Meu livro favorito...
Quem nunca respondeu à pergunta: “Qual o seu livro preferido?” Eu imaginava que todos teriam uma resposta, mas na realidade nem todos têm. Toda pessoa tem o direito de ter o seu livro preferido. Pensar que possa existir no mundo alguém que não tenha é, no mínimo, entristecedor. Há exatamente 15 anos, eu fiz esta pergunta em uma turma da escola em que trabalhava, eu iniciava minha carreira como professora de Língua Portuguesa, na mesma escola em que concluí meus estudos da Educação Básica. Quando a resposta de muitos alunos foi negativa, eu simplesmente não acreditei. Minha casa sempre foi um lugar onde havia muitos livros. Eles sempre estiveram presentes em minha vida. Minha mãe é professora de Língua Portuguesa e sempre me incentivou a gostar de livros – ela me incentivou a gostar de ler.
Ao questionar um aluno sobre o motivo de ele não ter um livro preferido, ele me respondeu: “Não tenho tempo para ler.” Minha atitude foi questioná-lo mais uma vez: “Como assim? Uma pessoa que tem 14 anos não ter tempo para ler.” A resposta foi a seguinte “Eu preciso ajudar os meus pais em casa. Eu trabalho. E quando chego em casa estou cansado. Não tenho tempo para ler.” Foi neste momento que percebi que o que era comum e corriqueiro para mim poderia não ser para os outros. E o que mais me surpreendeu é que na mesma sala havia vários alunos com outros motivos para não terem o seu livro predileto. Candido (2004), com sua sabedoria, traz o conceito de bens compressíveis e incompressíveis, para este garoto o livro é um bem compressível.
E, o que é pior, não só para ele, mas para vários outros que passaram por esta escola. Todos os anos repito esta mesma pergunta. E sempre há alunos que não têm seu livro preferido. Democratizar o acesso à literatura na escola pública é algo tão desafiador quanto urgente e necessário. Nem sempre os caminhos que levam a democratização são os mais curtos. Muitas vezes as escolas não têm exemplares dos livros para todos os alunos, nem sempre há a colaboração para a fotocópia e, ainda, há os fatores sociais, bem como os culturais que são barreiras para realizar a atividade de leitura literária na Educação Básica.
Tornar uma história acessível, disponível aos outros olhares não consiste apenas em escolher o livro e fazer a leitura dele. Mas, sim, um exercício diário de esforço intelectual, físico e financeiro para que ela aconteça. Ler literatura em uma escola pública é resistir aos desafios diários que permeiam na escola no Brasil, sobretudo a pública. Muitos ainda são os desafios para que a democratização a formação leitora esteja no ápice das prioridades das políticas públicas voltadas para a educação. Enquanto isso, nos resta lutar para que as barreiras sociais históricas sejam rompidas de forma que uma nova mentalidade política surja em nossa sociedade e de fato priorizem a formação de leitores.
Assim, a persistência na atividade de leitura literária é fundamental para que haja a consolidação da leitura literária nas escolas, principalmente nas públicas. É preciso um engajamento do professor de Língua Portuguesa para garantir que cada aluno tenha o seu livro preferido. Foi para contribuir para a formação leitora dos alunos que passaram pela escola em que trabalho que surgiu a pesquisa de mestrado (Re) Contos de Machado de Assis: uma viagem ao mundo das HQ’s e sua contribuição para a formação do leitor na Educação Básica.
As ações planejadas para a leitura dos contos durante a aplicação da pesquisa foram inspiradas no livro Letramento Literário: teoria e prática de Rildo Cosson. A teoria do letramento literário refere-se à competência que um indivíduo possui para lidar com textos literários, ou seja, sua capacidade de compreender, apreciar e interpretar a obras literárias. Ao longo do livro, Rildo Cosson discute a importância de se incluir os textos literários no cotidiano da educação básica. Para ele, o letramento literário não deve ser restrito aos círculos acadêmicos, mas é uma habilidade que pode ser desenvolvida por todos através de estratégias didáticas que propiciam ao aluno a vivência literária. E foi isso que tentei fazer durante a pesquisa e é o que será relatado a seguir.