1Quem é a pessoa com necessidades odontológicas especiais?

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Parte 1 - Terminologia

Extraído de http://www.hawking.org.uk

Este é o professor e cientista Stephen W. Hawking, físico teórico e cosmólogo britânico, renomado, polêmico, atualmente vinculado à Universidade de Cambridge. Ele é uma pessoa com deficiência que tem necessidades especiais odontológicas. Quer saber por quê?

Veja, na linha do tempo abaixo, como foi a evolução histórica ligada à terminologia relacionada à pessoa com deficiência, adaptada da síntese elaborada por Sassaki (2014):

Era Termo Sentido
Por séculos Inválidos Indivíduos sem valor
Após a 1ª e 2ª Guerras Mundiais Incapacitados Indivíduos sem capacidade e, mais tarde, pessoas com capacidade residual
Incapazes Não capazes de fazer determinadas tarefas devido à deficiência
Entre 1960 e 1980 Defeituosos Indivíduos com deformidade, principalmente física
Deficientes Indivíduos com deficiência em geral
Excepcionais Indivíduos com deficiência intelectual
1981 - Ano Internacional das Pessoas Deficientes (ONU) Pessoas Deficientes Atribuiu-se o valor “pessoas” àqueles que tinham deficiência, igualando-os em direitos e dignidade a todos
1988 a 1993 Pessoas portadoras de deficiências, Portadores de deficiência Atribuiu-se o valor “portar uma deficiência” à pessoa; termo adotado na Constituição Federal e em todas as leis e políticas públicas
Década de 1990 Pessoas com necessidades especiais, crianças especiais, alunos especiais, pacientes especiais Tentou-se amenizar a contundência da palavra “deficientes”
Necessidades educacionais especiais Pessoas cujas necessidades educacionais especiais se originam de deficiências ou dificuldades de aprendizagem; adotado pela Declaração de Salamanca (1994) pelas Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica (2001)e
Século XXI Pessoas com deficiência Reconheceu-se os talentos de pessoas com deficiências para mudar a sociedade, visando sua inclusão

Termo

Sentido

Inválidos

Indivíduos sem valor

Termo

Sentido

Incapacitados

Indivíduos sem capacidade e, mais tarde, pessoas com capacidade residual

Incapazes

Não capazes de fazer determinadas tarefas devido à deficiência

Termo

Sentido

Defeituosos

Indivíduos com deformidade, principalmente física

Deficientes

Indivíduos com deficiência em geral

Excepcionais

Indivíduos com deficiência intelectual

Termo

Sentido

Pessoas Deficientes

Atribuiu-se o valor “pessoas” àqueles que tinham deficiência, igualando-os em direitos e dignidade a todos

Termo

Sentido

Pessoas portadoras de deficiências, Portadores de deficiência

Atribuiu-se o valor “portar uma deficiência” à pessoa; termo adotado na Constituição Federal e em todas as leis e políticas públicas

Termo

Sentido

Pessoas com necessidades especiais, crianças especiais, alunos especiais, pacientes especiais

Tentou-se amenizar a contundência da palavra “deficientes”

Necessidades educacionais especiais

Pessoas cujas necessidades educacionais especiais se originam de deficiências ou dificuldades de aprendizagem; adotado pela Declaração de Salamanca (1994) pelas Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica (2001)e

Termo

Sentido

Pessoas com deficiência

Reconheceu-se os talentos de pessoas com deficiências para mudar a sociedade, visando sua inclusão

Hoje, no Brasil, vigora a Convenção Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (Decreto Nº. 6.949, de 25 de agosto de 2009) que define, em seu Artigo 1º:

Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas.” (grifo nosso)

Essa definição também foi adotada pela Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência; Lei Nº. 13.146, de 6 de julho de 2015).

Por outro lado, em Odontologia o termo mais utilizado é paciente com necessidades especiais, referendado em dois documentos de instituições regulatórias:

  1. Consolidação das Normas para Procedimentos nos Conselhos de Odontologia (Conselho Federal de Odontologia, 2005): aborda a Odontologia para Pacientes com Necessidades Especiais, que é voltada para a atenção à saúde bucal de pacientes com: (Artigos 69 e 70).
    1. distúrbios psíquicos, comportamentais e emocionais;
    2. condições físicas ou sistêmicas incapacitantes temporárias ou definitivas;
    3. problemas sistêmicos com repercussão no sistema estomatognático e vice-versa.
  2. Cadernos de Atenção Básica Nº. 17 (Brasil, 2006, p. 67): considera paciente com necessidades especiais “todo usuário que apresente uma ou mais limitações, temporárias ou permanentes, de ordem mental, física, sensorial, emocional, de crescimento ou médica, que o impeça de ser submetido a uma situação odontológica convencional”

Ou seja, para a Odontologia, nem toda pessoa com deficiência caracteriza-se como apresentando necessidade especial, e vice-versa. Como exemplos, cita-se:

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  • Um adulto com ansiedade odontológica moderada a severa, sem impedimento físico, mental, intelectual ou sensorial de longo prazo, é uma pessoa com necessidade odontológica especial, mas não é uma pessoa com deficiência.
  • Uma jovem que teve um acidente de motocicleta e ficou com limitação na deambulação, é uma pessoa com deficiência, mas não necessita de cuidados especiais durante o tratamento odontológico.
  • Uma criança com Síndrome de Down é uma pessoa com deficiência e com necessidades especiais no contexto odontológico.

Para saber mais:

  • O Dia Internacional das Pessoas com Deficiência (International Day of Persons with Disabilities), promovido pela Organização das Nações Unidas (ONU) desde 1992, é celebrado anualmente no dia 3 de dezembro, em comemoração ao término da Década das Pessoas com Deficiência/ONU (1983-1992).
  • O texto completo da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, contendo o Decreto Legislativo nº 186/2008, o Decreto nº 6.949/2009 e a Declaração Universal dos Direitos Humanos está disponível em diferentes formatos acessíveis, por meio do projeto PcDLegal, do Ministério Público do Espírito Santo, no link: http://www.pcdlegal.com.br/convencaoonu/#.WWQOWDOZORt.

Assim, entende-se que, ao se utilizar o termo pessoas com necessidades odontológicas especiais, de modo similar à área da educação, que emprega o termo “pessoas com necessidades educacionais especiais”, não se opõe à luta histórica do movimento mundial das pessoas com deficiência, as quais escolheram tal denominação. O importante é não empregar eufemismos que tentem camuflar a deficiência e/ou deixar a pessoa com deficiência à margem da sociedade, tais como “pessoas com capacidades especiais”, “pessoas com eficiências diferentes” etc. (Sassaki, 2014).

Parte 2 – Tipos de deficiências/necessidades especiais

Segundo os dados do Censo Demográfico Brasileiro de 2010, 45.606.048 brasileiros declaram ter alguma deficiência (IBGE, 2012), assim distribuída:

Ao se considerar a possibilidade de o cirurgião-dentista atender pessoas com necessidades odontológicas especiais, provavelmente o tamanho do nosso público-alvo cresce vertiginosamente. Mas, quais tipos de deficiências e condições especiais poderíamos encontrar?

Vamos construir juntos esse conhecimento? Para isso, consulte o Capítulo I do Manual Prático para o Atendimento Odontológico de Pacientes com Necessidades Especiais, de Campos et al. (2009) e pratique no jogo abaixo:

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Categoria Algumas condições
Deficiências físicas

Sequela de paralisia cerebral

Acidente vascular encefálico

Miastenia gravis

Esclerose múltipla

Esclerose lateral amiotrófica

Distúrbios comportamentais

Autismo

Bulimia

Anorexia

Condições e doenças sistêmicas

Gravidez

Radioterapia em região de cabeça e pescoço

Pessoas transplantadas

Pessoas imunossuprimidos

Diabetes mellitus

Cardiopatias

Doenças hematológicas

Transtornos convulsivos

Insuficiência renal crônica

Doenças autoimunes

Deficiências mentais

Comprometimento intelectual com diferentes etiologias

Distúrbios sensoriais

Deficiência auditiva

Deficiência visual

Transtornos psiquiátricos

Depressão

Esquizofrenia

Fobias

Transtorno obsessivo-compulsivo

Ansiedade

Doenças infectocontagiosas

Aids

Hepatites virais

Tuberculose

Síndromes e deformidades craniofaciais

Síndrome de Down

Síndrome de Moebios

Síndrome de Treacher-Collins

Síndrome de Williams

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O professor Stephen Hawking tem Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA). Em linhas gerais, a ELA é uma doença neurológica degenerativa rara, de etiologia desconhecida, caracterizada por fraqueza muscular secundária a comprometimento dos neurônios motores, em que as pessoas têm uma expectativa média de vida de 3 a 4 anos, a partir do diagnóstico (Associação Brasileira de Esclerose Lateral Amiotrófica – link www.abrela.org.br).

Como você atenderia pessoas como o prof. Hawking no serviço em que você trabalha? Qual seria o planejamento para o caso?

Parte 3 – Realidade das pessoas com deficiência no Brasil

No preâmbulo do Relatório Mundial sobre Deficiência, publicado pela Organização Mundial de Saúde em 2011 e publicado, em português, pela Secretaria dos Direitos da Pessoa com Deficiência do Estado de São Paulo (2012), o prof. Hawking escreveu o seguinte:

“A deficiência não precisa ser um obstáculo para o sucesso. Durante praticamente toda a minha vida adulta sofri da doença do neurônio motor. Mesmo assim, isso não me impediu de ter uma destacada carreira como astrofísico e uma vida familiar feliz.

Ao ler o Relatório Mundial sobre a Deficiência, encontro muitos aspectos relevantes para a minha própria experiência. Pude ter acesso à assistência médica de primeira classe. Tenho o apoio de uma equipe de assistentes pessoais que me possibilita viver e trabalhar com conforto e dignidade. A minha casa e o meu lugar de trabalho foram tornados acessíveis para mim. Especialistas em informática puseram à minha disposição um sistema de comunicação de assistência e um sintetizador de voz que me permitem desenvolver palestras e trabalhos, e me comunicar com diferentes públicos.

Mas sei que sou muito sortudo, em muitos aspectos. Meu sucesso em física teórica me assegura apoio para viver uma vida que vale a pena. É claro que a maioria das pessoas com deficiência no mundo tem extrema dificuldade até mesmo para sobreviver a cada dia, quanto mais para ter uma vida produtiva e de realização pessoal.

Este Relatório Mundial sobre a Deficiência é muito bem-vindo. Ele representa uma contribuição muito importante para a nossa compreensão sobre a deficiência e o seu impacto sobre os indivíduos e a sociedade. Ele destaca as diversas barreiras enfrentadas pelas pessoas com deficiência: atitudinais, físicas, e financeiras. Está ao nosso alcance ir de encontro a estas barreiras.

De fato, temos a obrigação moral de remover as barreiras à participação e de investir recursos financeiros e conhecimento suficientes para liberar o vasto potencial das pessoas com deficiência. Os governantes de todo o mundo não podem mais negligenciar as centenas de milhões de pessoas com deficiência cujo acesso à saúde, reabilitação, suporte, educação e emprego tem sido negado, e que nunca tiveram a oportunidade de brilhar.

O relatório faz recomendações para iniciativas nos níveis local, nacional e internacional. Assim, será uma ferramenta valiosa para os responsáveis pela elaboração de políticas públicas, pesquisadores, profissionais da medicina, defensores e voluntários envolvidos com a questão da deficiência. É minha esperança que, a começar pela Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, e agora com a publicação do Relatório Mundial sobre a Deficiência, este século marque uma reviravolta na inclusão de pessoas com deficiência na vida da sociedade.”

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Será que a situação da pessoa com deficiência no Brasil é diversa daquela que Prof. Hawking vive? Existem dados estatísticos da Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência que podem ajudá-lo a se posicionar a respeito (SNPD, 2012)

E, para finalizar este módulo, uma poesia que visa falar sobre as limitações das pessoas sem deficiências, e sobre o cuidado que devemos ter com informações equivocadas distribuídas em páginas da internet e redes sociais...

DEFICIÊNCIAS, por Renata Villela

“Deficiente” é aquele que não consegue modificar sua vida, aceitando as imposições de outras pessoas ou da sociedade em que vive, sem ter consciência de que é dono do seu destino.

“Louco” é quem não procura ser feliz com o que possui.

“Cego” é aquele que não vê seu próximo morrer de frio, de fome, de miséria, e só tem olhos para seus míseros problemas e pequenas dores.

“Surdo” é aquele que não tem tempo de ouvir um desabafo de um amigo, ou o apelo de um irmão. Pois está sempre apressado para o trabalho e quer garantir seus tostões no fim do mês.

“Mudo” é aquele que não consegue falar o que sente e se esconde por trás da máscara da hipocrisia.

“Paralítico” é quem não consegue andar na direção daqueles que precisam de sua ajuda.

“Diabético” é quem não consegue ser doce.

“Anão” é quem não sabe deixar o amor crescer.

E, finalmente, a pior das deficiências é ser miserável, pois:

“Miseráveis” são todos que não conseguem falar com Deus.


Professora Renata Villela escreveu essa poesia no final da década de 1990. O texto é equivocadamente atribuído a Mário Quintana em vários sites na internet. Disponível em http://reginamilone.blogspot.com.br/2007/11/mrio-quintana.html. Acesso em 10 jul. 2017.

Referências do Módulo 1

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ESCLEROSE AMIOTRÓFICA. ELA. Disponível em: http://abrela.org.br. Acesso em: 10 jul. 2017.

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Saúde Bucal. Brasília: Ministério da Saúde, 2006. Departamento de Atenção Básica. Brasília: Ministério da Saúde, 2006.

BRASIL. Decreto No. 6.949, de 25 de agosto de 2009. Promulga a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova York, em 30 de março de 2007. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/decreto/d6949.htm. Acesso em: 10 jul. 2017.

BRASIL. Lei Nº 13.146, de 6 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13146.htm. Acesso em: 10 jul. 2017.

CAMPOS, C. C., et al. Manual prático para o atendimento odontológico de pacientes com necessidades especiais. Goiânia: Universidade Federal de Goiás, 2009. Disponível em: https://cvtpcd.odonto.ufg.br/up/299/o/Manual_corrigido-.pdf. Acesso em: 10 jul. 2017.

CONSELHO FEDERAL DE ODONTOLOGIA. Resolução CFO-63/2005. Aprova a Consolidação das Normas para Procedimentos nos Conselhos de Odontologia. Disponível em: http://cfo.org.br/legislacao/normas-cfo-cros/. Acesso em: 10 jul. 2017.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Censo Demográfico 2010: Características gerais da população, religião e pessoas com deficiência. Rio de Janeiro: IBGE, 2012.

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE. Relatório mundial sobre a deficiência. São Paulo: SEDPcD, 2012. Disponível em: http://www.pessoacomdeficiencia.sp.gov.br/usr/share/documents/RELATORIO_MUNDIAL_COMPLETO.pdf. Acesso em: 10 jul. 2017.

SASSAKI, R. K. Como chamar as pessoas que têm deficiência? 2014. Disponível em: http://diversa.org.br/artigos/como-chamar-pessoas-que-tem-deficiencia. Acesso em: 10 jul. 2017.

SECRETARIA NACIONAL DE PROMOÇÃO DOS DIREITOS DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA (SNPD) / Coordenação-Geral do Sistema de Informações sobre a Pessoa com Deficiência. Cartilha do Censo 2010 – Pessoas com Deficiência. Brasília: SDH-PR/SNPD, 2012. Disponível em: http://www.pessoacomdeficiencia.gov.br/app/sites/default/files/publicacoes/cartilha-censo-2010-pessoas-com-deficienciareduzido.pdf. Acesso em: 10 jul. 2017.