Conhecendo Machado de Assis: O bruxo do Cosme Velho
O realismo Europeu, iniciado com Madame Bovary, de Gustave de Flaubert, volta a atenção para a personagem comum, que diferente do herói romântico está imersa nas tensões sociais e na hipocrisia da vida burguesa. No Brasil, onde o realismo tem de se haver com as questões suscitadas pelo colonialismo e pela escravidão, além dessas características, surgem também renovações no estilo. Na obra de Machado de Assis, o principal representante desse período, a narrativa linear é questionada e a metalinguagem e o diálogo com o leitor passam a ser empregados.
Cumpre notar que há uma tendência de a crítica literária em dividir sua obra em duas fases, a primeira como romântica, que abrange seus quatro primeiros romances, e a segunda como realista, e o marco dessa divisão seria Memórias póstumas de Brás Cubas. Segundo nosso entendimento e de autores que se debruçam sobre sua obra, no entanto, algumas obras de Machado de Assis não cabem rótulo de “realistas”, sendo mais afeitas à classificação de modernas. Revelou-se também extraordinário contista em Papéis avulsos (1882) e nas várias coletâneas de contos que se seguiram.
Joaquim Maria Machado de Assis, nome completo de Machado de Assis, foi um renomado escritor brasileiro. Autor de um vasto legado que inclui romances, contos, poesias, peças de teatro, críticas, crônicas e correspondências. Nasceu no dia 21 de junho de 1839, no morro do Livramento, no Rio de Janeiro. De origem humilde, durante a infância vendeu doces para ajudar a família. As dificuldades fizeram com que frequentasse a escola pública durante pouco tempo e não chegasse a cursar universidade.
Apesar disso, na adolescência já demonstrava habilidades intelectuais notáveis e procurava ascender socialmente. Passou a frequentar a tipografia e livraria de Francisco de Paula Brito, local que acolhia novos talentos e era responsável pela revista Marmota Fluminense. Em contato direto com o meio literário, o jovem teve seu poema Ela publicado em 1855 na revista. No ano seguinte, iniciou na Tipografia Nacional como aprendiz de tipógrafo e conheceu o escritor Manuel Antônio de Almeida, de quem se tornou amigo. Trabalhou no local até 1858 e nesse ano retornou para a livraria de Francisco de Paula Brito, tornando-se revisor.
Machado era assíduo frequentador do circuito boêmio carioca e estreitava laços com facilidade junto aos intelectuais da época. Demonstrando seus talentos nessas rodas, conquistou a oportunidade de colaborar para alguns jornais e revistas como Gazeta de Notícias, Revista Ilustrada e Jornal do Comércio. Em 1864, publicou seu primeiro livro de poesias, intitulado Crisálidas. Em 1867 tornou-se funcionário público e por indicação do jornalista e político Quintino Bocaiuva, foi nomeado redator do Diário Oficial e posteriormente promovido a assistente de diretor. Em 1869 casou-se com Carolina Augusta Xavier de Novais.
O autor era epilético e a esposa tornou-se sua enfermeira, além de revisora de seus textos. Em 1872 publicou seu primeiro romance, Ressurreição. A carreira pública de Machado de Assis foi promissora, em 1873 foi nomeado primeiro oficial da Secretaria da Agricultura e três meses depois assumiu a chefia de uma seção. Além disso, recebeu do Imperador o grau de Cavaleiro da Ordem da Rosa por serviços prestados às letras nacionais.
Em 1881, publicou a obra que foi considerada o marco inicial do Realismo no Brasil, Memórias póstumas de Brás Cubas. O narrador-personagem de Brás Cubas, como o próprio nome do livro já diz, está morto. A partir dessa condição, são possíveis duas renovações estilísticas: o romance rompe com a narrativa linear ao criar digressões analíticas, e o narrador conversa diretamente com o leitor, que também é alvo da sua fina ironia, como pode perceber na dedicatória do livro “Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver dedico como saudosa lembrança estas memórias póstumas”. Em harmonia, Jean Pierre Chauvin afirma que:
Nada escapa à sua condição de morto: a visão desencantada das pessoas e das coisas; os amores frustrados que teve por uma prostituta, quando mais jovem (“Marcela amou-me quinze meses e onze mil contos de réis”); e, na volta de Coimbra, por uma mulher casada (Virgília). Estamos diante de um narrador um pouco mais de sessenta anos que, desocupado, elegante e pretensioso, passa a maior parte do tempo formulando frases e teorias de utilidades bem questionável. (CHAUVIN, 2010, p. 05)
Seus contos e romances anteriores a esse livro tiveram influências românticas, já as obras posteriores trouxeram enredos permeados de ironia para desmascarar a hipocrisia e as convenções sociais. Em 1896 foi um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras e ocupou a cadeira de número 23, sendo eleito presidente por unanimidade na primeira reunião. Em sua homenagem, a Academia é chamada de "Casa de Machado de Assis".
Neste mesmo ano Machado publicou seu penúltimo romance, Esaú e Jacó. Segue em janeiro para Friburgo, com a esposa enferma. Em outubro de 1904 sua esposa falece e, em homenagem a ela, Machado dedicou o soneto Carolina. Após essa perda, raramente saía de casa. Em 1908 publica seu nono e último romance, Memorial de Aires. Em 1 de junho de 1908 entra de licença para cuidar da saúde. E falece no dia 29 de setembro do mesmo ano. É enterrado, conforme sua determinação, na sepultura da esposa no Cemitério São João Batista.