Governo Federal República Federativa do Brasil Ministério da Educação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior Universidade Federal de Goiás

DIDÁTICA E FORMAÇÃO DE PROFESSORES:
EMBATES COM AS POLÍTICAS CURRICULARES NEOLIBERAIS

marcaufg
SEÇÃO 2
AUTOR José Carlos Libâneo
Referenciar como: LIBÂNEO, José Carlos. Metodologias ativas: a quem servem? nos servem? In: LIBÂNEO, José Carlos; ROSA, Sandra Valéria Limonta; ECHALAR, Adda Daniela Lima Figueiredo; SUANNO, Marilza Vanessa Rosa (Orgs.). Didática e formação de professores: embates com as políticas curriculares neoliberais. Goiânia: Cegraf UFG, 2022, p. 38-46. Disponível em: https://publica.ciar.ufg.br/ebooks/edipe2_ebook/artigo_10.html
IMPRIMIR • SALVAR PDF

Metodologias Ativas:
a quem servem? nos servem?Texto reescrito com base na palestra proferida na Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás em 26/2/2019, a convite do Fórum de Licenciatura da UFG.

107 próxima página

O presente texto tem como objetivo oferecer alguns elementos de análise sobre a crescente difusão, principalmente em documentos oficiais de orientação neoliberal e em várias instituições privadas de ensino, de uma determinada concepção de metodologias ativas em que elas são caracterizadas como estratégias para tornar os alunos sujeitos autônomos e responsáveis pela sua própria aprendizagem, em contraposição à atuação unilateral do professor, típica da pedagogia tradicional. Essas metodologias são, também, muito frequentemente, associadas à expansão das tecnologias digitais, uma vez que estas suscitam novos modos de aprender e levam à ampliação do significado de aula mesclando o virtual e o presencial. Embora esse procedimento metodológico tenha surgido, pelo menos, com o advento do movimento da Educação Nova no final do século XIX, portanto, muito antes da eclosão e do impacto na sociedade das tecnologias da informação e comunicação, sua introdução no ensino como inovação vem sendo justificada, de forma superficial, pelas mudanças tecnológicas que levaram à expansão do uso dos computadores e de outros dispositivos digitais e da Internet. Em razão desse equívoco, a discussão do tema é iniciada com uma breve reconstituição histórica, seguindo-se a apresentação de dois dos principais posicionamentos teóricos em relação às metodologias ativas para, finalmente, formular respostas às duas perguntas do título do texto: A quem servem? Nos servem?

O tema das metodologias ativas tem aparecido com destaque no debate sobre estratégias de ensino e uso de procedimentos didáticos destinados a assegurar melhor aprendizagem dos alunos. As metodologias ativas incluem abordagens conhecidas há algum tempo como trabalho em grupo, ensino individualizado, aprendizagem baseada em problemas, aprendizagem por projetos, metodologia da problematização, contratos didáticos, portfólios, comunidades de aprendizagem, comunidades de investigação, comunidades de prática (BEHRENS, 2001; VEIGA, 2017) mas são, também, fortemente identificadas com o uso de tecnologias digitais como ensino híbrido, sala de aula invertida, gamificação, programação e robótica etc. As metodologias ativas recebem atualmente muitas definições mas, no geral, são caracterizadas como estratégias impulsionadoras de novas dinâmicas para incrementar o processo de ensino-aprendizagem, com considerável ênfase na incorporação das tecnologias digitais nas aulas. Elas são anunciadas como meio de assegurar que todos os alunos sejam ativos no processo de aprendizagem dos conteúdos, de modo que se tornem responsáveis pela assimilação dos conhecimentos cabendo aos professores papel muito mais próximo de tutoria, isto é, de acompanhamento do trabalho individual dos alunos, do que propriamente de docência. Numa perspectiva mais próxima de uma educação voltada para o desenvolvimento humano dos alunos, as metodologias ativas são vistas pelo seu potencial formativo em razão de valorizar a atividade dos alunos mediante solução criativa de problemas, a autoformação, a participação em projetos em colaboração, o intercâmbio de ideias e opiniões, o desenvolvimento da capacidade de pensar por conceitos, tendo em vista promover aprendizagem mais reflexiva, autêntica e autônoma.

página anterior 108 próxima página

A atração pelas metodologias ativas, tanto no ensino privado quanto nas instituições públicas, inclusive nas políticas oficiais, tem aparecido na atualidade como expressivo indicador de uma suposta inovação nos métodos de ensino. Sua propagação tem sido justificada pelo impacto que as mudanças trazidas pelas tecnologias digitais causam na vida dos estudantes e, ao mesmo tempo, pela inoperância do ensino tradicional em lidar com essas mudanças. Argumenta-se que os métodos tradicionais de ensino centrados no professor mantêm os alunos passivos e desmotivados. As metodologias ativas, ao contrário, como inovação no ensino, viriam para transformá-los em sujeitos ativos, autônomos e participativos no processo de ensino-aprendizagem e produtores de conhecimento. Entre as vantagens, são mencionados o protagonismo e autonomia do aluno, que se torna responsável pela sua aprendizagem, o aprendizado a partir de situações e problemas reais, o desenvolvimento de competências socioemocionais, a diversificação das práticas escolares, aos alunos no enfrentamento de situações complexas no mercado de trabalho. As metodologias ativas mais difundidas e recomendadas, conforme se pode verificar em sites da Internet, são: a) Sala de aula invertida, em que o professor indica o conteúdo, os alunos o pesquisam em casa basicamente por meios digitais, na aula tiram suas dúvidas; b) Ensino Híbrido, que promove a integração entre ensino online com uso de tecnologias e ensino presencial na sala de aula; c) Aprendizagem Baseada em Problemas, em que são propostos problemas ou casos, preferentemente de caráter prático, os alunos buscam solucioná-los individualmente ou em grupo com a assistência do professor; d) Seminários e/ou debates, que possibilitam discussões em que os estudantes aprendem a argumentar, a confrontar opiniões, a interagir com os colegas etc.); e) Gamificação e outras atividades lúdicas em que são utilizados jogos interativos no celular e brincadeiras referentes ao conteúdo. f) Projetos práticos como aprendizagem Maker (aprender fazendo), apresentação de situações problema, uso de programação e robótica, pesquisa de campo.

Em síntese, as metodologias ativas, principalmente no contexto do impacto social e cultural das tecnologias digitais, visam promover mudanças no ensino em contraposição às aulas tradicionais, de modo deslocar o ensino centrado no professor para um ensino que torna o aluno mais ativo, participativo, autônomo, mais interessado e envolvido na aprendizagem. Qual é a sua real repercussão nas mudanças no ensino e que tipo de repercussão vem ocorrendo? A que propósitos elas servem? Em que condições e modos elas podem estar a serviço de um ensino voltado para o desenvolvimento humano?

Breve reconstituição histórica das metodologias de ensino

Na tradição pedagógica, podem ser localizadas menções a respeito do papel ativo do aluno no processo educativo, por exemplo, na pedagogia católica tomista (TITONE, 1966) como também, nos escritos de Rousseau no final do século XVIII, sobre a necessidade de a educação seguir a condição natural da criança (ROUSSEAU, 1995). No entanto, é no final do século XIX que se firma a expressão “métodos ativos” ou “metodologias ativas”, com o movimento da Educação Nova na Europa, inicialmente chamado de Escola Ativa, Escola do Trabalho, entre outras denominações, impulsionado por vários educadores e pesquisadores, entre outros, Decroly, Ferrière, Claparède, Piaget, Freinet e Montessori. O mesmo movimento repercute nos Estados Unidos, no início do século XX, iniciado por Dewey, que propõe uma educação centrada na criança e na atividade da criança, com base em suas necessidades, interesses, e a aprendizagem pela experiência própria, pondo-se em destaque metodologias de ensino como a da descoberta, do estudo do meio, do jogo, da solução de problemas, do trabalho em grupo, do aprender fazendo, da cooperação, ou seja, metodologias ativas. As metodologias ativas vinculam-se, portanto, à tradição das “pedagogias ativas” ou “pedagogias da aprendizagem”, centradas no princípio filosófico e pedagógico da atividade do aluno, em oposição a pedagogias centradas no professor, próprias da pedagogia tradicional.

página anterior 109 próxima página

Independentemente das motivações e da destinação do uso das metodologias ativas, elas trazem consigo algumas características clássicas das pedagogias ativas, algumas delas incorporadas pelos seus propagadores. Em primeiro lugar, elas são tipicamente pedagogias voltadas ao protagonismo do aluno, ou seja, para ajudar o aluno numa situação de aprendizagem, a adquirir autonomia no seu processo de conhecimento. Elas se caracterizam por propor métodos que utilizam ou propiciam a atividade do aluno. Em segundo lugar, são pedagogias voltadas para a individualização nas aprendizagens. O professor precisa estar atento às necessidades, interesses, iniciativas, representações, estilos de aprendizagem, lógicas de raciocínio, dos alunos, pelo que se caracterizam, também, como pedagogias “diferenciadas”. Assim, são pedagogias centradas na relação do aluno com os vários tipos de saberes, cognitivos, procedimentais ou atitudinais. Em terceiro lugar, concebem a aprendizagem como um processo interativo de participação em práticas investigativas. O processo de conhecimento está ligado muito mais a atividades compartilhadas no grupo do que a própria aquisição de conhecimento. Muitos chamam isso de aprendizagem situada, concepção que está presente em metodologias como as comunidades de aprendizagem, comunidades de prática, comunidades de investigação etc. Vários desses traços podem ser encontrados na versão atualmente corrente das metodologias ativas, não todos, uma vez elas estão fortemente centradas na individuação do processo de ensino-aprendizagem, como será mostrado adiante.

Várias teorias do movimento da Educação Nova exerceram influência na educação brasileira, mas foi especialmente atuante a teoria educacional de John Dewey. Ao longo de toda a primeira metade do século XX, suas ideias tiveram grande penetração no Brasil, em boa parte em decorrência da obra e da atuação política e pedagógica de Anísio Teixeira. Dewey (1979) tem uma concepção de atividade no processo de conhecimento com características muito peculiares. Segundo esse autor, toda educação autêntica se dá mediante a experiência. O acesso ao saber implica uma ação na realidade e a uma reflexão sobre essa ação. O sujeito conhece o mundo à medida que a experiência objetiva vai formando sua própria experiência subjetiva, por meio do pensar reflexivo (a partir do método científico) sobre as consequências dessa experiência. Por isso se fala de aprender e fazer, como ações inseparáveis. Para isso, antes de conseguir resposta a uma questão, é preciso deparar-se com as coisas, situações, buscar, criar, descobrir, inventar, fabricar, resolver problemas, e pensar em cima disso. Em resumo, a ação imediata deve sempre preceder o desenvolvimento da reflexão e do pensamento, ao mesmo tempo que serve de fundamento para essa reflexão.

A intensidade com que a Escola Nova e as metodologias efetivamente penetraram nas escolas é ainda o objeto de estudo, o que não obscurece a repercussão de seus princípios e métodos na história da pedagogia. É sabido, também, que Dewey influenciou as ideias de Paulo Freire ao formular sua proposta de educação conscientizadora de caráter dialógico e participativo por meio da problematização da realidade, atuação na sua transformação (FREIRE, 1974; PAIVA, 1980), o que o torna um dos importantes impulsionadores das metodologias ativas, por exemplo, na Metodologia da Problematização (BERBEL, 2011; FREITAS, 2012). Segundo Araújo (2017), desde o final da década de 1950, o surgimento de movimentos de educação popular e da pedagogia libertadora teria propiciado entre educadores progressistas um trânsito das metodologias ativas para a participativas. Mais tarde, ainda segundo esse pesquisador, cresce a tendência em favor das metodologias participativas em meio a resistências ao tecnicismo educacional à época da ditadura militar expressas em movimentos pela participação popular, planejamento participativo, democratização da escola, participação na gestão da escola. No entanto, ainda que concordando com o autor quanto à relevância política do desenvolvimento das metodologias participativas, não se pode dizer que elas teriam tomado o lugar das metodologias ativas ou promovido um rompimento com elas.

página anterior 110 próxima página

As metodologias ativas e participativas, no Brasil, sem dúvida, fazem parte do ideário pedagógico de muitos professores, sejam eles seguidores de Dewey, Piaget, Vygotsky, Freire. Mas elas foram, também, incorporadas pelo mundo empresarial tendo em vista que, no mundo da produção e dos negócios, é notória a necessidade de mudança no perfil do trabalhador requerendo novos modelos de formação profissional. O padrão burocrático de gestão, a rigidez das relações de trabalho, a formalidade, os modelos autoritários de organização, as novas formas de relações entre as pessoas resultantes das tecnologias digitais, vão dando lugar a novas formas de motivação, novas formas de liderança, trabalho em equipe, a inteligência emocional etc. É assim que nos meios corporativos difunde-se a adoção de metodologias ativas para atender novas demandas do mundo do trabalho em razão, por exemplo, das alterações nos processos de produção decorrente dos avanços científicos e tecnológicos; da estreita ligação ciência-tecnologia; da intelectualização do processo produtivo; da introdução de novas formas de cooperação para ocultar a lógica da competitividade; da busca de superação do conflito capital-trabalho pelo consenso entre os trabalhadores; da necessidade de formar um sujeito que se autoadministra; da flexibilização profissional incluindo o estímulo ao empreendedorismo; do reconhecimento no meio empresarial de mudanças nas relações de trabalho decorrentes da afirmação das diferenças individuais e socioculturais e da alteridade.

Pode-se constatar, assim, que a versão de metodologias ativas difundida no âmbito da educação de resultados e da pedagogia das competências é reduzida a um dispositivo técnico e pragmático, além de serem consideradas uma panaceia para os problemas do ensino. Há que se reconhecer que sua atual disseminação se explica pelo fato de que boa parte das metodologias empregadas na pedagogia tradicional é inadequada para lidar com questões do ensino em um mundo em mudança. Cumpre admitir, também, que o surgimento das metodologias ativas no final do século XIX veio responder ao contexto concreto da industrialização no qual a ênfase na prática se devia aos novos requisitos da produção, inclusive a cooperação, visando a adequação do processo educativo das crianças e jovens às novas formas de trabalho no capitalismo. Presentemente, no século XXI, outras importantes mudanças explicam o realce dado a elas no Ensino Superior e na Educação Básica como as que ocorrem nos processos de produção, nas novas formas de organização do trabalho, na disseminação das tecnologias digitais, que afetam as formas de socialização da infância e da juventude, incluindo seus modos de aprender. Se, por um lado, esses fatores levam buscar novas práticas pedagógicas, por outro, é notório o reducionismo pedagógico e o caráter instrumental com que vêm sendo encaradas as metodologias ativas no âmbito das instituições privadas de ensino e em setores das instituições públicas.

A questão teórica e política das metodologias ativas: a quem servem?

Para uma discussão produtiva sobre as metodologias ativas é preciso começar com a pergunta "para que servem as escolas”. Ou seja, é preciso começar com a formulação/proposição de finalidades educativas, o que significa dizer que por detrás da questão das metodologias de ensino estão pressupostos político-ideológicos e pedagógico, ou seja, a didática e as metodologias de ensino subordinam-se a finalidades educativas. Pode-se dizer que finalidades educativas induzem propostas curriculares e, para pôr em ação essas propostas, são necessárias a didática e as metodologias de ensino.

página anterior 111 próxima página

Na perspectiva sociopolítica, as metodologias ativas podem ser vistas em duas perspectivas: a da racionalidade instrumental (reflexividade neoliberal) e a da racionalidade emancipatória (reflexividade crítica). A reflexividade neoliberal põe em relevo a necessidade de ampliação da capacidade reflexiva dos sujeitos para adequarem-se à reestruturação do processo produtivo capitalista em que as inovações requerem mais habilidades intelectuais do que manuais, conferindo centralidade ao conhecimento, levando à intelectualização do processo produtivo e exigindo dos profissionais mais reflexividade, vale dizer, mais autoreflexividade, mais automonitoramento. A ampliação da capacidade reflexiva implica exigências de formação e qualificação profissional tais como agilidade de raciocínio, capacidade crítica, senso de colaboração, capacidade de adequação a mudanças profissionais. A reflexividade crítica, em outra direção, concebe os sujeitos como agentes numa realidade socialmente construída, permeada por contradições e desigualdades, frente à qual se requer atitudes críticas em relação às formas da racionalidade capitalista. A perspectiva crítica acentua o caráter político da teoria em relação à prática e confere ao conhecimento teórico a função de operar o desvendamento das condições que produzem a alienação, as injustiças, as relações de dominação. De maneira geral, a atitude reflexiva em relação a práticas sociais concretamente situadas, num contexto de exploração do trabalho, é o procedimento pelo qual o indivíduo pode buscar a emancipação. A perspectiva crítica tem sido expressa por várias correntes, entre elas, a do professor crítico-reflexivo, a da reflexividade comunicativa ou hermenêutica, a da reflexividade dialética. Em síntese, a resposta à pergunta “a quem servem as metodologias ativas” depende de nossas opções políticas, de nossas opções epistemológicas, de nossas opções pedagógicas.

A afiliação neoliberal das metodologias ativas e participativas

O mundo empresarial vem produzindo concepções e práticas em relação ao mundo do trabalho compatíveis com mudanças nos processos de produção como as econômicas, sociais, culturais, tecnológicas, afetando os processos de trabalho. Sem alterar as bases sociais da relação capital/trabalho vigentes sob o capitalismo, os modos de organização do trabalho passam a conciliar a lógica da competitividade com a lógica da cooperação, introduzindo formas de flexibilidade profissional, trabalho em equipe, atendimento às individualidades e à diversidade social, capacitação na solução de problemas etc. Para atendimento a essas características, as metodologias ativas surgem para aprimorar competências individuais, formar um profissional resolutivo e pragmático para resolver problemas imediatos e práticos, sem necessitar de muito esforço teórico ou de habilidades cognitivas gerais para analisar problemas ou situações com base em princípios teórico-científicos. Além disso, o sistema produtivo capitalista requer dos trabalhadores não somente o conhecimento técnico, mas, também, uma qualificação de atributos subjetivos. Trata-se de formar a subjetividade do trabalhador, ou seja, a aquisição de capacidades cognitivas e socioafetivas em função de melhor desempenho nas atividades profissionais. A expressão exemplar dessa orientação é a noção de competência. Mas essa qualificação em capacidades cognitivas não significa apropriação de conceitos científicos nem efetivo desenvolvimento de capacidades intelectuais, mas de conhecimentos tácitos, isto é, conhecimentos práticos necessários ao desempenho num posto ou função (RAMOS, 2001).

Trata-se, assim, de assegurar, no que se refere à qualificação profissional, a aquisição de competências individuais, ou seja, de promover a adaptabilidade individual do sujeito a mudanças no sistema produtivo nas atuais condições de funcionamento do capitalismo, por exemplo, preparação para ocupação de outros cargos na empresa, para mudança de emprego, para o trabalho autônomo, ou seja, formar trabalhadores flexíveis. Em resumo, falar em inovações no mundo corporativo, em relação à qualificação profissional, significa preparação individual do empregado para múltiplas formas de empregabilidade face a novas realidades da produção e do trabalho. O referencial teórico dessa noção de competência é a concepção instrumental de aprendizagem de cunho tecnicista existindo, também, fortes aproximações com o instrumentalismo de John Dewey e com o construtivismo piagetiano.

página anterior 112 próxima página

Em síntese, as metodologias ativas na visão neoliberal cumprem importante papel no que se apregoa como inovação da formação humana e profissional: o de desenvolver capacidades individuais do sujeito para seu desempenho satisfatório no trabalho mobilizando recursos cognitivos e socioafetivos, além dos conhecimentos específicos relacionados com a tarefa. Está claro que se trata de uma orientação segundo a qual o profissional adquire recursos cognitivos e socioafetivos (relações interpessoais, por ex.) para adequar-se às demandas do contexto de trabalho no quadro da competitividade e da meritocracia. Em poucas palavras, desenvolver competências significa preparar o indivíduo a para adaptar-se, interagir, frente aos desafios da realidade, que implica desenvolver características internas do sujeito, habilidades individuais. Nessa perspectiva, é preciso que as agências de formação, incluindo a escola, invistam e inovem os mecanismos adaptativos do sujeito ao meio, ou seja, mecanismos cognitivos para a empregabilidade e mecanismos socioafetivos para aprimoramento das relações pessoais. Desse modo, está preparado o ambiente para a introdução das metodologias ativas na formação profissional e no trabalho.

Conclui-se dessas considerações que na visão neoliberal se destaca o caráter tipicamente instrumental, tecnológico e técnico, das metodologias ativas e, assim, desprovidas da contextualização. Além disso, na visão da racionalidade instrumental, os métodos e procedimentos de ensino aparecem como neutros, autonomizados, não importando as finalidades mediatas, mas as imediatas de cunho instrumental e pragmático, “o caráter histórico-ontológico do conhecimento é substituído pelo caráter experiencial” (RAMOS, 2001, p. 293). Ou seja, a aquisição de conhecimentos e habilidades não ultrapassa a experiência empírica, no campo da prática, não propiciando ao estudante (ou ao trabalhador) a internalização de princípios de aquisição de formas gerais de ação que levam ao conhecimento teórico-conceitual.

A despeito da visível louvação às virtudes das metodologias ativas por parte, principalmente, das instituições privadas que operam dentro da lógica mercantil, chama a atenção a partir de uma análise mais atenta o fato de que essas mesmas instituições mantêm em seus cursos currículos instrumentais, salas superlotadas, disciplinas oferecidas a distância, precarização do trabalho dos professores. Além disso, o enaltecimento às metodologias ativas segue paralelo à imposição de pacotes didáticos com conteúdos e exercícios preestabelecidos e avaliações externas por conta da instituição em que os professores não entram. É paradoxalmente nesse contexto que são enaltecidas as tecnologias e as metodologias ativas. O ensino centrado no uso de tecnologias e na aplicação de metodologias ativas, ao contrário do que se propala, debilita a aproximação entre professores e alunos e dos alunos entre si, a metodologia imposta se sobrepõe ao trabalho do professor e o desqualifica, uma vez que sua atuação se subordina ao protagonismo do aluno já que o conteúdo e o trabalho do professor são deslocados para a responsabilidade dos alunos.

Não é fora de propósito afirmar que a introdução das metodologias ativas como dispositivo acadêmico é uma estratégia das instituições privadas de ensino de economizar recursos financeiros e, ao mesmo tempo, retirar sua responsabilidade pelo ensino de qualidade e, com isso, culpabilizar alunos e professores pelo insucesso havido no processo, não elas próprias (KASSIS, 2021). É sabido, por exemplo, que a parte da pré-aula na técnica de Aula Invertida é contada na carga horária da disciplina e computada como presença dos alunos. Na pós-aula, novamente os alunos recorrem ao sistema virtual para responder questionários, atividade igualmente computada na carga horária da disciplina. Conforme, ainda, Kassis (ib.), as metodologias ativas se gabam de deslocar o ensino centrado do professor para o protagonismo do aluno, mas, na realidade, estão associadas ao ensino prático para fins imediatos, abandonando-se mediações teóricas e o processo de conceitualização.

página anterior 113 próxima página

A afiliação sociocrítica das metodologias ativas

São várias as abordagens sócio-críticas em apoio à reflexividade crítica no que se refere à educação e ao mundo do trabalho. Não sendo possível, neste texto, comentar essas abordagens em seus fundamentos e no seu entendimento acerca das metodologias ativasUm detalhamento das abordagens sociocríticas e de sua relação com finalidades educativas pode ser encontrado em LIB NEO, J. C. Finalidades educativas escolares em disputa, currículo e didática. In: LIB NEO, J. C.; ECHALAR, A. D. L. F.; ROSA, S. V. L.; SUANNO, M. V. R. (orgs.). Em defesa do direito à educação escolar: didática, currículo e políticas educacionais em debate. Goiânia: UFG/CEPED, 2019. Disponível em: https://producao.ciar.ufg.br/ebooks/edipe/index.html. Acesso em: 14 dez. 2021., me detenho em uma delas, a abordagem da teoria sócio-histórico-cultural, sabendo que mesmo dentro dessa abordagem teórica há diferentes entendimentos sobre o tema. Desse modo, é apresentada a seguir a visão de atividade de aprendizagem na teoria do ensino para o desenvolvimento humano, conforme formulada por V. Davydov, na tradição da teoria histórico-cultural, entendendo que nesse contexto teórico podem ter lugar as metodologias ativas. Para esse autor (1988, p. 11), o conceito fundamental da teoria histórico-cultural é o da atividade, derivado da dialética.

A essência do conceito filosófico-psicológico materialista dialético da atividade está em que ele reflete a relação entre o sujeito humano como ser social e a realidade externa - uma relação mediatizada pelo processo de transformação e mudança desta realidade externa. A forma inicial e universal desta relação é a transformação e mudança por meio de instrumentos, orientadas para um objetivo do sujeito social sobre a realidade sensível e objetiva, ou seja, sobre a prática humana material produtiva. Ela constitui a atividade laboral criativa dos seres humanos que, ao longo da história da sociedade, tem propiciado a base sobre a qual surgem e se desenvolvem as várias formas da atividade espiritual humana (cognitiva, artística, religiosa etc.). Entretanto, todas estas formas derivadas de atividade estão invariavelmente ligadas com a transformação, pelo sujeito, de um dado objeto em uma forma ideal.

Entre as formas de atividade humana destaca-se a atividade de aprendizagem na brincadeira, no trabalho, no esporte etc., destacando-se a aprendizagem escolar, mais propriamente designada de atividade de estudo. Nesta atividade se reproduzem o conhecimento e as habilidades referentes às formas mais desenvolvidas de consciência social (a ciência, a arte, a moralidade, a lei) – podemos dizer, os conteúdos – e, também, as capacidades formadas historicamente que estão na base da consciência e do pensamento teóricos (reflexão, análise, experimento mental). Com base nesse entendimento, a atividade de aprendizagem escolar ou atividade de estudo consiste na apropriação dos conhecimentos criados e sistematizados historicamente e, por meio deles, na formação de conceitos pelos quais opera o pensamento. Somente podemos ultrapassar os limites da experiência sensorial imediata aprendendo a fazer abstrações e generalizações para, daí, formar conceitos. E isto somente pode ser feito, apropriando-nos da experiência cultural e científica da humanidade no que se refere aos modos gerais de resolver problemas, requisito para o desenvolvimento humano. Adquirir esses modos gerais de resolver problemas em cada campo do conhecimento é o que permite a apropriação do conhecimento teórico-conceitual (LIB NEO, 2015; 2016).

página anterior 114 próxima página

Conhecimento teórico-conceitual, na dialética histórica materialista, não é o conhecimento em si, o conhecimento estratificado. Antes, diz respeito à aquisição dos processos mentais implicados no ato de conhecimento. O que importa aprender não é o conteúdo em si, nem resolver o problema em si. Importa desenvolver modos de apreensão e análise do objeto (problema) como ferramenta mental para lidar com a realidade. A hominização do ser humano supõe uma atitude teórica frente à realidade, uma capacidade reflexiva perante os problemas da realidade. A atividade de aprendizagem que possibilita a apropriação das capacidades humanas formadas social e historicamente é, sobretudo, uma atividade intelectual a partir de questões da prática, destinada a organizar internamente um saber científico e a formar categorias mentais acerca de um objeto de estudo (conceitos). Ou seja, a reflexão se sobrepõe ao conhecimento imediato, à percepção imediata do objeto, ela privilegia ações mentais que constituem o processo de pensamento. É o que Davydov denomina de “pensamento teórico”, ou seja, um modo de operação mental pelo qual os indivíduos captam a realidade em sua complexidade. Esse modo de operação são os conceitos. “Um conceito é a forma de atividade mental que reproduz um objeto idealizado junto com seu sistema de relações que, em sua unidade, refletem a universalidade ou a essência do movimento do objeto material” (DAVYDOV, 1988, p. 126). O caminho para a formação de um conceito consiste em que o aluno reconstitua o modo como ele surgiu, isto é, o modo geral como o objeto de estudo é construído (FREITAS, 2016).

Desse modo, a atividade de estudo com base em problemas pressupõe um caminho teórico, no sentido de que é um percurso feito pelo pensamento, por meio dos conceitos, para captar os objetos da realidade em sua essência e em suas relações. Para Davydov, aprender a pensar por conceitos supõe o domínio dos processos de investigação e dos procedimentos lógicos do pensamento associados a um determinado assunto. A culminância esperada, do ponto de vista da aprendizagem, é que ao aprender, o aluno se apropria do processo histórico real da gênese e desenvolvimento do conteúdo e, assim, internaliza métodos e estratégias cognitivas gerais da ciência ensinada, formando conceitos (isto é, procedimentos mentais operatórios), tendo em vista analisar e resolver problemas e situações concretas da vida prática. Por meio do ensino-aprendizagem de um assunto, baseado em problemas, o professor faz com que os alunos trilhem mentalmente o caminho investigativo que deu origem àquele conhecimento. Ao se por frente a um problema ou tema de estudo, o aluno se apropria do conteúdo e das ações mentais conexas a esse conteúdo, internalizando estratégias cognitivas.

As considerações anteriores trazem o entendimento de que o processo de ensino-aprendizagem implica a atividade do sujeito. Para o pesquisador russo Vitaly Rubtsov (1996), uma atividade de aprendizagem possui dois elementos: o problema e ação correspondente. O processo de resolução de um problema supõe a aquisição de formas de ação gerais referentes a esse problema (um método teórico geral, isto é, um modo de ação generalizado dentro de uma área de conhecimento). São diferentes a resolução de um problema de aprendizagem e a resolução de um problema concreto e prático. No primeiro caso, se requer o domínio de conceitos referentes ao problema, ou seja, a aquisição de uma forma geral de ação que, depois, se desdobra em ações particulares em relação ao problema; no segundo caso, basta a experiência e a assimilação de procedimentos ligados ao problema prático. Conforme Rubtsov (1996, p. 133):

página anterior 115 próxima página
A aquisição da forma de ação geral constitui um aspecto muito importante da resolução de um problema de aprendizagem. Essa resolução pede que um dado modelo de ação seja transformado em uma base que constitui a orientação comum para completar ações concretas relativas a uma classe de problemas. Esse procedimento resulta na transformação interna do aluno por meio da autotransformação, uma vez que ele modifica os modos de funcionamento e de regulagem de suas ações. Assim, o aprendiz adquire novos modos de orientação de suas ações no interior do sistema de situações que o cerca.

Resolver um problema de aprendizagem, portanto, implica ações cognitivas pelas quais o sujeito aprende a analisar um objeto ou uma situação. Com base nessas ações cognitivas, o profissional pode deduzir aplicações para casos particulares referente a um objeto de estudo, problema ou situação. Trata-se, assim, de uma concepção radicalmente distinta de atividade de aprendizagem em relação às bases de sustentação teórica das metodologias ativas na perspectiva neoliberal. Na Teoria histórico-cultural, a concepção de “problema de aprendizagem” implica ação cognitiva, uma atuação com conceitos, ou seja, uma postura teórica prévia em relação à realidade, tal como é caracterizado ensino por problemas na perspectiva histórico-cultural (FREITAS, 2012). Lidando somente com um problema concreto e prático o aluno, o aluno opera com conhecimentos empíricos, isto é, aqueles conhecimentos da experiência imediata; com isso, ele somente aprende a realizar ações empíricas e, assim, fica subnutrido conceitualmente. Precisa-se, sim, da experiência concreta, mas mediada por abstrações e generalizações, pelas quais se chega aos conceitos teóricos. Em outras palavras, a experiência, o problema, o caso concreto, precisam transformar-se em “objetos de pensamento”, para além da experiência imediata.

Afinal, as metodologias ativas nos servem? A visão da didática desenvolvimental

A teoria do ensino para o desenvolvimento formulada por Davydov, compreende a educação como a atuação no desenvolvimento das capacidades humanas, sendo o meio principal desse desenvolvimento, em se tratando da escola, é a formação das capacidades de pensar. Desse modo, a escola é o lugar que possibilita a apropriação do conhecimento acumulado, não como memorização de conhecimentos, mas como apropriação de modos de gerais de pensar em relação a um conhecimento científico, e isso se chama conhecimento teórico. O desenvolvimento do pensamento teórico se dá por processos específicos de abstração e generalização mediante o qual se formam os conceitos, precisamente o caminho do domínio dos fundamentos da ciência e da cultura. Esta é a finalidade educativa básica da escola: ensinar as crianças a pensar teoricamente, ou seja, possibilitar aos alunos a compreensão dos objetos de conhecimento desde sua condição de origem e em seus diversos nexos, o que proporciona a eles criticidade e autonomia em relação aos conhecimentos. A formação cultural e científica na escola possibilita aos seres humanos a interiorização dos modos historicamente determinados e culturalmente organizados de operar com informações. Escreve Davydov (1988):

A apropriação das formas da cultura pelo indivíduo é, a nosso juízo, o caminho já elaborado de desenvolvimento de sua consciência. Aceita esta proposição, a tarefa fundamental da ciência será a de determinar como o conteúdo do desenvolvimento espiritual da humanidade se transforma em suas formas de desenvolvimento espiritual e como a apropriação dessas formas pelo indivíduo se transforma no conteúdo do desenvolvimento de sua consciência. (p. 61).
página anterior 116 próxima página

Davydov desenvolveu sua teoria fundamentado no materialismo histórico e dialético e no pensamento de Vygotsky, para quem a questão central da pedagogia é a relação entre educação e desenvolvimento humano, ou seja, o aspecto central do processo de ensino-aprendizagem é que as várias formas de interação social professor-alunos e alunos entre mobilizam e ativam nos alunos processos internos de desenvolvimento visando a formação da personalidade. Essas interações ocorrem nas atividades de estudo organizadas pelo professor, as quais visam mobilizar capacidades intelectuais dos alunos tendo em vista a formação do pensamento teórico-conceitual. Em resumo, o que Davydov propõe é promover as condições do desenvolvimento de capacidades gerais de pensamento que levem ao domínio de modos gerais de solução de problemas que, por sua vez, permitem o desenvolvimento de habilidades mais específicas, especialmente aplicar conceitos mais abrangentes a dados particulares.

Tendo em conta estes fundamentos é possível analisar o papel das metodologias ativas e participativas no ensino. A atividade de ensino, por meio da atividade de estudo, provê as mediações culturais, isto é, os instrumentos simbólicos e materiais, mediante interações sociais. O ensino, portanto, depende de instrumentos de mediação o que implica em analisar os instrumentos mediacionais já constituídos historicamente na prática e na teoria, tanto na produção científica quanto na atividade sócio-histórica anterior de muitos professores. É preciso que os professores se apropriem delas, as aprimore e as adeque aos objetivos do ensino-aprendizagem. Desse modo, os instrumentos mediacionais ou instrumentalidades são incluídos nos processos formativos, pois propiciam as condições para o desenvolvimento e aprendizagem dos alunos. As instrumentalidades são os meios de ação docente como as teorias, os conceitos, os métodos, os modos de fazer, os procedimentos, as técnicas de ensino, às quais os professores precisam recorrer para desempenhar bem sua profissão. A prática docente implica, pois, a compreensão e o domínio das instrumentalidades do exercício profissional. Como escreve Feldman: “o domínio de instrumentos adequados é parte da compreensão, já que se conhece o princípio através de uma prática instrumental guiada” (FELDMAN, 2001). Desse modo, as metodologias ativas e participativas podem atuar na promoção do desenvolvimento humano contribuindo para estimular e ativar nos alunos processos internos de desenvolvimento, como diria Vygotsky.

Segundo Davydov, é imprescindível colocar o aluno numa atividade prática e intelectual. A aprendizagem se dá por meio da atividade de estudo do aluno onde o aluno, com base nos conteúdos, pode desenvolver sua capacidade de pensar, de resolver problemas, de argumentar. É uma situação desencadeadora de estudo, uma atividade prática, organizada pelo professor, em que os alunos buscam modos novos de resolver um problema e, desse modo, vão formando conceitos. Então, em primeiro lugar está a atividade de estudo. Na atividade de estudo surgem as metodologias ativas e participativas. Se a atividade de estudo é o caminho para a formação de conceitos, boa metodologia é que contribui para enriquecer o modo de pensar do aluno. Desse modo, tarefas de estudo adequadas são aquelas que enriquecem as habilidades de pensar. São tarefas que provocam o aluno a fazer transformações mentais com base em aspectos do problema, ou seja, o aluno é colocado numa atividade de observar, comparar, separar aspectos essenciais dos não essenciais de modo a explorar contradições, conflitos, fazer contrastações, o que não dispensa metodologias ativas e participativas.

página anterior 117 próxima página

Considerações finais

Este texto pretendeu mostrar que as metodologias ativas, embora fazendo parte da tradição das metodologias de ensino na história da pedagogia, estão longe de se constituírem em panaceia para as dificuldades dos professores face ao impacto das tecnologias digitais nas formas de aprendizagem dos alunos ou na formação profissional, como se propala a partir da pedagogia de inspiração neoliberal. Muito menos têm estofo para constituírem um novo paradigma pedagógico. O movimento em torno dessas metodologias deve ser entendido, quando muito, como alternativa pedagógico-didática de enfrentamento de mudanças necessárias no ensino, não necessariamente de caráter “inovador”, tendo em vista tornar os alunos motivados e mais responsáveis por sua aprendizagem, mais participativos, mais envolvidos com o estudo. Com efeito, nenhuma pedagogia pode prescindir do uso de instrumentalidades adequadas de ação docente, incluindo as várias modulações de metodologias de ensino e, dentro delas, as metodologias ativas e participativas. Mas, sua escolha subordina-se a determinadas finalidades educativas que são escolhas político-ideológicas e pedagógicas. Sendo assim, os defensores da reflexividade neoliberal vão usar as metodologias ativas conforme seus próprios fundamentos político-ideológicos; os defensores da reflexividade crítica irão buscar outros fundamentos para esse uso.

As metodologias ativas, com forte vínculo com a pedagogia das competências, são recomendadas por representarem meio eficaz de se lidar com situações de ensino-aprendizagem no plano operacional, no entanto, restringem o ensino a prover os alunos de artifícios para resolver problemas imediatos e práticos, minimizando o papel do conhecimento científico e, por meios dele, o desenvolvimento de processos cognitivos e metacognitivos. A ênfase no fazer e no aprender fazendo leva a que o domínio dos conceitos fique subsumido ao domínio de competências operativas, pouco ajudando no desenvolvimento de capacidades reflexiva e da autonomia intelectual dos alunos. Este é o limite, por exemplo, da técnica denominada Aprendizagem Baseada em Problemas, uma das mais difundidas metodologias ativas.

Na tradição da teoria histórico-cultural, conforme Rubtsov (1996), o aspecto mais importante na resolução de um problema de aprendizagem é a aquisição de métodos gerais de ação, o que implica conhecimentos teórico-científicos acerca do problema. Caso contrário, os alunos aprendem os modos de ação em si mesmos, apreendem tão somente as condições de ação específicas a um problema particular, sendo privados da aquisição de métodos de ação gerais que permitem o uso de conceitos teóricos para analisar o problema, ou seja, ficam privados da ação cognitiva que permite pensar o objeto de estudo com base em seus princípios constitutivos. Em síntese, um problema é pedagogicamente bom quando mobiliza a atividade intelectual, não apenas a atividade sensorial e perceptiva. Pondo-se frente a um problema, o aluno realiza com ele transformações mentais lidando com suas contradições, conflitos, contrastes, situando-o em suas relações externas e internas. Desse modo, mais do que a solução prática de um problema, é preciso prover o aluno de meios para formação de ações mentais, para tomar consciência de suas próprias estruturas cognitivas, ou seja, formar conceitos que sirvam como ferramentas mentais para lidar com os problemas e dilemas da realidade. Diferentemente de reduzir a aprendizagem a resolver problemas concretos e práticos, na Teoria Histórico-Cultural a atividade de aprendizagem implica por parte do professor uma expectativa de formação de ações mentais pelo aluno e de mudanças qualitativas no seu modo de ser e agir. Com base nisso, o aluno é colocado frente a um problema de aprendizagem envolvendo uma situação ou uma representação dela (um problema, um caso, uma simulação etc.), em que é levado a compreendê-la pela teoria, pelos conceitos, apreendendo as contradições, as relações e os nexos constitutivos da realidade, chegando a uma explicação totalizante desse real. Uma vez assimilado o “modo geral de resolver problemas” dentro de uma área de conhecimentos, o aluno pode aplicar esse princípio geral a uma série de problemas concretos e práticos. O processo de solução do problema de aprendizagem torna-se uma operação teórico-prática, visando um método dialético de pensar por conceitos e, com isso, formam-se no aluno ações mentais novas que antes não estavam desenvolvidas.

página anterior 118 próxima página

A educadores sociocríticos não cabe aderir a concepções utilitárias, instrumentais, relativistas, em relação ao conhecimento, que subjazem à visão das metodologias ativas presentemente em voga nos meios empresariais e nas atuais orientações curriculares. Por um lado, é desejável colocar o aluno em atividade, levar em conta as características individuais de aprendizagem, favorecer a elaboração do sentido das aprendizagens, adequar o processo de aprendizagem às mudanças sociais, culturais, tecnológicas. Por outro lado, o ensino é uma atividade que visa promover o desenvolvimento das capacidades humanas e o meio principal desse desenvolvimento, em se tratando da escola, é a formação da capacidade de pensar, ou seja, formação do pensamento teórico-conceitual dos alunos pelo qual se ultrapassa o conhecimento obtido na experiência corrente e, desse modo, os alunos são ajudados a se constituírem como sujeitos pensantes e críticos. Foi este o caminho proposto neste texto para considerar possíveis contribuições ao processo de ensino-aprendizagem das metodologias ativas e participativas.

Sobre o autor

JOSÉ CARLOS LIBÂNEO • Graduado em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1966), mestrado em Filosofia da Educação (1984) e doutorado em Filosofia e História da Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1990). Pós-doutorado pela Universidade de Valladolid, Espanha (2005). Professor titular aposentado da Universidade Federal de Goiás. Atualmente é Professor Titular da Universidade Católica de Goiás, atuando no Programa de Pós-Graduação em Educação, na Linha de Pesquisa Teorias da Educação e Processos Pedagógicos. Coordena o Grupo de Pesquisa do CNPq: Teorias e Processos Educacionais. Pesquisa e escreve sobre os seguintes temas: teoria da educação, didática, formação de professores, ensino e aprendizagem, organização e gestão da escola. Link do Lattes: http://lattes.cnpq.br/7261628151334430

Referências

ALTET, M. As pedagogias da aprendizagem. Lisboa: Horizontes Pedagógicos, 2000.

ARAÚJO, J. C. S. Da metodologia ativa à metodologia participativa. In: VEIGA, I. P. A. (org.). Metodologia participativa e as técnicas de ensino-aprendizagem. Curitiba: CRV, 2017.

BEHRENS, M. Paradigma da complexidade: metodologia de projetos, contratos didáticos e porfólios. 3. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009.

BERBEL, N. A. N. As metodologias ativas e a promoção da autonomia de estudantes. Semina Ciênc. Soc. Hum., vol. 32, n.1, p.25-40, jan/jun 2011.

DAVIDOV, V. La enseñanza escolar y el desarrollo psíquico: investigación teórica y experimental. Moscu: Editoral Progreso, 1988.

DEWEY, J. Democracia e educação. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1979.

FELDMAN, D. Ajudar a ensinar: relações entre didática e ensino. Porto Alegre: ArtMed, 2001.

FREIRE, P. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 1974.

FREITAS, R. A. M. da M. Ensino por problemas: uma abordagem para o desenvolvimento do aluno. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 38, n. 2, p. 403-418, abr./jun. 2012.

FREITAS, R. A. M. da M. Formação de conceitos na aprendizagem escolar e atividade de estudo como forma básica para a organização do ensino. Educativa, Goiânia, v. 19, n. 2, p. 388-418, maio/ago. 2016. Disponível em: https://producao.ciar.ufg.br/ebooks/edipe/index.html

KASSIS, R. N. A formação docente nas instituições de ensino superior privadas: tensões enfrentadas por professores e alunos nos cursos de Pedagogia. Tese (Doutorado) - Universidade Federal de São Paulo. São Paulo, 2021.

LIBÂNEO, J. C. Finalidades educativas escolares em disputa, currículo e didática. In: LIB NEO, J. C.; ECHALAR, A. D. L. F.; ROSA, S. V. L.; SUANNO, M. V. R. (orgs.). Em defesa do direito à educação escolar: didática, currículo e políticas educacionais em debate. Goiânia: UFG/CEPED, 2019.

página anterior 119

LIBÂNEO, J. C. Formação de professores e didática para desenvolvimento humano. Educação e Realidade, Porto Alegre, v.40 (2), abr./jun. 2015.

LIBÂNEO, J. C. A teoria do ensino para o desenvolvimento humano e o planejamento de ensino. Educativa, Goiânia, v. 19, n. 2, p. 353-387, maio/ago. 2016.

PAIVA, V. P. Paulo Freire e o nacionalismo-desenvolvimentista. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; Fortaleza: Edições UFC, 1980.

RAMOS, M. N. Pedagogia das competências: autonomia ou adaptação? São Paulo, Cortez, 2001.

ROUSSEAU, J. J. Emílio ou da educação. Trad. Sérgio Milliet. 3. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1995.

RUBTSOV, V. A atividade de aprendizado e os problemas referentes à formação do pensamento teórico dos escolares. In: GARNIER, C.; BEDNARZ, N.; ULANOVSKAYA, I. (orgs.). Após Vygotsky e Piaget: perspectivas social e construtivista; escolas russa e ocidental. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.

VEIGA, I. P. A. (org.). Metodologia participativa e as técnicas de ensino-aprendizagem. Curitiba: CRV, 2017.