ‘B’, mediatizados pelo mundo”. O autor considera o processo de ensino e aprendizagem como algo que se dá de forma conjunta, em que a docência não existe sem a discência. Para Freire (1996, p.12), “as duas se explicam e seus sujeitos; apesar das diferenças que os conotam, não se reduzem à condição de objeto um do outro. Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender”.

Tais colocações ajudam-nos a perceber que, para Paulo Freire, não há posições passivas na construção de conhecimento como propõe, por exemplo, a educação dita bancária. Nesta, o professor deposita seus conhecimentos no aluno que recebe tudo passivamente. A proposta de Freire é uma Educação em que todos possam ter papéis autônomos e críticos fugindo assim de autoritarismos e imposições.

Toda essa explanação contribui para termos um olhar reflexivo diante do fato que os fundamentos das metodologias ativas estão entre nós há mais tempo do que poderia parecer. Porém, a implementação de tais metodologias passa por um processo longo de muito estudo e pesquisa para, de fato, efetivarem-se, já que são várias as questões de cunho político e educacional que precisam ser pensadas.

Discursos acerca da implantação das metodologias ativas

As metodologias ativas são, de certa forma, uma releitura e nova roupagem para práticas que já aconteciam no passado. Se, no século XVIII, com o filósofo Kant, havia robusta discussão sobre a construção de autonomia, por que, para nós professores no século XXI, tal questão ainda é motivo de tantos desdobramentos?

O trabalho com as metodologias ativas não acontece de maneira simples. Devido a algumas falhas apresentadas na formação do professor, isto acaba trazendo para sua prática modelos e decisões baseadas em sua própria história de vida, conforme pontua Nunes (2008). Por certo, antes de qualquer mudança se faz necessário, um querer e um fazer sentido para esse profissional.

Nunes (2008, p. 102-103) assim afirma: “a implementação de uma nova estratégia de ensino que radicalmente difira daquilo que o professor está acostumado a fazer e que não seja condizente com sua história pessoal torna-se altamente improvável”, ou seja: o uso das metodologias ativas precisará fazer muito sentido para o professor que deseje trabalhar nesta perspectiva.

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Às vezes, o professor até consegue se adequar e desenvolver sua prática com as metodologias ativas; porém, encontra barreiras dentro da própria instituição de trabalho. Se não houver um consenso por parte do grupo escolar, poderá ocorrer má interpretação do trabalho do professor, ao não encontrar uma avaliação formal, carteiras enfileiradas, professor à frente falando enquanto os alunos escutam, entre outros fatores tradicionais. Além de uma escolha pessoal, as metodologias ativas precisam ser vistas como proposta pedagógica que engloba o interesse de todos os envolvidos.

Ainda existe considerável lacuna entre quem pensa sobre educação e quem participa do processo de execução. Faz-se necessário o entendimento reflexivo e dialogado diante da implementação de ideias consideradas inovadoras. A sensação que temos é a de que, se a todo momento essas ideias aparecem – como é o caso das metodologias ativas – seremos salvos dos difíceis caminhos encontrados na educação.

Quando surgem discursos sobre as mudanças “a modernidade na educação”, precisamos estar atentos, já que muitos desses discursos possuem intenção diferente da proposta educacional. Por exemplo, quando é reforçada a necessidade de uso das TDIC, alguém ganhará com a venda de dispositivos que atendam essa demanda. Há um deslocamento ao transformar a escola para que ela tenha como função prestar serviços às empresas e à economia. De acordo com Laval (2019, p. 288), “o sistema escolar é obrigado a passar do reino dos valores culturais à lógica do valor econômico”; assim, temos uma transposição das leis de mercado para o sistema educacional.

O aspecto significativo não será, pois, discutir com os professores quais os verdadeiros impactos e a relevância em se trabalhar com as metodologias ativas para a construção de conhecimento; mas, sim, vender uma imagem de escolas modernas que trabalham com inovações. Algumas instituições escolares vão se beneficiar com esses discursos para fazer verdadeiras propagandas sobre seu ensino inovador.

Como a “propaganda é a alma do negócio”, temos claramente um dos pilares do mercado - a concorrência, na qual instituições se perdem nos valores da educação para trabalhar em torno das intenções de mercado; então, nada melhor que um discurso sobre as inovações, as novas tendências. A formação passa de social e política, para as massas assalariadas de consumo.

Os alunos não são os últimos a serem prejudicados pela inclusão dessa lógica de concorrência, inicialmente no âmbito dos valores: o mercantilismo tira o crédito do discurso sobre os valores altruístas da cultura, sobre as virtudes e a dignidade humana, sobre a igualdade de todos em relação à herança cultural ou às chances de inserção profissional (LAVAL, 2019, p. 290).

Em meio a todas essas questões, está o professor que, de início, enfrenta uma chuva de teorias, leis, decretos e combinados pedagógicos facilmente empurrados como trabalho a ser feito, não possuindo muitas vezes tempo para o momento de reflexão crítica sobre sua própria prática.

As metodologias ativas podem sim ajudar na construção de um processo de ensino aprendizagem mais significativo para os envolvidos; porém, esse processo não pode ser visto de forma acrítica e neutra, e nem com visão puramente negativa. Nesse sentido, ao se permitir trabalhar dessa forma, o professor perderia seu lugar na hierarquia pedagógica tradicional.

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Uma proposta viável seria considerar o uso das metodologias ativas a partir de um viés crítico, pensar sobre o uso delas de maneira a não se perder o verdadeiro sentido da educação como formadora social. Segundo Libâneo (2013, p. 13), "para compreendermos a importância do ensino na formação humana, é preciso considerá-lo no conjunto das tarefas educativas exigidas pela vida em sociedade".

Ao relacionar essas discussões, devemos orientar nossa práxis, partindo da reflexão sobre o papel da escola. Libâneo (2020) defende uma visão progressista, na qual a educação é entendida como formadora humana, buscando a emancipação e o desenvolvimento das capacidades humanas. A escola tem que assegurar os conhecimentos científicos, culturais, éticos e o exercício da cidadania, formando cidadãos com a capacidade de pensar para atuar no mundo de forma participativa, crítica e transformadora.

A instituição escolar atende às necessidades da sociedade, tendo em vista que ela também é política e ideológica. Portanto, é necessário pensarmos em uma escola socialmente justa, que ligue o conteúdo à realidade sociocultural dos alunos e possibilite o desenvolvimento das potencialidades humanas.

As metodologias ativas seriam localmente ressignificadas no sentido de garantir um processo de ensino-aprendizagem em que se consiga a formação integral e autônoma dos nossos alunos. Então, se atenderá à máxima de respeito aos saberes trazidos por todos os agentes de maneira significativa.

Considerações finais

Um dos principais argumentos para o uso das metodologias ativas é a construção de autonomia na educação, porém, como vimos anteriormente, esse tema tem sido alvo de discussões. Os autores Immanuel Kant, John Dewey e Paulo Freire trouxeram contribuições robustas sobre esse conceito, o que temos então é uma nova perspectiva.

As metodologias ativas são bem-vindas e precisam ser pensadas antes de serem colocadas em prática, pois vários são os desafios para sua implantação. Além disso, quando aplicadas, é necessário um espaço para que sejam repensadas e discutidas entre os professores. Eles são os que podem refletir sobre os verdadeiros efeitos percebidos no chão de sala de aula, e sobre como conduzir o caminho para os próximos momentos.

Não podemos nos deixar levar apenas pelo discurso empolgante das ditas inovações, pois ele serve também para outras intenções que não as pedagógicas: serve para que se crie uma imagem a ser vendida, uma propaganda que diferencie e categorize escolas modernas de escolas obsoletas. Como vimos, são várias as questões a serem discutidas nesse sentido.

As metodologias ativas, pensadas de forma a garantir uma aprendizagem significativa em que se respeitem todos os envolvidos, diminuem a barreira colocada entre professores e alunos, estreitando-se os laços. Há então uma proposta de aprendizagem colaborativa, em que todos se formem como pessoas autônomas, sendo esse fator relevante à educação como um todo.

Não podemos perder de vista o verdadeiro objetivo da escola e da sala de aula, qual seja, a formação dos alunos de maneira crítica, reflexiva, colocando-os em um papel social ativo. A questão é complexa e não se encerra com este ensaio teórico, uma vez que o uso e a pertinência das metodologias ativas nas práticas pedagógicas são campo fértil para discussões futuras, tais como: Quais são os impedimentos para que o professor consiga desenvolver sua prática usando estratégias das metodologias ativas? Qual a intencionalidade por detrás dos discursos de inovação em ensino? Que tipo de indivíduo será formado com a mudança de modelos educacionais?

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Referências

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MELLO, Cleyson de Moraes; NETO, José Rogério Moura de Almeida; PETRILLO, Regina Pentagna. (orgs.). Metodologias ativas: Desafios Contemporâneos e Aprendizagem Transformadora. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2019.

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