VOLTAR À COLEÇÃO ISBN:978-65-997623-6-9
Volume 4

Experiências na educação básica

Práticas de formação e metodologias de ensino

Arte e Cotidiano
os Mapas visuais como metodologia de ensino

AUTORES
Christiane de Faria Pereira Arcuri
Carolina Marques Garcia Fernandes Pereira
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1. Introdução

Neste texto apresenta-se um relato dos estudos, em andamento, da Linha de pesquisa “Arte e currículo – percursos dialógicos”. Essa pesquisa aborda os programas curriculares para o ensino de Arte na educação básica propostos nos livros didáticos contemplados pelo Programa Nacional do Livro e do Material Didático/PNLD, desde 2018. O PNLD é destinado a avaliar e disponibilizar, de modo sistemático e gratuito, obras didáticas, pedagógicas e literárias, entre outros materiais de apoio à prática educativa regular, às escolas públicas de educação básica das redes federais, estaduais, municipais, distrital e demais instituições conveniadas com o Poder Público, sem fins lucrativos. Merece destaque o fato de que, desde 2017, o PNLD inclui em seu Programa outras obras pedagógicas, tais como: softwares e jogos educacionais, materiais de reforço e correção de fluxo, materiais de informação.

A iniciativa da pesquisa ocorre devido à profusão de livros didáticos provenientes de fontes como PNLD no Instituto de Aplicação/CAp, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro/UERJ. Como docente de Artes Visuais e História da Arte na unidade institucional, por volta de duas décadas, acredita-se, juntamente com os discentes de Pós-graduação e os Licenciandos de Artes Visuais da universidade, na importância de se aproximar das recorrentes metodologias pedagógicas em destaque nos livros de apoio. Por certo, elas nos incitam a elaborar novas estratégias de pesquisa visual que alcancem, de modo veemente, a arte nacional e a cultura visual cotidiana.

Quanto ao currículo de Arte, este deve reapresentar o cruzamento das culturas a fim de propiciar aos alunos conhecimentos e experiências diversificadas, integrando os processos de aculturação que perpassam a escola: seja a científica, a acadêmica, a expressa no currículo, a social, a dos alunos, a das mídias, a escolar (organizacional). O currículo, todavia, deve fortalecer a identidade pessoal e a subjetividade dos alunos promovendo competências distintas que os tornem mais críticos e autônomos (LIBÂNEO, 2012).

No entanto, faz-se indispensável que a cultura visual cotidiana em diálogo com as repercussões alegóricas atemporais da historiografia da arte alcance maior amplitude no que tange às insurgências culturais das/dos estudantes da educação básica. As analogias estéticas aproximam tempos e lugares diferentes - o que repercute no processo de formação identitária dos jovens. Além de se tornarem capazes de se conhecerem como cidadãos, entendem criticamente não só a história da sua cidade, mas também a relevância da preservação e difusão do que compreendem como memória/patrimônio culturais.

Com vistas nesse processo de reformulação de ideias voltadas ao currículo de Arte na educação básica, vem sendo desenvolvido o Produto educacional “Nutrição Visual”, isto é, o site www.nutricaovisual.art.br e o instagram @nutricaovisual. Tais iniciativas, por certo, constituem fontes de pesquisa escolar e acadêmica voltadas, inclusive, à profusão de temas plurais como os que propagam a decolonialidade no ensino.

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Os Mapas visuais como experienciação artístico-pedagógica

No decorrer do ano letivo de 2020, os primeiros Mapas visuais organizados em 2019 (Figura 1) propuseram rizomas visuais desencadeados por conexões temáticas consideradas relevantes para o ensino de Arte, como: Etnias; Retratos; Cidade; Registros. As temáticas estimulam o desencadeamento estético (atemporal) entre obras artísticas prioritariamente nacionais referentes aos séculos XVII ao XX. Quanto às obras dos séculos mais distantes da atualidade, os registros imagéticos dos artistas estrangeiros em viagens/expedições ao Brasil à época são os mais notórios devido à importância estético-artística. A menção aos demais artistas nacionais citados em ou outro Mapa – deve-se à relevância deles na historiografia da arte e às (intencionais) leituras temáticas subjetivas.


Figura 1: Mapas visuais temáticos: Etnias; Retratos; Cidade;
Registros (2020). Disponível em: www.nutricaovisual.art.br


O segundo bloco de Mapas visuais (Figura 2) desenvolvido no decorrer do ano letivo de 2021 foi elaborado a partir do seguinte eixo norteador: Corpos-entidades-Culturas proposto no ensino remoto emergencial (devido à pandemia da Covid-19) de Artes Visuais e História da Arte, no Instituto de Aplicação/CAp-UERJ. As temáticas elencadas propõem um passeio rizomático a partir do registro artístico (e o olhar poético) de cariocas contemporâneos com abordagem estética voltada ao cotidiano da cidade do Rio. Interferências e performances no espaço urbano, questões de gênero e de raça, entre outras recorrentes na cidade, compõem tais Mapas com as seguintes temáticas: Cidade-identidade; Imagens urbanas; Deslocamentos; Representatividade.


Figura 2: Mapas visuais temáticos: Cidade-identidade; Imagens urbanas; Deslocamentos; Representatividade (2021). Disponível em nutricaovisual.art.br


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O princípio norteador da leitura imagética nos Mapas visuais é instigar relações artístico-estéticas particularmente dinamizadas; ademais, possibilita a compreensão de que o percurso visual indica o quanto as civilizações devem aos registros artísticos sobre a difusão de suas particularidades culturais. Espera-se que os/as estudantes estabeleçam suas próprias articulações imagéticas frente ao desencadeamento de outras conexões artísticas frente o processo de formação identitária.

Ao iniciar o ano letivo de 2021 no CAp, novos Mapas visuais vêm sendo propostos como estratégia metodológica no ensino de Artes Visuais e História da Arte na educação básica. Artistas contemporâneos nacionais, atuantes no campo da Arte, muitas vezes são os norteadores da elaboração dos Mapas.

O Mapa visual (Des)encontros (Figura 3), por exemplo, relaciona a reapresentação artística da “A Primeira missa no Brasil” (1860) pelo olhar estético de diferentes artistas – da pintura acadêmica do século XIX às interpretações de outros artistas dos séculos XX e XXI. Considerada uma das primeiras pinturas históricas nacionais, “A Primeira Missa no Brasil”, de Victor Meirelles, é reconhecida por ser um registro histórico relevante no imaginário cultural até à atualidade. Esse entendimento é reforçado, inclusive, pela recorrência dessa obra nos livros didáticos e pela apropriação estética de demais artistas contemporâneos.


Figura 3: Mapa visual (Des)encontros (2021). Disponível em www.nutricaovisual.art.br


Já o Mapa Arte urbana: grafite e registros rupestres pré-históricos (Figura 4), é outro Mapa que destaca a proximidade entre expressões artísticas e temáticas distantes culturalmente. Neste caso, tem-se a arte mural como linguagem técnica expressiva em comum no espaço urbano. A arte rupestre – presente nos textos escolares -, aproxima- se, através da técnica, da arte do grafite também recorrente no cotidiano da cidade.


Figura 4: Mapa visual Arte urbana: grafite e registros rupestres pré-históricos (2021).
Disponível em www.nutricaovisual.art.br


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Como extensão da pesquisa, foi proposto aos estudantes da educação básica o aprofundamento das trajetórias biográficas e artísticas dos grafiteiros brasileiros. No ensino remoto, a pesquisa em fontes digitais - isto é, em sites oficiais e no instagram, por exemplo, ou mesmo nos vídeos, entrevistas e textos curatoriais de exposições artísticas - tornam-se recorrentes e incipientes para demais pesquisas desencadeadas pelos Mapas visuais. Igualmente, tais pesquisas são postadas no site nutrição visual como fontes indicadoras de outros estudos.

Outro Mapa visual, Culturas indígenas (Figura 5), expõe a representação indígena (e temáticas afins) pelo olhar estético de diferentes artistas. As obras visuais dos indígenas contemporâneos, como Daiara Tukano (São Paulo, 1982) e Jaider Esbell (Roraima, 1979), aproximam as (re)apresentações artísticas quando reforçam o diálogo temático com a aproximação alegórica indígena do artista francês Debret (Paris, 1768-1848). Esse artista, advindo da Missão Artística Francesa, em 1816, registrou com olhar estrangeiro, a pedido de D. João VI, o cotidiano fluminense no século XIX. Percebe-se a proximidade com o artista Vicente do Rêgo Monteiro (Recife, 1899-1970), influenciado pela cultura indígena em sua obra, ainda no século XX, por meio da composição geometrizada das formas.

Figura 5: Mapa visual Culturas indígenas (2021). Disponível em www.nutricaovisual.art.br


O Mapa visual Arte e religião afro-brasileiras (Figura 6) é mais um Mapa que surge a partir das relações advindas das trocas culturais entre as influências artísticas brasileiras e as religiões de matrizes africanas. Esse Mapa apresenta três imagens: a "Pintura 6" (1964), do artista Rubem Valentim (Salvador, 1922 - São Paulo, 1990); uma fotografia do Cais do Valongo, no Rio de Janeiro e a obra "Bori: Iansã" (2008-2011), de Ayrson Heráclito (Macaúbas, Bahia, 1968).

Figura 6: Mapa visual Arte e religião afro-brasileiras (2021). Disponível em www.nutricaovisual.art.br


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Os artistas desse Mapa visual são aproximados, apesar da diversidade técnica de suas obras, por suas produções artísticas carregadas de simbolismos relacionados à religiosidade afro-brasileira e à cultura baiana. Resgatam a História, a Sociologia e a História da Arte nos debates de temas imperativos para a sociedade brasileira, como a escravidão, o racismo, a religiosidade e a violação do corpo negro. A imagem central, a fotografia do Cais do Valongo, vem reforçar a temática acerca da afrobrasilidade no Mapa visual. Vale mencionar que o Cais foi o principal porto de entrada dos africanos escravizados, não apenas no Rio de Janeiro/Brasil como também no restante da América. Desde o ano de 2017, o Cais configura a lista do Patrimônio Mundial da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO). Por certo, isto reforça sua importância histórica e social para a sociedade brasileira. Preservar e trazer à tona esse passado é poder dialogar com o presente para a compreensão das desigualdades econômicas, sociais e educacionais não apenas do Rio de Janeiro, mas como em todo o território brasileiro. Reforça, igualmente, que a Arte não está isolada nos seus próprios tempo-espaços culturais, mas segue em constante diálogo com a História e a sociedade em que está inserida.

Considerações finais

Os Mapas visuais constituem iniciativa de dinamização das circulares estratégias metodológicas no ensino de Arte na educação básica. Assim sendo, faz-se necessária a argumentação estético-visual dos muitos modos de ver e pensar os processos alegóricos das civilizações remotas frente à diversidade das linguagens e expressões artísticas do cotidiano.

Num tempo em que o ensino remoto amplia o acesso à informação digital – considerando-se o site e o instagram Nutrição visual -, a extensão da pesquisa escolar acompanha o princípio lançado pelos Mapas visuais. Nesse sentido, espera-se que o breve fluxo do repertório imagético possa alcançar a interação entre as demandas cotidianas e a historiografia da arte. Os sistemas contemporâneos de produção-recepção-disseminação fazem a informação e a comunicação circular de modo ininterrupto para a produção de novas ideias e reflexões acerca do conhecimento no processo educativo.

Como experienciação pedagógica, a elaboração dos Mapas visuais é um exercício para os dialogismos estéticos atravessados pelos vieses do olhar contemporâneo nacional. A investigação mais profícua da relevância de imagens-obras de arte e artistas pouco contemplados nos programas curriculares escolar (incluindo-se os livros didáticos) leva-nos a suscitar novas reflexões no campo do imaginário cultural. A construção coletiva dos Mapas rizomáticos atemporais, todavia, amplia a pesquisa de novos repertórios imagéticos e estéticos. Dinamizam-se, pois, os processos metodológicos dos docentes ao mesmo tempo em que se articulam aos processos crítico-identitários dos discentes.

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