Governo Federal República Federativa do Brasil Ministério da Educação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior Universidade Federal de Goiás

DIDÁTICA E FORMAÇÃO DE PROFESSORES:
EMBATES COM AS POLÍTICAS CURRICULARES NEOLIBERAIS

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SEÇÃO 2
AUTORES Bruna Pereira Carneiro • Iury Kesley Marques de Oliveira Martins • Jhon Maykel Fernandes • Sandra Valéria Limonta Rosa
Referenciar como: CARNEIRO, Bruna Pereira Carneiro; MARTINS, Iury Kesley Marques de Oliveira; FERNANDES, Jhon Maykel; ROSA, Sandra Valéria Limonta. Trabalho pedagógico na escola de Educação Básica: contribuições da teoria do ensino desenvolvimental. In: LIBÂNEO, José Carlos; ROSA, Sandra Valéria Limonta; ECHALAR, Adda Daniela Lima Figueiredo; SUANNO, Marilza Vanessa Rosa (Orgs.). Didática e formação de professores: embates com as políticas curriculares neoliberais. Goiânia: Cegraf UFG, 2022, p. 38-46. Disponível em: https://publica.ciar.ufg.br/ebooks/edipe2_ebook/artigo_08.html
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Trabalho Pedagógico na Escola de Educação Básica: contribuições da teoria do ensino desenvolvimental

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Introdução

Ao se considerar o trabalho pedagógico dos professores, destaca-se que esta carrega consigo intencionalidades que são determinantes do ato educativo proposto. Assim, discutir a educação e o trabalho na escola, não se desvincula, dentre outros fatores, de uma compreensão sobre o papel desta instituição, do conhecimento, da aprendizagem e dos sujeitos que lá estão. No que se refere ao contexto brasileiro é possível destacar, dentre outros fatores, que as políticas públicas de educação:

(...) atingem os professores em suas condições de exercício profissional, o que resulta em precarização, intensificação do seu trabalho, pressão para acatarem decisões definidas externamente à escola, perda de autonomia e desvalorização do seu trabalho (FREITAS; LIBÂNEO, 2019).

Considerando esse cenário, em que a escola e suas práticas educativas são influenciadas por interesses políticos e sociais, a atividade docente fica situada entre o seu papel ontológico e histórico no desenvolvimento humano do homem e as demandas econômicas para a formação do mundo do trabalho.

Para Libâneo (2016), a escola deixa de cumprir um papel de formação universal do indivíduo e uma formação significativa para cumprir a demanda de criar competências necessárias para se chegar a resultados considerados positivos em uma avaliação de aprendizagem. Assim, orientado por uma perspectiva tecnicista, o trabalho educativo se distancia da apropriação de conhecimentos científico e, portanto, da formação do pensamento teórico pelos estudantes (FREITAS; LIBÂNEO, 2019).

Neste texto entendemos a escola como instituição cujo papel está diretamente relacionado à apropriação do conhecimento científico e a respectiva formação do pensamento teórico. Afinal, um conhecimento baseado exclusivamente no campo empírico-prático não justificaria a existência desta instituição (SAVIANI, 2013). É, pois, a característica desenvolvente do conhecimento científico e a institucionalização de sua transmissão nessa instituição que dá a escola um papel imprescindível no processo de humanização do homem pelo homem.

Em contrapartida a esse compromisso ontológico, os currículos brasileiros têm se apoiado em uma perspectiva de aprendizagem que supervaloriza habilidades e competências. Nessa perspectiva busca-se melhores resultados da aprendizagem, mas não para o desenvolvimento humano e sim para aprimorar as capacidades produtivas da classe trabalhadora, a escola passa a produzir para o mercado (LIBÂNEO, 2016). Institucionalizados na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) (BRASIL, 2017), esse conjunto de saberes técnicos baseados em definições e resultados imediatas esvaziam a escola de sua maior riqueza: os conhecimentos escolares. Assim, qual é o papel da escola e do conhecimento escolar neste cenário? A escola e os professores devem se reinventar e se adaptar às novas demandas do capital? Como a compreensão de educação se insere nesse processo?

Tendo em vista o papel político da educação, de formadora do conhecimento e do pensamento crítico sobre sua realidade, e como esse campo se relaciona com as outras esferas da sociedade, torna-se necessário investir em uma concepção teórica que localize histórica e socialmente a escola, seus saberes e sujeitos no processo de transformação da realidade.

Desta forma, a teoria da atividade de estudo e as proposições do ensino desenvolvimental (DAVÍDOV; MÁRKOVA, 1987) se constitui uma importante contribuição teórica para educação. Afinal, é uma perspectiva teórica que se posiciona criticamente em relação aos condicionantes objetivos da realidade e que tem como horizonte a formação, nos sujeitos, do pensamento teórico a partir da apropriação de conceitos científicos.

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Considerando esse cenário e a urgência de uma formação verdadeiramente desenvolvente, o presente artigo tem como objetivo discutir alguns aspectos de ensino-aprendizagem vinculados à BNCC, pautada em currículo instrumental voltada para a formação de capacidades e formação pragmáticas (LIBÂNEO, 2016), e apresentar a teoria da atividade de estudo como uma perspectiva que pode ajudar os professores se posicionarem criticamente nesse cenário por meio de sua atividade profissional, que é a mediação do conhecimento constituído culturalmente e historicamente.

Atividade de Estudo

Segundo Leontiev (2004), a atividade humana é o fundamento da formação do ser humano em um processo de apropriação ativa dos conhecimentos constituídos historicamente. Nesse processo se incluem também as relações do indivíduo com o mundo dos objetos humanos, que são mediatizadas por meio das relações com os homens, sendo contrária a ideia de uma atuação solitária da criança com o mundo objetivo. Ao transformar a natureza, transforma-se a própria existência, em um processo de adaptação ativa do homem ao meio que se amplia à medida que ele cria meios mais complexos de atuação na natureza e produção de cultura.

A distinção do homem, enquanto ser humano genérico, das outras espécies animais ocorre por meio da atividade, que se constitui, social, histórica e culturalmente. A atividade, nesse sentido, parte de uma necessidade objetiva e subjetiva que irá orientar e regular a ação do homem no mundo. Assim, por meio da atividade, o homem objetiva a realidade e a partir disso apropria-se dela transformando-a em aspectos de sua subjetividade (LEONTIEV, 2004).

A elaboração desta subjetividade ocorre na relação sujeito/objeto, mas não somente. Neste processo está incluído um terceiro elemento, a mediação de símbolos e signos da cultura por meio de um parceiro mais experiente. Desta forma, ocorre a interação com outros seres humanos que, norteados pelas leis sociohistóricas, promovem a ação humana sobre a realidade objetiva.

Desta forma, o desenvolvimento humano orienta-se por meio de dois fatores, se realiza o primeiro relacionado às condições sócio-histórico-culturais, caracterizando-se pelo meio em que vive o sujeito em sua interação com os outros seres humanos e, em segundo se refere a sua própria atividade sobre os objetos e fenômenos aos quais o afetam. Ocorre, nesse processo, a apropriação pelas gerações mais novas, das objetivações produzidas pelas gerações mais velhas, transformando-os em conteúdos de sua individualidade e objetivando eles próprios em produtos de sua atividade. Desta forma, “(...) o homem é um ser de natureza social, que tudo o que tem de humano nele provém da sua vida em sociedade, no seio da cultura criada pela humanidade” (LEONTIEV, p. 279, 2004). Essas construções humanas, porém, não estão dadas de imediato, sendo que

(...) para se apropriar destes resultados, para fazer deles as suas aptidões, “os órgãos da sua individualidade”, a criança, o ser humano, deve entrar em relação com os fenômenos do mundo circundante através de outros homens, isto é, num processo de comunicação com eles. Assim, a criança aprende a atividade adequada. Pela sua função este processo é, portanto, um processo de educação (LEONTIEV, p. 290, 2004).
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Durante o percurso existencial, cada estágio de desenvolvimento da criança é caracterizado por uma atividade principal que cumpre a função de principal forma de relacionamento da criança com a realidade. A atividade do sujeito dirige e orienta esse desenvolvimento, que se constitui conforme o lugar ocupado por ele nas relações sociais que participa. Deste modo,

(...) o que determina diretamente o desenvolvimento do psiquismo da criança é a sua própria vida, o desenvolvimento dos processos reais desta vida, por outras palavras, o desenvolvimento desta atividade, tanto exterior como interior. E o desenvolvimento desta atividade depende por sua vez das condições em que ela vive. O mesmo é dizer que, no estudo do desenvolvimento do psiquismo da criança devemos partir da análise do desenvolvimento da sua atividade tal como ela se organiza nas condições concretas da sua vida (LEONTIEV, p. 310, 2004).

Considerando assim a natureza do desenvolvimento do psiquismo, a criança relaciona-se com o mundo através da atividade e nesse processo constitui o seu psiquismo. Entretanto, sua vida e sua personalidade não são somente a soma de quaisquer atividades. Ao longo da existência concreta do sujeito, algumas atividades têm um papel determinante no desenvolvimento de sua personalidade, sendo estas consideradas como atividades principais. Assim, para Leontiev (2004), o desenvolvimento do psiquismo depende não da atividade do seu conjunto, mas da atividade dominante.

A atividade dominante não é, por outro lado, aquela que o sujeito realiza mais vezes ou à qual dedica a maior parte do seu tempo, é, na verdade, “(...) aquela cujo desenvolvimento condiciona as principais mudanças nos processos psíquicos da criança e as particularidades psicológicas da sua personalidade num dado estágio do seu desenvolvimento” (LEONTIEV, p. 312).

Mais do que considerar as mudanças cronológicas no tempo de existência do sujeito, torna-se necessário entender seu desenvolvimento psíquico a partir da localização da sua atividade na realidade concreta. Desta forma, considerando as transformações na atividade principal dos sujeitos, a qual é determinada histórica e socialmente, é possível investigar seu desenvolvimento humano.

Inicialmente, o bebê estabelece uma comunicação emocional direta, sendo a atividade principal, uma atividade manipulatória que, de acordo com Elkonin (1987 apud MILLER 2019) é uma etapa onde se verifica ações orientadoras e sensório-motoras de manipulação que, tem na comunicação emocional com o adulto um importante álibi para a criança se ocupar dos objetos e das possíveis ações sobre os mesmos. São atividades que promovem a comparação com as ações dos adultos e inserem a criança nas tarefas e no sentido das ações humanas, possibilitando a passagem para uma nova etapa do jogo psíquico, o jogo de papeis.

O jogo é a atividade principal da criança em idade pré-escolar. Ele possibilita para a criança o desejo de realizar atividades socialmente valorizadas que mobilizam o domínio de certos conhecimentos e habilidades, convergindo na necessidade de participação. O período inicial da idade escolar encontra, na atividade de estudo, um meio importante de desenvolvimento das funções psíquicas superiores, que ampliam suas capacidades cognitivas e intelectuais e reorganiza suas relações e comunicação com as pessoas próximas e com a sociedade a qual pertence.

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A relação da criança com o conhecimento e com os adultos promove a preparação do caminho para a adolescência. A comunicação pessoal é a principal atividade nesta fase, contudo, a atividade de estudo continua sendo atividade fundamental, considerando que é por meio dela que serão avaliados pelas gerações mais velhas, e preparados para realização de tarefas após os estudos. Ela também serve como parâmetro organizacional das interações com outros pares. Nesse percurso, cada aluno desenvolve todas as possibilidades de formação, de acordo com os interesses constituídos ao longo de seu caminho formativo. As individualidades são construídas em diferentes níveis: No primeiro, com a orientação do professor, o aluno separa detalhes, procedimentos e meios para a atividade de estudo, mantendo relação com os objetivos e condições; no segundo nível, evidencia-se a individualidade de cada um na realização da atividade de estudo, onde fica viabilizado, de forma consciente e planejada, o desenvolvimento da individualidade do aluno.

No último nível, o aluno alcança a autonomia como sujeito da atividade, sendo a passagem da atividade de estudo à atividade criativa e ao estabelecimento de uma atividade individual criadora. A atividade de estudo, observando os diferentes níveis mencionados, é estabelecida enquanto caminho singular de inserção do aluno em um tipo de aprendizagem que leva ao desenvolvimento, uma forma de agir com autonomia e criatividade.

A Organização da Atividade de Estudo Segundo a Teoria do Ensino Desenvolvimental

Em um contexto escolar, a atividade intencionalmente dirigida ao objeto, leva o estudante a se apropriar do mesmo, possibilitando a objetivação em novos produtos de sua atividade, dentro de uma relação estabelecida entre seus pares e professor. O conteúdo apropriado é fruto da objetivação de outros sujeitos que o antecederam e, também, através da sua atividade gera a produção de novas objetivações e, posteriormente, serão objeto de apropriação de outras pessoas. Nesse processo ocorre a superação dos limites biológicos do gênero humano, possibilitando sua humanização.

A apropriação dos conceitos escolares é a base desse processo de humanização pois, a apropriação das objetivações produzidas historicamente, leva a apropriação das significações sociais, transformando-se em aquisições próprias, inserindo-se ativamente no meio. Assim,

(...) ao ensinar os conteúdos escolares o professor não transmite apenas o conhecimento, mas ferramentas de pensamento. Ao descrever e explicar o funcionamento do sistema digestivo, por exemplo, o professor não apenas ajuda a criança a internalizar um conhecimento, mas os conceitos e as ferramentas de pensamento (ou funções psicológicas superiores) “descrever” e “explicar” alguma coisa. Tais conceitos e ferramentas de pensamento serão novamente utilizados pela criança em outras vivências e atividades, inclusive nas não escolares (ROSA, 2012, p. 10).

A aprendizagem defendida no presente texto é aquela que partir das ações dos estudantes com o professor com conceitos científicos promova mudanças qualitativas no desenvolvimento dos sujeitos. No que se refere a formação de conceitos, vale lembrar que os processos pelo quais se dá a aprendizagem e o desenvolvimento dos conceitos espontâneos não são os mesmos dos conceitos científicos que fundamentam os conhecimentos escolares (VIGOSTKI, 2009).

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Os primeiros, formados nas situações cotidianas, tem seu grau de generalização diretamente ligado a um referencial empírico imediato da realidade. Os conceitos científicos por sua vez são a síntese da experiência humana historicamente construída e permitem, a partir dela, ultrapassar esse mesmo referencial para além de sua aparência imediata. Desta forma, apropriar-se dos conceitos escolares, permite uma compreensão mais crítica da realidade de modo que “(...) a tomada de consciência passa pelos portões do conhecimento científico” (VIGOTSKI, 2009, p. 290).

Um tipo de ensino que permitiria transformar a compreensão da realidade, segundo Davídov (1988), é um ensino que leva os alunos a pensar e promove o desenvolvimento dos fundamentos do pensamento contemporâneo, sendo possível por meio de um ensino que impulsione o desenvolvimento, um ensino “desenvolvente”. É um ensino que acontece a partir das séries iniciais do ensino fundamental e tem na atividade de estudo a atividade fundamental para que a aprendizagem ocorra.

A proposta de Davídov (1988) para a atividade de estudo obedece a uma estrutura específica de ações que levam a formação de um modo de agir cientificamente sobre os conteúdos, pois objetiva-se que o aluno tenha capacidade de domínio do procedimento geral de construção do objeto estudado. A atividade de estudo, assim concebida tem por base uma tarefa de estudos, juntamente com o controle e a avaliação. O aluno realiza inicialmente com o intermédio do professor para formar nele o procedimento da atividade, resultando em uma capacidade de agir de forma independente com os conteúdos científicos, formando o pensamento produtivo e criativo.

O procedimento que o aluno deve seguir para realizar a atividade de estudo está estruturado em seis ações, segundo Davídov (1988), que podem sofrer variações de acordo com as condições concretas onde são resolvidas cada tarefa de estudo. A primeira ação é fazer uma análise do conteúdo que se constitui como objeto da tarefa de estudo. Nesse momento faz-se uma relação universal do objeto dado, configurando o conteúdo da análise mental, sendo a fase inicial do processo de formação do conceito presente no objeto de estudo, que possibilita a abstração considerável do objeto estudado.

(...) transformação dos dados da tarefa de aprendizagem com a finalidade de descobrir a relação universal do objeto, que deverá ser refletida no correspondente conceito teórico. É importante observar que se trata da transformação orientada por uma finalidade dos dados da tarefa, dirigida a buscar, descobrir e distinguir uma relação completamente definida de certo objeto integral. A peculiaridade dessa relação consiste, por um lado, em que constitui o aspecto real dos dados transformados e, por outro lado, atua como base genética e fonte de todas as características e peculiaridades do objeto integral, ou seja, constitui sua relação universal (DAVÍDOV, 1988, p. 182, tradução nossa).

Este trabalho inicial é feito pela via do pensamento teórico, e, por meio da análise, busca-se encontrar o elemento essencial que define o objeto que se relaciona com outros objetos e forma um conjunto de conhecimentos.

A partir da descoberta dessa relação geral inicial do objeto, a próxima ação é fixar esta relação universal por meio da formulação de um modelo da forma objetal para fixar as características internas do objeto. São modelos de símbolos e signos, criados coletivamente, que os alunos utilizam para organizar a análise das relações internas do objeto de estudo.

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(...) os símbolos são – ditos com palavras de Hegel – representantes sensoriais de um certo gênero (podem combinar-se com os signos, por exemplo, com a designação verbo-gráfica). A forma sensorial do símbolo é semelhante aos objetos que representa. (...) (DAVÍDOV, 1981, p. 312-313, apud MILLER, 2019 p. 82).

A terceira ação de estudo é a transformação do modelo, com vistas ao estudo das propriedades da relação universal do objeto. Com o modelo os estudantes conseguem perceber e estudar as propriedades da relação universal do objeto, o que era impossibilitado nas etapas anteriores. “Essa transformação visa o estudo das propriedades da relação universal. No modelo essa relação aparece em forma abstrata. No entanto a transformação e reconstrução do modelo permitem aos alunos estudar as propriedades da relação universal em seu aspecto concreto e não apenas abstrato” (LIBÂNEO; FREITAS, 2013, p. 359).

Ao transformar o modelo o aluno percebe a dinâmica das ligações internas do objeto, captando o movimento interno do mesmo. É possível perceber as diversas particularidades que partem da gênese do conceito e em como esta é mutável.

A quarta ação é a construção do sistema de tarefas particulares que podem ser resolvidas por um procedimento geral, nessa ação os alunos realizam diversas tarefas particulares que vão do geral ao concreto no conhecimento do conceito nuclear. Segundo Freitas (2016), a partir dessa ação os alunos vão ganhando mais autonomia em relação ao objeto estudado.

Com estas quatro ações iniciais o estudante desenvolve uma generalização substancial do objeto, o que possibilita a aplicação da propriedade geral do objeto de estudo aos vários casos particulares, fazendo parte da quarta ação que, segundo Davidov “(...) consiste na dedução e construção de um determinado sistema de tarefas particulares” (1988, p. 183 apud MILLER, 2019, p. 83).

O controle e a avaliação são as próximas ações. A primeira pretende manter a coerência operacional das ações, considerando as condições em que ela é executada, mantendo assim a integridades das ações dentro da tarefa de estudo. Para Libâneo e Freitas (2013), nessa fase os alunos devem identificar uma relação entre a tarefa e o resultado. A avaliação é um exame qualitativo que permite constatar se o procedimento geral de solução da tarefa de estudo foi assimilado. Segundo Davídov (1988), a avaliação consiste em identificar o que o aluno conseguiu assimilar ao longo da tarefa de estudo. A realização das ações possibilita ao aluno vivenciar o processo pelo qual são descobertas as condições para a formação de conceitos.

A atividade de estudo, conforme descrita até aqui, nos permite concluir ser uma atividade promotora do ensino “desenvolvente”. Ela privilegia a relação teórica do estudante com o conhecimento, desenvolvendo nele as capacidades de reflexão sobre os dados da realidade, realizando sobre eles ações mentais para compreensão de uma realidade universal.

O aluno que vivencia a atividade de estudo encontra nela a necessidade de adquirir novos conhecimentos e realizar ações sobre o objeto de estudo. As ações teóricas se desenvolvem embasadas em conhecimentos teóricos e possibilitam o desenvolvimento de formas superiores de relação com o conteúdo objetivo de seu meio, provocando ainda a superação das formas cotidianas resultantes de aspectos exteriores imediatos dos fenômenos. Para Davídov, “(...) a essência do pensamento teórico consiste em que se trata de um procedimento especial com o que o homem enfoca a compreensão das coisas e dos acontecimentos pela via da análise das condições de sua origem e desenvolvimento (1988, p. 6 apud MILLER, 2019, p. 84-85).

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Assim, é importante refletirmos sobre o conteúdo da atividade do estudante e a forma pela qual ele se relaciona com o mesmo, compreendendo que, dessa relação resulta a forma pela qual ele se guiará na compreensão dos dados da realidade e na maneira como se comporta no meio em que vive.

Se a relação do aluno com o conhecimento é de caráter empírico, o tipo de pensamento resultante também o será. A base desse pensamento está na observação, discriminação e designação dos objetos em suas relações. Embora limitado, o pensamento empírico, segundo Davídov apresenta propriedades cognoscitivas importantes, pois promove as pessoas formas de “(...) discriminação e designação das propriedades dos objetos e suas relações, inclusive as que em um momento determinado não são observáveis” (1988, p. 124 apud MILLER, 2019, p. 86).

Contudo, o domínio do pensamento empírico não permite que o sujeito desenvolva formas mais complexas de análise de realidade, ficando a margem a essência dos fenômenos. Nesse sentido, o pensamento teórico ampliaria a compreensão da realidade ao promover a análise e transformação dos objetos, mostrando o entendimento das relações e vínculos internos de aspectos que caracterizam esses objetos, com o objetivo de encontrar a relação real a qual o objeto é organizado como parte de um sistema.

Ao inserir o aluno em um processo de ensino organizado intencionalmente para a apropriação dos conteúdos teóricos, por meio de ações teóricas ele pode chegar ao desenvolvimento do pensamento teórico. É um tipo de pensamento que não funciona por meio de representações, mas através de conceitos. O pensamento teórico leva o aluno ao domínio dos fundamentos da cultura teórica atual, pois ao contrário do pensamento empírico o objeto de estudo não aparece como uma realidade independente, mas é um objeto que encontra relações com outros objetos, inseridos dentro de um todo universal.

O pensamento teórico, na investigação da essência do objeto, parte do concreto real, dado sensorialmente ao sujeito. Esta atividade adquire o objeto em sua forma plena, alcançando nele a percepção das conexões que, no desenvolvimento do conhecimento levam à universalidade. As conexões internas do objeto integral somente serão estabelecidas por meio do pensamento teórico sob a forma de conceitos teóricos, em uma dinâmica do abstrato ao concreto.

Desta forma, no movimento de elaboração dos conceitos, por meio da realização de ações de estudo, o aluno aprende, através da análise, da reflexão e das ações mentais a ver a essência das coisas, fatos e fenômenos, com vistas a superação dos limites do pensamento empírico, que se restringiria a uma compreensão superficial da realidade.

Para a atividade de estudo, são desenvolvidas ações mentais, que são ações teórico-substanciais, sendo elas, ações mentais de reflexão, análise e planificação. Para Sforni (2004), a atividade de estudo é considera a principal atividade do indivíduo durante a fase escolar.

Dentro da atividade de estudo há as tarefas de estudo, estas que por sua vez são organizadas pelo professor que inicialmente precisa identificar a necessidade da atividade que será proposta para os alunos. Porém a necessidade apenas não é o suficiente para haver aprendizado, é preciso é preciso estabelecer um motivo, um objetivo, sempre no início de cada atividade. Uma atividade está ligada a várias necessidades. O motivo é primeiramente estímulo, depois é a formação de um significado, o motivo pode ser interno ou externo, a depender do objetivo.

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As ações e operações, processos psíquicos internos, só são realizadas com uma motivação. a motivação que é um processo de troca da atividade, se concretiza com um objetivo, é o objetivo que determina as formas e os meios, se não há motivo. a atividade é reguladora das ações da tarefa.

É por meio delas, as ações, que o aluno chega à compreensão das relações essenciais que organizam os objetos e fenômenos da realidade. São ações que se inter-relacionam, assegurando que as ações de estudo sejam efetivadas pelos alunos no processo de aprendizagem dos conhecimentos teóricos.

A reflexão, análise e planificação, são neoformações, sendo a base do desenvolvimento psíquico dos alunos nos anos iniciais do ensino fundamental. Através delas, os alunos desenvolvem novas habilidades na assimilação dos conteúdos próprios da atividade de estudo e, diferente da acumulação de conhecimentos memorizados, ele desenvolve novos procedimentos, agindo com autonomia na realização de novas tarefas de estudo.

Na tarefa de estudo, a reflexão é um componente necessário na capacidade de aprender. Ela está ligada a um modo amplo de construção de relações, não se limitando à esfera do objetivo com vistas à auto-mudança, sendo um dos componentes facilitadores para a capacidade de estudar. A reflexão e a capacidade de aprender são conceitos interligados por meio do conceito de agente. A tarefa reflexiva em sala tem no professor seu ponto inicial ao apresentar um problema e polarizar vários aspectos da contradição, anexados aos pontos de vista dos alunos. Nesse processo discursivo, cada ponto de vista defendido ou apresentado pode ser exposto insuficiente para realização da tarefa requerida.

A coordenação de pontos de vista comuns leva a elaboração de um modo de ação comum. O confronto entre os diferentes pontos de vista, promove o debate, onde o professor polariza e harmoniza os pontos de vista das crianças. No trabalho em pequenos grupos, ocorre uma independência das crianças para promover o debate. Nesse tipo de aula não existe um portador individual da reflexão, o sujeito da reflexão não é individualizado. “A classe como um complexo grupo cooperativo tem a capacidade de estudar sob a orientação de um adulto.” (DAVIDOV; SLOBODC; ZUCKERMAN, 2019, p. 244).

Ao realizar a atividade de estudo o aluno analisa o objeto de estudo em suas particularidades e reflete de tal forma a compreender que as atividades fazem parte de um todo. Mais do que um modo de ação sobre o objeto de estudo o foco é a assimilação dos princípios inerentes a essa forma de ação que, sendo apropriados pelo sujeito da aprendizagem generaliza-se para outros modos de ação, caracterizando uma atividade com caráter desenvolvente da atividade de estudo.

Considerações Finais

Conclui-se que, um diferencial da organização da atividade de estudo por meio da proposição de tarefas de estudo (ensino desenvolvimental) é que a mudança que se espera por meios dos objetivos e resultados é notada no sujeito da atividade, pois ela permite aos estudantes a apropriação de conteúdos teóricos e o desenvolvimento de capacidades a ele relacionadas. É um tipo de conhecimento que eleva o aluno para a compreensão da essência das coisas e fenômenos, muito além de um entendimento puramente aparente.

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Defender tal perspectiva no contexto da educação pública brasileira se mostra enquanto um compromisso epistemológico-didático-político. Ressaltar o papel desenvolvente da escola e investir na formação do pensamento teórico dos sujeitos a partir dessa instituição é defender a escola enquanto espaço de humanização do homem e de complexificar sua existência como tal. Este movimento, por sua vez, é diretamente relacionado a apropriação de conceitos científicos, sendo que sua sistematização em uma atividade de estudo é possível somente quando considerando seus princípios fundamentais de construção e a organização desse processo na transformação da personalidade.

Ressaltamos, nessas considerações finais, nossa compreensão de que a escola é a instituição cuja função social é transmitir às novas gerações os conhecimentos acumulados pela humanidade, entendendo a transmissão do conhecimento como processo ativo de internalização do que está no meio social. O trabalho pedagógico, nesse sentido, é organizar o modo como o aluno irá se apropriar e internalizar conhecimentos que estão em constante relação com aqueles adquiridos no cotidiano, mas que vão para além destes e a estes retornam.

Para a teoria histórico-cultural do desenvolvimento humano, da qual parte o ensino desenvolvimental, como já mencionamos, o bom ensino é aquele que se adianta ao desenvolvimento, pois “(...) o conteúdo trabalhado pelo professor, no processo educativo, cria, individualmente, novas estruturas mentais (ou neoformações) evolutivas, decorrentes dos avanços qualitativos no desenvolvimento da criança” (FACCI, 2004, p. 230). O trabalho pedagógico é, portanto, extremamente importante e decisivo no processo geral de desenvolvimento das crianças, jovens e adultos que estão na escola, pois o ensino provoca o desenvolvimento, ou seja, “(...) o professor deve encaminhar o ensino de maneira que force o aluno ao desenvolvimento máximo das suas capacidades” (FACCI, 2004, p. 243).

Não podemos desconsiderar, contudo, a realidade das condições objetivas que caracterizam as escolas no contexto atual, que elevam barreiras para que o trabalho pedagógico seja estruturado com base nos pressupostos que orientam a atividade de estudo. Portanto, é importante pensar ações que transformem a realidade educacional, sendo uma necessidade que deve estar viva em nós, enquanto forma de impulsionar a nossa motivação para possíveis ações e busca de alternativas de enfrentamento no nosso trabalho enquanto educadores.

Sobre os autores

BRUNA PEREIRA CARNEIRO • Graduada em Pedagogia pela Faculdade de Educação (FE) da Universidade Federal de Goiás (UFG). Pesquisadora no campo da teoria histórico-cultural e didática desenvolvimental através do Projeto de Pesquisa Trabalho Docente e Educação Escolar (Trabeduc). Mestranda pelo Programa de Pós-graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás. E-mail: brunacarneiro12@gmail.com e Lattes: http://lattes.cnpq.br/6246289421817738.

IURY KESLEY MARQUES DE OLIVEIRA MARTINS • Licenciado em Ciências Biológicas pela UFG (2018), especialista em Políticas e Gestão da Educação Profissional e Tecnológica pelo IFG (2021) e mestrando no Programa de Pós-Graduação em Educação da UFG. Professor efetivo (PIII) de biologia e ciências da Secretaria Estadual de Educação de Goiás, vinculado à Coordenação Regional de Educação (CRE) de Goiânia. É membro do Grupo de Estudos e Pesquisas Trabalho Docente e Educação Escolar (TRABEDUC). E-mail: iurykesleybio@gmail.com e Lattes: http://lattes.cnpq.br/5327634205459630.

JHON MAYKEL FERNANDES • Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Goiás (UFG) na linha Formação, Profissionalização Docente, Práticas Educativas. Especialista em Processos e Produtos Criativos pela Universidade Federal de Goiás (UFG). Especialista em Mídias na Educação (UFG) e Especialista em Docência no Ensino Superior pela Faculdade de Educação São Luís. Licenciado em Artes Visuais pela Universidade Federal de Goiás (UFG) e Licenciado em Pedagogia pela Universidade Estadual de Goiás (UEG). Integrante do grupo de estudos Trabalho Docente e Educação Escolar (TRABEDUC - UFG). Apoio técnico (professor) da Secretaria Municipal de Educação e Esporte de Goiânia. E-mail: jhonmaykel@hotmail.com e Lattes: http://lattes.cnpq.br/9630765379319365.

SANDRA VALÉRIA LIMONTA ROSA • Licenciada em Pedagogia pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), mestre em Educação pela Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho (UNESP/Marília), doutora em Educação pela Universidade Federal de Goiás (UFG), realizou estágio pós-doutoral em Educação na Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC GO). Professora associada da Universidade Federal de Goiás (UFG) na Faculdade de Educação. No curso de Pedagogia é professora da área de Fundamentos, Conteúdos e Metodologia de Ciências Naturais e no Programa de Pós-Graduação em Educação está vinculada à Linha de Pesquisa Formação, Profissionalização Docente e Trabalho Educativo. Líder do grupo de estudos e pesquisas Trabalho Docente e Educação Escolar (TRABEDUC). E-mail: sandralimonta@gmail.com e Lattes: http://lattes.cnpq.br/6361226363713191.

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Referências

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