Governo Federal República Federativa do Brasil Ministério da Educação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior Universidade Federal de Goiás

DIDÁTICA E FORMAÇÃO DE PROFESSORES:
EMBATES COM AS POLÍTICAS CURRICULARES NEOLIBERAIS

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SEÇÃO 2
AUTORA Fabiane Lopes de Oliveira
Referenciar como: OLIVEIRA, Fabiane Lopes de. Os desafios do estágio na formação de professores. In: LIBÂNEO, José Carlos; ROSA, Sandra Valéria Limonta; ECHALAR, Adda Daniela Lima Figueiredo; SUANNO, Marilza Vanessa Rosa (Orgs.). Didática e formação de professores: embates com as políticas curriculares neoliberais. Goiânia: Cegraf UFG, 2022, p. 38-46. Disponível em: https://publica.ciar.ufg.br/ebooks/edipe2_ebook/artigo_09.html
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Os Desafios do Estágio na Formação de Professores

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Introdução

Pensar a formação de professores neste momento histórico, com diversos ataques à profissionalização docente, é urgente, sobretudo considerando os documentos - resoluções, pareceres e diretrizes - que dão sustentação para a realização da formação, suscitando mudanças urgentes que acabam por atacar os cursos de Pedagogia e de licenciaturas como um todo. Tais questões têm sido objeto de debate a respeito das políticas públicas discutidas e/ou implementadas de forma impositiva, por vezes sem a interação com a sociedade, entidades, associações e órgão de classe, tão necessária para que sejam, de fato, contempladas com a anuência dos envolvidos: a classe de professores.

Um exemplo de tais ações é a Resolução CNE n.º 2/2019, a qual tem envolvido os estados em discussões sobre sua implementação bem como a BNCC (Base Nacional Comum Curricular), a Resolução CNE/CP n.º 02/2017, como evidencia o Art 3º da referida Resolução: “Art. 3º Com base nos mesmos princípios das competências gerais estabelecidas pela BNCC, é requerido do licenciando o desenvolvimento das correspondentes competências gerais docentes.” A esta questão vemos denominada a proposta da BNCC-Formação.

Na redação dessa resolução, dispõem-se questões importantes que seguem como pauta à [re] formulação dos currículos dos cursos de formação inicial de professores (Pedagogia e Licenciaturas), no tocante a questões como “Dos Fundamentos e da Política da Formação Docente”; “Da Organização Curricular dos Cursos Superiores para a Formação Docente”; “Dos Cursos de Licenciatura”; “Da Formação em Segunda Licenciatura”; “Da Formação Pedagógica para Graduados”; “Da Formação para Atividades Pedagógicas e de Gestão” e “Do Processo Avaliativo Interno e Externo”. Cada um desses capítulos traz o fio condutor de como um curso de formação de professores precisa estar alinhado à BNCC e às formas como precisam desenvolver-se.

Ao final da referida Resolução, apresentam-se quadros em formato de anexos, contendo as competências e as habilidades necessárias aos futuros profissionais da educação a partir dessa política educacional instituída.

Muito se debate, ao longo de associações de classe, sobre a Resolução em pauta pelo fato de a mesma não ter sido amplamente discutida com os segmentos envolvidos, sejam as universidades ou demais representações. No entanto, apesar de relevante e com força de implementação da Lei, ainda se encontra em discussão para que as IES possam realizar as adequações nos seus projetos de curso, tendo o prazo de dois anos serem implementadas.

Enquanto as discussões seguem avançando, pode-se observar que a formação requer um olhar além de competências e de habilidades. Essa questão é de suma importância para que seja possível os currículos auxiliarem na formação de profissionais com uma articulação teórico-prática em que a reflexão e a crítica estejam sempre presentes. Nessa mesma perspectiva de [parcial] desconstrução, observa-se tal questão no que se refere à etapa do Ensino Médio com o que se tem chamado “Novo Ensino Médio” (Resolução CNE/CEB n.º 03/2018). Igualmente, têm se dado discussões mais recentes como a Curricularização da Extensão (Resolução CNE/CES n.º 7/2018) e a Aprendizagem Híbrida, que estava sob consulta pública e cujo tema está em discussão e em apreciação do Conselho Nacional de Educação (CNE).

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Suscita-se que essas questões implementadas terão impactos de grande relevância nos cursos de formação de professores visto que afetam sobremaneira o aspecto relativo à formação de professores e de sua relação com a realidade escolar. Romanowski (2012), ao refletir sobre a complexidade que envolve o investimento na formação de professores e a complexidade da própria formação, assevera que “[...] os esforços dos movimentos de professores, das instituições de ensino e especialmente do governo precisam ser redobrados” (p. 119). Na discussão da autora, percebe-se haver um cenário de incompletude com relação às políticas, que consubstanciam o que há de mais urgente.

Essas ações, para minimizar as questões presentes e importantes na esfera das políticas públicas, reduzem o impacto da tentativa em amenizar questões atuais. As legislações referentes ao profissional da educação propõem a formação de professores, em diferentes modalidades e formas, a fim de garantir a qualidade dos mesmos na ação docente como se verá a seguir.

No Plano Nacional de Educação (PNE), a Lei n. ° 13.005/2014, vê-se, no seu artigo 2.º, a seguinte questão:

Art. 2.º São diretrizes do PNE:
I - erradicação do analfabetismo;
II - universalização do atendimento escolar;
III - superação das desigualdades educacionais, com ênfase na promoção da cidadania e na erradicação de todas as formas de discriminação;
IV - melhoria da qualidade da educação;
V - formação para o trabalho e para a cidadania, com ênfase nos valores morais e éticos em que se fundamenta a sociedade;
VI - promoção do princípio da gestão democrática da educação pública;
VII - promoção humanística, científica, cultural e tecnológica do País;
VIII - estabelecimento de meta de aplicação de recursos públicos em educação como proporção do Produto Interno Bruto - PIB, que assegure atendimento às necessidades de expansão, com padrão de qualidade e equidade;
IX - valorização dos (as) profissionais da educação;
X - promoção dos princípios do respeito aos direitos humanos, à diversidade e à sustentabilidade socioambiental. [Grifo da autora] (BRASIL, 2014).

Pode-se notar que, no Inciso IX do PNE, destaca-se a valorização dos profissionais da educação como uma das diretrizes do referido documento. Contudo, mesmo aprovado e vigorando a partir de 2014, é pouco perceptível em termos de efetivação da lei quando se refere à temática. No mesmo documento, constam as 20 metas do PNE. Uma delas, a Meta 15, diz respeito especificamente à formação do professor:

Meta 15: garantir, em regime de colaboração entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, no prazo de 1 (um) ano de vigência deste PNE, política nacional de formação dos profissionais da educação de que tratam os incisos I, II e III do caput do art. 61 da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, assegurado que todos os professores e as professoras da educação básica possuam formação específica de nível superior, obtida em curso de licenciatura na área de conhecimento em que atuam. (BRASIL, 2014).

Essa conjectura já estava presente na LDB n.º 9.394/1996, no Título VI, “Dos Profissionais da Educação” e especificamente no Art. 67, que se refere à valorização profissional garantida em forma de lei. Esses profissionais devem ter sua formação e a continuidade de seus estudos assegurados, bem como questões referentes ao piso salarial, progressão de carreiras, entre outros. Mas a valorização vai além de tais questões. Remete-se às garantias do exercício da profissão sem a interferência de agentes de controle. Contudo, o profissional da educação nem sempre consegue a garantia de seus direitos.

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É mister relacionar a essas legislações mencionadas que a formação inicial está imbricada à valorização que a sociedade atribui ao professor. Desse modo, a profissionalização acaba tendo um déficit. Já em sua formação, os futuros profissionais apresentam lacunas que os acompanham desde sua trajetória na educação básica, o que contribui para uma formação deficitária. Contudo, a educação é uma profissão que exige muito de seus profissionais. É necessário empreender ações que conduzam a aprendizagens constantes e com grande comprometimento para com os seus afazeres docentes.

Estabelecem-se as políticas educacionais para que tais questões sejam alcançadas e possam trazer outro significado às práticas educativas. E isso diz respeito, diretamente, aos cursos de formação, haja vista terem a responsabilidade de ampliar o olhar daqueles que estão em formação e se encaminharão à prática de que possuem direito da formação em serviço. Isso pode significar uma mudança precisa e profunda nas relações docentes.

Na questão relativa à formação, Machado (2006, p. 119) esclarece:

As políticas para Educação Superior nesse período [1980-1990] refletem as pressões das transformações político-econômicas. Os efeitos da globalização na educação Superior são mundiais, entretanto são os países do chamado bloco periférico [Brasil] que sofrem de maneira mais radical a ingerência externa nas suas políticas. A dependência econômica suplanta ideologias e reduz as possibilidades de atendimento a demandas sociais.

Essa questão foi, de certa forma, um estado de preocupação. As IES (Instituições de Ensino Superior) acabam sendo reguladas por políticas externas para que seja possível serem competitivas e, dessa forma, terem um maior número de alunos, preocupando-se pouco com a formação. A partir da LDB, esse cenário se modifica por força de lei, o que não significa que seja aplicada em sua conformidade.

A formação de professores é uma grande preocupação na referida lei. A intensa fragmentação que há nessa seara acaba criando um enorme problema.

Contudo, é urgente e necessário discutir-se a referida formação docente, sobretudo aquela que se relaciona ao contexto mais próximo da educação básica. Uma das formas de ampliar esse debate é por meio da disciplina do estágio curricular obrigatório, pois é nela que se articulam teoria e prática na formação docente, proporcionando uma inserção real no ambiente educativo. Dessa forma, tratar-se-á a seguir sobre disciplina em pauta, bem como os seus desafios na formação de professores.

O Estágio na formação

O estágio curricular obrigatório faz parte dos cursos de formação de professores e de licenciaturas. É uma forma pela qual se torna possível um estudante se aproximar da realidade escolar, sendo, assim, possível vivenciar as reais noções de como o profissional da educação conduz suas ações no dia a dia, bem como desempenha suas práticas docentes.

Contudo, nem sempre é viável a realização de um estágio que garanta aos estudantes a inserção na realidade escolar, sobretudo em uma formação que privilegie a articulação da visão teórica e prática conjunta, que compõem os cursos de formação. Os discentes, nos seus campos de estágio, ainda se sentem fora da realidade e distantes das práticas às quais deveriam ter acesso. Essa realidade se tornou ainda mais inóspita no momento pandêmico em que o estágio precisou ser realizado na modalidade remota e, portanto, distante da realidade escolar.

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Ora, a inserção na prática é a melhor forma de articular a formação de professores. Conseguir perceber tudo o que é referenciado na teoria sendo observado na prática é um momento significativo da formação. A ligação da teoria à prática e vice-versa precisa estar constantemente presente na formação de professores sob a pena de não fazer sentido algum para os estudantes a sua efetivação.

Nesse sentido, Imbernón (2009) contribui para a reflexão quando diz que

A profissão docente sempre foi complexa por ser um fenômeno social, já que numa instituição educativa e numa aula devem ser tomadas decisões rápidas para responder às partes e ao todo, à simplicidade ou à linearidade aparente do que há à frente e da complexidade do entorno que ocupa. (p. 91)

Assim, o estágio passa a ser uma etapa que requer grande empenho e organização por parte dos professores envolvidos, quer sejam das IES, quer sejam das escolas campo que recebem os estagiários, sendo tal articulação fundamental. Nessa perspectiva, os cursos de formação têm, na sua matriz curricular, a proposta de uma grande carga horária de estágio obrigatório. É mister que o estudante, sobretudo aquele que está realizando uma profissão docente, possa ter uma inserção prática durante o tempo de sua formação. Pacheco (2003) contribui com essa questão quando diz que

[...] o processo formativo do professor encontra na prática profissional, não só o contexto de consolidação de um mundo de crenças próprio, pois, como concluímos a partir de um estudo longitudinal, os professores definem e estruturam o seu mundo de crenças a partir do contacto com a realidade escolar, mas também o campo permanente de (re)construção de sua profissionalidade (p. 162).

Contudo, a IES não é a única responsável pela formação. Os estudantes precisam ter sua parcela de compromisso articulado para as práticas nos campos de estágio refletirem tudo o que está por trás da filosofia, da proposta pedagógica e da visão de mundo da instituição. Para isso, é preciso haver uma parceria estabelecida com os ambientes educativos que receberão os futuros professores, ou seja, as escolas de educação básica.

Na visão de Ghedin, Oliveira e Almeida (2015, p. 48)., “[...] não se trata de formá-lo como reprodutor de modelos práticos dominantes, mas capaz de desenvolver a atividade material para transformar o mundo natural e social humano [...]”. Dessa forma, o estágio pode ser visto como uma área do conhecimento tão importante quanto as disciplinas de Didática, Metodologias e outras. De maneira mais direta, será no estágio que os estudantes colocarão as temáticas apreendidas em disciplinas específicas que realmente funcionem e proporcionem aprendizagem efetiva às crianças, contemplando-as na realidade escolar, ou melhor, na prática pedagógica.

A construção da identidade do profissional da educação será feita com as imbricações da realidade escolar e das visões que cada um possui sobre a prática docente. É por meio do estágio que muitos tomam conhecimento do cotidiano escolar, nomeadamente incidem o olhar de múltiplas aprendizagens que define a etapa ou área de atuação. Na perspectiva de Sá-Chaves (1997),

No caso dos professores, e apesar do efeito perturbador da identificação que persiste sobre o que é ser professor, admitimos que já é possível e, sobretudo, que é urgente identificar essa matriz [de dimensões múltiplas de aprendizagens], perceber em que consiste, como organiza, como constrói, como evolui ou estagna, como e por que se nomeia ou se omite (p. 112).
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A autora mostra que a construção de um conhecimento profissional de professores está em pleno desenvolvimento, sendo alimentado com as práticas realizadas. Esse espaço de formação mútuo, a instituição superior e a escola campo, precisam estar repletos de reflexões que ajudem a construção identitária do ser professor (PIMENTA, 2008).

O estágio pode oferecer um processo que instigue a visão da construção do ser professor, pois influencia em como o profissional da educação se transforma em um docente. Sabe-se que nem todos aqueles que estão em formação de docentes serão professores, uma vez que nem sempre se identificam com a área escolar.

Ainda, na visão de Sá-Chaves (1997), “[...] só é definitivamente capturável no exacto momento da acção, o que subentende um exercício reflexivo dialéctico entre o conhecido e o desconhecido, a produção in loco de um saber sempre novo, porque único. Agir é, por isso, pensar” (p. 114). O que é importante frisar, neste momento, é que a constituição do ser professor passa por escalas de experiências, estudos, pesquisas e reflexões, que instigam e aproximam os estudantes da realidade escolar.

Enquanto ambiente educativo, a escola tem seu papel importante. Assim, precisa ser um espaço incentivador no qual os futuros profissionais terão a motivação necessária para desenvolver suas ações docentes, que incluem observações, intervenções e docência, necessitando da parceria e da mediação dos professores de sala de aula os quais os estagiários acompanham.

A prática que se estabelece no ambiente educativo mostra a habilidade ou não dos futuros profissionais à atuação nesse nível de ensino. Sobre tal aspecto, a reflexão precisa estar presente em todos os momentos do estágio. O futuro profissional precisa exercer uma postura investigativa, atenta e reflexiva por meio de atitudes que confirmem suas convicções teóricas e suas ações. Libâneo (2011) contribui com essa visão quando mostra que

Especificamente quanto às práticas de formação de professores, a tendência investigativa mais recente e mais forte é a que concebe o ensino como atividade reflexiva. Trata-se de um conceito que perpassa não apenas a formação de professores como também o currículo, o ensino, a metodologia de docência. A ideia é a de que o professor possa “pensar” sua prática, ou em outros termos, que o professor desenvolva a capacidade reflexiva sobre sua própria prática (p. 84).

O momento da execução das atividades de docência sempre é um grande desafio para os estudantes, futuros professores, já que acabam assumindo a regência de aula para reconhecer o andamento da turma com a qual estão, suas particularidades e limitações. Além disso, não são as pessoas responsáveis pela turma e nem sempre conseguem a atenção das crianças da mesma forma que a professora regente.

Amplia-se tal questão com a necessidade de fazer algo diferenciado a fim de chamar a atenção dos estudantes, ou seja, novas práticas e metodologias e, além de tudo, de conseguir com que entendam e participem da atividade.

Charlot diz, a respeito do significado da aprendizagem e da aproximação da realidade, que “[...] o ensino mostra os seus limites. Ele não consegue desencadear a aprendizagem se não encontrar, da parte do aluno, uma atividade intelectual que vá de encontro daquilo que se quer ensinar.” (2013, p. 159).

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O mesmo autor ainda instiga que o prazer e o desejo de aprender são fundamentais à vida escolar, portanto, na constituição de um professor tais desejos precisam estar presentes. (CHARLOT, 2013).

Estar num campo de estágio, conhecer limitadamente a realidade da sala de aula e dos estudantes, ter um bom relacionamento com a professora regente são fatores que acabam por desafiar os futuros professores na hora da sua atuação. Desse modo, os futuros professores precisam se dispor a enfrentar tal desafio para desenvolver essas questões. Nem sempre tal ação é acompanhada de sucesso. (PACHECO, 2003).

Algumas vezes, os estudantes têm dificuldade de escolher os conteúdos ou as metodologias mais apropriadas. Nesse momento, é a vez do professor orientador do estágio intervir, instigando a busca de diferentes estratégias de ensino e de aprendizagem que contemplem a ação docente.

O papel do professor supervisor, de modo semelhante, é indispensável nesse momento. Por isso, denomina-se como co-formador, pois o mesmo contribuirá com o desenvolvimento dos estudantes em formação a partir de sua experiência docente. Torna-se, assim, um verdadeiro parceiro nessa caminhada formativa.

De acordo com Zabalza (2014), o estágio é uma parte da formação em nível superior, que aproxima os estudantes dos contextos profissionais reais. Consegue levar os estudantes a estarem mais próximos da realidade e conseguirem realizar suas escolhas futuras. Mas passar por etapas distintas é de suma importância visto que os estudantes, muitas vezes, não sabem em qual área ou nível de ensino atuarão. E, muitas vezes, um nível de ensino passa a ser desmistificado após a realização do estágio, uma vez que a vivência nele acaba por demonstrar uma situação diferente daquela que o estudante possuía.

Ainda de acordo com Zabalza (2014), os modelos de estágio não são iguais de uma instituição para outra. Cada uma estabelece seu modelo de acordo com o projeto pedagógico do curso. Nesse contexto, segundo o autor, não é possível implementar um modelo que funcione bem em outra IES ou em outro país. Na visão desse autor: “[...] estágio constitui uma realidade complexa, determinada por múltiplas variáveis e na qual participam três agentes fundamentais: os estudantes, a instituição universitária e os centros de atividades práticas.” (2014, p. 40). Assim, não se pode dizer que os estágios seguem modelos específicos, ou que constam de passos de execução a partir de determinada legislação vigente.

Sendo assim, ressalta-se o estágio como uma disciplina-chave na formação de professores. Essa pode vir a promover a visão mais ampla, teórica e prática da atuação docente e, por isso, auxiliar os futuros profissionais mais envolvidos, comprometidos e atuantes na sua profissão, tendo como base a interconexão da teoria e da prática na sua tarefa de docência cotidiana. Imbernón (2009) esclarece que

É necessário que a formação transite para uma abordagem mais transdisciplinar, que facilite a capacidade de refletir sobre o que uma pessoa faz, pois isso permite fazer surgir o que se acredita e se pensa, que dote o professor de instrumentos ideológicos e intelectuais para compreender e interpretar a complexidade na qual vive e que o envolve. (p. 97)
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A partir da visão do autor, acima referenciado, pode-se coadunar com Pimenta e Lima acerca do “[...] estágio como reflexão da práxis [que] possibilita aos alunos que ainda não exercem o magistério aprender com aqueles que já possuem experiência na atividade docente” (2008, p. 103). Aqueles que já exercem uma função docente necessitam fazer o estágio para poderem observar realidades diferentes daquelas com as quais estão acostumados e ampliar seu olhar sobre a prática educativa, além de refletirem também sobre a prática docente que realizam ou vivenciam no contexto de auxiliares ou estagiários remunerados. Tais aprendizados são essenciais à formação.

É muito comum que, num primeiro momento, haja reações diversas quanto ao ambiente no qual o estágio será desenvolvido. O impacto inicial colabora com a motivação ou com a desmotivação dos futuros profissionais, perfazendo uma contradição, muitas vezes, ao que se aprende teoricamente e ao que se visualiza na prática. Mas, esse é um momento também de atribuição de significações e de reflexões. Um momento também que contribuirá sobremaneira na constituição do ser professor: o que eu quero ser, como quero atuar e de que forma posso contribuir para essa sociedade. Essas são instigações que poderão permear a sua vivência no estágio obrigatório.

Por outro lado, um ambiente educativo que possa ser o motivador de um excelente desempenho por meio dos esforços de sua atuação e do sentimento de pertença ao local. Essas são também questões que precisam ser levadas em consideração, percebendo que os futuros professores estão desbravando ambientes que, embora sejam conhecidos teoricamente, na prática, possuem suas particularidades e desafios.

O estágio obrigatório não consegue dar conta de todas as questões suscitadas no período de sua execução. No entanto, podem contribuir com a instigação dos estudantes para que não se conformem com as realidades postas e consigam perceber que sua atuação como docentes pode ampliar e contribuir com o desenvolvimento de uma sociedade mais responsável, igualitária e consciente do seu papel cidadão.

Sabe-se que a formação docente requer diferentes olhares e posicionamentos, e isso se remete à visão de indivíduo que se pretende formar para a sociedade. Day (2001) instiga, a partir de sua fala, quando diz que

É bem evidente, e talvez por isso mesmo raramente reconhecido, que as acções dos professores na sala de aula são tanto racionais como não-racionais. Os professores estão condicionados por uma variedade de factores, tais como: as crenças e valores pessoais, os objectivos da aula, as condições da sala de aula, os recursos, comportamento dos alunos, o número de alunos, etc. Assim a sua capacidade para exercer um pensamento crítico que tome em consideração todos esses factores constitui um aspecto central no seu papel profissional na sala de aula (p. 62).

Dessa maneira, delineia-se o estágio aliando o teórico e o prático por meio de reflexões e de discussões de textos que despertaram o interesse dos estudantes para irem além de pastas e de reunião de papéis. Trata-se de oferecer momentos nos quais os estudantes, futuros profissionais da educação, estejam engajados na sua formação e na responsabilidade que estão assumindo ao se constituírem professores e que entendam seus papéis em uma sala de aula.

Pimenta e Lima (2013, p. 34) colaboram nesta questão: “O estágio, assim, deixa de ser considerado como um dos componentes e mesmo um apêndice do currículo, passando a integrar o corpo de conhecimento do curso de formação de professores”.

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Cada um dos estudantes amplia seu olhar sobre os níveis de ensino e o local em que está realizando seu estágio por meio da ação efetiva e do olhar teórico-reflexivo proposto. Portanto, cada um dos estudantes realiza sua pesquisa, de forma individual, sob o seu enfoque e a caracteriza da maneira como lhe despertou a vontade e o interesse por realizar tal investigação.

Pimenta e Lima (2013, p. 35) ainda salientam:

Os estudos e as pesquisas sobre o Estágio Supervisionado como componente curricular tem se realizado de forma mais sistemática [...] Tais estudos não são desligados da realidade histórico-social que os sustenta, mas acompanham a compreensão do estágio no processo histórico dessa disciplina no Brasil. É importante observar que a prática sempre esteve presente na formação do professor [...]. É nesse aspecto que o estágio como pesquisa se coloca, no momento atual, como postura teórico-metodológica e desafio.

Desta forma, o estágio deixa de ser um momento restrito às docências, que têm sua importância, e insere-se como um momento de investigação, construção de conhecimento, reflexão e produção de saberes.

Assim, contribuirá para um aprofundamento da aprendizagem do estudante, futuro profissional da educação. Esses utilizarão, primeiramente, os conhecimentos adquiridos nas disciplinas teóricas, articulando-os à urgência de uma prática mais voltada para tal olhar.

Contribui também, por conseguinte, para formar um profissional que pensa coletivamente. Assim, ele conseguirá observar, na sua prática, que o conhecimento é algo construído de forma colaborativa e que, aprendendo em conjunto, os saberes são ampliados e sedimentados de maneira mais significativa, alcançando resultados em diferentes contextos, isto é, social, cultural, histórico, entre outros.

Outrossim, é preciso refletir sobre a aprendizagem realizada no campo de estágio, ou seja, no ambiente educativo. Esse é um espaço que pode proporcionar experiências desafiadoras, independente do seu contexto público ou privado, desenvolvendo, no futuro profissional, um olhar mais produtivo, o qual inclui a teoria e a prática a todo momento na ressignificação de seu olhar como estudante e na construção da visão de professor. E tal questão poderá se fundamentar nas ações observadas, nas interações realizadas e nas práticas desenvolvidas que darão alicerce à sua construção como profissional da educação.

Para corroborar o que foi exposto, a seguir serão aludidas breves falas de estudantes em formação sobre a sua experiência do estágio nesta situação pandêmica na qual se encontram.

O estágio durante a pandemia

Neste momento pandêmico, em que a formação está em curso, fez-se necessário reorganizar as estruturas do estágio obrigatório dos estudantes em formação. Dessa maneira, mostrou-se imprescindível estabelecer novas formas de interação com o campo de estágio, bem como com os supervisores, estudantes e experienciar novos formatos de relações pessoais e educativas.

Para essa questão, acompanhando dois grupos de estágio de forma remota, foi possível apreender como os estudantes em formação profissional se colocam frente a essas novas relações de ensino e de aprendizagem. Para isso, a proposta foi a de buscar a escuta acerca das relações que se estabeleceram neste momento diferente em que as relações passam a ser realizadas por meio de tecnologias e a impessoalidade se destaca. Por mais forte e contundente que seja a relação com o campo de estágio, é fato que as interações estão diferenciadas e, em alguns casos, os futuros profissionais em formação não se sentem inseridos no espaço educativo.

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Para poder trazer um olhar acerca dessa realidade mencionada, realizou-se um levantamento sobre a percepção de estudantes justamente relacionando-os à realização do estágio supervisionado neste momento pandêmico. É preciso levar-se em consideração que esses estudantes ensejam por um momento prático, pessoal e relacional no campo de estágio, o que veio a ser modificado devido ao ensino remoto emergencial imposto no ano de 2020 e no início de 2021.

Contudo, embora seja de certa forma frustrante para os futuros profissionais da educação, deve-se compreender que os espaços educativos, os campos de estágio, passaram pelos mesmos elementos de frustração sem poder ter a presencialidade para a realização das ações docentes, necessitando, assim, reinventar a sua ação docente.

Dito isso, faz-se imprescindível apontar que a formação de professores requer alguns pontos a serem seguidos, sobretudo quando se está diante de uma disciplina prática como o estágio curricular obrigatório. À vista disso, a maneira pela qual as instituições de ensino superior estão se adaptando a esse momento emergencial nem sempre consegue abranger os anseios dos estudantes, precisando de uma flexibilização nas propostas ora planejadas para essa disciplina.

Diante dessa situação, realizaram-se conversas com turmas em momento do estágio obrigatório com o intuito de perceber suas expectativas, bem como quais suas frustrações frente ao que está sendo desenvolvido e programado. É unânime as turmas reconhecerem que é um momento no qual todos estão precisando se reinventar e, sendo assim, realizar ações dentro da possibilidade imposta pela situação.

No entanto, apesar do fato do reconhecimento de que os campos de estágio estão passando por situações atípicas, os acadêmicos revelam suas frustrações por não poderem estar, de fato, em contato com as crianças, o que consideram uma perda na sua formação. É inegável considerarem que, em situação normal, estariam semanalmente inseridos no campo. É fato que estão cientes dessa impossibilidade neste momento, no entanto não deixam de expor sua frustração quanto a isso e uma preocupação com relação à sua formação.

Os estudantes alegam, em suas falas, que “Não conseguem sentir o pertencimento ao campo de estágio pelo fato de não estar em sala de aula” e consideram que “Não é igual acompanhar as rotinas e o desenvolvimento das ações docentes de forma remota”. Também, relatam que presencialmente “O estágio fornece a noção da escola e é possível observar como se faz e ajudar neste trabalho pedagógico”. Tais falas reverberam o sentimento das turmas como um todo, demonstrando o desejo maior de estarem presencialmente em contato com as crianças, aprendendo com elas também.

Contudo, apesar da frustração, revelam: “Tem sido de grande relevância acompanhar as ações e as problematizações que estão sendo feitas nos campos de estágios pelas docentes dos mesmos”. Ponderam, ainda: “A pandemia não é a culpada por tudo. Em alguns ambientes não é possível acompanhar várias ações”. Dizem, igualmente: “Há investimento [e isso é observado e destacado pelas discentes] em estratégias diversificadas, na organização, mas não se sentem pertencentes a elas, pelo fato de estarem distante da escola”.

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Um destaque que os estudantes trazem é o fato de existirem alguns níveis de ensino em que a afetividade e o contato com as crianças se tornam imprescindíveis. Desse modo, destacam que “Há investimento nas técnicas, mas a afetividade não é acompanhada, sendo deixada meio de lado”. Reiteram que, neste momento pandêmico, seria muito importante que “Os planejamentos fossem feitos com a presença dos/as estagiários, para que esses se envolvessem mais diretamente nas ações.”

Sobretudo, ressaltam: “Os campos de estágio estão lidando da melhor forma que podem nesse momento pandêmico, mas queriam participar mais efetivamente desse processo”. Ainda trazem como destaque: “O que sentimos falta é a realidade da aplicação para saber se o que foi planejado dá certo, se é necessário adaptar, pois na vida profissional terão que tomar decisões desta natureza”.

O que se pode depreender dessas falas é que o momento do estágio é a coroação da formação, no qual os aspectos teóricos e práticos se interconectam, dando-se a sensação de solidez na formação. Por óbvio, os estudantes vão adquirir habilidades da docência ao longo da sua vida profissional, mas a formação auxilia para que essa questão esteja sendo desenvolvida e problematizada.

Por isso essa frustração não pode ser ignorada e é preciso, a cada momento de orientação, proporcionar as discussões para que essa sensação seja minimizada e que os estudantes possam se projetar como futuros profissionais da educação, que terão, somadas à sua formação, uma nova forma de prática docente, a qual não é a utilizada, mas precisou ser realizada de acordo com a excepcionalidade imposta pelo momento.

Isso posto, a reinvenção dessas práticas coube tanto aos profissionais já atuantes na prática pedagógica, quanto para quem está em formação e busca uma maneira de se adaptar a uma situação inóspita como a vivenciada. No futuro, esses estudantes poderão perceber a situação controversa que se está vivendo e perceber que puderam superar, inclusive, alguns aspectos inerentes à profissão docente, no que tange à mutabilidade e à transformação imposta pela sociedade ou, nesse caso, pela excepcionalidade do momento.

Considerações finais

É importante ter-se em mente que as questões as quais marcam a formação de professores estão além dos currículos e das disciplinas oferecidas, ou seja, perpassam diferentes vieses que juntos se configuram como elementos de uma tessitura e, ao serem costurados, alinham as questões de elevada importância quando se faz um curso de formação inicial de professores.

Muito além das políticas impostas e verticalizadas pelos órgãos legisladores e executores, há uma instituição viva que permeia o olhar de cada um dos seus estudantes e que pode contribuir para uma sociedade mais justa e igualitária a depender da visão de mundo que se impõe frente às escolhas da organização curricular.

É preciso haver uma formação que amplie a díade teoria e prática, além de fundamentar a contextualização necessária para se efetivar uma ampliação da visão de mundo e, dessa forma, configura-se um currículo que abranja as necessidades prementes da educação desde a educação infantil até o ensino superior, passando pelos demais níveis de ensino.

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Dessa forma, um currículo que se articule e permita uma reflexão da prática contribuirá para se ampliar a discussão sobre a formação inicial de professores. Nesse currículo, uma das disciplinas que se faz presente e indispensável é o estágio supervisionado, cujo intuito é o de promover a conexão da teoria à prática, inserindo os estudantes no universo do ambiente escolar.

Dito isso, elenca-se a importância dessa disciplina prática na formação e aponta-se que, neste momento pandêmico, ficou prejudicada essa formação teórico-prática na realidade escolar pela necessidade do distanciamento e, consequente, suspensão das aulas, resultando no ensino emergencial remoto.

Muito tem sido discutido na academia a respeito do ensino emergencial remoto, ou melhor, se esse tem validade ou não. Os estudantes contestam sua realização pelo fato de estarem distantes da realidade na sua essência prática. Contudo, estão vivenciando uma nova situação, que os profissionais da educação básica também nunca viveram. É uma oportunidade de aprendizagem mútua e colaborativa. Mas ainda não se sabe ao certo até onde tal realidade conduzirá.

Haverá prejuízo na formação dos futuros professores pela desconexão da prática educativa? Ainda, dever-se-á aguardar e verificar, futuramente, como essas relações impactarão nos futuros profissionais da educação.

Sobre a autora

FABIANE LOPES DE OLIVEIRA • Pedagoga, Mestre e Doutora em Educação. Professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás, da área de Didática e Estágio. E-mail: fabiane_oliveira@ufg.br

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