Governo Federal República Federativa do Brasil Ministério da Educação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior Universidade Federal de Goiás

DIDÁTICA E FORMAÇÃO DE PROFESSORES:
EMBATES COM AS POLÍTICAS CURRICULARES NEOLIBERAIS

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SEÇÃO 2
AUTORES Eude de Sousa Campos • Valter Gomes Campos
Referenciar como: CAMPOS, Eude de Sousa; CAMPOS, Valter Gomes. Formação de professores por meio de cursos de graduação presenciais e em educação a distância – EAD: diálogo com a teoria do ensino desenvolvimental de Davydov. In: LIBÂNEO, José Carlos; ROSA, Sandra Valéria Limonta; ECHALAR, Adda Daniela Lima Figueiredo; SUANNO, Marilza Vanessa Rosa (Orgs.). Didática e formação de professores: embates com as políticas curriculares neoliberais. Goiânia: Cegraf UFG, 2022, p. 38-46. Disponível em: https://publica.ciar.ufg.br/ebooks/edipe2_ebook/artigo_14.html
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Formação de Professores por meio de Cursos de Graduação Presenciais e em Educação a Distância – EAD: diálogo com a teoria do ensino desenvolvimental de Davydov

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Introdução

Nas últimas décadas, há forte consolidação das concepções neoliberais nas políticas educacionais no Brasil, as quais apontam como finalidade educativa central o desenvolvimento dos alunos, de modo que se apropriem de competências voltadas ao mundo do trabalho, também, em uma lógica neoliberal. Nesse contexto, a principal estratégia usada no Brasil para a naturalização do predomínio do capitalismo foi a adoção de políticas educacionais ancoradas em princípios neoliberais de terceira via, conhecidas como pedagogia da hegemonia (NEVES, 2013). O êxito de tais estratégias se deu pela disseminação de algumas ideias, dentre as quais, a melhoria da qualidade de ensino que, em um contexto ressignificado, se torna a conquista de uma qualidade social da educação por meio da participação tutelada de todos (organismos internacionais, governo, empresários e trabalhadores).

Para alcançar tal objetivo, de forma mascarada, escamoteada, entre outras medidas, houve a diversificação e a massificação da educação superior por meio da estruturação de um subsistema de educação integrado pelas instituições de ensino, as universidades interiorizadas ou regionais, os institutos profissionais, as universidades virtuais e de educação a distância, públicas e privadas. Isso aconteceu, inclusive, na formação de professores, o que contribuiu para cooptação destes profissionais para a implementação de políticas públicas de qualidade social e a disseminação da pedagogia da hegemonia.

Essa massificação se deu e se dá por meio de cursos presenciais e a distância, que formam professores cuja formação intelectual se consolida a partir do conhecimento empírico e oferecem ao mercado profissional os professores necessários ao atendimento dos requisitos mínimos da obrigatoriedade escolar. Assim, eles educam a massa de trabalhadores o suficiente para que produzam, cada vez mais, em condições de exploração, sem a aprendizagem crítica dos conteúdos como condição para poderem analisar e compreender o mundo em que vivem e, logo, questionarem esse processo de produção. Tal contexto pode explicar, em parte, a baixa qualidade da formação de professores e do ensino na educação básica.

A partir desta constatação, surgem vários questionamentos, dentre os quais os que norteiam este texto: É possível a formação adequada de professores para mudar essa realidade? A formação de professores, por meio de cursos a distância, pode acontecer em uma nova perspectiva?

Para refletir sobre os questionamentos supracitados, primeiramente, é preciso apresentar o tipo de formação aqui defendida. Em síntese, é a formação na perspectiva histórica, crítica e dialética que: a) capacite os professores a construírem, com autonomia, sua concepção de mundo para que sejam capazes de discernir sobre a natureza de projetos societários e de sociabilidade, imprescindíveis a uma formação humana emancipatória; b) propicie consistente base teórica e epistemológica, fortemente associada às práticas profissionais; c) habilite para a análise dos conceitos científicos, considerando os aspectos históricos e epistemológicos; d) contribua para o domínio da área pedagógica e seus temas, inclusive, o uso das tecnologias; e) articule o domínio dos conteúdos das disciplinas e de seus métodos investigativos com os saberes e habilidades para ensinar tais conteúdos, ou seja, que se realize a necessária interligação entre as dimensões epistemológicas e pedagógicas no ensino; f) articule a didática e as didáticas específicas; g) aconteça pela pesquisa associada ao trabalho; h) conceba os alunos como sujeitos de sua aprendizagem; i) leve a assumir o papel de mediador na formação da personalidade dos alunos; j) incorpore, na prática docente, a dimensão política como cidadãos e formadores de cidadãos e profissionais.

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Em segundo lugar, tal formação docente deve se consolidar em um exercício profissional que contribua com a formação dos alunos para: a) serem emancipados com capacidade para a autodeterminação racional, domínio da cultura geral de base, da ciência e da arte; b) serem sujeitos de sua aprendizagem; c) se apropriarem dos conhecimentos e, assim, formarem um método teórico-conceitual de pensar e atuar; d) transformarem os conteúdos em objetos do pensamento, em conceitos teóricos; e) se desenvolverem a partir da organização da sua aprendizagem, pois o ensino promove o desenvolvimento mental/intelectual por meio da aprendizagem dos conteúdos da cultura e da ciência, desenvolvidas social e historicamente; f) serem capazes de pensar sobre o pensamento e terem o desejo em aprender; g) atuarem de forma crítica, consciente e transformadora no seu meio social (LIBÂNEO, 2015).

Diante do apresentado, é possível uma formação docente que contemple uma perspectiva histórica, crítica e dialética, por meio da Educação a Distância?

Para responder a essa questão, apresenta-se a Educação a Distância (EaD) aqui defendida, por meio dos seguintes pressupostos: a) antes de mais nada, trata-se de educação, portanto, deve se embasar em teorias e conceitos próprios do campo da educação para seu planejamento e execução; b) trata-se de educação que pode acontecer em tempos e locais diferentes, mas não pode ser distante e não pode acontecer sem a mediação de um professor; c) é preciso clareza de quais concepções teórico-pedagógicas norteiam o planejamento, o desenho educacional e a execução do curso nesta modalidade; d) a fundamentação teórica e a forma com que o professor desenvolve as atividades de aprendizagem é fundamental para o sucesso da formação aqui defendida; e) é uma modalidade que pode ofertar cursos/disciplinas em escala, respeitada a relação adequada de quantidade de alunos por professor, mas sem a ocorrência da massificação da educação; f) é uma modalidade que permite o acesso democrático à educação superior, pensado aqui na verdadeira acepção dos termos e não em sua ressignificação neoliberal; g) como outras modalidades, a EaD tem limites e possibilidades, que não podem torná-la, de um lado, algo odioso a serviço do status quo e nem, de outro, a panaceia da educação brasileira.

Vale lembrar, ainda, como apresentam Coelho, Costa e Motta (2021, p. 2) que:

Temos um público cada vez mais conectado às redes de computadores e às mídias sociais e, por outro lado, um caminhar caudaloso e moroso no cenário nacional em favor da expansão e da integração pedagógica das Tecnologias da Informação e da Comunicação (TIC). Diversos estudos nacionais recentemente publicados têm apontado a necessidade de se repensar o letramento, os usos das TIC e a atuação dos professores (BONILLA; PRETO, 2015; FARR, 2014; GIACOMAZZO, 2015; OLIVEIRA; GIACOMAZZO, 2017; SOUZA, 2007).

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Isso leva à necessidade da formação de professores por meio da tecnologia e para a utilização da tecnologia na sua atividade docente.

Uma vez apresentados o tipo de formação, os resultados esperados no exercício profissional e o tipo de EaD aqui pensados, é preciso adotar um caminho teórico que possa nortear a adequada formação de professores nessa modalidade. Dentre os vários caminhos, a teoria do ensino desenvolvimental de DavydovVasili Vasilievich Davydov nasceu em 1930 e morreu em 1998. Membro da Academia de Ciências Pedagógicas, doutor em psicologia, professor universitário, escreveu vários livros, entre eles: Tipos de generalización en la enseñanza, Problemas de la enseñanza del desarollo. La enseñanza escolar el desarollo del psiquismo. Pertence à terceira geração de psicólogos russos e soviéticos, desde os trabalhos da equipe inicial de Vigotsky, realizados nas décadas de 1920 e 1930 do século passado. Na base do pensamento de Davydov está a ideia-mestra de Vigotsky de que a aprendizagem e o ensino são formas universais de desenvolvimento mental. O ensino propicia a apropriação da cultura e o desenvolvimento do pensamento, dois processos articulados entre si, formando uma unidade (LIBÂNEO, 2004, 2016). se apresenta como uma possibilidade exitosa, conforme pesquisas e estudos realizados ao longo das duas últimas décadas (LIBÂNEO, 2004, 2008, 2014, 2015, 2016; LIBÂNEO; FREITAS, 2007; FREITAS, 2011, 2016; PERES; FREITAS, 2013, 2014; FREITAS; ROSA, 2015; ROSA; SYLVIO, 2016; ROSA; DAMAZIO, 2016). Esses autores apontam possibilidades de mudanças no ensino para promover o desenvolvimento dos alunos, a partir dos princípios da teoria do ensino desenvolvimental e indicam formas de organização da atividade de estudo dos alunos; tais possibilidades podem ser perfeitamente pensadas na perspectiva da formação de professores, tanto nas disciplinas cursadas nos cursos de graduação de Licenciaturas, como nos estágios e na futura prática docente dos licenciados.

A concepção de Davydov como possibilidade teórica para formação de professores

As possibilidades da teoria do ensino desenvolvimental para os cursos de formação de professores e o exercício da docência se apresentam como alternativas concretas, uma vez que o aprendizado de conteúdos específicos não propicia a compreensão e clareza, quanto aos seguintes aspectos: para que ensinar? O que ensinar? Para que os alunos aprendem e o que aprendem? Nesse contexto, a questão não é simplesmente aprender, tampouco aprender a aprender ou apenas aprender a fazer, como advoga a pedagogia da hegemonia. Antes, é preciso refletir sobre a aprendizagem dos conteúdos escolares historicamente construídos, ou seja, analisar o conhecimento culturalmente apropriado pela humanidade ao longo do tempo. É a compreensão do objeto como conceito teórico, o que capacita o indivíduo a uma percepção que ultrapassa a aprendizagem de conteúdos de forma fragmentada para promover o seu desenvolvimento humano integral (FREITAS; ROSA, 2015; LIBÂNEO, 2015).

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Não se trata apenas da seleção de “partes” e “releituras” do conhecimento, mas de identificar, no desenvolvimento histórico, nos métodos de investigação e nos conceitos que constituem o objeto científico de estudo, quais são os aspectos fundamentais e indispensáveis à formação do pensamento teórico para o processo de aprendizagem do indivíduo.

Na perspectiva de um ensino que habilite o aluno a pensar sobre objetos e indagações do mundo real de forma dialética, é necessário que tal ensino estimule o desenvolvimento mental subjetivo do aluno. Um ensino que leve o discente a um processo de investigação para avançar na formação de conceitos, ou seja, o aluno sofrerá transformações em suas formas de pensar, analisar e estabelecer relações com o seu contexto real (DAVYDOV, 1982, 1988c). Para Davydov (1988d), a aprendizagem dos conteúdos escolares configura-se como um tipo especial de atividade que busca não apenas transmitir a cultura humana, historicamente acumulada, mas promove o desenvolvimento das funções psicológicas superiores, da memória, consciência e autorreflexão. A escola deve propiciar mudanças qualitativas nos processos mentais dos alunos e, como consequência, desenvolver as suas personalidades.

Assim, por meio de ações mentais de apropriação dos conhecimentos e conceitos produzidos pela humanidade, acontece a transição das ações desenvolvidas coletiva e externamente (interpsíquicas) para as ações no plano verbal e sua paulatina interiorização, o que as transforma em operações mentais, atos mentais individuais (intrapsíquicos) (VYGOTSKY, 1984).

O pensamento teórico opera com conceitos. Ter um conceito sobre um objeto (material, cultural, científico, ético, político, estético, outros) significa, a partir da unidade entre o sensorial e o racional, saber reproduzir mentalmente seu conteúdo, dominar o procedimento geral de sua construção mental. A ação mental de construção e transformação do objeto constitui o ato de sua compreensão e explicação. Entender significa expressar em forma de conceitos, o que, por sua vez, significa compreender a essência do objeto.

A atividade de apropriação dos conceitos científicos e das ações mentais, num processo similar ao que a humanidade precisou para produzi-los, permitirá que o aluno os assimile ou aprenda, o que só pode ser realizado plenamente no ambiente educacional pela mediação do professor.

Os professores precisam dominar a lógica investigativa do objeto a ser ensinado e, ao planejar a aula e os conteúdos, devem integrar os aspectos epistemológicos e as abordagens didático-pedagógicas, tendo em vista a ascensão do abstrato para o concreto (lógica dialética) durante a realização da tarefa. Isso propiciará a internalização e formação dos conceitos científicos, no decorrer da realização da atividade de estudo.

A aprendizagem acontece nesse movimento mental, logo, não é definir e/ou memorizar fatos e dados isolados, mas construir significados e a compreensão da relação universal/particular durante a realização da atividade de estudo, a qual permitirá ao indivíduo conhecer o conceito por meio do pensamento teórico. Hedegaard (2008) conceitua a aprendizagem como uma mudança na pessoa e em sua relação com o mundo social e material. Essa mudança decorre de transformações na utilização de ferramentas culturais, para além da sala de aula.

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Ainda conforme Hedegaard e Chaiklin (2005), o ensino deve propiciar ao aluno desenvolver suas capacidades de análise e interpretação sobre sua situação histórica de vida. A escola deve garantir ao discente apropriar-se da capacidade de utilizar os conteúdos na compreensão do mundo social e natural, além de participarem da vida social em diferentes contextos. Desse modo, é importante considerar sempre a origem cultural do aluno e as condições históricas vivenciadas, para se programar o processo de ensino e aprendizagem.

Nesse contexto, o aluno é o sujeito da atividade de estudo, a qual deverá permitir a reflexão, de modo que se desenvolva a autoconsciência, ou seja, a capacidade de pensar sobre o próprio pensamento, dirigir a própria conduta e aprender/estudar, a partir de motivos que o levem a sentir a necessidade de estudar. Assim, ele adquire uma ferramenta de pensamento que serve de associação com outros conceitos e com a sua vida cotidiana, uma vez que passa a compreendê-la de forma mais elaborada e consciente porque a pensa e age utilizando os conceitos adquiridos.

Portanto, os alunos das licenciaturas devem se tornar sujeitos das suas atividades de estudo, adquirir essa ferramenta de pensamento, para que possam, posteriormente, ensinar seus alunos a se tornarem, também, sujeitos das suas atividades de estudo, de forma que consigam pensar e agir concretamente, utilizando os conceitos construídos.

Ao ensinar os conteúdos escolares, o professor não transmite apenas o conteúdo do conhecimento, mas também as formas de pensamento que deram origem a este conhecimento. Assim, ao descrever e explicar o funcionamento do sistema respiratório, por exemplo, o professor não apenas ajuda a criança a internalizar conceitos como “sistema” e “respiratório”. Ele precisa ajudar na constituição de novas formas de pensamento como “descrever”, “explicar”, “sistematizar”. Além disso, o conceito de sistema respiratório precisa ser compreendido estrutural e funcionalmente com outros sistemas do corpo humano em sua conexão essencial com o conceito de vida humana que, por sua vez, é central na Biologia (FREITAS; ROSA, 2015). Exposta assim, mesmo em forma de síntese, evidencia-se que essa abordagem teórica pode, concretamente, contribuir com a formação de professores e para o exercício profissional docente capaz de contribuir com uma formação intelectual humana integral.

Logo, se as bases da consciência e da formação do pensamento teórico se formam nos alunos durante a assimilação de conhecimentos e atitudes no processo da atividade de estudo, em uma tarefa para ser realizada como um desafio/problema, a teoria do ensino desenvolvimental pode ser uma concepção teórica alternativa para o planejamento e execução de cursos por meio da EaD, uma vez que o ensino e aprendizagem nessa modalidade se dá, essencialmente, por meio de atividades de estudo.

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Para se adotar o ensino desenvolvimental como base teórica para a EaD é preciso a compreensão que a tarefa é necessária para o ensino e não posterior a ele. A tarefa envolvendo problemas com o novo conhecimento a ser aprendido deve requerer dos alunos ações mentais correlatas a esse conhecimento e a apreensão teórica do conceito por meio de ações teórico-práticas para sua solução e concretização do conceito. Para que esse processo ocorra, o professor formador (que planeja e é responsável pela disciplina) e o professor-tutor (que acompanha diariamente os alunos) serão mediadores essenciais, ou seja, a ideia do ensino com pesquisa é a de que o professor faça pesquisa enquanto ensina, presente na noção de ensino como “experimentação formativa”, em que o professor intervém ativamente por meio de tarefas nos processos mentais das crianças e produz novas formações por meio dessa intervenção (DAVYDOV, 1988d, p. 53).

A concepção de Davydov como referência para construção das disciplinas e seus planos de ensino

Em uma perspectiva desenvolvimental, a organização do ensino é realizada de modo a possibilitar o processo de aprendizagem do aluno por meio do trabalho mental de abstração e generalização das relações presentes em determinado objeto de conhecimento. Isso será possível por meio da análise integral e da descoberta da gênese e estudo deste objeto em um percurso historicamente construído pelos cientistas, de modo que o aluno consiga identificar sua relação universal, a qual se constitui como princípio geral constituinte do objeto.

Quando o aluno abstrai esse princípio geral explicativo, ele o utiliza na compreensão das demais relações do objeto, de modo a formar um conceito teórico, que expressa a unidade entre a aparência e a essência desse objeto. Em síntese, a relação universal, como princípio geral do objeto, é utilizada como procedimento geral de análise em diversificadas situações particulares e concretas em que o objeto se apresenta na realidade social e concreta do indivíduo (DAVYDOV, 1982, 1988b).

Para desenvolver um conteúdo disciplinar por meio dessa lógica de pensamento, pode-se elaborar o mapa conceitualMapa Conceitual (MC) é uma metodologia desenvolvida por J. D. NOVAK na década de 1970. Ele é definido como uma estrutura gráfica para representar o conhecimento, as representações intelectuais de uma pessoa. Por meio do MC, o indivíduo exterioriza seu conhecimento, seja computacionalmente por um software ou em uma folha de papel. A metodologia objetiva facilitar que um indivíduo consiga representar seus conhecimentos sobre um determinado tema, de uma forma que ele consiga entender e que faça sentido na abordagem. Visa juntar conhecimentos já intrínsecos do ser com novos conteúdos que estão sendo buscados, integrando-os numa estrutura propícia para a aprendizagem. Por meio do uso de palavras-chave, conceitos-chave expressos numa estrutura gráfica, o MC ajuda a organizar ideias, conceitos e informações de modo esquematizado, representando visualmente as relações de subordinação e superordenação entre conceitos e ideias. Ele serve como uma espécie de molde ou suporte para ajudar a organizar e estruturar o conhecimento (NOVAK; CANÃS, 2008). da disciplina da qual se originam os conceitos-chave que compõem a sua ementa. Sobre esses conceitos-chave será realizado o trabalho mental de abstração e generalização das relações presentes em cada objeto de conhecimento até a internalização do conceito teórico do objeto.

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Para a aprendizagem dos alunos por meio dessa lógica de pensamento, podem-se organizar planos de ensino desses conceitos-chave, de modo a organizá-los como uma tarefa de estudo para a descoberta e utilização da relação universal de cada conceito. É necessário considerar que, no início da realização da tarefa de estudo, nem sempre o estudante sente vontade ou necessidade de apropriar-se do conhecimento do objeto em questão; por isso, a tarefa deve contemplar situações que estimulem essa necessidade, como, por exemplo, desafios, problemas ou pergunta (DAVYDOV, 1988b; 1999).

Para Hedegaard (1996), a pesquisa de ensino caracteriza-se como um movimento de exploração dos estudantes, a partir das tarefas preparadas pelo professor, partindo de conceitos cotidianos e retornando a eles de forma transformada e denominada conceitos teóricos. Para a autora, é imprescindível que o motivo do aluno seja considerado na realização do experimento de ensino. Mediante tarefas preparadas para o conteúdo, o aluno deve ser instigado, com questionamentos relacionados ao princípio geral do conteúdo e analisar questões que explorem o problema apresentado.

Hedegaard (2008) destaca que o pesquisador precisa ter rigor metodológico ao desenvolver a pesquisa. É importante a utilização de modelos que considerem as práticas institucionais, de vida em contextos locais e os valores principais a serem apropriados pelos alunos, nos quais o conteúdo de aprendizagem promoverá desenvolvimento intelectual.

Portanto, faz-se necessário o planejamento das tarefas de caráter investigativo, que levem ao movimento de pensamento que vai do aspecto geral e abstrato do objeto para seu aspecto particular e concreto. Uma ação dialética com o objeto de forma teórico-prática, coletiva-individual, abstrata-concreta em permanente movimento na atividade pensante do aluno.

No início, essa tarefa será realizada coletivamente, mas, gradativamente, ela vai sendo internalizada até que possa ser realizada pelo aluno de forma individual, sem que seja necessária a ajuda dos outros (DAVYDOV, 1982; 1988b; 1988c). Por meio dessas tarefas, o aluno adquire o conhecimento, forma novas ações mentais, estabelece novas relações, desenvolve novos caminhos e lógicas de pensamento, formando conceitos inter-relacionados com uma rede conceitual na área daquele conhecimento estudado.

Portanto, na formação de professores, os licenciandos devem ter a aprendizagem prática dessa teoria por meio de disciplinas que sejam ofertadas nessa concepção, bem como devem aprender e, na prática dos estágios, utilizarem o ensino desenvolvimental no planejamento de aulas, de forma concreta. Esse tipo de formação pode se utilizar dos recursos tecnológicos aplicados às aulas presenciais, nas aulas mediadas por tecnologia e, também, de forma muito consistente na EaD.

A concepção de Davydov como referência na construção dos planos de ensino

O plano de ensino é um procedimento da atividade do professor. É composto por uma organização de atividades de ensino-aprendizagem, planejadas em uma sequência de tarefas de estudo previamente elaboradas, considerando as condições reais dos alunos, cuja finalidade é alcançar os objetivos de aprendizagem. Logo, será possível organizar o processo de ensino e aprendizagem de um conteúdo científico de modo a definir as ações a serem realizadas para um determinado conteúdo. Tais ações, desenvolvidas durante as aulas, objetivam promover o desenvolvimento intelectual dos alunos e suas habilidades de pensamento para que consigam estudar o objeto científico em sua totalidade, em um processo de aprendizagem investigativa com a mediação do professor. Portanto, a aprendizagem deve propiciar ao estudante dominar ferramentas mentais que lhe permitam pensar o objeto em uma condição geral para entendê-lo em qualquer situação particular relacionada.

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Ao organizar o plano e as atividades de ensino, devem ser considerados os fatores socioculturais dos alunos, a interação coletiva e a formação da ZDP (Zona de Desenvolvimento Proximal) de quem aprende. Para Vygotsky, tal conceito refere-se às diferenças existentes entre o aprendizado pré-escolar e o escolar, ou seja, entre aprendizagem espontânea e a aprendizagem sistematizada. De acordo com Vygotsky (1993, p. 164), “[...] o aprendizado escolar produz algo fundamentalmente novo no desenvolvimento da criança”. Tal modificação foi denominada de Zona de Desenvolvimento Proximal e explicada da seguinte forma:

[...] é a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes (VYGOTSKY, 1993, p. 96).

A fundamentação teórica Davydoviana, utilizada na elaboração do plano de ensino, baseia-se na perspectiva de um ensino escolar para o desenvolvimento humano. Nessa estruturação, o professor deve organizar a sequência da aprendizagem dos alunos, tendo o ensino como uma atividade mediada para formar ações mentais que levem ao desenvolvimento cognitivo dos estudantes. Ao analisar e organizar o conteúdo científico, o professor precisa ter clareza dos motivos, necessidades e desejos de quem aprende, considerando a atividade principal que é a aprendizagem e a fase de desenvolvimento dos estudantes.

Assim, a elaboração do plano de ensino deve acontecer de forma que o estudante possa identificar o núcleo conceitual do objeto a ser ensinado para levá-lo à capacidade de fazer generalizações do pensamento, transitar com o conceito e entender qualquer situação particular inter-relacionada a ele. Portanto, analisar o conteúdo implica estabelecer uma relação geral básica do conceito do objeto científico. Por exemplo, o conceito “animal vertebrado” configura-se como a formação da coluna vertebral e o canal medular que abriga a medula espinhal. A partir do momento em que o aluno consegue perceber tal princípio geral, enquanto essencial a todo vertebrado, poderá trabalhar com qualquer situação particular relacionada a esse conceito.

A partir das reflexões já apresentadas, o Plano de ensino da Disciplina se desdobrará no plano de ensino de cada conceito-chave, o qual poderá ensejar, ainda, a subdivisão em diversos conceitos importantes que compõem esse conceito-chave. Cada conceito-chave e cada um dos conceitos que o compõe deve ser precedido da sua análise, para explorar sua origem, contradições e desenvolvimento científico, com o objetivo de identificar alguma relação universal que possa ser alcançada pelos alunos na tarefa, o que acontecerá por meio de problemas e questões a serem investigadas e solucionadas pelos alunos. Para tanto, deve-se partir do princípio geral do objeto a ser trabalhado, pensado na tarefa de estudo, mobilizando os alunos a descobrirem uma relação universal desse objeto (DAVYDOV, 1982).

Por sua vez, a consecução do plano de ensino de cada conceito e sua validação deve ser precedida por uma tarefa diagnóstica baseada em questões problemas, que permitam aos alunos a relação do conceito com o seu dia a dia e com o conhecimento prévio sobre o conceito em questão. Voltando ao exemplo do conceito teórico “animal vertebrado” na disciplina Ciências no Ensino Fundamental, poderiam ser enunciadas algumas questões problemas:

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1) imagine que você está andando na rua e se depara com um sapo. O colega ao seu lado diz a você se tratar de um animal invertebrado. O que você sabe sobre sapo? Qual método utilizará para investigar o animal e explicar se ele é realmente um invertebrado? 2) durante a aula de ciências um professor disse que a vaca, a baleia e o homem são animais que possuem grande semelhança. Que método pode ser utilizado para saber se essa afirmação é correta? 3) você foi passar o final de semana na fazenda e ao andar pelo pasto se deparou com uma cobra venenosa (cascavel). Como estava atento conseguiu afastar-se e não foi atingido pela cobra. Seu pai afirmou que o animal é um réptil perigoso. O que você tem a dizer sobre répteis? Como vamos investigar para saber se a cascavel é réptil? (CAMPOS, 2019, p. 212).

Por meio dessa tarefa diagnóstica, será possível identificar o conhecimento prévio dos estudantes sobre animal vertebrado. Também, será possível verificar como operam o pensamento na análise dos problemas relacionados a animal vertebrado e em situações de seu dia a dia, experiências, vivências e práticas comuns de vida (HEDEGAARD; CHAIKLIN, 2005).

A análise dos resultados dessa tarefa servirá para a elaboração do plano de ensino de cada conceito, facilitando a ligação das ações propostas às experiências e motivos dos alunos para aprender o conceito teórico em questão. O plano de ensino se compõe de tarefas de estudo para investigar o objeto de conhecimento.

Cada ação prevista na tarefa de estudo precisa levar o aluno à reflexão, à interação e ao diálogo, os quais permitem a expressão de convergências e divergências de ideias. Esse exercício leva à produção de argumentos, à defesa de pontos de vista, a mudanças mentais que adquirem consistência na medida em que se desenvolve a reflexão sobre si na relação com a realidade e se opera o pensamento conceitual.

Nesse contexto, o plano de ensino para aprendizagem de conceitos pode ser composto por: a) Ações motivadoras iniciais, que são problematizações iniciais apresentadas pelo professor para motivar e mobilizar o estudante a uma busca investigativa. Elas são desenvolvidas por meio de: a.1) Materiais que podem ser diversificados, tais como: vídeos, casos reais, reportagens, charges, games e outros, com intuito de atrair a atenção e mobilizar os estudantes; a.2) Condições que devem contemplar espaço, tempo e disponibilidade de tecnologia para atrair a atenção dos alunos para as informações e, em seguida, permitir a correlação dos conteúdos às suas situações e vivências concretas, de modo a iniciar a operacionalização do pensamento conceitual. Os alunos deverão ser organizados em grupos para discussão e elaboração coletivas de respostas e correlações. Os momentos de diálogos e discussões coletivas e o registro para análise de todos são muito importantes nesse processo; a.3) Avaliação, que deverá acontecer em todas as ações realizadas. O professor deve acompanhar e mediar o trabalho dos alunos, levando-os a refletirem sobre como pensaram para obter as respostas. As falas dos alunos devem ser analisadas para apreender o caminho de pensamento utilizado e o resultado alcançado por esse percurso.

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Finalmente, as ações da atividade de estudo devem ser realizadas pelos alunos em um contínuo movimento de pensamento em relação ao objeto a ser apropriado. A atividade de estudo sobre o novo objeto de conhecimento deve requerer dos alunos ações mentais para a apreensão teórica do conceito, que se dará por meio de ações teórico-práticas para a solução e concretização do conceito.

O professor deve organizar o caminho para a aprendizagem dos alunos em uma lógica de estudo investigativo do objeto científico a ser interiorizado. O plano e as atividades de estudo planejadas embasam-se em seis ações propostas por Davydov (1988a, p.187), que serão exemplificadas utilizando-se o conceito “animal vertebrado”:

1ª ação: Transformação dos dados da tarefa e identificação da relação universal do objeto estudado. É a principal dentre as demais e consiste em levar o aluno a transformar os dados da tarefa de aprendizagem com a finalidade de descobrir o princípio geral universal do objeto, que deverá ser refletida no correspondente conceito teórico. Refere-se a uma transformação orientada por uma finalidade dos dados da tarefa, direcionada a buscar, descobrir e distinguir uma relação definida de certo objeto integral. É um conhecimento que o aluno ainda não tem e precisa obter (DAVYDOV, 1988a, p.187).

Para Freitas (2016), esta atividade pode se iniciar por meio de uma problematização a ser resolvida pelos alunos. O problema pode ser na forma de questões ou situação-problema. Os alunos devem reunir as informações e dados encontrados no problema, examiná-los e irem à busca da relação geral universal do objeto, destacando o “nuclear” dessa relação, como base genética e fonte de todas as suas características e peculiaridades. Tal análise configura a primeira ação do processo de formação do conceito. No estudo de “animais vertebrados”, as questões, dentre outras, podem ser: Será que todos os animais vertebrados possuem ossos? Como são os animais vertebrados?

2ª ação: Modelação da relação diferenciada em forma objetivada, gráfica ou literal. É importante ressaltar aqui que nem toda representação pode ser chamada de “modelo de aprendizagem”, a não ser aquela que estabelece a relação universal de um objeto integral e possibilita sua análise posterior. O conteúdo deste modelo deve estabelecer as características internas deste objeto. O modelo de aprendizagem, como produto da análise mental, pode, por si só, ser um meio especial da atividade mental humana (DAVYDOV, 1988a, p. 189).

Conforme explica Freitas (2016), a criação do modelo é importante como base para outras análises posteriores do objeto. Modelar a relação geral universal coloca os estudantes em um processo simultâneo de criação e de reprodução desta relação. Consiste em criar algo para representar a relação, que já foi historicamente elaborado pelos cientistas, tratando-se, portanto, de uma recriação. No modelo da relação geral universal de “animais vertebrados”, os alunos devem representar a relação mais simples, aquela que está na base da gênese de todo vertebrado. A representação pode acontecer por meio de desenhos, esquemas, dentre outras.

3ª ação: Transformação do modelo. Possui o objetivo de estudar o “nuclear” da relação universal que foi identificado no objeto do conhecimento. Tal transformação permite ao aluno estudar as propriedades da relação universal em seu aspecto concreto e não apenas abstrato (DAVYDOV, 1988a, p. 189).

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Freitas (2016) explica que, no modelo, a relação universal aparece com suas propriedades de “forma pura” e abstrata. A transformação do modelo tem a função de possibilitar aos alunos o estudo das propriedades da relação universal em seu aspecto concreto e não apenas abstrato. No trabalho com o modelo, os alunos identificam do “núcleo” do conceito do objeto, mas a adequação do “núcleo” ao objeto só se revela para eles quando extraem daí as múltiplas manifestações particulares.

Portanto, a transformação do modelo servirá como base para que os alunos realizem deduções a partir da relação universal quando forem solucionar outras tarefas em que o objeto é apresentado em contextos particulares. A introdução de mudanças no modelo consiste em introduzir alterações na relação geral universal, ou nos elementos que a compõem, de modo que se altera o núcleo dessa relação e, consequentemente, o resultado.

Sendo assim, qualquer mudança em um dos elementos essenciais que constituem o núcleo do conceito “animal vertebrado” implicará em alterações que o descaracterizam enquanto vertebrado, ou provocam alterações significativas que podem gerar consequências. Ao compreender isso, os alunos reforçam a base genética universal do objeto animal vertebrado, identificam seu vínculo com relações particulares que interferem na forma pela qual se apresenta na realidade e compreendem que ela está sujeita a um processo de transformação.

4ª ação: Construção do sistema de tarefas particulares que podem ser resolvidas por um procedimento geral descoberto pelos alunos. Tal ação permite aos alunos concretizarem a tarefa de aprendizagem inicial e convertê-la na diversidade de tarefas particulares. A eficácia deste procedimento é verificada na solução de tarefas particulares. Os estudantes as enfocam como variantes da tarefa de aprendizagem inicial e identificam, em cada uma, a relação geral (DAVYDOV, 1988a, p. 190).

Para Freitas (2016), nesta ação, os alunos resolverão várias tarefas tendo como base a relação geral universal e seu vínculo com relações particulares. As tarefas particulares são derivadas da tarefa inicial e eles precisam identificar em cada uma delas a relação universal como procedimento geral para pensar e analisar o objeto em todas as situações reais e concretas.

Assim, o professor pode preparar diversas tarefas em que os alunos utilizarão a relação universal de animal vertebrado para analisar diferentes tipos de vertebrados em diferentes habitats da terra. Os alunos precisam ser capazes de identificar e analisar suas propriedades ainda que estes diferentes tipos de animais apresentem variações anatômicas, morfológicas e funcionais, uma vez que existe entre todos os vertebrados um princípio interno universal comum.

5ª ação: Controle (ou monitoramento) da realização das ações anteriores. O controle consiste em determinar a correspondência entre outras ações de aprendizagem e as condições e exigências da tarefa de aprendizagem. Visa assegurar a plenitude na operacionalização das ações e a forma correta de sua execução (DAVYDOV, 1988a, p. 190).

Freitas (2016) explica que tal ação visa assegurar a realização plena e a execução correta das ações e suas correspondentes operações, determinando se o aluno está correspondendo aos objetivos e às condições estabelecidas na tarefa. O monitoramento permitirá aos alunos saberem se estão apropriando-se da relação geral como procedimento geral de solução do problema, bem como realizarem comparações dos resultados das suas ações com os objetivos apresentados, comprovando a correspondência entre eles e, logo, se está ocorrendo aprendizagem.

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O controle será um exame qualitativo substancial do resultado da aprendizagem em comparação com os objetivos planejados para o ensino do conteúdo e, nesse sentido, é um processo de autoavaliação por parte dos alunos, tendo como referência o conteúdo de suas ações, seus fundamentos e a coerência relacionada ao que foi solicitado na tarefa. Os alunos farão uma reflexão consciente e crítica sobre sua atividade de estudo, refletem sobre suas ações mentais e a reorganizam, caso seja necessário.

6ª ação: Avaliação da assimilação do procedimento geral como resultado da solução da aprendizagem dada. Finalmente, o professor realiza avaliação individual com os alunos para verificação da aprendizagem do conceito estudado.

Freitas (2016) afirma que o cerne da avaliação poderá ser orientado pela questão: o aluno se apropriou da relação geral abstrata e foi capaz de utilizá-la para analisar relações particulares concretas do objeto?

O quadro 1 apresenta uma síntese sobre os principais aspectos a se considerar para a realização de cada ação, já apresentada anteriormente.

Quadro 1: Ações desenvolvidas para a realização da atividade de estudo e os aspectos a serem considerados na perspectiva de Davydov (1988)

AÇÃO OPERAÇÕES CONDIÇÕES AVALIAÇÃO
São várias as possibilidades, entre as quais a elaboração de respostas em grupo para perguntas que permitam perceber o que há de comum, semelhante, relacionado entre o conceito e a realidade, o dia a dia, a vivência dos alunos, à correlação entre conteúdos, outros conceitos, enfim, que permitam a operação do pensamento conceitual. É preciso proporcionar aos alunos as condições para o trabalho coletivo, para o diálogo argumentativo, que permitam relacionar os conhecimentos cotidianos que possuem e o conteúdo apresentado nas estratégias adotadas (recursos audiovisuais / tecnológicos), com as devidas mediações e intervenções do professor. É muito importante que os alunos explicitem e o professor perceba o método que estão utilizando para pensar sobre as questões levantadas. As conclusões de cada grupo devem ser registradas, discutidas e analisadas coletivamente. Na EaD, o AVEA disponibiliza uma série de recursos próprios e conexões com outros recursos digitais, como aplicativos, que permitem atividades muito criativas e apropriadas para a execução desta ação. Deve ser avaliada a relação feita entre conceitos, entre o conceito em questão e as vivências, o desenvolvimento do conceito desde sua gênese e, especialmente, o caminho do pensamento realizado para as respostas, que deve ser explicitado pelos alunos. O professor avalia se os alunos identificaram a relação universal e, se necessário, intervém para que refaçam o percurso da Ação 1.
Os estudantes analisam a relação universal e deduzem como podem representá-la em um modelo concreto. Após construírem o modelo, cada grupo de alunos apresenta seu modelo, explicando o caminho mental trilhado para sua construção. O professor disponibiliza ou solicita materiais e/ou recursos tecnológicos para a construção do modelo representativo. O professor acompanha e observa cada grupo, fazendo as intervenções necessárias, levando alunos a refletirem, discutirem e agirem na busca de alcançar por meio do modelo que estão construindo a relação universal abstrata desejada. Os estudantes devem explicitar cada etapa da construção do modelo e avaliar, de forma mútua, se estão de fato apresentando a relação universal do conceito de forma representativa. Se necessário, o professor faz as devidas intervenções e, se for o caso, solicita que o modelo seja refeito.
O professor introduz, nas discussões ocorridas até então, uma alteração, um novo fator no modelo da relação universal (como um erro proposital, por exemplo). Os alunos devem analisar a(s) alteração(ões) e fazer deduções sobre as consequências para modelo elaborado anteriormente, para em seguida reformular ou afirmar o modelo representativo do conceito. Os alunos trabalham em grupos para refletir e analisar a mudança na relação universal do conceito e suas correlações. Os grupos expõem explicitamente a análise e conclusão a que chegaram. Depois é realizada a discussão coletiva, com o registro escrito da conclusão geral da turma. O professor solicita que cada grupo avalie, de forma fundamentada, as suas explicações sobre a mudança do modelo, sempre com base na relação universal. Caso ele identifique que não houve a compreensão clara, solicita que os alunos refaçam o percurso.
Analisar e explicitar de forma argumentativa as semelhanças e diferenças entre conceitos com relação universal. Propor as tarefas que permitam partir do universal para o particular, que devem ser realizadas de forma coletiva, com diálogos e argumentações. Em seguida, cada aluno deve realizar individualmente as suas conclusões. O professor analisa, primeiramente, se as atividades coletivas responderam as questões propostas e, depois, se os alunos, individualmente, chegaram a argumentações que utilizaram a relação universal e fizeram as conexões com as particularidades dos conceitos específicos correlacionados. Os alunos que não conseguirem atingir o objetivo proposto com a tarefa devem retomar a ação com a ajuda dos colegas que conseguiram fazer as abstrações corretamente.
Cada estudante deve fazer um relato sobre o conceito estudado/construído e como foi apreendido, apresentando, também, em que aspectos a nova compreensão se distingue da compreensão do conceito que possuíam antes. Cada estudante escolhe produzir um parágrafo escrito, gravar um vídeo curto ou fazer um relato verbal sobre o conceito estudado/construído. O professor e os estudantes analisam os resultados dos materiais produzidos, avaliando se houve a utilização do conceito como procedimento mental na realização da tarefa.
O professor aplica um instrumento individual de avaliação da aprendizagem que contenha as mesmas perguntas apresentadas no início da tarefa.
Os estudantes respondem individualmente e de forma escrita, argumentando sobre as explicações que dão para as relações identificadas. Depois, faz perguntas sobre conceitos específicos, que podem ser resolvidas utilizando-se como procedimento mental a relação universal do conceito e dela partir para o particular. Os alunos analisam e formulam respostas para solucionar as questões apresentadas.
Os alunos devem produzir reflexões sobre sua forma de pensamento e análise do conceito em questão e suas relações com outros conceitos, com as situações de seu dia a dia, com as experiências, vivências e práticas comuns de vida. O professor analisa se cada estudante se apropriou da relação universal abstrata do conceito e se consegue utilizá-la para responder às questões propostas e ampliar seu uso para conceitos específicos, em situações particulares e concretas em que o objeto se apresenta na realidade social. Finalmente, avalia o domínio do procedimento geral da construção mental dos conceitos e a consciência formada pelos alunos em relação aos conceitos.

Fonte: Elaborado pelos autores.

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O Ambiente Virtual de Ensino e Aprendizagem – AVEA como ferramenta para o ensino desenvolvimental

O Ambiente Virtual de Ensino e Aprendizagem (AVEA) é a plataforma/portal digital utilizada para a montagem de cursos/disciplinas na EaD, que permite a disponibilidade e a gestão de conteúdos. Assim, o AVEA possibilita a organização e apresentação dos planos de ensino de cada conteúdo, bem como as atividades usadas para os processos de ensino e aprendizagem, além de permitir os processos de interação entre os professores e alunos, dos alunos com seus pares e, ainda, com a equipe de coordenação do curso.

Para a oferta de uma disciplina, utilizando-se das concepções de Davydov, é necessário que o planejamento das atividades de estudo, nos AVEA e encontros presenciais, aconteça em uma nova lógica de organização, de forma que sua realização aconteça por meio da ação dialética do aluno com o objeto em contextos de interação entre teoria e prática, atividades coletivas e individuais, ascensão do pensamento abstrato ao concreto, em permanente movimento nas transformações mentais do aluno. Por meio das tarefas, ele adquire o conhecimento, forma novas ações mentais, estabelece novas relações, desenvolve novos caminhos e lógicas de pensamento, formando conceitos inter-relacionados com uma rede conceitual na área daquele conhecimento estudado.

É a proposta de um percurso a ser percorrido por meio da comunicação compartilhada com o professor e com os outros alunos por meio de interações e dos materiais didático-pedagógicos (livros, textos, videoaulas, webconferências, wikis, vocabulário conceitual, vídeos, filmes, ilustrações, dentre outros). Nesse percurso, acontece a conversão da atividade externa, social, em atividade interna, individual, resultado da atividade mental (re)produtiva individual realizada com os objetos.

O planejamento das diversas atividades/tarefas a serem disponibilizadas no AVEA exige ações dos docentes, realizadas com os princípios didáticos da teoria do ensino desenvolvimental: a) ensino que desenvolve o indivíduo integralmente; b) caráter ativo da aprendizagem; c) caráter consciente da atividade; d) unidade entre o plano material e o verbal; e) ação mediada pelo conceito. Dentre as ações docentes, decorrentes desses princípios, estão: a elaboração de situações-problema, a promoção de diálogos e sínteses coletivas, a análise das expressões verbais dos alunos, a elaboração de problemas desencadeadores e a análise da operação mental dos alunos com o conceito.

Portanto, as ações baseadas nesses princípios propiciarão a elaboração de tarefas, com as ações descritas na elaboração dos planos de ensino, anteriormente apresentadas, que podem ser apropriadas, adequadas e ricas para serem desenvolvidas didaticamente com os recursos tecnológicos dos AVEA. Além disso, a formação por meio de EaD capacita os alunos a estudarem por meio da tecnologia e, também, a ensinarem com o uso da tecnologia, o que contribui com processos inovadores e metodologias ativas de ensino e aprendizagem.

Considerações finais

As especificidades geopolíticas e culturais brasileiras precisam ser consideradas para que se identifiquem possibilidades de novas concepções pedagógicas e políticas educacionais, para além das premissas neoliberais que norteiam a Educação Brasileira contemporânea. Em um contexto concreto, as premissas da teoria de Davydov apresentam sólida e consistente possibilidade para promover mudanças no ensino brasileiro, principalmente porque têm como foco central o desenvolvimento humano integral dos estudantes.

A organização proposta pela teoria do ensino desenvolvimental permite considerar o aluno como sujeito que investiga para aprender e aprende para se desenvolver com autonomia. Portanto, tal abordagem de ensino promove aptidões investigativas, auxilia no desenvolvimento de competências e habilidades mentais e no internalizar, pensar e atuar por conceitos, o que se constituirá em novos modos de ação, os quais possibilitarão analisar e resolver problemas em situações concretas da vida prática.

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Se essas atividades forem planejadas como atividades de estudo e se a abordagem dos conteúdos selecionados, as aprendizagens e atitudes esperadas pelo professor forem devidamente exploradas por meio dessas atividades, poderá haver um salto de qualidade na educação, quer seja no formato presencial ou EaD, o que, também, poderá ser utilizada para a formação e atuação docente aqui defendidas. A formação de professores na concepção de educação para a autonomia, mas não individualista e desprovida da ação do professor, constitui uma educação para o conhecimento científico e não para o conhecimento mínimo; enfim, a educação para o desenvolvimento e emancipação humana, bem como a atuação docente como práxis, ação humana transformadora.

É notório que essa é uma perspectiva de formação de professores, e sua consequente atuação profissional, muito diferente daquela oriunda da “pedagogia empresarial”, “hipertecnicista”, baseada em conhecimentos mínimos, portanto, desprovida de conteúdo científico, artístico e filosófico mais aprofundado e de análises críticas, próprias da pedagogia da hegemonia. Também, fica evidente a defesa de que essa formação propugnada pode ser realizada por meio da EaD que não é distante, de modo que possibilita a interação e a participação ativa dos atores envolvidos no processo de ensino e aprendizagem.

A formação de professores, inclusive por meio da EaD, pensada, planejada e executada na perspectiva da teoria do ensino desenvolvimental poderá ser uma excelente estratégia contra-hegemônica, o que contribuirá para melhorar a qualidade socialmente referenciada da educação brasileira.

Sobre as autoras

EUDE DE SOUSA CAMPOS • Doutor em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás – PUC-GO. Docente efetivo da Universidade Estadual de Goiás – UEG. Pesquisa nas áreas de educação, educação a distância, ensino de ciências. É membro do Grupo de Pesquisa Teorias da Educação e Processos Pedagógicos, vinculado ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação da PUC Goiás. E-mail: eude.sousa@ueg.br. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/5398788834012464.

VALTER GOMES CAMPOS • Doutor em Educação pela Universidade Federal de Goiás – UFG. Professor efetivo da Universidade Estadual de Goiás – UEG. Pesquisa nas áreas de educação superior, educação a distância, políticas e gestão educacional. É membro do Grupo de Pesquisa em Desenvolvimento e Tecnologias Aplicadas (GEDETEC/UEG). E-mail: valter.campos@ueg.br. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/2468267281702373.

Referências

CAMPOS, E. de S. Ensino para a formação de conceitos em ciências: contribuições da teoria do ensino desenvolvimental de Davydov. 2019. 265f. Tese (Doutorado em Educação). Pontifícia Universidade Católica de Goiás, Goiânia, 2019.

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