ESPAÇO DE LEITURA ACESSÍVEL NA ESCOLA

PROMOVENDO A EMPATIA ATRAVÉS DA LEITURA

“Ler é cuidar-se, rompendo com as grades do isolamento. Ler é evadir-se com o outro, sem contudo perder-se nas várias faces da palavra. Ler é encantar-se com as diferenças” (Queirós, 1999, p. 24).

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Falando em promoção da empatia, Amaral (1998, p. 22) traz um belo exemplo quando realiza uma analogia da Educação, com o uso da roupa adequada. Nessa analogia, transplantemos o contexto para o contexto da Educação Inclusiva.

Brincando com as idéias, diria que a Educação, como cada um de nós, deve escolher a roupa adequada para os dias frios assim como para os de calor; os alimentos compatíveis com o horário e/ou clima, os comportamentos para as situações de alegria ou de tristeza, as expressões emocionais para momentos públicos ou de intimidade... Enfim, escolher o melhor (para cada um de nós e para aqueles que nos cercam) para um melhor viver (Amaral, 1998, p. 22).

Na Educação Inclusiva, “a escola precisa ser o lugar no qual as diferenças subjetivas possam surgir a partir da relação do aluno com a lei simbólica, que se traduz na relação de respeito com o outro, nas obrigações do dia a dia das atividades educacionais”. Nela, segundo Lima e Masson (2018, p. 57), incluir “é, portanto, poder ajudar a surgir um sujeito onde ainda não talvez não exista e que a partir disso possa criar pensamentos e/ou objetos que o auxiliem nessa constituição subjetiva”. Compreendem que é “preciso que o aluno seja reconhecido com um ser capaz de criar, produzir, brincar, amar e aprender. Nesse sentido, um olhar do professor que o signifique como um sujeito pode possibilitar que ambos produzam algo novo numa relação professor-aluno” (Lima; Masson, 2018, p. 58). As autoras Barreto e Reis (2011, p. 22) complementam ao dizer que “cada aluno tem desempenhos muito diferentes na relação com os objetos de conhecimento e a prática escolar tem que buscar reconhecer essa diversidade para assegurar respeito aos diferentes sujeitos e possibilitar avanços em suas aprendizagens”. Além do mais, as “relações que se formam no processo de desenvolvimento tornam-se mais significativas quando o educando estabelece ligação com suas vivências, contextualiza o saber e constrói instrumentos para criar e recriar sua realidade”. A partir disso, “se torna capaz de compreender e lidar com as diferenças individuais e sociais presentes no seu cotidiano. Desse modo, o que deve ser enfatizado são suas potencialidades e não as suas deficiências” (Barreto; Reis, 2011, p. 23-24). Observa-se que as diferenças são comuns na diversidade e acontecem naturalmente, e a promoção da empatia e da solidariedade facilita esse caminhar diante de tantos outros obstáculos já presentes na vida das pessoas.

Para Freire, Freire e Oliveira (2018), somos “solidários quando compartilhamos da luta contra as situações de abuso, ao tomarmos atitudes de resistência que outros também tomam” (p. 124). A Educação Inclusiva, portanto, deve “ser humanizadora, fomentadora de solidariedade” (p. 127). Donaldo Macedo em seu texto no posfácio de ‘Pedagogia da solidariedade’: intitulado ‘Revisualizando Freire além dos métodos’, afirma que Paulo Freire nos desafia “a abraçar a esperança como uma força transformadora assumindo nossa relação no mundo e com o mundo como agentes históricos capazes de denunciar toda e qualquer forma de opressão de maneira que nós possamos anunciar um mundo mais justo e mais humano” (Freire; Freire; Oliveira, 2018, p. 140). Quando ocorre o individualismo “cada um pensa principalmente no seu interesse pessoal [...] a tendência é nos fecharmos em nós mesmos” (Freire; Freire; Oliveira, 2018, p. 86). A “solidariedade tem que ser construída em nossos corpos, em nossos comportamentos, em nossas convicções” (Freire; Freire; Oliveira, 2018, p. 81). Para fomentar essa solidariedade é preciso se inserir no contexto histórico, nas lutas contra a opressão, contra a marginalização e contra tudo o que gera exclusão.

Precisamos sonhar. “Sem sonhos não há vida, sem sonhos não há seres humanos, sem sonhos não há existência humana” (Freire; Freire; Oliveira, 2018, p. 49). E sonhar pressupõe se solidarizar-se com o outro. A solidariedade “caminha de mãos dadas com a consciência crítica. Eu não consigo imaginar o mundo melhorando se nós não adotarmos, realmente, o sentimento da solidariedade e não nos tornarmos imediatamente um grande bloco de solidariedade”. É urgente [...] “lutarmos pela solidariedade” (Freire; Freire; Oliveira, 2018, p. 80-81). Os mesmos autores continuam endossando a “importância fundamental e absoluta da solidariedade, de como o respeito pelo outro é absolutamente indispensável, de como discutir transformações com respeito” (Freire; Freire; Oliveira, 2018, p. 88-89). Para eles, a diversidade é constituída pelo multiculturalismo presente em nossa sociedade. Segundo eles, o multiculturalismo “implica respeito por todas as culturas, e este respeito implica que a cultura primária ou que se considera primária não imponha seus valores às outras culturas” (Freire; Freire; Oliveira, 2018, p. 104). Criticidade, sonhos, lutas, multiculturalismo geram solidariedade.

Solidariedade, neste sentido, é partilhar da luta dos que tentam escapar de suas várias formas de opressão. É uma manifestação de apoio e uma postura existencial e política. Partilhar da luta do outro contra a opressão é unir-se a estes outros na conquista da justiça social, é ir além dos limites da caridade, que fornece uma ajuda pontual, mesmo que contínua; é assumir uma ação libertadora (Freire; Freire; Oliveira, 2018, p. 123).

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Solidariedade gera libertação do sujeito e caminha de mãos dadas com a empatia gerando uma ajuda mútua entre ambas sem qualquer tipo de interesse futuro. Seguem alguns conceitos, algumas definições, informações sobre a empatia na escola e concepções, para um entendimento mais aprofundado e fundamentado sobre o assunto.

3.1 CONCEITOS E DEFINIÇÕES

No final do século XIX, a palavra alemã Einfühlung (sentir dentro, sentir em) usada no contexto da filosofia da arte para descrever a experiência estética deu origem ao termo empatia. “O conceito Einfühlung tentaria representar o mecanismo por meio do qual os seres humanos entendem ou captam a perspectiva de objetos inanimados e outras espécies de animais se colocando em seu lugar” (Gallese, 2003). De acordo com De Wall (2010) o “termo foi retraduzido em versão grega empatheia, o qual depois originou a palavra empatia em diversas línguas”. Logo, o conceito de ‘empatia’ nasceu na Estética da Arte e ao longo do século XX, enveredou-se para os estudos da Filosofia, da Psicologia, da Educação e das Neurociências.

Para Batson (1991) “empatia é mobilização para o outro” e essa mobilização “implica em altruísmo, que por sua vez consiste em um estado motivacional com o objetivo de aumentar o bem-estar alheio”. Segundo Brolezzi (2014), a empatia “passou a ser um termo explicativo para a relação entre a imitação interior e a capacidade de compreensão dos outros atribuindo a eles sentimentos, emoções e pensamentos, ligando assim a questão original estética da arte com a psicologia, a sociologia e a neurociência”. Ainda define empatia

[...] como uma resposta afetiva e cognitiva vicária a outras pessoas, ou seja, uma resposta afetiva e cognitiva apropriada à situação de outra pessoa, e não à própria situação. Segunda a definição que adotaremos aqui, essa resposta supõe uma mobilização para o outro. Iremos propor então que essa mobilização também é importante para a abertura para o mundo exterior, transcendendo a circunscrição do sujeito, necessária para abrir-se a conhecimentos novos (Brolezzi, 2014).

Os autores Vigotski (1999), Bachelard (1996,) e Rogers (1977; 1983) a definem como mobilização para o universo exterior. Universo que extrapola o lado interior do sujeito e passa a se relacionar com o exterior representado por outros ‘Eus’, se transformando em outros ‘Nós’. Goleman (2001, p. 136) afirma que empatia se trata de um “termo inicialmente usado por teóricos da estética para designar a capacidade de perceber a experiência subjetiva de outra pessoa”. Para ele, empatia significa “compreender os sentimentos e preocupações dos outros e adotar a perspectiva deles; reconhecer as diferenças no modo como as pessoas se sentem em relação às coisas” (Goleman, 2001, p. 355). E, essa “capacidade – de saber como o outro se sente – entra em jogo em vários aspectos da vida” (Goleman, 2011a, p. 133). Dentre esses vários aspectos da vida, o contexto escolar se torna um campo muito produtivo para a investigação da empatia.

3.2 EMPATIA NA ESCOLA

A empatia na escola teve seu início nos anos de 1970 quando Empatia e Educação estabeleceram uma relação entre os processos de ensinar e a terapia. O autor Carl Rogers desenvolveu seus estudos e em suas obras: ‘Tornar-se pessoa’ (1997), ‘Um jeito de ser’ (1983) e ‘Terapia centrada no cliente’ (1992), uma relação com o trabalho de orientação de pessoas e a atividade de ensinar. Sua associação teve como ponto de partida o trabalho do orientador ou terapeuta e o professor, bem como o papel do cliente ou paciente e o aluno. Ele destaca que um “alto grau de empatia talvez seja o fator mais relevante numa relação, sendo, sem dúvida, um dos fatores mais importantes na promoção de mudanças e de aprendizagem”, porque quando “o professor demonstra que compreende o significado, para o aluno, das experiências em sala de aula, a aprendizagem melhora” (Rogers, 1977) e ambos desfrutam de um melhor relacionamento.

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    Brolezzi (2004) analisa a empatia escolar por dois aspectos:

  1. Primeiro – “refere ao papel da empatia no conhecimento que o professor tem do que o aluno sabe. A empatia seria então uma atividade preponderantemente do professor, a quem caberia o papel de compreender e olhar o aluno por dentro”.
  2. Segundo – “refere ao papel da empatia na compreensão da influência que o conhecimento do próprio professor sobre o que ele sabe ou acha que sabe tem nesse processo”.

O autor avalia dois lados, o lado do aluno que ao ser avaliado pelo professor deve ser contemplado com toda sua bagagem interior e anterior de conhecimentos, sentimentos e emoções, e o lado do próprio professor que se autoanalisa pelos seus conhecimentos, sentimentos e emoções e toda sua bagagem de experiências. Desse modo, a

[...] empatia seria uma atividade por parte do professor, ao considerar a influência do seu próprio ego na relação com o aluno, mas também seria uma atividade fundamental por parte do aluno. O aluno, por meio da educação da empatia, poderia mobilizar-se para o universo exterior, e deixar-se adentrar na mente do professor e partilhar dos seus conhecimentos. Empatia então se torna uma porta de acesso ao universo exterior e os conhecimentos que transcendem o sujeito, em uma espécie de oposição ao egocentrismo cognitivo (Brolezzi, 2014).

Em ‘Escolas abertas à diversidade’ Mantoan [2020], diz que o “apoio ao colega [...] é uma atitude extremamente útil e humana e que tem sido muito pouco desenvolvida nas escolas, sempre tão competitivas e despreocupadas com a construção de valores e de atitudes morais”. Entretanto, em: ‘Diversidade na escola: a experiência do LEPED’ (1999), avalia que as “escolas deste novo tempo reconhecem as possibilidades humanas e valorizam as ‘eficiências desconhecidas’ tão comumente rejeitadas e confundidas por não caberem em nossos moldes virtuais do bom aluno”. Para ela, esse

[...] novo plano da escola requer o desenvolvimento do espírito de solidariedade, fraternidade, cooperação e de coletividade entre as gerações mais novas. Significa ensinar a reconhecer o multiculturalismo, a pluralidade das manifestações intelectuais, sociais, afetivas, enfim, a construir uma nova ética, que advém de uma consciência ao mesmo tempo individual, social e mais ainda, planetária. Implica em que se abandonem as categorizações e as oposições excludentes entre os iguais, os diferentes, e que se busquem a articulação a flexibilidade, o criativo, a interdependência entre as partes que antes se conflitavam nos nossos pensamentos, ações, sentimentos (Mantoan, 1999).

A autora ainda complementa afirmando que “existe ensino de qualidade quando as ações educativas se pautam por solidariedade, colaboração, compartilhamento do processo educativo com todos os que estão direta ou indiretamente nele envolvidos” (Mantoan, 2018, p. 61). Quando as escolas são abertas à diversidade, todos são importantes no processo. Alunos com e sem deficiência, professores, colegas e toda comunidade escolar. Os valores são cultivados e os moldes e padronizações deixam de existir para dar lugar ao que o multiculturalismo e a pluralidade mais prezam: as diferenças em todos os sentidos.

Rodrigues e Silva (2012, p. 72) entendem que “iniciativas que busquem a promoção da empatia no contexto escolar podem contribuir para fomentar ações pró-sociais, minimizar a manifestação do comportamento agressivo e a diminuição da violência na escola”. As autoras reconhecem “a relevância de se favorecer a promoção do desenvolvimento de habilidades empáticas, especialmente no contexto educativo” (Rodrigues; Silva, 2012, p. 71), mesmo porque “promover o desenvolvimento da empatia no contexto escolar pode contribuir para a minimização de comportamentos agressivos e para o incremento da competência social das crianças” (Rodrigues; Silva, 2012, p. 63). E isso

[...] serve como ponto de partida para otimizar a eficiência cooperativa entre educando e professor no processo de ensino-aprendizagem, ao valorizar a diversidade como agente de transformação de consciência social, viabilizando o exercício da cidadania na construção de uma sociedade inclusiva (Brasil, 2002, p. 3).

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E assim, como destaca Goleman (2011b), cada “marco no desenvolvimento da empatia torna a criança mais capaz de entender como sentem ou pensam as outras pessoas ou quais poderiam ser as suas intenções”. Feshback e Feshback (2009) e, Brolezzi (2014) “apontam para a questão da violência nas escolas. Em particular, o evento da agressão por parte de crianças e adolescentes, fenômeno que tem relação inversa com o da empatia”. Para eles, a “compreensão da educação como um processo mais integral, envolvendo os aspectos sociais, cognitivos e afetivos, atribui à empatia outro papel”. Esse amadurecimento que as crianças adquirem ao entender a si mesmas abrange seu desenvolvimento e elas passam a entender melhor os outros que estão a sua volta. Essas mudanças de comportamentos promovem habilidades outras, distantes do exercício da violência e da agressividade, passam a ser mais tolerantes, a compreender melhor as diferenças, além de fortalecerem seu relacionamento com as pessoas do convívio escolar.

O autor Rogers (1983) chama a atenção para o fato essencial de o professor trabalhar o desenvolvimento da empatia em sua atividade profissional. “Quando o professor tem a capacidade de compreender internamente as reações do estudante, tem uma consciência sensível da maneira pela qual o processo de educação e aprendizagem se apresenta ao estudante”, assim “[...] aumentam as probabilidades de uma aprendizagem significativa”. Nesse sentido ele associa o trabalho do professor ao de um psicólogo destacando o papel do professor na realização dessa empreitada frente ao desenvolvimento da empatia. Pavarini; Souza (2010) concordam que “à medida que a criança amplia sua compreensão acerca da causalidade das emoções e como essas influenciam o comportamento humano, ela também passa a demonstrar uma maior preocupação com o estado emocional do outro” passando a produzir outros comportamentos sociais voltados para a empatia.

Brolezzi (2014) aponta que “momentos de empatia, de sintonia entre as pessoas, de um entrar no universo do outro, de troca de pensamentos. Também é um momento em que as pessoas estão mais sensíveis, para aprender, para ensinar, para perguntar”. E isso é importantíssimo no ambiente escolar.

Para ensinar é preciso desarmar-se. Ensinar é mostrar que não é impossível aprender, nem é tão difícil assim. O aluno tem que fazer a sua parte, e entender que a ciência pode ser misteriosa, mas não se tratam de segredos ocultos e enterrados. É preciso não ter medo, não se perder ao entrar no universo da cultura. [...]. Assim, o professor que pratica a empatia tem capacidade de organizar as atividades didáticas identificando as dificuldades e erros dos alunos não com pesar, mas com naturalidade de quem utiliza esses mesmos obstáculos para permitir aos alunos irem além no aprendizado e na aquisição de formas de pensar críticas e investigativas (Brolezzi, 2014).

Em vários pontos os autores são unânimes: a empatia deve ser desenvolvida no seio escolar para que a Educação Inclusiva aconteça de maneira leve, natural e humanamente possível. Esse processo é gradual e apaziguador. Professores e alunos aprendem juntos, encontram obstáculos, mas os contornam. Fora do campo da Educação, outras aplicações da empatia também são importantíssimas para um melhor viver.

3.3 CONCEPÇÕES

São vários os autores que têm na empatia uma grande confiança para realização de mudanças e transformações em sociedade. A seguir, apresenta-se o que cada um deles defende em suas ideias concebidas através de suas pesquisas. Freire (2018b, p. 52) nos faz refletir em nossas práticas, em nosso fazer no mundo, na esperança, na libertação e na humanização que se dê não somente para nós mesmos, para o mundo, para o outro. Para ele, a “práxis, porém, é reflexão e ação dos homens sobre o mundo para transformá-lo”, pois na verdade só “existe saber na invenção, na reinvenção, na busca inquieta, impaciente, permanente, que os homens fazem no mundo, com o mundo e com os outros. Busca esperançosa também” (Freire, 2018b, p. 81). Há então uma esperança que nos move. Não estamos sós. Sempre se convive “com o mundo, no mundo e com os outros”. Esse fato é capaz de “libertar o pensamento pela ação dos homens uns com os outros na tarefa comum de refazerem o mundo e de torna-lo mais e mais humano” (Freire, 2018b, p. 91). E essa é uma das maneiras mais lindas de se realizar a verdadeira empatia. A doação solidária da esperança a si e aos outros.

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Sassaki (2005, p. 23) vê a empatia como: “Aplicação da teoria das inteligências Múltiplas; Incorporação dos conceitos de autonomia, independência e empoderamento; Práticas baseadas na valorização da diversidade humana, no respeito pelas diferenças individuais, no desejo de acolher todas as pessoas”. Para Falcone (1999) a “relevância da empatia para o desenvolvimento saudável torna-se cada vez mais evidente, expressando uma habilidade de comunicação que parece estar cada vez mais adequada às demandas do mundo atual” e Del Prette e Del Prette (2005) narram que “a habilidade empática possui subclasses fundamentais tais como: observar, prestar atenção, ouvir; demonstrar interesse e preocupação pelo outro; reconhecer/ inferir sentimentos do interlocutor; compreender a situação (assumir perspectiva)”; propõe que também é através da empatia que se carece “demonstrar respeito pelas diferenças; expressar compreensão pelo sentimento ou experiência do outro; oferecer ajuda; compartilhar”.

Um dos grandes autores da área, Goleman (2011a, p. 337), afirma que a “capacidade de pôr de lado nosso foco e impulsos autocêntricos tem vantagens sociais: abre caminho para a empatia, para ouvir de fato, para adotar a perspectiva de outra pessoa”. Para ele, a “empatia, como vimos, leva ao envolvimento, ao altruísmo e à piedade. Ver as coisas da perspectiva da outra quebra estereótipos tendenciosos, e assim gera a tolerância e a aceitação das diferenças”. Mistura-se a isso a definição de que “a raiz do altruísmo está na empatia, a capacidade de identificar as emoções nos outros; sem a noção do que o outro necessita ou de seu desespero” (Goleman, 2011a, p. 26). É por esse motivo que “as atividades de empatia devem tornar a criança capaz de identificar as pistas não-verbais de como outra pessoa se sente” (Goleman, 2011a, p. 12) e ajudá-las a “aperfeiçoar sua autoconsciência e confiança, controlar suas emoções e impulsos perturbadores”, pois “[...] aumentar sua empatia resulta não só em um melhor comportamento, mas também em uma melhoria considerável no desempenho acadêmico” (Goleman, 2011a, p. 13). Crianças tolerantes aceitam as diferenças, se relacionam humanamente com outras pessoas, desenvolvem amor desinteressado ao próximo e com certeza crescem se tornando adultos mais conscientes de seu papel social, cultural e histórico. “A empatia é alimentada pelo autoconhecimento; quanto mais consciente estivermos acerca de nossas próprias emoções, mais facilmente poderemos entender o sentimento alheio” (Goleman, 2011a, p. 133). O autor reforça sua tese que as “pessoas empáticas estão mais sintonizadas com os sutis sinais do mundo externo que indicam o que os outros precisam ou o que querem” (Goleman, 2011a, p. 74) e de que a “ligação entre empatia e envolvimento: a dor do outro é nossa. Sentir com o outro é envolver-se” (Goleman, 2011a, p. 142). Um envolvimento voluntário, não obrigatório que emana do coração, da vontade de ajuda e cooperação para com o próximo e para com o outro e todas as suas diferenças.

Brolezzi (2014) concorda que “a capacidade de enxergar o outro é de certo modo necessária para todos. E as crianças, desde pequenas, possuem essa capacidade, que deve ir se desenvolvendo aos poucos”. Faz uma análise de que “não se pode diminuir a importância dos aspectos afetivos e psicológicos levantados por Rogers, que podem ser considerados associados as pedagogias libertárias como as de Freire” e embora a empatia esteja situada “no campo das interioridades e das intimidades, ela seria uma forma de se conceber a interação entre aluno, professor e conhecimento como uma relação construída socialmente, uma janela para acessar a realidade ampliada de conhecimentos do mundo lá fora”. Conhecimento esse que para muitas pessoas não é muito fácil ser adquirido devido às limitações que possuem e a falta de infraestrutura e apoio que possuem.

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Krznaric (2015), em: ‘Sobre a arte de viver: lições da história para uma vida melhor’, faz um panorama sobre a empatia. Para o autor, “ouvindo as histórias e as lutas das pessoas, chegamos a reconhecer sua singularidade e começamos a tratá-las como seres humanos. Abrimo-nos para descobrir traços compartilhados, bem como diferenças”. No entanto, “a empatia importa não apenas por nos tornar bons, mas por ser boa para nós. Ela tem o poder de curar relacionamentos desfeitos, erodir nossos preconceitos, expandir nossa curiosidade em relação a estranhos e nos fazer repensar nossas ambições”. Analisa que “a empatia cria os vínculos humanos que tornam a vida digna de ser vivida. É por isso que tantos autores que pensam sobre estilo de vida, hoje, acham que desenvolver nossa empatia é essencial para o bem-estar pessoal”.

Para Motta (2006, p. 531) a “empatia é fundamental para o convívio em sociedade, porque promove a compaixão, a benevolência e a tolerância, além de ser um elemento indispensável para o desenvolvimento infantil saudável e feliz”. Defende que algumas variáveis ambientais favorecem a empatia em “um contexto que oferece à criança uma variedade de oportunidades para experimentar e expressar diferentes emoções e que satisfaz as suas necessidades físicas e emocionais, desestimulando a preocupação excessiva por si mesma” (Motta, 2006, p. 524). Outras autoras refletem sobre a questão da empatia e sua influência na construção de um mundo mais inclusivo.

Quando se passa a conhecer o que o outro é, faz, sonha, fica-se mais próximo de uma realidade que pode ser bastante diferente da realidade na qual se convive. A partir do momento que se conhece, um novo olhar pode ser despertado. Deste modo, novas maneiras de enxergar o mundo do outro se configuram como uma maneira eficaz de evoluir, pois, passa-se a conhecer realidades distintas e a se colocar naquele lugar antes habitado pelo outro que estava bem distante. E por meio da educação isso se concretiza (Franczak; Dalla Déa; Bezzerra, 2019a).

A presença da empatia na vida das pessoas nos faz observar que ela atua em áreas que nem mesmo se tinha noção de sua ocorrência. O mundo da leitura é uma delas.

3.4 EMPATIA E LEITURA

Empatia e Leitura constroem um mundo diferenciado baseado nas diversidades e nas diferenças. Goleman (2011a, p. 336) fala em empatia no sentido de “leitura das emoções”, uma leitura com maior “capacidade de adotar a perspectiva do outro”, com melhor “empatia e sensibilidade em relação aos sentimentos dos outros” e com melhor “ouvir os outros”. Para ele, a “empatia é um ato de compreensão tão seguro quanto a apreensão do sentido das palavras contidas numa página impressa” (Goleman, 2011a, p. 37). Ao ler, o sujeito se coloca no lugar de um personagem, vive uma vida de outra pessoa ou ser pelas escritas de um autor que também representa outro “Eu”. Nesse sentido são o “Eu” do autor, o “Eu” do personagem e o “Eu” do leitor. O encontro desses “Eus” pode gerar um novo “Eu” mais empático, mais curioso, mais criativo, mais participativo, mais “tudo o que desejar ser”.

Brolezzi (2014) vê essa relação como uma “atitude tipicamente de empatia” porque é ao “[...] olhar para as pessoas, as ideias e os autores, tentando ver o que os une, o que os torna semelhantes e de que forma poderiam atuar juntos. Assim, encontramos semelhanças de formas de olhar e de pensar o ser humano nas obras de autores clássicos e novos”. Desenvolver o olhar para o outro nos faz olhar para nós mesmos de outra maneira. Faz-nos enxergarmos o que estava adormecido dentro de nós em relação ‘com o mundo’. Mundo esse ampliado pela variedade de livros, de narrativas, de histórias, de emoções, de saberes e sabores. Já Vigotski (1999), “indicava que empatia seria uma espécie de transferência de estados de espírito do observador para o interior de formas, objetos e fenômenos”. Termo que também “utilizou para referir-se à ampliação da realidade que é obtida pela literatura e a entrada do leitor no papel dos personagens, ou mesmo na constituição do leitor como novo autor da obra que lê”. Embora sejamos diferentes, somos unidos por algo que nos tornam semelhantes: somos todos humanos e dentro de nós sempre haverá algo adormecido igualmente aos contos de fadas. Algo a ser descoberto como nas aventuras, algo que nos motiva, nos faz felizes como nas comédias. Transferir o estado de espírito de algo lido para a realidade é ampliar a constituição de um leitor.

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Cândido (2004, p. 172) revela que tanto a empatia quanto a leitura são “aquilo que consideramos indispensável para nós” e “[...] indispensável também para o próximo”. Adianta que pode “ser uma aquisição consciente de noções, emoções, sugestões, inculcamentos, mas na maior parte se processa nas camadas do subconsciente e do inconsciente, incorporando-se em profundidade como enriquecimento difícil de avaliar”. E assim, as “produções literárias, de todos os tipos e todos os níveis, satisfazem necessidades básicas do ser humano, sobretudo através dessa incorporação que enriquece a nossa percepção e a nossa visão do mundo”. Já Gottschall (2012, p. 61), “alega [...] uma projeção imaginativa na história lida: Nós temos empatia pelos personagens ficcionais – nós sabemos como eles estão se sentindo – porque nós literalmente experenciamos os mesmos sentimentos que eles”. Enquanto Kidd e Castano (2013) “ficção parece expandir nosso conhecimento sobre a vida dos outros, ajudando-nos a reconhecer nossa similaridade com eles” provando em seus estudos que a ficção promove habilidades sociais e empáticas em seus leitores.

A empatia é uma consciência do fato de que nossos interesses não são os interesses de todo mundo e de que as nossas necessidades não são as necessidades de todo mundo, e que algumas concessões devem ser feitas a cada momento. Não acho que a empatia seja caridade, não acho que seja sacrifício pessoal, não acho que seja prescritiva. Acho que a empatia é uma maneira em permanente evolução de viver tão plenamente quanto possível, porque ela expande nosso invólucro e nos leva a novas experiências que não poderíamos esperar ou apreciar até que nos fosse dada a oportunidade (Krznaric, 2015, p. 20).

O filósofo e pensador Roman Krznaric escreveu em 2015 um livro com o título: ‘O poder da empatia’ nele categorizou seis hábitos que buscam o aperfeiçoamento da empatia e que aqui relacionamos com o ato de ler (Quadro 2).

Quadro 2 – Relação empatia e leitura
ATOS DEFINIÇÃO
Ato 1 – Acione seu cérebro empático “Mudar nossas estruturas mentais para reconhecer que a empatia está no cerne da natureza humana e pode ser expandida ao longo de nossas vidas”. Na leitura isso ocorre quando o ato de ler inicia na vida de uma pessoa e com o passar dos tempos também se expande e torna-se algo essencial.
Ato 2 – Dê o salto imaginativo “Fazer um esforço consciente para colocar-se no lugar de outras pessoas – inclusive de nossos “inimigos” – para reconhecer sua humanidade, individualidade e perspectivas”. Na leitura a imaginação é algo comum. E é através dela que o leitor se coloca no lugar do autor ou do personagem, se transporta para o cenário da história e se vê enfrentando desafios.
Ato 3 – Busque aventuras experienciais “Explorar vidas e culturas diferentes das nossas por meio de imersão direta, viagem empática e cooperação social”. Na leitura a entrega se realiza quando o leitor se torna capaz de entrar na história, de vivenciá-la, de propor soluções, de dar outros finais. Finais quase sempre felizes.
Ato 4 – Pratique a arte da conversação “Incentivar a curiosidade por estranhos e a escuta radical, e tirar nossas máscaras emocionais”. Na leitura a conversação acontece com o personagem. Muitas vezes se tornando um deles, outras vezes querendo que esse personagem seja semelhante a alguém que ele admira ou se espelha.
Ato 5 – Viaje em sua poltrona “Transportarmo-nos para as mentes de outras pessoas com a ajuda da arte, da literatura, do cinema e das redes sociais na internet”. Na leitura a viagem se dá sem ao menos sair da sua poltrona. Com o acesso ao livro, a viagem se inicia, é interrompida, se refaz, continua ou é finalizada. A literatura tem o dom de humanizar as pessoas para que elas tomem a direção dessa viagem.
Ato 6 – Inspire uma revolução “Gerar empatia numa escala de massa para promover mudança social e estender nossas habilidades empáticas para abraçar a natureza”. Na leitura a inspiração de uma revolução se perfaz quando o sujeito se torna sujeito. Quando se torna criticamente liberto e livre para expor suas opiniões, seus sentimentos, seus desejos, sua vontade em ver o outro prosperar. Os livros e a literatura têm esse dom de nos mobilizar para a transformação.
Fonte: Elaborado pela autora (2021) baseado em Krznaric (2015, p. 15).
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Essa relação empatia e leitura é algo possivelmente de ser construída e trabalhada na escola através da leitura. A leitura abre as portas para que esse universo seja acessado por meio da literatura. Como deixa claro, da mesma forma que a empatia, a leitura permite o rompimento de nosso envoltório para que saiamos da caixinha, proporcionando experiências outras como visitar outras cidades, outros povos, outros tempos. Experiências que não se concretizariam de outra forma a não ser com o acesso a um livro (em mãos, em Libras, em Braille, em relevo, em áudio, em imagens, digital, entre outros). Como em um conto ou história de um livro:

Um dia você acordará para descobrir que o mundo parece diferente. Quando você entrar numa sala cheia de gente, não se concentrará mais nos indivíduos, mas nas relações entre eles. Perceberá onde os laços empáticos são fortes e onde permanecem latentes. Sua visão ficará cheia de fios invisíveis de conexão humana – tanto reais quanto potenciais – que mantêm o mundo coeso numa tessitura de compreensão mútua. E você será capaz de ver o desenho na tapeçaria, e se o padrão tecido por suas próprias ações está contribuindo para sua beleza. [...]. A empatia é a arte de se pôr no lugar do outro e ver o mundo de sua perspectiva. Ela requer um salto da imaginação, de modo que sejamos capazes de olhar pelos olhos dos outros e compreender as crenças, experiências, esperanças e os medos que moldam suas visões do mundo. [...]. Olhar a vida do ponto de vista do outro não só nos permite reconhecer suas dores ou alegrias, mas pode nos estimular a agir em favor dele (Krznaric, 2013).

No estudo ‘A relação entre a empatia e a prática da leitura literária e sua influência para o bibliotecário de referência, apresentado no XVI Encontro Nacional de Pesquisa em Ciência da Informação (XVI ENANCIB), em 2015, as autoras Adriana Silva Ornellas e Patrícia Vargas Alencar consideram

[...] a empatia como uma habilidade natural do ser humano que pode diminuir enquanto somos socializados e influenciados culturalmente, mas também pode ser desenvolvida. Neste sentido, a leitura literária mostrou-se uma das atividades mais pertinentes para tal aperfeiçoamento pois possui características que simulam a realidade e colocam o leitor em situações que o fazem refletir a partir da perspectiva do outro. A leitura literária nos permite, através da narração de acontecimentos e dos sentimentos dos personagens, ter conhecimento sobre o outro. A chamada experiência literária engrandece nossa percepção do mundo e do outro, sendo, portanto, uma atividade de prática e desenvolvimento da empatia. (Ornellas; Alencar, 2015).

A empatia sendo utilizada para promover a leitura inclusiva se faz primordialmente necessária para dar ao outro a possibilidade dos encontros que a leitura nos proporciona, das trocas, do ensino, da aprendizagem, da concretização do amor ao próximo e das experiências possíveis:

  1. Às pessoas com deficiência visual – “enxergar com os ouvidos” quando o ledor empresta sua voz ao ler em voz alta, “enxergar com as mãos” quando se materializa objetos para que ela possa tocar ou sentir as histórias. Quando se confecciona os personagens e os cenários com materiais pedagógicos em alto relevo e com diferentes texturas. E mesmo quando se faz uma audiodescrição de imagens fixas (história em quadrinhos, livros e outros) ou em movimento (vídeos, filmes, séries, programas e outros). Quando se oferta um livro em formato digital que possa ser lido em voz alta por programas de computadores específicos ou mesmo impressos em Braille;
  2. Às pessoas com deficiência física – “devolver-lhes os membros” quando lhe dão a possibilidade de se deslocarem em uma cadeira de rodas para visitarem uma biblioteca, um museu, um centro cultural, um teatro e outros. Quando lhe devolvem a possibilidade, simplesmente, de ir à escola sobre rodas, de muletas ou com uso de bengala, e a tantos outros lugares (exercendo assim, seu direto à autonomia), podendo entrar com segurança, ali permanecer para ler ou pesquisar variados assuntos. Quando lhe dão a chance de fazer um gesto, como piscar os olhos, por exemplo, e assim conseguir folhear seu livro predileto ou usá-lo para realizar suas pesquisas com auxílio de um folheador;
  3. Às pessoas com deficiência auditiva – “escutar ou se fazer ouvidos através das mãos” quando lhes possibilitam, ouvir ou ser a voz, através da “Língua de Sinais” em diferentes idiomas. Quando podem participar de uma leitura em voz alta, ouvir ou contar histórias em Libras ou outra Língua de Sinais de outro país, escrever um livro, interpretar uma pintura, assistir a um filme, participar de rodas de conversas, clube de livros e realizar tantos outros feitos com o auxílio de um intérprete;
  4. Às pessoas com deficiência intelectual ou com neurodiversidade – “compreenderem e se fazerem compreendidos” quando se traduz em imagens algo que apenas está escrito por meio de pictogramas. Quando se utiliza a linguagem adequada, as adaptações pedagógicas e informacionais que estimulem o atendimento a algumas características específicas individualizadas, tais como a oferta de sala de leitura bem silenciosa, com redução total de ruídos ou iluminação diferenciada, atividades de promoção de leitura com menor interação social possível, em outros casos o contrário, leituras compartilhadas com maior interação social, contação de histórias com uso de recursos que provoquem mais estímulos, entre outros;
  5. Às pessoas excluídas ou refugiadas – “a chance de ser e estar no mundo” – quando a diversidade é acolhida e passa fazer parte dos mais variados assuntos em nosso acervo, seja pessoal ou institucional. Quando se promove debates, rodas de conversa, trabalha com personagens de livros infantis, realiza exposições e levam informação de qualidade para os usuários sobre eles, bem como a realidade que vivem.
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Essa dupla, empatia e leitura, pode sim beneficiar crianças e jovens nos contextos educacionais, principalmente na primeira infância quando se iniciam suas jornadas nos contextos escolares, quando adotadas em unidades escolares de educação básica e no ato de ler. Ambas, propiciam um ambiente de trocas, de ensino, de aprendizagem com o outro, de concretização do amor ao próximo, de solidariedade, de justiça e de liberdade. Ambas estimulam a interação e a inter-relação com o meio.

Observe crianças e jovens que ainda não articulam as palavras, mas que compreendem o mundo à sua volta. Talvez não sejam oralizados, mas se comunicam por meio de linguagem própria, são capazes de entender e se fazer entender em seu cotidiano. Muitas delas, com necessidades específicas, dependem de uma maior oferta de linguagem para melhor se desenvolverem. E a leitura é capaz de oferecer-lhes isso, mais linguagem e estímulos para auxiliarem a obter progressos consideráveis em seu desenvolvimento pessoal, intelectual e emocional. Ao ler em voz alta, mostrar ou descrever imagens de um livro, folheá-lo, tateá-lo, tocá-lo, manuseá-lo, sentir seu cheiro, fazer do livro um ‘brinquedo’, tirar dele por meio de um fantoche seus personagens, possibilita que crianças e jovens abram suas portas culturais e para além disso, um ato de estabelecimento de carinho, aconchego, afetividade e amor.

Um dos exemplos mais lindos que tivemos oportunidade de conhecer é o We Love Reading, embora não seja brasileiro, um programa de incentivo à leitura que usa a empatia para realizar mudanças no Oriente Médio, em especial nos campos de concentração da Jordânia. Embora não seja brasileiro, o programa de leitura é realizado de maneira empática nos inspirando a desenvolver projetos que englobem essas duas áreas: Empatia e Leitura. O programa tem como fundadora e diretora Drª. Rana Dajani, sendo realizado desde 2006 e teve seu início em 2014 no campo de refugiados de Zaatari, na Jordânia, por meio de um projeto piloto. Busca promover mudanças por meio da leitura no Oriente Médio, tais como: diminuir o sofrimento das crianças após serem expostas a experiências traumáticas; diminuir o sofrimento infantil e construir uma comunidade e consequentemente uma nação prospera. Está sendo patrocinado pela Taghyeer que é uma organização independente sem fins lucrativos fundada em 2010 em Amã, na Jordânia e está registrada no Ministério do Desenvolvimento Social e Ministério da Cultura na Jordânia, reinveste qualquer financiamento recebido por causa de seus produtos e serviços, voltando à missão social. Ela visa promover o amor da leitura pelo prazer entre as crianças. Oferece treinamentos para homens, mulheres e jovens locais para realizar sessões regulares de leitura em voz alta para crianças em espaços públicos em seus bairros. As pessoas capacitadas têm a oportunidade de se tornarem Embaixadores da Leitura WLR.

Hoje se faz presente em mais de 60 países em todo o mundo (Imagem 1), onde milhares de bibliotecas da We Love Reading (WLR) foram estabelecidas. Possui uma filosofia baseada no efeito borboleta (o conceito de que pequenas ações podem ter consequências de longo alcance). Eles acreditam que apenas uma pessoa pode fazer a diferença e que a contribuição de cada indivíduo é importante. Através do esforço coletivo, a transformação se desdobra. Sua missão se associa a capacitação e envolvimento da força de trabalho, criando parcerias com as principais partes interessadas, alavancando a tecnologia e garantindo o desenvolvimento contínuo com base em pesquisas científicas.

Imagem 1 – Programa We Love Reading pelo mundo

Fonte: Disponível em: https://welovereading.org/ . Acesso em: 31 jul. 2023. Audiodescrição (AD): Imagem contendo mapa mundial com destaque em azul para os países que participam do projeto We Love Reading. Na parte central e inferior do mapa há uma borboleta em azul e, em seguida está escrito ‘63 países’.

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Tem como valores: os direitos das crianças; a qualidade; a inclusão independente de gênero, religião, status social e etnia; integridade; impacto no respeito, propriedade e gerações futuras; abordagem centrada no ser humano. Trabalham em parceria com fundações, organizações, instituições locais e internacionais que compartilham a visão e a paixão por espalhar o amor pela leitura para crianças na Jordânia e em todo o mundo.

É detentor de várias premiações internacionais das mais variadas instituições e organismos internacionais como a Organização das Nações Unidas (ONU), o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), entre outras. Possuem periódicos e várias publicações com acesso em sua página na internet, bem como muitas histórias de sucesso ao redor do mundo. Buscam promover a responsabilidade social, cívica, o engajamento, o bem-estar psicossocial, através de uma metodologia construída a partir de pesquisas aprofundadas sobre o desenvolvimento da primeira infância.

Acreditam que ler para crianças desde a mais tenra idade é fundamental para nutrir uma mente forte e saudável, pois mantém e fortalece as conexões neuronais essenciais. Além disso, o impacto múltiplo da leitura é de grande importância em tempos de crise, como guerra ou desastre natural, quando o trauma impede o desenvolvimento cerebral da criança, a educação é interrompida e as crianças carecem de interações positivas e significativas com os pais e outros adultos. Estabelecem parcerias com instituições acadêmicas como a Universidade de Yale, a Universidade de Chicago e universidades locais para conduzir estudos que monitoram os efeitos do programa WLR no desenvolvimento infantil. Disponibilizam as diferentes pesquisas que resultantes dessa parceria (eficácia da leitura, empatia, resiliência, sustentabilidade, ansiedade e depressão infantis aliadas ao baixo rendimento escolar ou evasão, entre outros). Ao mesmo tempo, mostram os resultados de alguns estudos em que a leitura de livros explora sentimentos e emoções, aumenta a preocupação empática e o comportamento pró-social (conduta social que beneficia alguém ou a sociedade, como compartilhar ou obedecer às regras).

O programa desenvolve livros criativos e que libertam a imaginação das crianças. Adotam critérios e a metodologia própria, levando em consideração fatores como tema, relevância para a cultura e os antecedentes das crianças, idioma e adequação à idade. Desse modo, valorizam escritores, ilustradores, designers e editores locais, pois todo conteúdo é revisado por consultores de educação e consultores nos respectivos temas de conteúdo. Criou 32 livros infantis com uma variedade de temas, incluindo conscientização ambiental, empatia, gênero, não violência, deficiência e refugiados. Segundo dados do site, desde 2018 até o momento, distribuíram mais de 266.213 livros em toda a Jordânia, capacitaram mais de 4.478 Embaixadores da Leitura WRL e mais de 7.529 estagiários, realizaram 154.860 sessões de leitura com mais de 497.792 crianças lendo.

    O modelo do programa foi projetado para ser:

  1. Simples e acessível – Facilita a adaptação em diversos contextos culturais, linguísticas e socioeconômicos;
  2. Flexível – Estabelece a relação com o custo-benefício baseado na comunidade permitindo sua expansão de fronteiras tornando base ideal para um movimento de leitura.
  3. Social – Alavanca a ação coletiva no nível local para criar mudanças na comunidade e em toda a sociedade;
  4. Baseado em evidências – Demonstra empiricamente o impacto que o programa tem na sociedade, nas crianças e nos Embaixadores da Leitura.

Está alinhado aos Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030, de 2015, da Organização das Nações Unidas (ONU), cujas metas visam mudanças para um mundo mais sustentável e resiliente até 2030 (Nações Unidas no Brasil, 2015). Englobam quatro ODS delas e abrange as principais áreas expostas no Quadro 9.

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Quadro 3 – Relação principais áreas de impacto e os ODS
PRINCIPAIS ÁREAS DE IMPACTO
Saúde Psicossocial e Mental ODS – 3 – Assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todos, em todas as idades.
Desenvolvimento da primeira infância ODS – 4 – Assegurar a educação inclusiva e equitativa e de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos.
Refugiados ODS – 4 – Assegurar a educação inclusiva e equitativa e de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos.
Empoderamento das mulheres ODS – 5 – Alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas.
Consciência social ODS – 10 – Reduzir a desigualdade dentro dos países e entre eles.
Empreendedorismo Social ODS – 10 – Reduzir a desigualdade dentro dos países e entre eles.
Fonte: Elaborado pela autora (2021), segundo o Programa WLR.

Bem como qualquer leitor e qualquer pessoa que incentive a leitura e tenha empatia, ler ou ouvir histórias fantásticas é algo fascinante e que nos propõe uma viagem experiencial a outras realidades. Diante desse programa e todas as ações realizadas por meio das pessoas e entidades envolvidas, convidamos-vos a embarcar nessa aventura. Aventura de conhecer como uma ideia se multiplica, propaga, se fortalece, se expande além das fronteiras, se torna importante para quem dela depende para ter um mundo melhor, um dia mais alegre, uma noite mais calma e aquece os corações com mais esperança. Essa aventura terá como história a história da Embaixadora de leitura WLR, Asma.

Asma é uma refugiada do campo de Zaatari (maior campo de refugiados sírios na Jordânia) que se casou aos 16 anos e concluiu seus estudos. Mudou para a Jordânia durante a crise síria com dois filhos e seu marido. Teve um aborto espontâneo e estava deprimida. Em 2014, participou do treinamento da We Love Reading em dois dias e começou a ler em seu bairro. Asma continuou lendo em voz alta para as crianças de sua vizinhança, recuperando sua positividade e construindo sua resiliência (Imagem 2). Em 2015, com o aumento de sua confiança, começou a escrever suas próprias histórias e passou a escrever para a revista mensal Zaatri. Em 2016, ela recebeu um convite para ser professora. Apesar de não ter concluído seus estudos, tinha capacidade para cuidar das crianças, envolvê-las na leitura e na diversão promovendo o aprendizado. Com o aumento de sua autoconfiança pensou em ir além de si mesma se tornando um catalisador para os outros. Em 2017, Asma iniciou o treinamento de meninas adolescentes a ler em voz alta para que elas também pudessem começar a ler em voz alta para crianças em seus bairros. Sua atitude empática a transformou em empreendedora social.

Imagem 2 – Embaixadora de Leitura WLR Asma em Zaatri na Jordânia
Audiodescrição (AD): Embaixadora Asma lendo em voz alta para crianças, mostra a capa do livro. Ambos estão sentados em colchões ou tapetes em uma sala. Fonte: https://i0.wp.com/welovereading.org/wp-content/uploads/2019/06/2017-11-8692-2.jpg?w=2048&ssl=1. Acesso em: 28 maio 2020.

Como Asma, outras tantas pessoas mudam parte do mundo de alguém com suas ações. Para se motivarem, apresentamos algumas imagens do trabalho realizado pelo Programa We Love Reading ao redor do mundo (Imagens 3 e 4).

Imagem 3 – Embaixadores de Leitura do Programa We Love Reading pelo mundo
Audiodescrição (AD): imagem composta pelo mix de 6 imagens, da esquerda para direita de cima para baixo temos: 1 e 2 Embaixadoras não identificadas lendo para crianças em voz alta. 3 Embaixadora Dina Almawed lendo para crianças em voz alta no campo de Ein Alhelweh no Líbano. 4 Mural realizado pela Embaixadora Liliana Rodolao de Buenos Aires na Argentina. 5 e 6 Embaixadora Adala Hussien Abu Medien lendo em voz alta para crianças com síndrome de Down no Centro Infantil da Fundação Abdel Mohsin Al Qattan, em Gaza, na Palestina. Fonte: https://welovereading.org/success-stories . Acesso em: 28 maio 2020.
Imagem 4 – Histórias de sucesso do Programa We Love Reading no mundo
Audiodescrição (AD): imagem composta pelo mix de 6 imagens, da esquerda para direita de cima para baixo temos: 1 Embaixadora Heba Al-Omari lendo para crianças em Irbid na Jordânia. 2 Embaixadora Pricilla lendo para crianças em Gana. 3  Embaixadora Gabriela Patoska lendo para crianças na Macedônia. 4 Embaixadora Aya Mustafa comas  crianças na Noruega.  5 Embaixador  Hamzeh Abu Slaih   com as crianças em Madaba na Jordânia. 6  Embaixador  Huong Dang lendo para crianças numa praça no Vietnã. Fonte: https://welovereading.org/success-stories/ . Acesso em: 28 maio 2020.
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Imagem 5 – Fases iniciais do desenvolvimento dos livros infantis para o Programa We Love Reading
Audiodescrição (AD): Imagem composta pelo mix de 4 imagens, da esquerda para direita de cima para baixo temos: 1 Duas pessoas em torno de uma mesa, uma delas com um lápis na mão, o roteiro do livro sobre a mesa e as ilustrações em sequência. 2 Uma mão com lápis colorindo uma ilustração do livro. 3 Mesa de trabalho com diversos objetos e em evidência as ilustrações sobrepostas uma sobre a outra intercaladas com papel manteiga para separá-las. 4 Protótipo do livro sobre a mesa com algumas observações escritas em post-its colados.
Fonte: https://welovereading.org/book-development/ . Acesso em: 28 maio 2020.
Imagem 6 – Fases finais do desenvolvimento dos livros infantis para o Programa We Love Reading
Audiodescrição (AD): Imagem composta pelo mix de 3 imagens, sendo que a primeira ocupa toda a altura da Imagem e as segunda e terceira dividem a outra parte, da esquerda para direita de cima para baixo temos: 1 Mulher realiza a revisão nas páginas impressas em tamanho original da página impressa sem dobras. 2 Várias páginas sobre a mesa sobrepostas contendo as páginas impressas coloridas para dobrar e fazer os cadernos. 3 Livros prontos sobrepostos um sobre o outro em uma mesa.
Fonte: https://welovereading.org/book-development/. Acesso em: 28 maio 2020.

A empatia por meio da leitura nos faz enxergar o diferente, o mundo lá fora de nós mesmos, a criar laços indestrutíveis, ‘fios de conexões humanas’, realizar uma ‘tessitura de compreensão mútua’, ver sob uma ótica diferente, compreender o antes não compreendido, tornar latente a esperança, moldar outro mundo possível e, acima de tudo transformar isso em ação consciente. Como um livro, a empatia nos mostra que nossos interesses são diferentes, não são os interesses de todo mundo, bem como nossas necessidades também não são as necessidades de todo mundo, as histórias demonstram realidades distintas, atraem outros interesses.

Notas


1.Bachelard chamava as formas de pensar críticas e investigativas de ‘cultura científica’ (Bachelard, 1996).

2.Audiodescrição (AD) – A audiodescrição é um recurso que traduz imagens em palavras, permitindo que pessoas cegas ou com baixa visão consigam compreender conteúdos audiovisuais ou imagens estáticas, como filmes, fotografias, peças de teatro, entre outros. O recurso é direcionado ao público com deficiência visual, mas pode beneficiar outros públicos com outras deficiências e idosos. Ele é normalmente utilizado em produtos e serviços culturais, educacionais e de entretenimento, através da disponibilidade das descrições de diversas maneiras, permitindo um acesso mais amplo e completando uma deficiência que esses produtos e serviços tinham para contemplar a todos. A disponibilidade do recurso pode ser feita mixada ao áudio original em filmes, distribuída em fones receptores em teatros, acessada através de texto pelos softwares leitores de tela em livros digitais, disponibilizada em audioguias, entre outros (Freitas, 2018).