VOLTAR À COLEÇÃO ISBN: 978-65-86422-79-5
Volume 2

Ações e reflexões pedagógicas:

Produtos educacionais para o ensino na educação básica

Coletânea: escritos sobre a educação especial e o ensino de ciências

AUTORAS
Juliana Caixeta Padilha
Maria Izabel Barnez Pignata
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1. Contexto Geral

O presente artigo apresenta pontos importantes da pesquisa intitulada A mediação docente dos conceitos básicos da Genética para alunos com deficiência intelectual, realizada nos anos de 2016, 2017 e 2018, que se constituiu uma análise referente ao processo de ensino e aprendizagem envolvendo estudantes com deficiência intelectual, de uma Unidade Escolar Regular, da Rede Estadual de Ensino de Goiás, do município de Goiânia, na área das Ciências da Natureza, disciplina Biologia, conteúdo Genética, em virtude da relevância para a inclusão daqueles indivíduos no sistema educacional e, por conseguinte, na sociedade.

O resultado do estudo originou como produto educacional um Caderno Pedagógico denominado Coletânea – Escritos sobre a Educação Especial e o Ensino de Ciências, o qual apresenta temas teóricos e pedagógicos em relação ao Ensino de Ciências/Biologia e a Educação Especial. Os textos que o compõem foram escritos por Profissionais da Educação que atuam nas redes de ensino estadual e federal, e trabalham com as áreas em questão.

O produto educacional desenvolvido pretendeu colaborar com a modalidade da Educação Especial no que diz respeito à formação continuada dos Profissionais da Educação por apresentar discussões alusivas ao processo de ensino e aprendizagem dos alunos com deficiência intelectual e algumas práticas pedagógicas referentes à mediação de conceitos básicos do ensino de ciências.

Nesse sentido, a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008) define a Educação Especial como uma modalidade de ensino que perpassa todos os níveis e modalidades de Educação e possui como público alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, matriculados em Unidades Regulares de Ensino. Incluem-se aí alunos com deficiência intelectual.

A conceituação de escola inclusiva adotada no estudo foi a de Mantoan (2003, p. 8):

Estamos “ressignificando” o papel da escola com professores, pais, comunidades interessadas e instalando no seu cotidiano, formas mais solidárias e plurais de convivência. É a escola que tem que mudar, e não os alunos, para terem direito a ela! O direito à educação é indisponível e, por ser um direito natural, não faço acordos quando me proponho a lutar por uma escola para todos, sem discriminações, sem ensino à parte para os mais e para os menos privilegiados. Meu objetivo é que as escolas sejam instituições abertas incondicionalmente a todos os alunos e, portanto, inclusivas.

Por seu turno, a Educação Especial é entendida a partir do que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, n.º 9.394 (BRASIL, 1996), estabelece:

Art. 58. Entende-se por educação especial, para os efeitos desta Lei, a modalidade de educação escolar, oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos portadores de necessidades especiais.
§1º Haverá, quando necessário, serviços de apoio especializado, na escola regular, para atender às peculiaridades da clientela de educação especial. Art. 59. Os sistemas de ensino assegurarão aos educandos com necessidades especiais:
III –professores com especialização adequada em nível médio ou superior, para atendimento especializado, bem como professores do ensino regular capacitados para a integração desses educandos nas classes comuns;
IV – educação especial para o trabalho, visando a sua efetiva integração na vida em sociedade, inclusive condições adequadas para os que não revelarem capacidade de inserção no trabalho competitivo, mediante articulação com os órgãos oficiais afins, bem como para aqueles que apresentam uma habilidade superior nas áreas artística, intelectual ou psicomotora.
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A pesquisa trabalhou com a definição de pessoa com deficiência estabelecida pela Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência - Estatuto da Pessoa com Deficiência (BRASIL, 2015), art. 2º, por considerar os aspectos biológicos e sociais da deficiência e por incluir o impedimento intelectual no texto:

Art. 2º Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.

Ressalta-se a importância do esclarecimento acerca do uso dos termos deficiência intelectual e deficiência mental, conforme aponta Sassaki (2005, p.9-10):

[...][5] Agora, um comentário sobre os termos “deficiência mental” e “deficiência intelectual”. A partir da década de 80, o termo utilizado tem sido "deficiência mental". Antes disso, muitos outros termos já existiram. E, atualmente, há uma tendência mundial (brasileira também) de se usar "deficiência intelectual", termo com o qual concordo por duas razões. A primeira razão tem a ver com o fenômeno propriamente dito. Ou seja, é mais apropriado o termo "intelectual" por referir-se ao funcionamento do intelecto especificamente e não ao funcionamento da mente como um todo. [6] A segunda razão consiste em podermos melhor distinguir entre "deficiência mental" e "doença mental", dois termos que têm gerado muita confusão há décadas, principalmente na mídia. Os dois fenômenos trazem o adjetivo "mental" e muita gente pensa que "deficiência mental" e "doença mental" são a mesma coisa.

De acordo com Sassaki (2004), entende-se que, na deficiência intelectual, há um comprometimento cognitivo que pode resultar em um atraso no desenvolvimento, em dificuldades para realizar atividades cotidianas, sociais e de higiene, na aprendizagem e na interação com o meio em que se está inserido. Na maioria das vezes, a deficiência surge mesmo antes dos dezoito anos de idade. “O novo entendimento aponta para o fato de que o déficit cognitivo não está na mente como um todo e sim numa parte dela, o intelecto” (SASSAKI, 2007, s/p). Logo, no transtorno mental acontecem alterações de humor e de comportamento que podem afetar a interação do indivíduo com a sociedade, causando até mesmo variações de percepção da realidade. As mudanças ocorrem na mente do indivíduo e suas origens são psiquiátricas, exigindo tratamento clínico com medicações.

Sassaki (2017, p. 9) conceitua as pessoas com deficiência como “aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial” e as caracteriza considerando o impedimento e o tipo de deficiência:

Se uma pessoa teve impedimento no físico, ela é uma pessoa com deficiência física.- Se uma pessoa teve impedimento na saúde mental, ela é uma pessoa com deficiência psicossocial. - Se uma pessoa teve impedimento no intelecto, ela é uma pessoa com deficiência intelectual. - Se uma pessoa teve impedimento na audição, ela é uma pessoa com deficiência auditiva. - Se uma pessoa teve impedimento na visão, ela é uma pessoa com deficiência visual. - Se uma pessoa teve impedimento em múltiplas áreas, ela é uma pessoa com deficiência múltipla. Nesta afirmação da CDPD, a palavra “mental” se refere à “saúde mental” (área psiquiátrica), cuja inserção na Convenção da ONU (2006) constitui uma inédita contribuição liderada por inúmeras organizações não governamentais que atendiam e ainda atendem pessoas com transtorno mental (em fase de doença) e pessoas com deficiência psicossocial (em fase de sequela de algum transtorno mental). (...) A palavra “intelectual” se refere ao antigo vocábulo “mental” utilizado no termo “deficiência mental”, já revogado ou substituído há cerca de 20 anos.
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Nesse ponto, o estudo ocupou-se de indivíduos com deficiência intelectual e foram abordadas não somente as características de alunos do Ensino Especial em Escola Pública, mas o tipo de apoio que estes necessitam nas Unidades Regulares de Ensino. Conforme APAE (1999, apud CARVALHO, 2006):

[...]a pessoa necessitará de um apoio intermitente (realizado, quando necessário, em determinado momento da vida); de um apoio limitado (que ocorrem mais vezes durante a vida, mas apenas para realizar uma tarefa específica); de um apoio moderado ou extensivo (regular, sem prazo determinado para seu término); ou de um apoio difuso ou generalizado (constante, de alta intensidade e que exige mais pessoal que os apoios extensivos e os de tempo limitados, devendo ser oferecido em diferentes áreas do desenvolvimento).

Os três alunos com deficiência intelectual observados, no caso em questão, necessitavam de um apoio limitado para a realização de atividades dentro e fora da sala de aula. Na Rede Estadual de Ensino do Estado de Goiás, os apoios referentes à deficiência intelectual são representados pelo Professor de Apoio à Inclusão - PA. Esse profissional atua como docente dentro das salas de aula juntamente com os professores Regentes das disciplinas e apoia todos os estudantes da sala, especificamente, os com deficiência intelectual e transtornos globais do desenvolvimento (GOIÁS, 2015).

A pesquisa fundamentou-se na teoria sócio-histórica de Vygotsky e seus seguidores, e na concepção de um currículo escolar que proporcione a todos os alunos aprendizagem e desenvolvimento significativos. Foram estudados os conceitos da teoria sócio-histórica, considerando o da mediação e do desenvolvimento humano. Discutiu-se o currículo escolar com base em Capellini; Fonseca; Júnior; (2010); Freire (1996); Mantoan (2002, 2003) e Paganelli (2017) e em documentos oficiais de Órgãos Federais e Estaduais. E para elucidar as conexões teóricas do ensino de Ciências, disciplina Biologia, conteúdo Genética à teoria sócio-histórica e a um currículo planejado para atender às necessidades e potencialidades de todos os estudantes baseou-se nas discussões de Pozo; Crespo (2009) e Cachapuz; Praia; Jorge (2004).

Por a pesquisa desenvolver-se em uma Unidade Escolar Estadual Regular, da Rede de Ensino do Estado de Goiás, evidenciou-se o Programa Estadual de Educação para a Diversidade numa Perspectiva Inclusiva – Peedi, criado em 1999, pela Secretaria de Estado da Educação. De acordo com Sassaki (2003, p. 34):

[...] aquele início foi o ponto final de um longo processo de organização da Educação Especial como um sistema paralelo ao sistema regular de ensino, processo esse que foi respaldado em leis e políticas públicas, tanto federais quanto estaduais, bem como em quase 50 anos de práticas integrativas realizadas em Goiás por iniciativas governamentais e particulares.

Como descrito no Peedi Goiás (2004), a partir do ano de 1999, as Unidades Escolares Estaduais Regulares de Goiás receberam, em suas salas de aulas, alunos públicos do Educação Especial, e para dar suporte e apoio pedagógico aos Profissionais da Educação, constituiu-se uma Rede Estadual de Apoio à Inclusão - REAI, formada por Professores(as) de apoio à inclusão - PA, Professores(as) de atendimento educacional especializado - PAEE, Profissional administrativo de apoio de higienização, Intérprete de Libras, Instrutor de Braille e de Libras e uma Equipe multiprofissional, composta de assistentes sociais, fonoaudiólogos, psicólogos, psicopedagogos (GOIÁS, 2013).

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No tocante ao Ensino de Ciências, a maior parte dos professores(as) regentes não contou, na matriz curricular dos cursos de graduação, com a temática Educação Inclusiva ou foi desafiada a discutir o assunto, o que resulta em um grave problema, pois os profissionais não se sentem preparados para a mediação de conceitos básicos a alunos com deficiência intelectual e os excluem de suas práticas pedagógicas, ainda que acreditem ser possível a aprendizagem. Tal atitude é reconhecida nos manuais do Ministério da Educação e da Secretaria de Educação Especial (BRASIL, 2010, p. 7):

[...] alguns professores privilegiam o caminho das aprendizagens mecânicas, quando atuam junto aos alunos que apresentam deficiência intelectual. Em vez de apelar para situações de aprendizagem que tenham raízes nas experiências vividas pelo aluno, atividades essas capazes de mobilizar seu raciocínio, propõem atividades baseadas na repetição e memória. Frequentemente, essas atividades são desprovidas de sentido para os alunos.

A respeito do processo ensino aprendizagem dos estudantes com deficiência, Vilela-Ribeiro e Benite (2010, p. 587) afirmam que:

Assim como em todas as outras áreas do conhecimento, o professor de ciências (Química, Física e Biologia) deve estar preparado para lidar com as diferenças dos alunos em sala de aula, inclusive com aqueles com necessidades educativas especiais, e, por isso, a importância de se discutirem as políticas educacionais de formação inicial de professores de ciências.

Portanto, para essas autoras, a formação inicial dos(as) professores(as) regentes da área de Ciências da Natureza deve ter como princípio de estudo a heterogeneidade de alunos em uma sala de aula, sendo necessário considerar os diversos estilos, os ritmos e os níveis de desenvolvimento, as potencialidades e necessidades que cada um dos estudantes com deficiência intelectual apresenta.

Bueno (1993, p. 106) reflete sobre outro aspecto da questão:

A qualificação do pessoal docente e técnico, (...), bem como o levantamento das necessidades e a ação conjunta das diversas áreas de atendimento (ao deficiente), devem ser sempre objeto de preocupação de governos que se pretendem democráticos.

Ou seja, para esse autor, além da qualificação dos profissionais envolvidos na educação desses indivíduos, há de se ter investimentos por parte dos órgãos governamentais nos aspectos financeiros e de valorização da carreira do magistério, a fim de que as Instituições Escolares tenham possibilidades de criar ações que envolvam todos no processo de ensino e aprendizagem. Dessa forma, aquelas e os governos exercerão os princípios da democracia quando instituírem práticas pedagógicas voltadas a todos os estudantes, independentemente de terem ou não deficiência.

Cabe aqui ressaltar que a história da educação brasileira foi sempre marcada por uma divisão, seja de classes econômicas, culturais, sociais, raciais ou outras. No caso da Educação Especial, essa divisão se deu entre alunos com e sem deficiência. Os estudantes sem deficiência frequentaram as Unidades Regulares de Ensino, enquanto os alunos com algum tipo de deficiência eram recebidos pelas Escolas Especiais ou Centros Especializados.

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Destarte, as Unidades Educacionais Regulares de Ensino brasileiras, entre os anos de 1990 e 2010, matricularam alunos com deficiência e receberam, por parte dos governos federais e estaduais, uma frágil formação continuada referente à Educação Especial. Outras ações de investimento nessa área foram realizadas, porém as dificuldades enfrentadas pelos professores ao receberem, em sala de aula, alunos com deficiência são justificáveis e merecem atenção por parte dos governos no que se refere ao pouco capital financeiro ofertado a essas Unidades Escolares Regulares de Ensino. Esse recurso financeiro deveria custear os materiais didáticos e tecnológicos, remunerar os professores e realizar novas formações continuadas em relação à Educação Especial.

Ainda hoje, o conjunto de ações promovidas pelos governos não garantem a efetiva inclusão dos alunos com deficiência nas Unidades Escolares Regulares de Ensino, pois são matriculados nestas, mas o processo de ensino aprendizagem, na maioria das vezes, deixa a desejar. No caso em estudo, faltam muitas ações a serem implementadas pelo Peedi a fim de que as Unidades Escolares Estaduais Regulares de Ensino do Estado de Goiás ofertem, de fato, uma educação de qualidade para todos.

Quanto às dificuldades de mediação dos conceitos específicos de Ciências, principalmente de Biologia, Casagrande (2006) afirma que essa disciplina requer dos indivíduos uma compreensão crítica e própria com a finalidade de entenderem a importância e a aplicabilidade no mundo atual, já que estuda as interações dos seres vivos com o meio ambiente e as estruturas funcionais. Analisa que, no entanto, essa compreensão não acontece de forma satisfatória para que haja, de fato, uma percepção pelos alunos dos conhecimentos científicos relacionados à sociedade.

Os alunos com ou sem deficiência, de forma geral, apresentam dificuldades em relacionar os conceitos espontâneos (VIGOTSKI, 2001) referentes aos conteúdos da disciplina de Biologia com os conceitos científicos apresentados pelos professores regentes. Eles não fazem a conexão entre o aprendizado sistematizado e a realidade que vivem, portanto, o conhecimento científico se torna distante, difícil e desnecessário para a vida. Cachapuz, Praia, e Jorge (2004, p. 366) corroboram essa posição, quando afirmam que “[...] a Educação em Ciência só tem verdadeiramente sentido educacional se estiver articulado com a questão da justificação social da Educação em Ciência”.

Em consonância com essas dificuldades estão as do estudo de Genética, ofertado, na maioria das vezes, na matriz curricular da 3.ª série do Ensino médio. Segundo Soares et al. (2005), o conteúdo de Genética torna-se difícil para a maioria dos alunos da 3.ª série do ensino médio por estar relacionado a avanços científicos e tecnológicos da Biologia Molecular e, em muitas das vezes, tal conteúdo apresentado nos livros didáticos não esclarece o real significado de seus conceitos básicos. O que acontece com frequência nas aulas de Biologia é uma repetição de conceitos lidos, deixando ao professor a dúvida sobre se os alunos os interpretaram de forma correta.

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Dados da Política da Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008) revelam que o quantitativo de alunos públicos da Educação Especial matriculados na etapa do ensino médio representa um percentual abaixo ao de alunos que estão na etapa do ensino fundamental. Nota-se, todavia, que os estudantes com deficiência não chegam a se matricular na etapa do ensino médio e, se forem matriculados, na maioria das vezes abandonam os estudos sem a conclusão da última etapa da Educação Básica. Um dos motivos que levaria a esse abandono está representado na não inclusão desses alunos no processo de ensino e aprendizagem da turma, o que gera desinteresse por continuarem os estudos. Outro motivo seriam as reprovações na 1.ª série do ensino médio.

Para representar o fato citado, anteriormente, e de acordo com o levantamento da Gerência de Ensino Especial da Seduce-GO, as Unidades Escolares Estaduais e os Centros de Atendimento Educacional Especializado Estaduais, no ano de 2017, matricularam o quantitativo de 5.943 alunos com deficiência intelectual no ensino fundamental e no ensino médio; deste quantitativo, somente 2.234 alunos possuem deficiência intelectual.

Nesse contexto, os três alunos com deficiência intelectual participantes da pesquisa em questão cursavam a 3.ª série do ensino médio, sabiam ler e escrever, faziam cálculos matemáticos, e possuíam habilidades sociais e de higiene, necessitando de um apoio limitado apenas para realizar algumas tarefas específicas. Esse fato chama a atenção da maioria dos alunos com deficiência intelectual que necessitam de apoio extensivo ou generalizado não conseguirem chegar à etapa do ensino médio, o que revela que as Unidades Escolares Regulares de Ensino brasileiras ainda não se utilizam de um currículo flexível, aberto e que atenda às necessidades específicas dos estudantes com deficiência intelectual.

Vale ressaltar que as temáticas Educação Especial, Deficiência Intelectual, Ensino de Ciências, Biologia e Genética definidas para o estudo, embora contemplem um interesse pessoal das autoras, possuem importância no aprofundamento dos conhecimentos nessas áreas, sobretudo se forem levados em consideração o número reduzido de artigos encontrados no domínio da Scientific Eletronic Library Online (Scielo) e nos trabalhos da Comissão de Aperfeiçoamento de Pessoal do Nível Superior (Capes), no mês de junho do ano de 2017.

O levantamento realizado nos portais da Capes e da Scielo permitiu concluir que, na modalidade da Educação Especial, tem-se muitos trabalhos científicos, mas poucos retratam os processos de ensino e aprendizagem dos alunos com deficiência intelectual no que se refere ao ensino de Ciências. Daí a necessidade de desenvolvimento de estudos nessas áreas.

A inquietação suscitada pela experiência pessoal das pesquisadoras e pela quase completa ausência de trabalhos publicados definiu o problema que norteou a pesquisa: Quais são as características da mediação docente dos conceitos básicos de Genética para os alunos com deficiência intelectual matriculados em uma Unidade Escolar Estadual Regular de Ensino, do município de Goiânia?

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Destarte, o objetivo geral do estudo foi verificar como são mediados os conceitos básicos de Genética aos estudantes com deficiência intelectual, de uma turma de 3.ª série do ensino médio, de uma Unidade Estadual Regular de Ensino, do município de Goiânia, e apresentar conteúdos e estratégias de ensino na área da Educação Especial e Ciências com a finalidade de auxiliar a formação continuada de professores(as), por meio de um Caderno Pedagógico.

Para consecução desse objetivo, estabeleceu-se como objetivos específicos: averiguar se o professor regente de Biologia e a professora de apoio à inclusão fazem uso de um currículo aberto, dinâmico, dialógico e flexível durante a mediação dos conceitos básicos de Genética aos alunos com deficiência intelectual; analisar como alguns profissionais da REAI, equipe gestora e família dos alunos com deficiência intelectual contribuem para o processo de ensino e aprendizagem; investigar se os alunos com deficiência intelectual aprendem ou não os conceitos básicos de Genética por meio da mediação do professor regente de Biologia e da professora de apoio à inclusão.

Em relação à metodologia da pesquisa, utilizou-se a abordagem qualitativa em forma de estudo de caso (LUDKE; ANDRÉ, 2014), tendo como estratégias para coleta de dados: observações, aplicação de questionários e entrevistas, e a produção de relatórios que deram suporte à construção e à organização do produto educacional. As observações da mediação do Professor Regente de Biologia - PRB, da Professora de apoio à inclusão - PA, da atuação da REAI, da equipe gestora e da família dos alunos com deficiência intelectual permitiram a aquisição da resposta ao problema norteador da investigação.

2. Produto educacional

A escolha de uma coletânea de textos referentes à Educação Especial e ao Ensino de Ciências como produto educacional contou com as experiências profissionais das autoras enquanto mediadoras do conhecimento, seja em sala de aula e/ou na realização de formação continuada a diversos docentes. Outro ponto a ser considerado acerca da produção de um Caderno como um material pedagógico é que, atualmente, a maioria das Secretarias Estaduais ou Municipais trabalha com seus próprios cadernos pedagógicos, nos quais os conteúdos da matriz curricular estabelecida pelo Ministério da Educação - MEC são adaptados à realidade de cada região. Alguns surgem com o intuito de complementar os conteúdos que estão disponíveis nos livros didáticos e são elaborados de forma alternativa, menos densa, servindo de apoio pedagógico aos professores regentes e aos alunos, como um novo material de estudo. Dessa forma, a vantagem de se ter uma Coletânea de textos contendo temas da Educação Especial e do Ensino de Ciências perpassa pela praticidade à leitura e, por conseguinte, pela ampliação do conhecimento nas áreas em questão.

A produção da Coletânea esteve conectada com os objetivos do estudo e com os resultados obtidos, e, atualmente, encontra-se disponível no site bdtd.ibict.br, por meio do identificador URI, http://repositorio.bc.ufg.br/tede/handle/tede/8436, anexada à dissertação de mestrado A Mediação Docente dos Conceitos Básicos da Genética para alunos com Deficiência Intelectual, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ensino na Educação Básica, do Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada à Educação, da Universidade Federal de Goiás.

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Concluída a elaboração, o Caderno foi apresentado à equipe gestora e ao corpo docente da Unidade Escolar em que ocorreu a pesquisa, na forma impressa, como um material pedagógico que favorecerá a formação continuada dos professores quanto à mediação dos conceitos básicos do ensino de ciências aos alunos com deficiência intelectual.

A análise dessa experiência evidenciou, por um lado, a necessidade de investimento na formação continuada na área de Ensino de Ciências/Biologia e Educação Especial, uma vez que ainda há muitas dificuldades e limites para a aprendizagem dos estudantes com deficiência intelectual, e, por outro, que a mediação dos conteúdos acadêmicos àqueles alunos é possível, por meio de um currículo que atenda às necessidades e às potencialidades de cada um.

Assim, as contribuições da pesquisa configuraram-se em aspectos sociais e educacionais referentes à inclusão de pessoas com deficiência na sociedade. Esses indivíduos vivenciaram períodos históricos de exclusão, segregação, integração e inclusão e os respectivos estigmas, preconceitos e discriminações. Entretanto, a luta das pessoas com deficiência por direitos resultou em mudanças de atitude e de mentalidade, levando à criação de uma legislação que lhes assegura direitos de viver plenamente em sociedade.

Em termos educacionais, a Educação Especial, por ser uma modalidade que perpassa todos os níveis e modalidades de ensino, evoluiu no aspecto de assegurar matrícula e permanência de alunos com deficiência, na Rede Regular de Ensino, dando-lhes mais independência e autonomia. Entretanto, as práticas pedagógicas da maioria dos profissionais que trabalha com estudantes com deficiência não possuem os fundamentos filosóficos e legais da Educação Especial. Esses profissionais agem ora de forma espontânea, fundamentados em um assistencialismo educacional, ora em uma forma dissimulada de exclusão em relação aos alunos com deficiência presentes nas salas de aula.

Com relação à mediação docente de conceitos básicos do conteúdo Genética aos estudantes com deficiência intelectual, verificou-se um problema que se caracteriza na distância considerável entre o ensino de Biologia, conteúdo Genética, e a realidade vivenciada pelos alunos no cotidiano. Podem ser citados como alguns dos fatores causadores deste a falta de formação continuada dos professores com estudos mais aprofundados sobre a Educação Especial, a excessiva carga horária de trabalho dos professores que possuem alunos com deficiência intelectual em suas salas de aula, a má remuneração dos profissionais da educação e a utilização do livro didático como único material pedagógico para a mediação dos conceitos genéticos abstratos.

Percebeu-se que a mediação docente realizada de forma contextualizada, que atua na zona de desenvolvimento proximal e considera o nível de desenvolvimento real dos alunos com deficiência intelectual, na maioria das vezes, é realizada pelos professores de apoio à inclusão e não, pelo professor regente. No caso da pesquisa em questão, os professores regentes de Biologia deveriam mediar os conceitos básicos de Genética utilizando diversos materiais pedagógicos e recursos tecnológicos que os auxiliariam no processo de ensino e aprendizagem de todos os alunos, inclusive dos com deficiência intelectual.

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Ainda, notaram-se avanços significativos no ensino da disciplina Biologia no que se refere à concepção empirista da Ciência, mas ainda é necessário que o corpo docente amplie os conhecimentos referentes a esta, a fim de que os alunos possam compreendê-la e, a partir dela, sentirem-se mais críticos e atuantes nas decisões a serem tomadas dentro e fora do ambiente escolar.

As estratégias metodológicas utilizadas na investigação permitiram verificar a existência de muitas contradições e dificuldades vivenciadas pela equipe gestora e corpo docente da Unidade Escolar Estadual pesquisada em relação ao processo de ensino aprendizagem dos alunos com deficiência intelectual.

Além da necessidade de os/as professores (as) trabalharem com um currículo aberto, dinâmico, flexível e dialógico e de fazerem uma mediação contextualizada à realidade dos estudantes, seriam necessários investimentos em formação continuada, tanto pessoais, como dos órgãos governamentais responsáveis pelo ensino público e suporte pedagógico para que os/as professores (as) pudessem mediar a aprendizagem dos alunos com deficiência intelectual utilizando práticas pedagógicas que promovessem, de fato, aprendizagem e desenvolvimento.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A realização da pesquisa contribuiu de forma significativa para a formação profissional das autoras, enquanto professoras da Rede Estadual de Ensino de Goiás e da Universidade Federal de Goiás, pois os referenciais teóricos abordados instigaram-nas a ir além dos escritos. Ampliaram-se os conhecimentos referentes ao assunto, os quais possibilitarão mudanças nas práticas pedagógicas desenvolvidas nas áreas em questão. Além disso, a reflexão acerca da história das pessoas com deficiência, com destaque a das pessoas com deficiência intelectual, das legislações internacional, nacional e estadual para a deficiência e da inclusão das pessoas com deficiência na sociedade permitiu novos olhares ao que é ser uma pessoa com limites e potencialidades. O conhecimento mais aprofundado da teoria sócio-histórica de Vygotsky ampliou a visão das pesquisadoras quanto aos aspectos sociais e históricos construídos pelo homem e quanto à mediação de conceitos realizada por meio da linguagem, do meio e dos outros seres, que pode resultar em aprendizagem e desenvolvimento.

Espera-se que o estudo, as discussões e reflexões propiciadas pela leitura dos textos que compõem a Coletânea: Escritos sobre a Educação Especial e o Ensino de Ciências possam contribuir para novas investigações nas áreas de Educação Especial, Deficiência Intelectual, Ensino de Ciências, disciplina Biologia e do conteúdo Genética, pois uma mediação docente e um currículo escolar fundamentados na teoria sócio-histórica auxiliam os alunos com deficiência intelectual a se tornarem responsáveis pelas próprias ações e os fortalecem a tomar posicionamentos diante dos desafios da vida.

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CONTATOS
Juliana Caixeta Padilha •
Mestre em Ensino na Educação Básica pelo Programa de Pós-Graduação em Ensino na Educação Básica do CEPAE/UFG •
jucaixetap@gmail.com
Maria Izabel Barnez Pignata •
Doutora em Ciências Biológicas pelo Instituto de Biociências de Rio Claro / UNESP
mibabel@ufg.br