VOLTAR À COLEÇÃO ISBN:978-65-997623-6-9
Volume 4

Experiências na educação básica

Práticas de formação e metodologias de ensino

Alimentação e Tik Tok: uma Proposta Interdisciplinar
entre o Ensino de Matemática e Química

AUTORA
Rayane Silva de Souza
Lidiane Aparecida de Almeida
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Introdução

O ensino de Ciências da Natureza unido à compreensão da realidade de mundo é fundamental para que o aprendizado favoreça o desenvolvimento cognitivo. Se assim não for feito, a aprendizagem poderá tornar-se apenas uma maneira mecânica de resolver questões, sem a compreensão dos fenômenos que há por trás dos conceitos.

Há uma valorização excessiva da memorização de fórmulas, definições e reprodução de modelos, cuja influência reside na tendência tradicional, ou seja, na prática do ensino de Ciências. A desvinculação dos temas abordados na escola com a realidade pouco favorece a aproximação e a aplicação dos conteúdos ensinados e o cotidiano do educando.

A Matemática constitui uma ferramenta amplamente utilizada no ensino de Ciências da Natureza, sendo usada na elaboração de leis, princípios e teorias da Física e Química. No entanto, a deficiência da aprendizagem matemática significativa é perceptível a tal ponto que muitos se contentam em apenas decorar fórmulas e conceitos, criando suas próprias conexões.

A alfabetização científica implica entender a utilização dos conhecimentos na área de Ciências na vida cotidiana para fazer a leitura do mundo em que se vive e transformá-lo em um mundo melhor. Contrapondo-se a um modelo de ensino de Matemática e Química tradicional caracterizado pela memorização de fórmulas e métodos resolutivos, a compreensão desses conhecimentos para o aluno é importante, vez que possibilita descobertas científicas do meio que o cerca.

Nesse sentido, a Etnomatemática, tendência pedagógica educacional que estimula o desenvolvimento da criatividade a partir das ações pedagógicas construídas dentro do contexto sociocultural, proporciona um conhecimento prático, sem perder o caráter acadêmico-escolar do ensino. Ela estabelece uma aprendizagem mais significativa e atrativa, por contemplar experiências da vida que, refletidas e analisadas, evitam a mecanização do ensino.

Alternativas metodológicas são necessárias à construção de saberes significativos para que os estudantes possam atuar como cidadãos críticos e reflexivos em relação ao meio em que vivem. No presente capítulo tem-se como objetivo realizar aproximações entre o ensino de Matemática e o de Química, a partir de uma série de atividades com o tema alimentação na propositura de pesquisas, tais como: composição nutricional, alimentos industrializados, atividades físicas. Neste caso, em especial, tem-se o propósito de demonstrar a conexão entre as disciplinas, facilitando o aprendizado do conteúdo de ambas. Tais atividades compõem o produto educacional intitulado “Sequências Didáticas: a modelagem matemática no ensino de Química” que se encontra em fase de elaboração e aplicação.

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Fundamentação Teórica

Uma proposta para desenvolver o ensino da Matemática de forma dinâmica e significativa consiste em renovar os (pré)conceitos que se tem dessa área do conhecimento. Por isso, faz-se necessário promover novas maneiras de ensino que articulem o saber matemático ao cotidiano do aluno, elevando-o a sujeito ativo da aprendizagem, explorando a investigação e a criatividade (D’AMBROSIO, 1989).

De maneira análoga, o ensino de Química pode ocorrer a partir das vivências do aluno, por exemplo: reflexão da sua vida e seus costumes, promovendo-se a consciência crítica, conduzindo o educando a analisar, compreender e utilizar essa aprendizagem no ambiente em que vive, tendo condições de perceber e interferir em situaçõesproblemas (CARDOSO e COLINVAUX, 2000).

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) estabelece que compreender as linguagens específicas da área das Ciências da Natureza e suas Tecnologias, por meio de códigos, símbolos, nomenclatura e gêneros textuais, é fundamental no processo de letramento científico de todo cidadão (BRASIL, 2018).

A alfabetização deve desenvolver a capacidade de organização do pensamento de maneira lógica, auxiliando na construção de uma consciência crítica em relação ao mundo que a cerca. Paulo Freire (1981) concebe a alfabetização como o meio pelo qual se estabelecem conexões entre o mundo em que a pessoa vive e a palavra escrita. A partir daí, originam-se a significação e as construções de saberes.

De alguma maneira, porém, podemos ir mais longe e dizer que a leitura da palavra não é apenas precedida pela leitura do mundo, mas por certa forma de “escrevê-lo” ou de “reescrevê-lo”, quer dizer, de transformá-lo através de nossa prática consciente (FREIRE, 1981, p. 13).

Conforme Chassot (2003, p. 92), “a divisão em ciências naturais e ciências humanas parece inadequada, pois a química, a física, a biologia e mesmo a matemática são também ciências humanas, porque são constructos estabelecidos pelos humanos”.

A interdisciplinaridade entre o ensino de Matemática e o de Química é uma ruptura com o tradicional, uma forma de aproximar e articular os conceitos e o trabalho docente no âmbito escolar.

A prática interdisciplinar pressupõe uma desconstrução, uma ruptura com o tradicional e com o cotidiano tarefeiro escolar. O professor interdisciplinar percorre as regiões fronteiriças flexíveis onde o ‘eu’ convive com o ‘outro’ sem abrir mão de suas características, possibilitando a interdependência, o compartilhamento, o encontro, o diálogo e as transformações (FAZENDA, p. 82, 2008).

Faz-se fundamental a elaboração de práticas didático-pedagógicas que facilitem a aprendizagem significativa e estimulem a autonomia do aluno na produção de conhecimento, intermediado pelo professor. De acordo com Freire (1996, p. 47), “ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para sua própria produção ou sua construção”.

O trabalho interdisciplinar de Ciências e Matemática atrelado à aprendizagem colaborativa torna as aulas mais significativas e instigadoras na construção do conhecimento. Abrem-se possibilidades de saberes que podem ser explorados e problematizados de forma a conduzir à reflexão e contribuir para o processo de construção da cidadania, fundamental no processo de ensino-aprendizagem (TORRES; ALCANTARA; IRALA, 2004).

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Diversos conteúdos na disciplina de Química necessitam de conhecimentos matemáticos para melhor compreensão. Apresentamos a Modelagem como meio motivador e facilitador do aprendizado do aluno, conectando o ensino a modelos que servem para resolver situações problemas do cotidiano. Segundo Bassanezi (2002, p. 16): “a aprendizagem realizada por meio da modelagem facilita a combinação dos aspectos lúdicos da matemática com seu potencial de aplicações”.

Conforme D’Ambrosio (1988), a Etnomatemática é uma aproximação da modelagem, de modo que contribui no processo de ensino-aprendizagem de maneira interdisciplinar aproximando a linguagem formal da Matemática escolar das Matemáticas populares, culturais e cotidianas do meio social.

Nossa conceituação define Etnomatemática como a maneira particular eespecífica que grupos culturalmente identificados utilizam para classificar, ordenar, contar e medir. Ora, facilmente se ampliam essa conceituação incluindo observar, conjecturar, experimentar e inferir, e está a conceituada Etnomatemática como a capacidade e as maneiras, de domínio de um grupo cultural identificado, de observar, conjecturar, experimentar, inferir, classificar, ordenar, contar e medir (D’AMBROSIO, 1988).

Abordar temas relacionados à composição dos alimentos, alimentação, saúde e prática de atividades físicas é de fundamental importância para o processo de ensino e aprendizagem. Assim se aproximam o ensino de Matemática e o de Química, de forma a serem explorados e problematizados com o intuito de refletir e contribuir para o processo de cidadania.

Proposta Metodológica

A Termoquímica é um ramo da Química que estuda as trocas de calor associadas às reações químicas, os conceitos de energia, calor, temperatura, transferência de calor e medidas de quantidade de calor. Esses conceitos, quando apresentados, trazem muitas dificuldades de compreensão para os alunos, pelo fato de estes não conseguirem estabelecer conexões com o que ocorre no cotidiano.

Como determinar o valor calórico de um alimento? Como compreender a Matemática no cálculo de calorias? Como relacionar a quantidade calórica ingerida à necessidade de atividades físicas? Com o objetivo de responder essas perguntas, este capítulo apresenta uma proposta de oficina com a temática “Alimentação e Tik Tok” que prioriza as discussões acerca da compreensão dos cálculos da quantidade de energia contida nos alimentos.

Busca-se também tecer relações entre os conceitos químicos, matemáticos e o cotidiano dos alunos da 1ª série do ensino médio de duas escolas da rede particular de ensino da cidade do Rio de Janeiro.

A proposta metodológica visa ao desenvolvimento das seguintes habilidades: 1) compreender a informação nutricional dos alimentos através da tabela nos rótulos dos alimentos; então, se pode evidenciar a importância da Matemática na interpretação de dados em tabelas e como os números apresentados impactam no equilíbrio de uma vida saudável; 2) apresentar a fórmula utilizada para calcular a quantidade de calorias, conectando conceitos matemáticos, como: proporção, função e unidades de medida; 3) relacionar o calor envolvido nas transformações químicas e a massa de reagente; 4) representar informações sobre as transformações químicas de acordo com os aspectos termoquímicos por meio de tabelas; investigar a composição química dos alimentos e sua relação com a saúde; 5) calcular a quantidade de calorias dos alimentos, conforme informada na tabela nutricional, a partir da quantidade encontrada na atividade experimental que será realizada; 6) estimar o tempo gasto em atividades físicas, destacando a dança no aplicativo Tik Tok, para equilibrar a quantidade de calorias ingeridas pelos alimentos; 7) estabelecer relações entre a Química e a Matemática; perceber esses conceitos no cotidiano.

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1ª Etapa: Problematização inicial

Para o início das atividades, propõe-se apresentar aos alunos um kit com alimentos que eles consomem no cotidiano e explorar as informações nutricionais (Figura 1).



Figura 1: Rótulos com as informações nutricionais

Fonte: A Autora, 2021

Em seguida, propor a seguinte situação-problema: “Como você acha que a Matemática é importante na interpretação de uma tabela nutricional?”. Após a apresentação da situação-problema, investigar quais conhecimentos prévios os alunos têm sobre a composição (carboidratos, lipídios, proteínas etc.) dos alimentos citados.

Após a análise, fazer os seguintes questionamentos, a partir de um questionário anônimo, com o uso da ferramenta digital Mentimeter:

  1. Quantas vezes você se alimenta?
  2. Quando você compra um alimento, você costuma ler alguma informação sobre ele?
  3. Você se preocupa com a quantidade de calorias dos alimentos?
  4. Você sabe como são calculadas as calorias de um alimento?

2ª Etapa: Construção da nuvem de palavras

Nesta etapa, propõe-se a construção de uma nuvem de palavras a partir do seguinte questionamento: “O que você entende por calorias?”. Essa nuvem funcionará como ferramenta pedagógica de organização de idéias, a partir de palavras-chave, construída com base no Mentimeter, levando-se em consideração as perguntas feitas anteriormente.

3ª Etapa: Apresentação de uma situação-problema

Situação-problema: Suponha que uma pessoa disponha dos seguintes alimentos, na mesma quantidade: amendoim, amêndoa, pipoca doce industrializada, biscoitos salgados industrializados. Qual desses alimentos forneceria maior quantidade de energia?

4ª Etapa: Definição de conceitos

  1. Apresentar as definições de energia, calor e de temperatura;
  2. Apresentar a fórmula utilizada para calcular a energia liberada na queima de um alimento, baseada na Primeira Lei da Termodinâmica;
  3. Questionar se há relação dessa fórmula com conceitos matemáticos;
  4. Apresentar a proporcionalidade entre energia liberada e variação de temperatura;
  5. Explicar como são feitas as medidas de quantidade de calor e mostrar a proporção entre energia liberada e a massa de alimento queimada

5ª Etapa: Atividade experimenta

Roteiro do experimento:

Materiais e reagentes:

  1. 1 lata de refrigerante
  2. 1 suporte universal
  3. 1 rolha de cortiça
  4. 1 bastão de vidro
  5. 1 proveta de 500 mL
  6. 1 placa de Petri
  7. 1 béquer de 50 mL
  8. 1 termômetro, balança digital (pode ser uma balança de uso doméstico, com precisão de 0,01 g)
  9. 1 clipe de metal
  10. 1 clipe de metal
  11. 1 porção de pipoca industrializada
  12. 1 porção de amendoim
  13. 1 porção de amêndoa
  14. 1 porçãode cada biscoito salgado


Vídeo 1: Aparato para determinação do calor produzido na queima dos alimentos

Fonte: A Autora, 2021.

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Procedimentos

  1. Meça 200 mL de água com a proveta e verta-a em uma lata de refrigerante vazia.
  2. Com auxílio de um termômetro determine a temperatura inicial da água.
  3. Pese um pedaço do alimento e prenda-o no clipe afixado na rolha de cortiça. A distância entre o alimento e o fundo da lata afixada no suporte universal deve ser de 2 cm.
  4. Queime o alimento com auxílio de um palito de fósforo (Figura 2). Durante a queima, agite a água da lata com um bastão de vidro.


  5. Figura 2: Aluno realizando a queima do alimento durante o experimento.

    Fonte: A Autora, 2021

  6. Após a combustão, meça a temperatura final da água e a massa final do alimento e anote os valores obtidos.
  7. Repita as etapas anteriores para os demais alimentos com a mesma massa inicial.


Durante a realização do experimento, anote os valores de massa inicial (g) e massa final (g) para cada alimento, as temperaturas inicial e final ( oC) da água em cada queima de alimento e, por fim, anote a variação de temperatura ( oC) da água em cada combustão. Esses dados podem ser organizados pelos alunos em uma tabela.

6ª Etapa: Análise e discussão dos dados obtidos no experimento

Proponha as seguintes discussões aos alunos, a fim de analisar os dados obtidos no experimento:

  1. Como foi a queima dos diferentes alimentos testados?
  2. Na combustão ocorreu a absorção ou liberação de energia? Justifique
  3. A maior variação de temperatura foi observada para qual alimento?
  4. O alimento que vocês sugeriram que seria mais calórico, realmente foi o que liberou maior mais energia? Justifique.

Nessa etapa propõe-se que os alunos façam cálculos para estimar a quantidade de calorias por grama de cada alimento e também a quantidade de calorias de acordo com a porção indicada nos rótulos.

  1. Como você pode fazer esse cálculo e qual(is) conceito(s) matemático(s) está(ão) envolvido(s) nesse processo?
  2. Há diferença entre a quantidade de calorias obtida no experimento e a quantidade de calorias informada na tabela nutricional? Se há diferença, o que pode ter influenciado?
  3. Analise a tabela a seguir (Tabela 1) com a composição dos alimentos testados em relação a 100 g de amostra e proponha uma explicação para os dados obtidos no experimento.


Tabela 1: Composição nutricional dos alimentos

Composição média de amostra de 100 g dos alimentos testados
Alimento Calorias(kcal) Carboidratos (g) Lipídios (g) Proteínas (g)
Pipoca doce 468 62,5 23,3 6,6
Biscoito salgado (B) 110 65,0 23,5 5,0
Biscoito salgado (C) 80 59,1 25,4 5,4
Biscoito salgado (D) 170 68,1 15,7 8,5
Amendoim 310 20,6 50,0 23,3
Amêndoa 280 29,5 47,3 18,6

Fonte: Tabela Brasileira de Composição de Alimentos, 2011 (Adaptada)


  1. Faça uma pesquisa sobre a composição nutricional (quantidade de proteínas, lipídeos e carboidratos) e o poder calorífico de cada alimento e apresente uma explicação para que tais alimentos sejam tão calóricos.
  2. Como a Matemática se relaciona com a leitura desses dados?

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7ª Etapa: Problematização final

Espera-se que os alunos façam conexões entre a Química, a Matemática e o cotidiano, para isso são feitos os seguintes questionamentos:

  1. Como foi participar deste experimento?
  2. Como você utilizou a Matemática e a Química durante os encontros?
  3. Você consegue estabelecer uma relação entre essas disciplinas? Se sim, explique.
  4. Como você poderia relacionar as discussões nos nossos encontros com o cotidiano?
  5. Em que você acha que esse experimento pode influenciar?

8 Etapa: O uso do Tik Tok: atividade física, bem-estar e a queima de calorias

O objetivo é discutir com os alunos os benefícios da prática de uma atividade física, evidenciando o auxílio no bem-estar e na queima de calorias após a ingestão dos alimentos. A partir desse levantamento, enfatizar que há diversas modalidades que auxiliam na manutenção de uma vida equilibrada entre alimentação e atividades físicas, como ilustrado na Figura 3. Inclusive um aplicativo que tem ganhado grande destaque, oTik Tok. Esse aplicativo é uma rede social de criação e compartilhamento de vídeos curtos, entre os quais se destacam os vídeos de danças e coreografias.

Figura 3: Captura de tela extraída do endereço eletrônico Boa Forma.


Fonte: boaforma.abril.com.br/fitness/escolha-sua-modalidade-de-danca-para-queimar-calorias/

As seguintes discussões são propostas

  1. Você utiliza o Tik-Tok? Você já havia pensado no aplicativo como opção de prática de exercício físico?
  2. Quanto tempo é necessário dançar para fazer o gasto de calorias de cada um dos alimentos analisados anteriormente?
  3. De que maneira podemos utilizar a Matemática para relacionar o consumo de alimentos e o tempo necessário de prática de atividades físicas para auxiliar no gasto calórico?

9ª Etapa: Compartilhamento de conhecimentos

A sugestão é que os alunos compartilhem os conceitos adquiridos por meio da criação de um mural na escola ou digital, a partir de uma ferramenta digital para a construção de murais virtuais e colaborativos, o Padlet (https://pt-br.padlet.com/) que pode ser acessado no computador ou aplicativo de celular, no qual os alunos podem construir, compartilhar e valorizar as criações da turma.

Resultados e discussão

Deve-se ressaltar que a análise e a discussão dos resultados desta pesquisa ainda se encontram em andamento. A aplicação da atividade está sendo realizada com alunos do 1º ano do Ensino Médio de duas escolas particulares, de uma mesma rede de ensino do Rio de Janeiro. Um grupo composto por 5 alunos ao qual denotaremos por grupo A e o outro grupo formado por 4 alunos, que será identificado como grupo B.

Inicialmente, os alunos observaram as tabelas nutricionais com o intuito de conhecer o perfil dos estudantes e os conhecimentos prévios acerca da temática alimentação e informação nutricional dos alimentos. Dos cinco alunos do grupo A, apenas dois disseram ter o hábito de fazer a leitura da tabela nutricional; já no grupo B, nenhum aluno afirmou ler as informações da tabela nutricional. O seguinte questionamento foi realizado: “Como você acha que a Matemática é importante na interpretação de uma tabela nutricional?”.

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Um aluno relatou ser necessária a interpretação do que esses números significam na alimentação ou dieta de cada pessoa; caso contrário seriam apenas números. Essa compreensão da importância da linguagem conecta-se com a concepção de alfabetização científica. Conforme Chassot (2003), é um meio pelo qual pode potencializar ações que privilegiam uma educação mais comprometida.

Para Skovsmose (2001, p.118), “o conhecer reflexivo tem de ser desenvolvido para dar à alfabetização matemática uma dimensão crítica”. Dessa forma, a Matemática como ferramenta social está associada ao conhecimento técnico no campo nutricional, promovendo desenvolvimento do pensamento reflexivo nesse ambiente de aprendizagem.

Figura 4: Questionário em forma de nuvem de palavras realizado com o grupo A: conhecimentos prévios.

Fonte: A autora, 2021.

Figura 5: Questionário em forma de nuvem de palavras, realizado com o grupo B: conhecimentos prévios.

Fonte: A autora, 2021.


A partir dessas nuvens de palavras, num processo dialógico, o aluno assumiu a função de sujeito da ação e de, forma ativa, produziu conhecimento meio de seus próprios conhecimentos e experiências.

Ao apresentar a fórmula Q = m . c . ΔT (onde Q é a quantidade de calor, m e c são a massa e o calor específico da água, respectivamente) e os conceitos nela envolvidos, os alunos foram questionados se havia uma relação com conceitos matemáticos. Os estudantes responderam que o conceito abordado era o de proporcionalidade, justificando que se a massa utilizada no experimento seria a mesma e o calor específico da água era uma constante; a quantidade de calorias estaria ligada de forma diretamente proporcional à variação de temperatura.

Ao ser apresentada a situação-problema - “Dentre os alimentos disponíveis, qual desses forneceria maior quantidade de energia?”, - alguns alunos optaram pelos biscoitos salgados, outros pelo amendoim como o mais calórico. Essas respostas geraram discussão, provocada pelos próprios alunos, no sentido de compreender que ser mais calórico, não significa ser menos saudável.

Segundo Sasseron (2015, p.61), investigação e argumentação têm sido utilizadas como “formas de tratar assuntos científicos em sala de aula”. Isto evidencia que elementos da cultura social são meios próprios do processo de ensino e aprendizagem, corroborando o conceito de Etnomatemática.

O momento do experimento foi muito aguardado por todos os alunos envolvidos. Eles estavam animados por poderem fazer uma experiência e participar do trabalho investigativo sobre a quantidade de calorias produzidas por cada elemento, observando a intensidade da chama durante a combustão, a variação de temperatura e estabelecendo relações com a alimentação diária deles.

Quando questionados acerca de como foi participar dessa primeira etapa, responderam: “Gostei bastante, foi uma experiência incrível e aprendi coisas que são presentes no nosso cotidiano e nem notamos”; “Achei muito interessante, divertido e diferente”; “Gostei do nosso encontro, consegui entender que dá para usar a Matemática na Química”. No áudio a seguir, link:https://www.youtube.com/watch?v=4Oly9Y_Gl6E, podemos observar o quão significativo foi para a aluna poder participar da sequência didática.

Essa participação ativa dos alunos, a partir de experiências vivenciadas no cotidiano, estabelece relações matemáticas e químicas para além da sala de aula; atribuir significado a esses conteúdos desenvolve o pensamento crítico à cidadania. A metodologia presente nesta pesquisa poderá promover no aluno o exercício de raciocínio, interdisciplinaridade, alfabetização científica, habilidade de comparação de informações, análise, avaliação, além da divulgação dos conhecimentos adquiridos, conforme previsto pela BNCC.

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Conclusão

A modelagem pode ser uma ferramenta facilitadora no ensino de conceitos matemáticos, pois possibilita ao aluno aproximar os conceitos da realidade em que vive, significando a aprendizagem.

Por meio dessa proposta metodológica, a qual faz parte do produto educacional “Sequências Didáticas: a modelagem matemática no ensino de Química”, espera-se que o aluno compreenda a interdisciplinaridade entre Química e Matemática, a partir das informações nutricionais dos alimentos e dos recursos necessários para calcular a quantidade de calorias. Com isso, espera-se poder associar a aplicabilidade desses conhecimentos em seu cotidiano, além de contribuir para equilíbrio entre alimentação, saúde, bem-estar e a prática de atividades físicas.

A proposta da sequência didática permite a participação ativa dos alunos, possibilitando maior interação e envolvimento entre os alunos, o professor e as reflexões do meio em que vivem.

Sendo assim, a importância torna-se ainda maior devido à possibilidade de os alunos tornarem-se disseminadores do conhecimento, sujeitos autônomos, com habilidades e competências produzidas durante as atividades necessárias para avaliar e ocupar espaço deles na sociedade, de forma crítica e responsável.

Referências

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CARDOSO, S. P; COLINVAUX, D. Explorando a Motivação para Estudar Química. Química Nova, Ijuí, UNIJUÍ, v.23, n.3, p. 401-404, 2000.

CHASSOT, A. Alfabetização científica: uma possibilidade para a inclusão social. Revista brasileira de educação, n.22, p. 89-100, 2003.

D'AMBROSIO, U. Etnomatemática se ensina? Bolema, v. 3, n. 4, p. 13-16, 1988.

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FAZENDA, I. (Org.). O que é interdisciplinaridade? São Paulo: Cortez, 2008. FREIRE, P. A Importância do Ato de Ler: em três artigos que se completam. 32. ed. São Paulo: Cortez, 1996.

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SASSERON, L. H. Alfabetização científica, ensino por investigação e argumentação: relações entre ciências da natureza e escola. Revista Ensaio, Belo Horizonte, v.17, n. especial, p. 49-67, 2015.

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