VOLTAR À COLEÇÃO ISBN:978-65-997623-6-9
Volume 4

Experiências na educação básica

Práticas de formação e metodologias de ensino

Ensino de Arte na Educação Básica:
Reflexões em um Grupo de Trabalho

AUTORES
Dilma Aparecida Moreira
Newton Freire Murce Filho
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1. Introdução

Este texto foi elaborado a partir da dissertação intitulada Reflexões teórico-práticas sobre o ensino de arte na educação básica: um estudo na cidade de Cuiabá, Mato Grosso. A dissertação, resultado de nossa investigação, foi realizada durante o curso de Mestrado Profissional em Ensino na Educação Básica, pelo Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu do Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada à Educação, da Universidade Federal de Goiás (PPGEEB/CEPAE/UFG), entre 2019 e 2021.

Participaram da pesquisa dezessete professores, sendo alguns habilitados em arte e outros não-habilitados. Esses docentes dão aulas de arte na rede pública estadual de educação básica, em municípios que compõem o polo do Centro de Formação e Atualização dos Profissionais da Educação Básica (doravante, Cefapro), de Cuiabá, Mato Grosso. Escolhemos o polo de Cuiabá pelo fato de ser o lugar no qual atuamos profissionalmente.

O objetivo principal deste estudo constituiu-se em investigar as concepções teórico-práticas dos professores participantes da pesquisa, sobre o ensino de arte. A opção pelo tema da pesquisa foi motivada por nossa inquietação, como profissional da área, ao perceber como o ensino de arte vem sendo tratado nas escolas, em especial no que tange às seguintes questões: a atribuição de aulas de arte para professores não habilitados na área e a falta de formação continuada para os professores de arte nas escolas da rede estadual.

Conforme os Parâmetros Curriculares Nacionais (doravante, PCN) (BRASIL, 1998), e também salientado por Barbosa (2012), a arte passou a ser reconhecida como área de conhecimento específica e assegurada de um componente curricular obrigatório nos diversos níveis da educação básica. Nesse movimento, fez-se imprescindível também a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (doravante, LDB), de n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996, após longas lutas dos arte-educadores brasileiros.

Contudo, essas conquistas vêm sendo subtraídas com as mudanças ocorridas na legislação nos últimos tempos. Como consta na Base Nacional Comum Curricular (doravante, BNCC), no Ensino Médio, a arte é componente obrigatório no currículo escolar, mas não é obrigatória para o estudante.

Outra questão importante diz respeito a quem pode ministrar aulas de arte. Um levantamento de dados realizado pela Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso (SEDUC/MT), acerca da realidade do ensino na educação básica de Mato Grosso, emitido em 30/10/2018, em forma de relatório (nº 62). Esse relatório, disponibilizado no Business Intelligence/Sistema Integrado de Gestão Educacional (BI/SIGEDUCA), revela elevado número de aulas de arte ministradas por profissionais não habilitados na disciplina.

O percentual de docentes que dão aula de arte nas escolas, com habilitação na disciplina, é de 45% e os que dão aula de arte sem essa habilitação é de 55%. A forma como a arte vem sendo tratada pelas políticas públicas de educação é preocupante. Ações como a atribuição de aulas a professores não habilitados na área, bem como a carência de políticas públicas de formação continuada para os docentes necessitam ser repensadas.

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A partir dessa problematização, os questionamentos acerca do ensino de arte (ou quem dá aula de arte) que nortearam a pesquisa foram os seguintes: Quais são as concepções teórico-práticas dos participantes da pesquisa sobre ensino de arte na educação escolar? Quais são as percepções dos participantes em relação às concepções de ensino de arte que perpassam a educação básica? Como os participantes concebem o papel da arte na escola? Como se dá o processo de ensino de arte na escola, identificado nas falas dos participantes?

Na busca por melhor entendimento a respeito de tais questões, propomos a organização de um Grupo de Trabalho (doravante, GT) intitulado Oficinas de arte–estudo e reflexões sobre o ensino de arte na educação básica, com os professores participantes da pesquisa, de forma remota, devido à pandemia da Covid-19. Neste GT, desenvolvemos estudos e reflexões sobre o ensino de arte na educação básica, de modo a obter elementos para atender aos objetivos da pesquisa, quais sejam: conhecer e discutir as concepções teórico-práticas sobre o ensino de arte, ampliar o conhecimento dos professores participantes sobre o assunto, gerando possíveis benefícios para a formação e as práticas pedagógicas desses docentes.

Foram elaborados os seguintes objetivos específicos para esta pesquisa: desenvolver estudos e reflexões sobre práticas pedagógicas no ensino de arte com os professores envolvidos no estudo; identificar as relações entre concepção e prática dos participantes sobre o ensino de arte; desenvolver, com os docentes, uma experiência de apreciação estética da arte, por meio de uma visita virtual ao Museu de História Natural de Mato Grosso Casa Dom Aquino; propor aos participantes da pesquisa a elaboração de atividades pedagógicas, para serem vivenciadas com os estudantes; investigar os desafios no ensino de arte apontados pelos participantes da pesquisa; verificar se os estudos e as reflexões realizadas no GT contribuíram para potencializar, mobilizar ou transformar as práticas pedagógicas; coletar dados a serem analisados para a pesquisa.

Para a organização e o desenvolvimento deste estudo, adotamos a metodologia da pesquisa-ação, em uma perspectiva participativa e reflexiva, conforme Thiollent (2011), e considerando, igualmente, as abordagens qualitativas de pesquisa em educação, sistematizadas por Ludke e André (2020).

Durante o estudo no GT realizamos a coleta de dados com os professores participantes da pesquisa, por meio dos seguintes instrumentos: questionário inicial, questionário final, entrevistas e diário de campo. Uma das justificativas da pesquisa passa pela convicção de que a ampliação do conhecimento sobre a arte alarga nossa capacidade de análise crítica da realidade. Além disto, pode proporcionar experiências estéticas, de fruição e de reflexão sobre diferentes produções artísticas e culturais.

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Para fundamentar a investigação, utilizamos referenciais teóricos de autores como Barbosa (2012, 2014, 2015), pioneira da arte/educação no Brasil e referência nos estudos sobre o ensino de arte. Essa autora salienta que a arte na escola não tem o objetivo de formar artistas; o que se pretende é formar o conhecedor da obra de arte. Silva e Araújo (2007), por sua vez, visam a compreender quais tendências e concepções de ensino de arte estão presentes na educação escolar brasileira. Tourinho (2012) ressalta que a transformação nas concepções do ensino de arte na educação tem ajudado a compreender que esse olhar não está em busca de soluções, mas sim de provocações. Rizzi (2012) pontua que a arte é importante por si mesma e não por ser instrumento para fins de outra natureza. O estudo desses autores ratifica uma perspectiva freiriana. Freire (1981, 1989, 1996) destaca que toda prática educativa deve envolver uma postura teórica por parte dos docentes que contemple a perspectiva crítica e transformadora, ou seja, a educação como ato político e estético.

Partimos do pressuposto de que a atuação de professores no ensino de arte, sem habilitação específica em artes, e a falta de formação continuada para esses profissionais podem representar prejuízos para a formação e a prática pedagógica desses docentes. Como consequência, pode afetar o processo de ensino-aprendizagem dos estudantes.

A estruturação desse texto sobre o relato da pesquisa está organizada em três tópicos. No primeiro, apresentamos as principais concepções teórico-práticas que perpassam o ensino de arte. Elas são identificadas nas diferentes tendências conceituais do processo educacional no Brasil e nas falas dos participantes do GT. No segundo tópico, descrevemos o processo metodológico da pesquisa. No terceiro, tratamos da análise e discussão dos dados coletados e dos resultados. Na sequência, apresentamos as concepções sobre o ensino de arte no Brasil, que também foram identificadas nas falas dos participantes ao longo das oficinas do GT.

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1. Concepções sobre o ensino de arte na educação escolar brasileira

O ensino de arte no Brasil foi marcado pela dependência cultural européia. A Missão Francesa constituiu a primeira institucionalização sistemática do ensino de arte no país. No final do século XIX, foi inserido o ensino do desenho na educação como preparação de mão de obra para o trabalho nas indústrias. Esse movimento perdurou até o modernismo. No século XX, com as reformas educacionais da Escola Nova, foi introduzida na educação a ideia de arte como expressão.

Com as reformas educacionais da Escola Nova, somente na década de 1970, a educação artística passou a ser obrigatória no ensino formal. Com a reformulação da educação brasileira em 1971, os objetivos e o currículo foram configurados por meio da LDB, nº 5.692, no sentido de profissionalizar a mão de obra. Já em 1973, foram criados os cursos de arte/educação nas universidades, concebendo um currículo básico aplicado em todo o país.

Na década de 1980, prevaleceu a concepção de arte como campo de conhecimento e, a partir dos anos 1990, os PCN destacam a necessidade de se construir uma formação de cidadãos para o mundo do trabalho. A legislação educacional brasileira inclui a arte como componente curricular obrigatório da educação básica, constituindo as linguagens artísticas, sendo: artes visuais, música, teatro e dança.

Entre as diversas concepções sobre o ensino de arte no Brasil, dintinguimos quatro que, na percepção dos autores citados na introdução deste texto, marcaram o percurso histórico da arte/educação no país e continuam presentes na prática pedagógica. São elas: concepção de ensino de arte como linguagem visual técnica; como desenvolvimento da expressão e da criatividade; como atividade e como conhecimento.

1.1 Concepção de ensino de arte como linguagem visual técnica

Essa concepção fundamenta-se na tendência pré-modernista da educação, com influências jesuíticas, a partir de 1549, quando teve início “o ensino de arte na Educação Brasileira por meio de processos informais” (SILVA; ARAÚJO, 2007, p. 4). É uma concepção marcada basicamente por dois princípios: o ensino de técnicas artísticas que visava à preparação para a vida no trabalho; e o ensino de arte como ferramenta pedagógica para o ensino de outras disciplinas com foco em uma visão utilitarista da arte.

Conforme pontua Barbosa (2012), o ensino desenvolvido pelos jesuítas pautava-se na retórica e nos ofícios manuais. As técnicas artísticas eram utilizadas com o objetivo de catequização; a retórica, no entanto, depositava maior valor no trabalho manual.

Já na educação formal, “o ensino de arte tem a sua gênese marcada pela criação da academia imperial de belas artes, em 1816” (SILVA; ARAÚJO, 2007, p. 4), que objetivava uma orientação neoclássica. O fazer artístico consistia no ensino do desenho formal, com regras rígidas, como a produção de figuras, de desenho de modelo vivo, de retrato e de cópia de estamparias.

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A academia de belas-artes “estivera a serviço do adorno do Reinado e do Império e, com o dirigismo característico do espírito neoclássico de que estava impregnada, servira à conservação do poder” (BARBOSA, 2012, p. 16). Com o crescimento das indústrias, o ensino do desenho na escola ganhou a perspectiva do desenho artístico, industrial e geométrico.

Barbosa (2012) esclarece que, nesse período, houve grande repercussão cultural das ideias de Rui Barbosa, tais como: o desenho precisa ser orientado no sentido da estilização e da forma; devem prevalecer as formas regulares e geométricas; a arte é fundamental para auxiliar outras disciplinas; o desenho de retrato e a cópia de estamparias necessitam seguir regras rígidas. A partir do ano de 1914, a concepção de ensino de arte como técnica passou a ser contestada pela tendência modernista, por influência da pedagogia experimental. Esse olhar estreitou o paralelismo com a psicologia, como se segue.

1.2 Concepção de ensino de arte como desenvolvimento da expressão e da criatividade

Essa concepção tem seu fundamento na tendência modernista da educação, entre os anos de 1914 e 1971, com influência da pedagogia experimental e bases conceituais e metodológicas ligadas ao Movimento Escolinhas de Arte (doravante, MEA). O ideário pedagógico do MEA era educar por meio da arte, apoiado na concepção de que todos os estudantes eram capazes de criar, bem como de se expressarem artisticamente.

A partir de 1920, os artistas Theodoro Braga e Anibal Mattos deflagaram um movimento contra a intelectualização do ensino do desenho. Barbosa (2012) pontua que enquanto o primeiro propagava um programa baseado nas aplicações do desenho à indústria, o segundo defendia valores estéticos.

Theodoro Braga opunha-se à prática de cópias de imagens no ensino do desenho e enfatizava o exercício de observação das formas da natureza no desenvolvimento dessa representação artística. Na tendência modernista da educação, a concepção de livre expressão e de criatividade, defendida por Theodoro Braga, apoiou-se em motivos da cultura indígena, da flora e da fauna brasileira, com função nacional e social.

Outro aspecto observado na referida tendência é “a sua alta finalidade humana como elemento e manifestação da cultura” (BARBOSA, 2015, p. 106). Para Barbosa (2012), testes psicológicos eram realizados para verificar aptidões dos estudantes nas artes visuais. E, pela primeira vez no Brasil, a livre expressão infantil, por meio de elementos gráficos, foi empregada como índice de processamento lógico-mental e elemento informativo de natureza psicológica. Como referência a essa investigação sobre o grafismo, Barbosa (2012) cita Adalgiso Pereira. Sob o olhar deste autor, há dois tipos de estudantes: os esteto-criadores (futuros artistas) e os copistas (executores).

Outra concepção de ensino de arte abordada por Barbosa (2014) diz respeito à experiência desenvolvida por Carlos A. Gomes Cardim que, ao diagnosticar a aptidão das crianças para a arte, defendia o conceito de que era preciso avaliar padrões estéticos.

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Para Barbosa (2014), o conceito de arte infantil como produto estético na cultura brasileira se deu a partir da Semana de Arte Moderna de 1922, com as correntes expressionistas, futuristas e dadaístas da arte contemporânea.

A formação dos professores na fase modernista foi influenciada pela concepção de arte como experiência, fundamentada em Dewey (1934, 1959), filósofo e pedagogista norte-americano com grande influência na educação brasileira. As experimentações marcadas por movimentos da sociedade de 1960, como a bossa nova, influenciaram o ensino de arte nas escolas de todo o país, e a concepção de arte como livre expressão se expandiu pelas redes de ensino.

Nessa concepção destacam-se os seguintes aspectos: valorização dos sentimentos, da livre expressão e da espontaneidade; reconhecimento dos valores estéticos da arte infantil; motivação orientada para a fruição e para a experiência direta com a obra de arte; desenvolvimento da criatividade, do senso crítico e da autonomia dos estudantes.

1.3 Concepção de ensino de arte como atividade

A concepção de ensino de arte como atividade advém da segunda fase da virada modernista. Nessa fase, a ditadura militar suprimiu a liberdade de expressão e tornou obrigatório o ensino de arte polivalente, em que um só professor ensinava “[...] música, artes plásticas, desenho geométrico, teatro e dança, da Educação Infantil ao Ensino Médio” (BARBOSA, 2015. p. 19).

Nesse período, a polivalência era associada ao ensino tecnicista e utilitarista da arte; a prática pedagógica limitava-se à realização de atividades, como preparar os estudantes para cantar o hino nacional nas datas cívicas e ensinar o desenho geométrico para trabalhar em linha de montagem nas fábricas.

Barbosa (2015) ressalta que “A Lei Educacional de 1971 (Lei n. 5.692) era extremamente tecnicista, pretendendo profissionalizar no Ensino Médio – mas usou a Arte como mascaramento humanístico ou álibi” (BARBOSA, 2015. p. 20). Essa lei caracterizou os componentes curriculares em duas modalidades: disciplinas, isto é, as áreas do conhecimento, com objetivos, conteúdos, metodologias e processos de avaliação; e as atividades, que compreendem o desenvolvimento de práticas e procedimentos. Dentro do currículo escolar coube à arte desempenhar o papel de atividade, como afirmam Silva e Araújo (2007).

Na década de 70, difundiu-se a ideia de identificação de ensino de arte com o desenho geométrico, o que era “compatível com as concepções liberais e positivistas dominantes naquele período” (BARBOSA, 2012, p. 11). Essa autora elucida que o ensino de arte na educação básica fracassou naquela época e muitas escolas de Educação Infantil foram fechadas, acusadas de comunistas. No entanto, começavam a despontar ricas exceções, graças às pesquisas de mestrado e de doutorado. Foi uma fase de lutas políticas nas universidades. Esse cenário impulsionou a criação informal de grupos de estudos que, mais tarde, foram financiados pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Surgiram as licenciaturas nas áreas específicas das linguagens artísticas, as quais foram defendidas nas universidades, por críticos, historiadores, arquitetos e designers. Conforme observamos, os documentos atuais reforçam essa concepção de polivalência e restringem o componente curricular arte, ou disciplina de arte, apenas ao conteúdo, à prática ou a componente da linguagem.

O ensino de arte, conforme dispõe a BNCC (BRASIL, 2018) para o Ensino Médio, está especificado no campo artístico-literário, incluso no componente Língua Portuguesa, como componente obrigatório e não como disciplina obrigatória para os estudantes.

A busca e o empenho em defesa da arte continuam ampliando os estudos, e, consequentemente, as concepções sobre as linguagens artísticas, como se segue.

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1.4 Concepção de ensino de arte como conhecimento

A concepção de ensino de arte como conhecimento tem seu princípio na tendência Pós-Moderna e abarca um movimento contemporâneo que ampliou as concepções sobre as linguagens artísticas no Brasil, cujo objetivo é o “essencialismo” no ensino de arte.

Distinguindo os estudos de Eisner (1970), Rizzi (2012) expõe que esse autor teve grande influência conceitual e metodológica no ensino de arte, na segunda metade do século XX. Eisner propôs duas categorias de justificativas para o ensino de arte, denominadas de “contextualista” e “essencialista”. “Os professores que atuam contextualisticamente, segundo Eisner, enfatizam as consequências instrumentais da Arte na educação” (RIZZI, 2012, p. 70-71).

Consoante com Rizzi (2012), alguns professores priorizam as necessidades psicológicas dos estudantes (processos mentais, criatividade), em seus programas de ensino, enquanto outros, as necessidades sociais (ênfase na inserção comunitária). A categoria “essencialista” considera “a função da arte para a natureza humana em geral”; a arte é “importante por si mesma e não por ser instrumento para fins de outra natureza” (RIZZI, 2012, p. 71).

Para Barbosa (2015), a concepção de ensino de arte como conhecimento compreende o ensino de forma contextualizada, isto é, uma construção social, histórica e cultural e está ligado à cognição. Esse ensino busca a interculturalidade da arte, em uma perspectiva interdisciplinar, e a integração das artes visuais com as tecnologias contemporâneas.

A autora reitera que a década de 1980 foi revolucionária no ensino de arte. “Ensinar arte não era mais só fazer Atividades Artísticas, mas falar sobre Arte, ver Arte, valorizar a imagem como campo de conhecimento, acolher todas as mídias, considerar as diferenças e os contextos” (BARBOSA, 2015, p. 21). O conceito de arte ampliou-se, interligando-se à cultura, interagindo-se com as mídias visuais, com os conceitos de comunicação menos elitistas, despertando-se para o protagonismo feminino, para o pluralismo cultural, para a ecologia e para os valores comunitários.

A partir dos anos 1990, a concepção de ensino de arte deixa de se relacionar somente à autoexpressão, tal como concebida no período anterior. Com os estudos de Ana Mae Barbosa, no Brasil, o ensino de arte passa a ter uma concepção de construção de conhecimento, com a abordagem denominada “Proposta Triangular”, tal qual pontua Rizzi (2012). A concepção de arte como conhecimento trouxe uma visão crítica sobre a leitura de mundo, “contextualizando o que se vê, o que se faz, o que se interpreta” (BARBOSA, 2015, p. 22). Para essa autora, o conceito de mediação cultural deu-se a partir da relação arte/educação da Escola de Comunicações e Artes – ECA com as leituras de Paulo Freire, sobre a concepção de uma educação libertadora e de transformação.

Apresentamos a seguir o percurso metodológico da pesquisa realizada, que trata da nossa experiência de estudo no GT e da coleta de dados com os professores participantes.

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2. A abordagem metodológica da pesquisa realizada

A metodologia adotada neste estudo foi a pesquisa-ação, com abordagem qualitativa, fundamentada em Thiollent (2011) e em Ludke e André (2020). O motivo que nos levou à escolha pela pesquisa-ação foi o fato de ser uma modalidade de pesquisa participante, e por proporcionar reflexão continuada, sistemática e empiricamente fundamentada com vista a aprimorar a prática.

A pesquisa-ação é definida por Thiollent (2011) como um tipo de pesquisa social com base empírica. É estruturada e realizada em estreita associação com a prática, em que pesquisador e participantes, representativos da situação investigada, estão envolvidos de modo cooperativo ou participativo.

O processo de desenvolvimento da pesquisa foi constituído das seguintes etapas: estruturação, estudo e coleta de dados, análise de dados, discussão dos resultados e a etapa de elaboração do produto educacional, constituído por quatro oficinas de arte, realizadas com os participantes da pesquisa, por meio de um GT. A etapa de estruturação consistiu na identificação do problema a ser pesquisado, na elaboração do projeto de pesquisa, na definição sobre a situação a ser investigada, sobre os participantes envolvidos, no levantamento de referenciais teóricos e na submissão do projeto ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federalde Goiás (CEP/UFG).

Estabelecemos os devidos contatos com as instituições envolvidas para a apresentação do projeto de pesquisa e a solicitação de autorização para realizar o estudo e a coleta de dados. As etapas de estudo e de coleta dos dados ocorreram com o desenvolvimento das oficinas no GT, com os professores participantes da pesquisa, de forma coletiva e participativa.

Realizamos quatro oficinas de seis horas cada uma, totalizando uma carga horária de vinte e quatro horas. Foram quatro encontros com o grupo por webconferência, com periodicidade semanal e duração de duas horas cada um, para estudo, reflexão e troca de experiências entre os participantes do GT e a pesquisadora; outras quatro horas semanais foram utilizadas para estudos individuais, respostas aos questionários e elaboração de atividades pedagógicas pelos participantes. Estas seriam vivenciadas com os estudantes.

A coleta de dados ocorreu em um período de seis semanas, sendo quatro durante o desenvolvimento das atividades das oficinas e duas nas semanas subsequentes, com a realização das entrevistas, sendo seis participantes do GT. Registramos as informações coletadas por meio dos seguintes instrumentos: um questionário inicial e um questionário final, entrevistas e um diário de campo.

O questionário inicial foi realizado no início do GT remoto, com o objetivo de identificar as concepções teórico-práticas dos participantes da pesquisa e seus desafios pedagógicos no ensino de arte. O questionário final foi realizado após as oficinas, para verificar quais teriam sido os benefícios do estudo na prática pedagógica dos participantes. O diário de campo consistiu de nossas anotações pessoais sobre a realidade observada e ocorreram durante a realização das atividades das oficinas no GT e das entrevistas.

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Realizamos a observação participante que nos possibilitou integrar à vivência dos professores no decorrer do estudo e das discussões efetivadas no GT. O foco da investigação consistiu das falas dos participantes, nas quais buscamos identificar as concepções teórico-práticas que eles possuíam acerca do ensino de arte na educação básica. Essas concepções, por sua vez, constituíram nosso objeto de estudo da pesquisa.

A análise e a interpretação dos dados ocorreram pelo método qualitativo de pesquisa em educação com abordagem interpretativa das concepções teórico-práticas dos professores sobre o ensino de arte na educação básica, fundamentadas na organização apresentada por Lüdke e André (2020). Analisamos as falas dos participantes, obtidas pelos seguintes meios: registros audiovisuais (gravação em vídeo), oficinas e entrevistas, registros escritos extraídos do questionário inicial e do questionário final, bem como nossas anotações em um diário de campo, durante a observação.

2.1 O produto educacional

De acordo com a Resolução do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu do Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada à Educação, da Universidade Federal de Goiás PPGEEB/CEPAE/UFG nº 001/2019, o produto educacional intitulado Oficinas de arte: estudo e reflexões sobre o ensino de arte na educação básica é o resultado das atividades da pesquisa.

Por meio do produto educacional, especificado como curso de curta duração, objetivou-se contribuir para as reflexões sobre as concepções de ensino de arte na educação básica. Buscou-se ainda ampliar o conhecimento dos docentes participantes da pesquisa para que possam potencializar suas práticas pedagógicas. Seu acesso está disponível na plataforma EduCAPES: https://educapes.capes.gov.br/handle/capes/603919.

3. Análise, interpretação dos dados e resultados

O processo de análise e de interpretação dos dados deu-se com a organização do material coletado da seguinte maneira: transcrição dos dados; codificação (identificação das concepções nas falas dos participantes); categorização dos dados (agrupamentos das falas conforme as categorias, tecnicismo, expressionismo, experimentalismo, criatividade, atividade, polivalência, conhecimento, contextualismo, essencialismo e cognição); análise e discussão dos dados.

Inicialmente, levantamos alguns aspectos sobre o perfil dos participantes, referentes à habilitação para o ensino das linguagens artísticas, vínculo profissional e os desafios no ensino de arte. Por fim, destacamos as concepções teórico-práticas identificadas nas falas dos participantes.

Do total de dezessete professores participantes da pesquisa, sete não são graduados em arte. Dos graduados nessa área, nove são habilitados em música e um em artes visuais. Dos não graduados na área, cinco são pedagogos e dois da área de língua portuguesa. Sobre o vínculo, dez são efetivos e sete contratados temporariamente.

Quanto aos desafios apontados pelos professores, destacamos os seguintes: a implantação da BNCC, ensino remoto e elaboração de material pedagógico (os professores estavam sedentos por ajuda sobre material); a falta de material pedagógico; a carga horária excessiva (muitos trabalham em duas ou mais escolas, com carga horária de 50 a 60 horas semanais); as questões burocráticas (diário, relatório, reuniões ...); o descaso do sistema educacional e do poder público; as dificuldades com as Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC); a falta de formação continuada; as mudanças ocorridas nas políticas públicas de educação, em relação ao ensino de arte. Para além desses desafios, o contexto em que a pesquisa foi realizada revelou o impacto da pandemia sobre o ensino, não somente de arte, evidentemente.

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Outro dado que nos chamou a atenção durante nossos diálogos no GT, pautados em Barbosa (2012), foi a referência a termos que remetem à arte, porém, sendo usados de maneira pejorativa e preconceituosa, impactando os participantes durante os estudos e as reflexões no GT. Por exemplo, a frase “entendeu ou quer que eu desenhe”, como se o desenho dissesse respeito e/ou fosse necessário para quem não tem entendimento suficiente das palavras. É um tipo de frase bastante comum que desconsidera, inclusive, as habilidades altamente sofisticadas, porém, exigidas ao se interpretar/ler um determinado desenho.

Outras expressões também referidas à arte, porém, usadas em sentido pejorativo, foram identificadas pelos participantes do GT, tais como: “deixa de drama...”, “...pessoa dramática”. “Drama” é um conceito do campo da arte teatral, porém, utilizado em expressões como estas, sendo associado a algo desagradável, chato e aborrecedor. E ainda: “...dancei”, termo usado quando alguém se dá mal em alguma coisa. No que tange ao campo da música, “flauta” remete ao comportamento preguiçoso de alguém: “está levando a vida na flauta”. Outras vezes, o termo “arte” é associado a uma atitude reprovável, como em: “não faça arte”, “pare de fazer arte”, “você é muito arteiro”. Esses termos, mesmo que não sejam ditos com intenções pejorativas, reproduzem concepções distorcidas e, consequentemente, depreciam a arte.

Em consonância com as análises e a interpretação de nossos dados, identificamos que os modos como os participantes concebem o ensino de arte, ou como desenvolvem sua prática pedagógica, estão relacionados a diferentes fatores, por exemplo: a compreensão do papel da arte na escola; a experiência profissional; a formação específica e continuada; a visão acerca da influência do contexto social, político e econômico, no ensino de arte, e o entendimento das políticas públicas educacionais.

Além disso, na maioria das vezes, as práticas pedagógicas dos professores de arte são determinadas por orientações de políticas educacionais vigentes, nem sempre suficientemente claras. Verificamos diferença entre o que foi explicitado nas falas dos professores e o que apresentaram por meio das atividades pedagógicas elaboradas e/ou desenvolvidas com os estudantes. Em suas falas, os participantes expressaram, em grande parte, a concepção de arte como desenvolvimento da expressão e criatividade e como conhecimento; porém, nas atividades elaboradas por eles predominou a concepção de arte como técnica e como atividade.

Considerações finais

Desenvolvemos a pesquisa por entender que a reflexão sobre as linguagens artísticas pode ampliar as possibilidades de compreensão estética e cultural dos professores e de seus respectivos estudantes, a fim de poderem se colocar criticamente diante da realidade política e social.

Este estudo confirmou que a formação continuada pode ampliar o conhecimento desses profissionais e potencializar suas práticas pedagógicas. Conforme pontuaram os participantes, eles se sentiram provocados pelo estudo no GT, por perceberem como determinadas concepções acerca da arte, “naturalizadas” entre as pessoas, podem promover o preconceito e a depreciação das linguagens artísticas. Os professores destacaram também a importância do conhecimento sobre o papel da arte na educação escolar para o desenvolvimento da criatividade, da autonomia e do senso crítico dos estudantes.

Ainda que não seja nossa intenção propor generalizações, o resultado da pesquisa realizada nos leva a crer que as concepções teórico-práticas sobre o ensino de arte, identificadas nas falas dos professores participantes do GT, represente um universo maior que a realidade do ensino de arte na educação básica da rede estadual de Mato Grosso.

Consideramos que o intuito deste trabalho não seja, evidentemente, propor soluções para os problemas apresentados. Acreditamos, no entanto, em nossa contribuição, tendo em vista mais discussões que envolvam o ensino de arte na educação básica e a produção de conhecimento na área. Assim sendo, cada vez mais os professores poderão potencializar as suas práticas pedagógicas.

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