VOLTAR À COLEÇÃO ISBN: 978-65-86422-79-5
Volume 2

Ações e reflexões pedagógicas:

Produtos educacionais para o ensino na educação básica

Educação física e o letramento: aproximações dialógicas

AUTORES
Ludmila Siqueira Mota Viana
Drª Sônia Santana da Costa
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1. Apresentação

A sequência didática apresentada neste capítulo é parte da pesquisa de mestrado intitulada “Educação Física e letramento na Rede Municipal de Ensino de Goiânia: aproximações dialógicas”, defendida no Programa de Pesquisa e Pós-Graduação Mestrado Profissional em Ensino na Educação Básica, no Centro de Ensino e Pesquisa Aplicado à Educação da Universidade Federal de Goiás (PPGEEB/Cepae/UFG) em abril de 2017.

O surgimento da palavra letramento na atualidade ocorre como uma ressignificação à concepção de alfabetização como política cultural. Trata-se de uma expressão já utilizada por Paulo Freire (2015) que se refere ao ato de ler e escrever como forma de transformar o mundo. Nessa perspectiva, compreendemos que a alfabetização deve ser encarada como a relação entre os educandos e o mundo, mediada pela prática transformadora que tem seu lugar na escola (FREIRE; MACEDO, 2015).

Nesse sentido, partindo da concepção sobre a cultura corporal que envolve o homem como uma totalidade, a Educação Física, como área do conhecimento teorizado na escola, tem a possibilidade de levar o aluno a ampliar seu campo de experiências, a incentivá-lo na conquista da autonomia, levando-o a desenvolver a consciência crítica e a vivenciar o sentido da responsabilidade social.

Desse modo, compreendendo a importância das práticas alfabetizadoras para a formação do educando relacionadas ao desenvolvimento da capacidade de compreensão dos signos alfabéticos e de seus sentidos nas interações sociais, advogamos que a Educação Física não pode estar limitada a somente desenvolver habilidades motoras, pois tal perspectiva desconsidera fatores como a inserção cultural e a forma como o corpo/sujeito se relaciona com essa cultura.

Nossa pesquisa foi ambientada em dois campos: um ampliado, que investigou os discursos das professoras-sujeitos de Educação Física e pedagogas, quanto à alfabetização e letramento da Rede Municipal de Ensino (RME) de Goiânia; e outro específico, que buscou conhecer a realidade de uma escola da RME e onde construímos uma proposta de intervenção de prática pedagógica da Educação Física com vistas ao letramento, subsidiada pela pedagogia histórico-crítica (SAVIANI, 2008).

Observamos, a partir da pesquisa que realizamos nas escolas da Secretaria Municipal de Educação – SME de Goiânia, que nas séries iniciais a vinculação da educação física com a alfabetização ainda é restrita ao seu aspecto psicomotor, de aquisição da lateralidade e coordenação motora fina ou resumida a atividades recreativas, que tiram o aluno da sala de aula para vivenciarem a infância através das brincadeiras no pátio ou na quadra. Além disso, a experiência com a linguagem escrita na escola está resumida ao uso do sistema grafofônico de codificação e decodificação de signos, desprivilegiando outras linguagens apreendidas e vivenciadas pela criança ao longo de sua inserção no universo letrado.

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Elegemos uma escola da Rede Municipal de Ensino de Goiânia – RME para desenvolver e aplicar a nossa proposta didática com o objetivo de conhecer a realidade, apreender e analisar as concepções de letramento, na forma como elas se materializam no cotidiano escolar por meio de práticas educativas dirigidas aos alunos da turma A (1º ano do ensino fundamental), investigando em um lócus delimitado como o professor de Educação Física e o professor pedagogo trabalham interdisciplinarmente os processos de leitura e escrita.

Optamos por desenvolver sequência didática tendo como subsídio o método materialista dialético, utilizando como referencial teórico os estudos de Marx (1998), e como aporte teórico para a elaboração do produto educacional e da sequência didática nos embasamos na pedagogia histórico-crítica de Saviani (2006, 2008), nos conceitos de Zona de Desenvolvimento de Vygotsky (1991, 2009, 2014), na perspectiva crítico-superadora da Educação Física do Coletivo de Autores (2012) e no modelo de sequenciador de aulas de Palafox (2004).

Nossa proposta configura-se como uma tentativa de promover um trabalho interdisciplinar do professor de Educação Física e o pedagogo no processo de letramento, além de desenvolver possibilidades de práticas pedagógicas em Educação Física na sua relação com a leitura e a escrita no que diz respeito à resolução de soluções e obstáculos encontrados na relação entre esses saberes, de modo que possa servir de referencial teórico para o trabalho com o letramento entre essas áreas do conhecimento, seja na escola, seja em outros ambientes em que se tenha como objetivo a educação.

2. Proposta de intervenção: letramento em educação física

A sequência didática que apresentaremos foi desenvolvida em seis aulas (totalizando três dias, sendo um dia por semana), cujo objetivo era que os alunos conhecessem e praticassem o jogo queimada sob a perspectiva do letramento. A atividade foi desenvolvida com crianças do primeiro ciclo, que vai da pré-escola até o 3ª ano do ensino fundamental. Segundo o Coletivo de Autores (2012, p. 36), este “é o ciclo de organização da identidade dos dados da realidade”, e cabe à escola “organizar a identificação destes dados constatados e descritos pelo aluno para que ele possa formar sistemas, encontrar relações entre as coisas, identificando semelhanças e as diferenças”.

Assim, nosso ponto de partida, a prática social baseada no nível de desenvolvimento atual dos educandos, foi o jogo. O jogo, além de ser um conteúdo tratado pela Educação Física, também desperta o interesse dos alunos, pelo seu aspecto de diversão, alegria, envolvimento e é um conhecimento que as crianças já têm.

Para contextualizar o conteúdo jogo, proporcionamos a sensibilização e o diálogo sobre a temática através da literatura e da contação de histórias, que o Coletivo de Autores (2012, p. 36) denomina de “experiência sensível”, para relacionar o conhecimento jogo, promovendo a associação deste com que o aluno já conhece e, a partir disto, ampliar e produzir neles necessidades de nível superior.

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O critério de definição do conteúdo jogo, vivenciado através do jogo de queimada a partir da leitura de um livro literário, foi baseado nos conceitos de ação e atividade definidos por Leontiev (2014). Assim, consideramos o conteúdo do jogo não somente enquanto atividade recreativa, mas demos a ele um tratamento metodológico fundamentado na sua historicização enquanto construído socialmente, a partir de uma interpretação crítica da realidade (COLETIVO DE AUTORES, 2012).

Portanto, a leitura de uma história do gênero textual fábula, que gera nas crianças o aspecto da imaginação e do protagonismo, e a partir dela vivenciar o jogo de queimada como os personagens da história, esta proposta de intervenção é carregada de sentido para a criança, não se torna um jogar pelo jogar, mas torna-se atividade, porque, ao ser executada, seu objetivo aparece para o sujeito e tem relação com o motivo da atividade da qual ele faz parte.

2.1 Aulas 1 e 2 – Leitura do livro Deu queimada no cerrado – Diane Valdez

Para leitura coletiva do livro, preparamos o scanner das imagens ilustrativas do livro em um arquivo .pptx e projetamos as imagens em uma TV na sala de aula. Desta forma, os alunos puderam assistir às ilustrações do livro enquanto ouviam a história.

Apresentamos o livro Deu queimada no cerrado e seus personagens. Perguntamos aos alunos o que eles entenderam sobre o título. Será que o livro falará sobre o quê? O que poderia ser uma queimada? E cerrado, o que era? Realizamos esta ambientação sobre o bioma cerrado para explicar e situar a criança em que lugar se passava a história, antes mesmo de iniciarmos sua contação. Nosso objetivo não era o trato com o bioma, mas antecipar sentidos e ativar os conhecimentos prévios relativos aos textos a serem lidos pela professora e levar os alunos a refletirem sobre o título do livro “queimada no cerrado”.

Após a leitura iniciaram-se as reflexões sobre o que acharam da história, se gostaram, quais eram os personagens e o que eles faziam. Resgatamos os conhecimentos prévios dos alunos sobre o significado da palavra queimada, como fogo ou como do jogo. Questionamos também se as crianças conheciam o jogo que foi relatado na história e se sabiam jogar. Na oralidade, as crianças narravam como se joga queimada e logo perguntaram se eles iriam jogar como os bichos.

Nas discussões sobre os problemas que os animais enfrentaram para organizar as equipes de queimada, que pelo gênero textual fábula se refere à moral da história, surgiram pontos importantes, como o time dos “bons e dos ruins”. Neste momento, as crianças apontavam os dedos entre si e montavam o time daqueles que consideravam mais habilidosos. A este fato, discutimos que todos são bons e ruins em várias situações e é importante termos várias habilidades dentro da equipe.

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Questionamos sobre a divisão dos times entre meninos e meninas, porém as crianças não fizeram nenhum comentário sobre a questão de gênero, apesar de observar nas aulas que eles vivenciam a divisão por gêneros no momento da fila e da organização nas aulas. Como não obtivemos uma resposta das crianças, comentamos com elas sobre essa separação de gênero e que todas as pessoas devem ser respeitadas e valorizadas, sendo meninos ou meninas. Este momento foi de grande importância, pois as discussões e diálogos problematizados com os alunos nos permitiram apreender as questões a serem resolvidas naquela turma.

Na sequência, entregamos para os alunos uma folha com cabeçalho padronizado pela escola. Com a intenção de avaliar a compreensão de leitura da história ouvida representada através de desenho, solicitamos que cada aluno desenhasse sobre do que se tratava a história que eles acabaram de ouvir e o que entenderam sobre ela.

Escolhemos dois desenhos representados pelas crianças que remetessem ao jogo e à história, como podemos ver nas imagens abaixo:

Imagem 1. Desenho sobre o livro Deu queimada no cerrado. Neste desenho a criança representou os personagens da história do livro: a sucuri, a capivara, a ema, a cutia e os periquitos no galho da árvore. A ema está com a bola nas “mãos” representando os animais durante o jogo. Fonte: Dados da pesquisa.
Imagem 2. Desenho sobre o livro Deu queimada no cerrado. Neste desenho a criança fez a representação de um campo, um local de jogo definido que se assemelha a um campo de futebol. No meio do campo, os animais-personagens da história e a definição das equipes do jogo queimada. Fonte: Dados da pesquisa.

Para praticar o jogo é necessário também ter domínio e habilidades motoras que visam permitir uma melhor compreensão dos limites e possibilidades corporais de movimento. O caráter da técnica ou do desenvolvimento da aprendizagem motora permite que a criança, uma vez que já domina certos tipos de movimentos corporais, possa ter condições de criação e diversificação de movimentos corporais no futuro.

Assim, caminhamos para o terceiro momento da aula, quando questionamos de que material precisaríamos para poder jogar a queimada. Todos os alunos responderam ‘bola’. Com o objetivo de construir e reconhecer as propriedades dos materiais/ objetos para jogar, explicamos que para jogar precisaríamos fazer uma bola. Distribuímos folhas de jornal e meia-calça para cada criança e passo a passo, cada aluno produziu sua própria bola de meia. Dando sequência à aula, as crianças experimentaram o objeto construído, com seu tamanho, peso e forma. Vivenciaram também várias possibilidades corporais utilizando a bola, como: circundar a bola pelas partes do corpo, lançar e pegar a bola com diferentes graus de dificuldade, arremessos e pegadas com e sem auxílio de um colega.

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2.2 Aulas 3 e 4 – O jogo de queimada

Retomamos questões discutidas na aula anterior: sobre qual livro lemos, sobre o que ele tratava, o que fizemos na aula. Após esta conversa inicial, no pátio da escola, as crianças experimentaram novamente possibilidades de movimentos com a bola de meia que eles construíram. Nossa intenção era retomar as experiências anteriores e apresentar um maior grau de dificuldade nos movimentos com a bola de meia. Os alunos vivenciaram outras possibilidades corporais utilizando a bola, como: lançar e pegar a bola com diferentes graus de dificuldade, arremessos e pegadas com e sem auxílio de um colega e arremessos no alvo.

Na sequência, questionei as crianças sobre como os personagens do livro se organizaram para escolher o time de queimada. Eles relembraram os conflitos descritos no livro para a organização das equipes, como a escolha pelos mais habilidosos, separação entre meninos e meninas. Após este diálogo com as crianças, questionei também sobre como é que se jogava queimada. Na oralidade, elas explicaram o jogo de queimada que já praticavam na escola.

O jogo de queimada que as crianças descreveram é simples, sem formação de equipes, em que temos em cada lado do campo um jogador, que chamamos de base ou reserva, e todos os outros participantes ficam no meio do campo. Os jogadores das bases lançam a bola um para o outro e também tentam acertar (queimar, carimbar) o colega que se encontra no meio do campo. Quando a bola toca o jogador do meio do campo, este sai do jogo e não participa mais da atividade. As crianças já conheciam esta forma de jogar a queimada e foi a partir dela que desenvolvemos a aula.

Podemos perceber nas falas das crianças a característica excludente do jogo da queimada, pois aqueles que são “queimados” saem do jogo, não participam mais e perdem o prazer que o jogo e a brincadeira proporcionam. Segundo Leontiev (2014), existem jogos que só dão prazer à criança se ela considerar o resultado interessante. Assim, os jogos que com muita frequência são acompanhados de desprazer, como a exclusão na queimada, o resultado pode ser desfavorável à criança. “O brinquedo é caracterizado pelo fato de seu alvo residir no próprio processo e não no resultado da ação. [...] Por isso, nos jogos dos adultos, quando a vitória, mais do que a simples participação, torna-se o motivo interior, o jogo deixa de ser brincadeira” (LEONTIEV, 2014, p. 123).

Problematizar a prática social das crianças consiste em ver a realidade e tomar consciência de como ela se coloca no todo. Ao questionar e relacionar a história do livro com as experiências dos alunos, percebemos que o problema levantado na história na escolha dos times não se apresentava com as crianças da turma A1. Para Saviani (2006, p. 71) este processo de problematização é também o questionamento do conteúdo escolar a ser confrontado com a prática social, pois “trata-se de detectar que questões precisam ser resolvidas no âmbito da prática social”.

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Organizamos os alunos nas equipes, misturando meninos e meninas aleatoriamente. Para as crianças o importante era participar da brincadeira, portanto, a exclusão do jogo era a contradição a ser resolvida. Decidimos coletivamente que todos iam participar juntos do jogo da queimada e para resolver a questão do colega queimado, este deveria trocar de lugar com o colega das bases. Desta forma, todas as crianças participaram sem se sentirem excluídas. Não exigimos regras rígidas para o jogo, o simples toque da bola no corpo da criança já foi considerado queimado e a troca de posição no jogo fluía rapidamente, ou seja, praticamente todas as crianças vivenciaram a função de “queimador” e de “queimado”.

Dessa forma, os alunos poderão perceber, por exemplo, que um jogo como a “queimada” é discriminatório, uma vez que os mais fracos são eliminados (queimados) mais rapidamente, perdendo a chance de jogar. Isso não significa não jogar “queimada”, senão mudar suas regras para impedir a sobrepujança da competição sobre o lúdico. (COLETIVO DE AUTORES, 2012, p. 66).

Dando continuidade à aula, questionamos as crianças sobre como era o movimento para queimar os colegas no jogo que eles acabaram de participar. Elas quiseram descrever o movimento do arremesso presente apenas nos esportes, como o basquete e o handebol. Nossa intenção ao questionar em que outras situações podem utilizar o movimento do arremesso era instigá-las no exercício do pensamento, vinculando a brincadeira a situações reais e abranger as possibilidades de captação da realidade que as cerca. A partir disso, as incentivamos a criarem outro jogo em que pudessem utilizar o arremesso e apresentamos a elas o jogo arremesso de bolas.

O jogo “arremesso de bolas” consiste em arremessar diversas bolas menores em direção a uma bola maior que se encontra no centro do campo. A bola maior ao ser rebatida por outras bolas menores se desloca da sua posição original. As crianças são divididas em duas equipes posicionadas de lados opostos, tendo a bola maior no centro. Assim, cada equipe recebe a mesma quantidade de bolas menores, neste caso, utilizamos as bolas de meia que as crianças construíram, e arremessam em direção à bola maior. Ao arremessarem a bola de meia contra a bola maior, esta se deslocará para o campo oposto.

Tomamos o cuidado, no sentido de atentar para que o jogo arremesso de bolas não se tornasse mera repetição mecânica de movimentos já realizados na queimada. Assim, oportunizamos às crianças um momento de criação, no qual elas deveriam criar novos gestos e movimentos e dar novos significados às ações do jogo, enriquecendo as possibilidades de expressão do aluno, de seu repertório motor e da sua apreensão crítica e criativa das manifestações da cultura corporal, além de ter estimulado a modificação da regra do jogo queimada para que nenhuma criança fosse eliminada.

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Utilizando o conceito de atividade descrito por Leontiev (2014), para analisar uma atividade, incluída a do aluno, é preciso interessar-se pelo sentido da atividade e pela sua eficácia. O sentido que o aluno atribui ao estudo depende da sua posição social e da sua relação com o saber escolar. Portanto, não é o fato de ler um livro somente que promove o sentido da atividade, mas a concepção de jogo, atividade apontada por Vygotsky (2005, 2009) que indica uma amplitude do campo cognitivo, afetivo, social e corporal das crianças.

Nossa intenção foi desenvolver possibilidades de criação de novos movimentos, adaptação e mudança das regras, a autorregulação e o domínio corporal, além de promover situações que discutissem a inclusão/discriminação dos participantes. Isso quer dizer que a aprendizagem foi significativa, pois os alunos apropriaram-se do objeto do conhecimento em suas diversas relações sociais concretas, recriando-o e tornando-o seu, construindo novos conhecimentos.

Para finalizar, conversamos com a turma sobre o que aprenderam com a aula. Na oralidade, os alunos disseram sobre o momento do jogo de queimada em si, e que todos brincaram ao mesmo tempo, além de brincarem novamente com as bolas de meia no jogo arremesso de bolas.

2.3 Aulas 5 e 6 – Produção textual

A escrita é um componente importante do processo de alfabetização e consequentemente, do letramento. Nas atividades de escrita, conforme Tfouni (2010), parte-se do pressuposto de que as crianças se apropriam dos conteúdos, transformando-os em conhecimento próprio em situações de uso, quando têm problemas a resolver e precisam colocar em jogo tudo o que sabem para fazer o melhor que podem. Assim, para finalizar nossa sequência e estabelecer as relações da educação física com o letramento, os alunos da turma A1 escreveram um texto sobre as regras do jogo de queimada.

Retomamos com as crianças o jogo de queimada que elas vivenciaram na aula anterior. Na oralidade elas descreviam como praticaram o jogo. Neste momento, optamos por realizar a produção textual com o professor sendo o escriba dos alunos, ou seja, elas relatam a história, o texto a ser escrito e o professor escreve no quadro o que os alunos citam fazendo as interferências necessárias, como escrita das palavras, pontuação, parágrafos, etc., ou seja, elementos necessários para a construção de um texto.

A escrita coletiva é uma possibilidade metodológica que pode ser utilizada pelo professor em sala de aula. Ela envolve todos os alunos e o professor atua necessariamente como mediador no processo de elaboração textual. Em uma sala de alfabetização, encontramos alunos com processo de consolidação das habilidades de ler e escrever juntamente com alunos que ainda não estão alfabetizados. Diante dessa heterogeneidade, cabe ao professor mostrar como o processo de construção da escrita ocorre e que a escrita exige uma organização coerente das ideias para que os outros compreendam o que se pretende comunicar. O papel do professor tem sua importância, pois, ao escrever na lousa, estará explicitando aos alunos os comportamentos próprios de quem escreve e problematizando a produção, ajudando-os a observarem o que ainda não é observável.

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Nas imagens abaixo, podemos visualizar o texto escrito coletivamente pela turma A1.

Imagem 3. Produção de Texto: letra bastão. Fonte: Dados da pesquisa.
Imagem 4, Produção de Texto: letra cursiva. Fonte: Dados da pesquisa.

Nossa intenção ao apresentar algumas produções textuais é de caráter demonstrativo das possibilidades pedagógicas com as crianças nas salas de alfabetização. Porém, nossa proposta visa a um trabalho interdisciplinar entre os professores de educação física e pedagogos, focado no letramento, e, portanto, as produções textuais foram compartilhadas com a professora referência da turma, para que ela, no seu trato pedagógico, faça as intervenções necessárias junto às produções e aos alunos, como: a correção individual de cada texto, organizando parágrafo, pontuação, margem, ortografia e reescrita do texto pelos alunos de forma individual.

Foi proposto aos alunos que registrassem como foi o jogo de queimada das aulas anteriores. Semelhantemente ao título da história do livro que lemos para as crianças, o título que as crianças deram ao texto foi “Deu queimada na escola”, porém, diferentemente do livro, que é uma fábula, a produção textual delas foi de descrição do como se pratica o jogo queimada, um tipo de texto instrucional.

Elaboramos um quadro sistematizado, denominado “sequenciador de aulas” (PALAFOX, 2004), como instrumento de socialização e delimitação dos objetivos de ensino, do tempo pedagógico e um panorama geral daquilo que foi realizado durante a aplicação da estratégia de ensino junto às crianças.

Quadro 1. Planejamento de conteúdos curriculares.
Fonte: Elaborado pelos autores.
PLANEJAMENTO DE CONTEÚDOS CURRICULARES
Sequenciador de Aulas
Tema: Jogo Queimada Conteúdo:
OBJETIVO GERAL: possibilitar à criança reproduzir e modificar jogos por meio da valorização do diálogo e o trabalho coletivo. Incentivar a busca por um novo entendimento sobre as regras e normas constitutivas e reguladoras do jogo, tomando consciência da importância da participação reflexiva nos momentos de modificação e criação de regras para a resolução de problemas coletivos.
OBJETIVOS ESPECÍFICOS AULAS PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
- Antecipar sentidos e ativar os conhecimentos prévios relativos aos textos a serem lidos pelo professor.
- Participar de interações orais em sala de aula, questionando, sugerindo, argumentando e respeitando os turnos de fala.
- Representar através de desenho uma história ouvida, evidenciando compreensão de leitura.
2 aulas (aula geminada ou dupla). - Leitura / contação de história do livro Deu queimada no cerrado, de Diane Valdez.
- Discussão oral sobre o tema da história, seus personagens, o que fazem, moral da história.
- Explicar o gênero textual fábula – gênero textual do livro.
- Em uma folha padronizada, os alunos desenharão sua compreensão da história.
- Interdisciplinar com professora Pedagoga: leitura e releitura do livro; gênero textual fábula; escrita espontânea dos personagens da história; palavras geradoras; lista de palavras.
- Construir e reconhecer as propriedades externas dos materiais/ objetos para jogar.
- Vivenciar jogos cujo conteúdo implique o reconhecimento de si mesmo e das próprias possibilidades de ação.
2 aulas (aula geminada ou dupla). - Construção de bolas de meia e papel. - Experimentação do objeto construído: tamanho, peso, forma.
- Experimentação corporal com a bola: circundar a bola pelas partes do corpo, lançar e pegar a bola com diferentes graus de dificuldade, arremessos e pegadas com auxílio de um colega.
- Retomar discussões da aula anterior.
- Vivenciar o jogo queimada promovendo: a inter-relação do pensamento sobre uma ação com a imagem e a conceituação verbal dela, como forma de facilitar o sucesso da ação e da comunicação.
- A implicação do sentido da convivência com o coletivo, das suas regras e dos valores que estas envolvem.
1 aula - Reexperimentação corporal com a bola: circundar a bola pelas partes do corpo, lançar e pegar a bola com diferentes graus de dificuldade, arremessos e pegadas com auxílio de um colega.
- Organização do jogo queimada: discutir a formação das equipes retomando a história do livro, suas regras e forma de jogar.
- Retomar discussões da aula anterior.
- Vivenciar o jogo queimada e promover relações deste com vida de trabalho do homem e da comunidade.
1 aula - Discutir o movimento do jogo queimada, com ênfase no arremesso, questionando os alunos sobre em quais outras brincadeiras ou jogos podemos utilizar o mesmo movimento e praticar os jogos e brincadeiras sugeridos pelos alunos.
- Relacionar o movimento arremesso com sua utilização na vida prática, do dia a dia.
- Discutir também a situação do jogo queimada como situação de exclusão e “situação de guerra” através do jogo guerra das bolas.
- Sugestão: boliche com garrafas pet.
- Expressar as ideias na oralidade. - Elaborar e registrar textos curtos com ideias claras tendo o professor como escriba. 2 aulas (aula geminada ou dupla). - Realizar a prática de escrita com a produção de um texto coletivo, tendo o professor como escriba, descrevendo as regras e como se joga a queimada, tema trabalhado. - Interdisciplinar com professora pedagoga: reescrita da história, palavras geradoras. gênero textual texto informativo; palavras geradoras; lista de palavras.
AVALIAÇÃO:
Será coletiva respondendo às seguintes questões:
- participação;
- criatividade;
- importância do processo: agir comunicativo/coletivo;
- importância do diálogo para resolver problemas da vida;
- importância do jogo para aprender a criar normas justas e divertidas para todos;
- gostariam de vivenciar outra vez essa estratégia de ensino? Sim, não, por quê?
1 aula PROCEDIMENTOS AVALIATIVOS:
Cada um desses itens será refletido com as professoras ressaltando sua importância. Expressão individual dos alunos através da oralidade, do desenho ou da escrita espontânea sobre o que foi apreendido durante o processo.
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3. Considerações finais

Destacamos o papel importante que o jogo e as brincadeiras exercem na aprendizagem dos alunos. Por meio do jogo, a linguagem corporal desenvolve-se, possibilita outras formas de expressão e o corpo torna-se veículo para produção e comunicação da linguagem. Eles são elementos importantes na produção de diferentes formas de linguagem e possibilidades de apropriação da realidade e das contradições decorrentes dele. Leontiev (2014, p. 130) afirma que o brinquedo surge a partir da necessidade da criança de agir em relação não apenas ao mundo dos objetos diretamente acessíveis a ela, mas também em relação ao mundo dos adultos. Desta forma, o brinquedo, e consequentemente, o jogo, “é o caminho pelo qual as crianças compreendem o mundo em que vivem, pois assimilam a realidade humana”.

A proposta de jogos nas aulas de educação física é uma forma de promover a leitura de mundo, refletida sobre seu significado e sua relação com a cultura corporal. Ele pode suscitar a discussão do questionamento das regras, como o diálogo que obtivemos com as crianças quando uma pessoa era queimada e era excluída do jogo. E este deve ser um dos motivos pelo qual o aluno deve aprender o jogo orientado, na atividade do professor, por “um processo científico de preparação para determinadas atividades da cultura corporal” (COLETIVO DE AUTORES, 2012, p. 69). Isto porque os jogos irão implicar a organização e julgamento do aluno a respeito de valores, de avaliação de decisão, tudo o que ele necessitará a todo o momento em sua vida.

Para dar prosseguimento a nossa proposta, os alunos poderiam ser incentivados a criar diversas maneiras diferentes de se jogar a queimada e em que outras situações o movimento do arremesso poderia ser utilizado, como nas atividades esportivas de handebol, basquete e em outros jogos e brincadeiras populares, como o bete ou boliche. Poder-se-ia utilizar diversos tipos de bolas de tamanhos e pesos diferentes, para que os alunos estabelecessem relações entre peso, tamanho e utilização da força para poder jogar.

No decorrer do jogo de queimada já conhecido pelos alunos, interrompe-se a brincadeira e se inicia um processo de modificação das regras e das formas de se jogar, definidas pelo coletivo dos alunos. Nesse percurso, o jogo vai tomando diferentes formas e diferentes regras. Analisar e discutir as características do jogo a partir da queimada deve-se ao fato de ser um jogo muito utilizado e conhecido por quase todos. Discutir com os alunos sobre seus diferentes modos de jogar, suas regras não padronizadas, pois variam de uma região para outra, seu surgimento como parte integrante dos jogos populares e/ou brincadeiras populares, propicia a criação de novos conceitos, novas possibilidades de movimento, sendo, portanto, definidor das características humanas.

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Portanto, para cada forma diferenciada de se praticar a queimada, seja ela na sua organização tática, uso de diferentes bolas ou funções dos participantes, é necessário que se estabeleça uma produção escrita e/ou em forma de desenho sobre o jogo desenvolvido. O diálogo com a professora pedagoga deve ser uma atividade constante, pois é nas vivências e práticas com os alunos que poderão surgir outros elementos a serem tratados coletivamente com o grupo de professores que atendem os educandos.

O movimento humano é mais do que simples deslocamentos do corpo no espaço. Ele se constitui em uma linguagem que permite às crianças agirem sobre a realidade. O corpo vive na linguagem, mas uma linguagem que se desvia de todas as decodificações, porque é continuamente inventado à medida que vai sendo produzido. Assim, a educação física configura-se como um espaço em que a criança brinca com a linguagem corporal, com o corpo, com o movimento. Alfabetizar com a linguagem corporal significa criar situações nas quais a criança entre em contato com diferentes manifestações da cultura corporal, entendida como as diferentes práticas corporais elaboradas pelos seres humanos ao longo da história, cujos significados foram sendo tecidos nos diversos contextos socioculturais.

A importância e o papel da educação corporal na escola devem desenvolver ações e vivências que possibilitem aos educandos organizarem sistematicamente as ações investigativas científicas e culturais acerca do corpo, dos movimentos, dos jogos, das brincadeiras, das danças, dos esportes, da saúde, da estética e dos valores presentes no corpo e a linguagem comunicativa na escola: leitura e escrita; contribuir com a formação intelectual de nossos estudantes, ao proporcionar momentos de debate e reflexões, acerca dos diversos saberes que compõem o universo da cultura corporal e de suas inter-relações com a sociedade, além de sensibilizá-los e envolvê-los na construção de um mundo permeado por relações sociais em todos os níveis e aspectos.

Referências

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LURIA, A. R. O desenvolvimento da escrita na criança. In: VYGOTSKY, Lev. S.; LEONTIEV, Alexis; LURIA, Alexandr R. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. 13. ed. São Paulo: Ícone, 2014. p. 143 – 189.

LURIA, A. R. O papel da linguagem na formação de conexões temporais e a regulação do comportamento em crianças normais e oligofrênicas. In: VYGOTSKY, Lev. S.; LEONTIEV, Alexis; LURIA, Alexander R. Psicologia e Pedagogia: bases psicológicas da aprendizagem e do desenvolvimento. São Paulo: Centauro, 2005. p. 77 – 94.

MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. São Paulo, 1998.

PALAFOX, G. H. M. et al. Planejamento coletivo do trabalho pedagógico da Educação Física - PCTP/EF como sistemática de formação continuada de professores: a experiência de Uberlândia. Movimento, Porto Alegre, v. 10, n. 1, p. 113-131, jan./abr. 2004.

SAVIANI, Dermeval. Escola e democracia. 38. ed. Campinas, SP: Autores Associados, 2006.

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SAVIANI, Dermeval. Pedagogia histórico-crítica. 10. ed. Campinas, SP: Autores Associados, 2008.

TFOUNI, Leda Verdiani. Letramento e alfabetização. 9. ed. São Paulo: Cortez, 2010.

VIGOTSKY, Lev Semenovich. A construção do pensamento e da linguagem. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2009.

VIGOTSKY, Lev Semenovich. A formação social da mente. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991.

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VYGOTSKY, Lev. S.; LEONTIEV, Alexis; LURIA, Alexandr R. Psicologia e Pedagogia: bases psicológicas da aprendizagem e do desenvolvimento. São Paulo: Centauro, 2005.

VIANA, Ludmila Siqueira Mota. Educação física e letramento na rede municipal de Goiânia: aproximações dialógicas. Dissertação (Mestrado Profissional em Educação Básica) - Universidade Federal Goiás, Centro de Ensino e Pesquisa Aplicado à Educação, 2017.

CONTATOS
Ludmila Siqueira Mota Viana •
Mestre em Ensino na Educação Básica pelo Programa de Pós-Graduação em Ensino na Educação Básica do CEPAE/UFG •
fdjmila@gmail.com
Sônia Santana da Costa •
Doutora em Educação pela Faculdade de Educação da UFG •
ssc444@gmail.com