VOLTAR À COLEÇÃO ISBN: 978-65-86422-79-5
Volume 2

Ações e reflexões pedagógicas:

Produtos educacionais para o ensino na educação básica

História, cultura e biodiversidade no cerrado

AUTORES
Ana Isabel Ribeiro
Maria Izabel Barnez Pignata
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1. Apresentação

A pesquisa que, em parte, apresentamos nestas páginas, nasceu de múltiplas inquietações que fazem parte da nossa constituição enquanto sujeitos. Esse é um trabalho carregado de subjetividade porque nele assumimos a nossa postura enquanto sujeitos que habitam uma região de Cerrado bastante castigada pelas investidas do capital que destrói a natureza, penetra na cultura e expulsa campo. Mas, sobretudo, aqui nos colocamos como sujeitos de resistência que usam a educação como alternativa de diálogo, problematização, crítica e, quiçá, transformação.

A proposta de ensino que apresentamos aqui faz parte de uma pesquisa desenvolvida durante o mestrado profissional do programa de pós-graduação em Ensino na Educação Básica do Centro de Ensino e Pesquisa Aplicado à Educação da Universidade Federal de Goiás (Cepae-UFG). Esta proposta compõe o produto educacional da pesquisa e foi aplicada no Colégio Estadual Maria Benedita Velozo, na cidade de Orizona, Goiás.

A escolha desse objeto de estudo guarda forte relação com a nossa preocupação, enquanto professoras da Educação Básica, em relação à abordagem que é dada ao tema durante o ensino médio, especialmente quando se analisa a matriz curricular do estado de Goiás (GOIÁS, 2013). Consideramos a necessidade de o ensino-aprendizagem problematizar melhor o tema Cerrado, valorizando os aspectos da sociedade e da sua biodiversidade e, durante este estudo, foi feito um esforço nesse sentido.

O suporte teórico da pesquisa vem especialmente da pedagogia de Paulo Freire, que defende que a indagação, a busca e a pesquisa fazem parte da prática docente (FREIRE, 1996). E assim como Freire (2016), entendemos a educação como uma forma de liberdade e humanização que parte do diálogo na busca pela liberdade. Nesse contexto, portanto é fundamental a discussão sobre o meio ambiente em que estamos inseridos. Entender o mundo, na nossa visão, é antes de tudo entender as relações culturais e ambientais das quais fazemos parte e é por isso que a intervenção que aplicamos e que propomos enquanto produto educacional traz o aluno como um sujeito ativo no processo de ensino aprendizagem.

Diante da preocupação com a degradação dos recursos ambientais e com a desvalorização da cultura, a pergunta de pesquisa foi se seria possível que uma abordagem pedagógica que relacionasse a cultura e a biodiversidade do Cerrado poderia contribuir para a aprendizagem crítica dos alunos do ensino médio.

A dissertação de mestrado apresenta na sua introdução as justificativas que nos levaram à escolha do objeto de estudo, o estado da arte da pesquisa sobre o Cerrado no ensino médio e os objetivos da pesquisa. Ademais, há quatro capítulos: no primeiro, discutimos a importância ecológica e social do Cerrado; no segundo, argumentamos a respeito da interferência do mercado na educação brasileira e goiana, além de tratarmos da pedagogia crítica e defendermos o seu uso no ensino de ciências; no terceiro, apresentamos a metodologia utilizada na intervenção pedagógica que é o produto educacional da pesquisa e, no quarto, apresentamos os resultados da pesquisa.

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A sequência didática é baseada na proposta metodológica de Delizoicov e Angotti (1990), que propõem uma dinâmica metodológica chamada: Três Momentos Pedagógicos, baseada nas concepções de educação de Paulo Freire. Os três momentos da dinâmica são: Problematização inicial, Organização do Conhecimento e Aplicação do Conhecimento.

1.1 Intervenção Pedagógica: a aplicação do produto educacional Sequência Didática-Cultura e Biodiversidade no Cerrado
Ciclo de Palestras: Duração - 3 aulas

Inicialmente pretendíamos sensibilizar os estudantes a respeito do objeto de estudo. Como era objetivo abordar o Cerrado sobre aspectos biológicos, geográficos, históricos e culturais, convidamos palestrantes de diferentes áreas para ministrarem palestras que abordassem esses aspectos. Além disso, conversamos previamente com os palestrantes para que buscassem a participação dos estudantes, instigando perguntas e esclarecendo dúvidas.

Todas as palestras foram ministradas no segundo horário (7h45 às 8h35) e, quando não coincidia com os horários de aula dos envolvidos no projeto, o professor responsável cedia seu horário para que os estudantes participassem.

A primeira palestra do ciclo foi ministrada no dia 5 de fevereiro, pela professora de Biologia, mestre em Recursos Naturais do Cerrado. Foi abordado o tema Biodiversidade do Cerrado, e, ao final, foram respondidos aos questionamentos sobre o tema. A palestrante deixou os estudantes bem à vontade e, mesmo durante a explanação, permitiu perguntas. Os alunos fizeram perguntas relativas à vegetação, quando foi mencionado ser o Cerrado uma floresta invertida, e ao fogo (Figura 1).

Figura 1. Palestra: Biodiversidade do Cerrado. Fonte: Acervo das pesquisadoras.

A segunda palestra do ciclo foi ministrada por um geógrafo, especialista em meio ambiente, no dia 6 de fevereiro, e o tema abordado foi Geografia do Cerrado. Inicialmente foi mostrado mapa dos biomas e discutiram-se os estereótipos associados ao Cerrado, muitas vezes descrito como uma “vegetação feia”. Ao falar das características do clima, citou o regime de chuvas, desmatamento, poluição e assoreamento.

Ao citar o rio Corumbá, como exemplo de rio que está sendo prejudicado pelas hidrelétricas, foi contestado pelos alunos e, diante disso, a questão se alongou. Ao final da palestra, falou rapidamente da nova área de desmatamento do Cerrado conhecida como Matopiba, área que engloba Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia e da água no Cerrado e alertou para o risco de extinção do bioma e dos recursos hídricos (Figura 2).

Figura 2. Palestra: Geografia do Cerrado. Fonte: Acervo das pesquisadoras.

A terceira palestra foi ministrada por um historiador, especialista em História do Brasil. Abordou a colonização do estado de Goiás e o povoamento do município de Orizona, bem como a formação dos povoados e a influência de algumas famílias e da Igreja católica no município. Nessa palestra, os estudantes fizeram muitas perguntas, especialmente relacionadas às famílias tradicionais que reivindicam a fundação da cidade (Figura 3).

Figura 3. Palestra História de Orizona. Fonte: Acervo das pesquisadoras.

Em todas as palestras houve participação dos estudantes, porém, na palestra sobre a história e cultura do município, eles se mostraram muito interessados e questionaram o palestrante. Devido a isso, a palestra, cuja duração estava prevista para 50 minutos, alongou-se por mais 20 minutos.

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1.2 Visita ao Memorial do Cerrado.
Duração: 1 dia de campo

A visita ao Memorial do Cerrado, museu da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO), foi acompanhada pela coordenadora da escola, os professores de biologia, geografia e por mim. Dos 77 estudantes participantes da pesquisa, apenas 47 viajaram à Goiânia para a visita ao museu.

Durante a visita, fomos acompanhados por uma monitora, estudante de geografia, que ficou responsável por apresentar-nos os espaços do museu. Optamos por iniciar a visitação pelo Museu de História Natural. A monitora narrou a história da evolução na Terra, enquanto mostrava painéis, fósseis, imagens que caracterizam as eras geológicas e aspectos sobre a evolução de animais e plantas. O cenário que mostra animais taxidermizados chamou bastante atenção dos estudantes, que quiseram fotografar e ficaram interessados em saber a espécie e como é feito o processo para deixá-los da forma como estão expostos no museu (Figura 4).

Figura 4. Entrada do Museu de História Natural. Fonte: Acervo das pesquisadoras.

Já na Vila de Santa Luzia, enquanto a monitora apresentava os espaços e falava a respeito da história da colonização do Brasil e das cidades históricas do estado de Goiás, passamos por espaços que mostram casas antigas, escolas, comércio, jornais, igreja e bordel. A monitora falou da diferença entre o centro das vilas e a periferia (Figura 5).

Figura 5. Vila Cenográfica de Santa Luzia no Memorial do Cerrado. Fonte: Acervo das pesquisadoras.

Depois de conhecer a parte urbana da vila, fomos conhecer as réplicas das fazendas. Enquanto falava de como era o trabalho rural feito pelos escravos, com auxílio de animais, a monitora mostrava construções e objetos que representavam esse período da história de Goiás (Figura 6).

Figura 6. Interação dos estudantes e monitora do Memorial do Cerrado durante a visita Fonte: Acervo das pesquisadoras.

Posteriormente, fomos levados ao quilombo, onde pudemos ter uma ideia, a partir das explicações, de como era a vida dos negros que fugiam da escravidão. E, por fim, visitamos a aldeia indígena, que é uma réplica da aldeia Timbira, onde as ocas eram construídas formando um círculo (Figura 7).

Figura 7. Aldeia Indígena no Memorial do Cerrado. Fonte: Acervo das pesquisadoras.

Ao final, nos reunimos embaixo de uma mangueira, no final de uma trilha, onde agradecemos à monitora e conversamos a respeito daquilo que vivenciamos no museu.

1.3 O Cerrado na visão da população local
Preparação das entrevistas
Duração: 1 aula

Após as palestras com especialistas de diferentes áreas e visitado o Memorial do Cerrado, os estudantes já haviam tido contato com várias informações, de fontes científicas, sobre o Cerrado. Por tratar-se de uma pesquisa voltada para o mundo dos estudantes, a etapa seguinte levou-os a campo para dialogar com a população da cidade onde vivem.

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Nos dias 26 de fevereiro, nas aulas de biologia das três turmas participantes da pesquisa, o professor e eu conversamos com os estudantes sobre as etapas do projeto que já haviam acontecido e explicamos que a ideia agora seria entrevistar uma pessoa que morasse no município há mais de 40 anos, para que os questionassem sobre o Cerrado e a cultura local.

Posteriormente, pedimos que os alunos formassem grupos de até cinco estudantes e formulassem perguntas que seriam feitas durante a entrevista. Ao final da aula, reunimos os estudantes novamente para que as questões fossem socializadas e para elaboração de um questionário a ser usado em todas as entrevistas. Esclarecemos que, durante a entrevista, eles poderiam fazer novos questionamentos caso surgisse curiosidade sobre algum assunto abordado pelo entrevistado.

Explicamos aos estudantes para fazerem o convite à pessoa que gostariam de entrevistar e marcar um horário no contraturno das aulas para realizar a entrevista. Alertei-os de que os acompanharia nessas entrevistas. Terminadas as entrevistas, deveriam ser transcritas e editadas para apresentação em pôster para os colegas.

Foi entregue para cada grupo um modelo de pôster com uma formatação padronizada. A apresentação dos trabalhos foi marcada para o dia 18 de março de 2018.

1.4 Entrevistas
Duração: O prazo para a apresentação das entrevistas foi de três semanas.

No período entre 26 de fevereiro e 18 de março foram feitas e editadas para apresentação em pôsteres 17 entrevistas. Nesse período, acompanhei os estudantes nas entrevistas, realizadas de acordo com o roteiro prévio feito em sala de aula. Conforme nossa orientação, no decorrer da conversa, os estudantes faziam outras perguntas (Figura 8).

Figura 8. Registro das entrevistas. Fonte: Acervo das pesquisadoras.

Além de acompanhar os estudantes nas entrevistas, os professores de biologia, geografia e eu nos dispusemos a orientá-los na edição delas e na formatação dos pôsteres. Alguns estudantes apresentaram mais dificuldades com os equipamentos (celulares e computadores), mas, ao final, todos conseguiram apresentar o trabalho no modelo proposto (Figura 9).

Os trabalhos foram apresentados no dia 19 de março de 2018, entre o 4.º e o 6.º horário de aula, no período entre as 9h35 e 12h para as turmas do 2.º ano. Os trabalhos foram apresentados por turma, iniciando com o 2.º ano “A” fazendo sua apresentação para os colegas do 2.º “C” e 2.º “B”. Em seguida, o 2.º “B” fez apresentações para os colegas do 2.º “A” e 2.º “C” e, por fim, os segundos anos “A” e “B” assistiram à apresentação do 2.º “C”. A socialização do trabalho foi importante para que os estudantes pudessem observar que os relatos sobre a ocupação dos espaços de Cerrado pela agricultura são coincidentes, assim como aqueles que dizem respeito às manifestações culturais do município.

Figura 9. pôster apresentado pelos alunos. Fonte: Acervo das pesquisadoras.

1.5 Plantio de mudas
Quantidade de aulas: 1 aula

O plantio de mudas estava previsto para ocorrer como a última atividade, porém resolvemos antecipá-la por temer o fim do período de chuvas. Por isso, essa atividade foi feita no dia 22 de março, no segundo horário (entre 7h45 e 8h35). As mudas foram adquiridas em um viveiro da cidade.

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Os alunos foram reunidos na área escolhida e a professor de biologia recordou a palestra sobre biodiversidade do Cerrado e a importância daquela atividade, uma vez que as plantas que seriam plantadas naquele local são exemplares de espécies do Cerrado e serviriam para sombrear a área, diminuir a sensação térmica no local e manter espécies importantes de nossa flora (Figura 10).

Figura 10. Plantio de mudas. Fonte: Acervo das pesquisadoras.

O terreno onde foram plantadas as mudas é uma área do Colégio Estadual Maria Benedita Velozo. As covas foram feitas com auxílio de um voluntário adulto e os estudantes fizeram o plantio. Foram plantadas 20 mudas das seguintes plantas: pequi (Caryocar brasiliense), guapeva (Pouteria ramiflora), cagaita (Eugenia dysenterica), caraíba (Tabebuia aurea) e ipê amarelo (Tabebuia alba). Durante o ano, o cuidado com as mudas ficou a cargo dos funcionários da escola responsáveis pela limpeza de pragas e controle de formigas.

1.6 Conservação do Cerrado
Duração: Esta atividade demandou uma aula para explicação de seus objetivos, uma semana de prazo para os estudantes confeccionarem o trabalho e uma aula para apresentação.

No dia 23 de março de 2018, na disciplina de Arte, nas três turmas do 2.º ano, a professora pediu que os estudantes fizessem uma apresentação com recursos de áudio e vídeo com o tema Conservação do Cerrado. A professora relembrou as atividades já desenvolvidas no projeto sobre a Biodiversidade e Cultura do Cerrado, como palestras, visita ao Memorial do Cerrado, entrevistas e o plantio de mudas e pediu que utilizassem o aprendizado dessas etapas para fazerem uma apresentação que tivesse uma mensagem de conservação. Ela sugeriu um programa do Windows, Windows Movie Maker, e promoveu uma oficina, em sala de aula, mostrando o funcionamento do programa. Os estudantes sugeriram a utilização de um aplicativo de celular (Viva Vídeo) que apresenta as mesmas funções do Movie Maker e o uso desse aplicativo foi autorizado por ela.

Os vídeos foram apresentados no dia marcado, e observamos que houve demonstração de grande preocupação com o desmatamento, as queimadas e com a água. Embora o material reproduza muitas imagens retiradas da internet e frases da internet, observamos que os estudantes demonstram preocupação com os problemas ambientais do Cerrado e propuseram diminuição do desmatamento, fiscalização e cuidado com o meio ambiente.

1.7 Forma de acesso

O produto educacional está disponível no portal eduCAPES, no link abaixo: https://educapes.capes.gov.br/handle/capes/554255

2. Considerações finais

O desafio a que nos propusemos era discutir a cultura e a biodiversidade do Cerrado tendo os alunos do ensino médio como participantes e protagonistas do processo de ensino-aprendizagem. Durante toda a pesquisa nos empenhamos no trabalho conjunto com os estudantes porque não pretendíamos, de modo algum, a reprodução do modelo bancário de educação. E, ao final da pesquisa, percebemos que a nossa proposta teve resultado positivo para a aprendizagem dos alunos.

Os próprios alunos, em entrevistas de grupo, avaliaram os recursos utilizados na sequência didática como importantes para a sua aprendizagem e consideraram que essa estratégia ajudou na conscientização a respeito do Cerrado.

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Acreditamos ainda que a sequência didática que foi proposta e que está disponível no link da eduCAPES pode ser desenvolvida em qualquer escola que esteja inserida numa região de Cerrado. Além disso, pode ser adaptada considerando os aspectos culturais e ambientais de outras regiões do Brasil que não sejam o Cerrado.

Referências

DELIZOICOV, Demétrio; ANGOTTI, José André. Metodologia do ensino de ciências. São Paulo: Cortez, 1990.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 25. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 62. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2016.

GOIÁS. Secretaria de Estado da Educação. Currículo referência da Rede Estadual de Educação de Goiás: versão experimental. Goiânia, 2013.

CONTATOS
Ana Isabel Ribeiro •
Mestre em Ensino na Educação Básica pelo Programa de Pós-Graduação em Ensino na Educação Básica do CEPAE/UFG •
drosofilista@gmail.com
Maria Izabel Barnez Pignata •
Doutora em Ciências Biológicas pelo Instituto de Biociências de Rio Claro / UNESP •
mibabel@ufg.br