Prova Brasil: implicações na proposta das escolas em período de tempo integral

Resumo: Este estudo investigou o impacto da Prova Brasil nas escolas de tempo integral, focando no CEPI Professor Sebastião França em Goiânia, GO. Utilizando uma abordagem qualitativa, questionários foram aplicados a professores e alunos para coletar dados. Os resultados mostram uma percepção positiva sobre a Prova Brasil, porém, destacam a influência negativa das avaliações externas nas práticas pedagógicas, direcionando-as para critérios padronizados que divergem dos ideais de educação emancipadora. Os achados sugerem que as escolas podem estar adotando, mesmo que inadvertidamente, um modelo neoliberal, focado em resultados mensuráveis em detrimento de uma aprendizagem significativa. O estudo conclui destacando a necessidade de repensar as políticas educacionais para promover o desenvolvimento regional através de práticas alinhadas à educação libertadora.

Palavras-chave: Prova Brasil. Escolas de Tempo Integral. Desenvolvimento Regional.

1. Introdução

A educação, em seu papel central no desenvolvimento social e econômico, tem sido objeto de intensas discussões e reformas no Brasil. Neste cenário, as escolas de tempo integral emergem como um modelo inovador, visando oferecer uma educação integrada. Paralelamente, avaliações nacionais como a Prova Brasil têm ganhado destaque como instrumentos essenciais para mensurar e orientar o desempenho educacional no país. Contudo, a intersecção entre esses dois elementos – escolas de tempo integral e avaliações nacionais – permanece um campo pouco explorado, especialmente no que tange às suas implicações mútuas e ao impacto no desenvolvimento regional.

A relevância dessa interação reside na potencial influência da Prova Brasil sobre as dinâmicas internas das escolas de tempo integral, abrangendo aspectos como o engajamento dos alunos e as práticas pedagógicas adotadas. A justificativa para esta pesquisa surge da necessidade de entender como as escolas em período integral, respondem e se adaptam às exigências e resultados de uma avaliação educacional de amplitude nacional. Tal compreensão é fundamental para direcionar as políticas educacionais e práticas pedagógicas, visando aprimorar a qualidade do ensino e contribuir para o desenvolvimento regional.

O objetivo principal deste estudo é investigar o impacto da Prova Brasil na rotina de escolas de tempo integral e suas implicações para o desenvolvimento regional. Para alcançar este objetivo, o estudo se concentra em um caso específico: o CEPI Professor Sebastião França, localizado em Goiânia, GO. Através de um Estudo de Caso, envolvendo questionários aplicados a professores e alunos, busca-se compreender como a Prova Brasil influencia o comportamento e a participação dos alunos em sala de aula, bem como o impacto desta avaliação nas práticas pedagógicas dos professores.

Os resultados deste estudo visam contribuir para uma compreensão dos desafios e oportunidades que as escolas de tempo integral enfrentam no contexto das avaliações nacionais. Além disso, espera-se que os achados forneçam subsídios para políticas educacionais mais eficazes e práticas pedagógicas alinhadas às necessidades e especificidades destas escolas, promovendo assim um desenvolvimento regional mais sustentável e inclusivo através da educação.

2. Referencial Teórico

A educação, conforme concebida por Freire (1980), é entendida não apenas como um processo de aquisição de conhecimento, mas como um meio de emancipação e transformação social. No Brasil, esse entendimento se torna ainda mais relevante dada a diversidade sociocultural e as desigualdades históricas presentes no país. Saviani (1992) e Libâneo (1994) ressaltam que o sistema educacional brasileiro enfrenta o desafio de promover uma educação inclusiva e de qualidade, capaz de atender às necessidades de uma sociedade em constante evolução. Segundo esses autores, a educação deve ser vista como um direito fundamental e um instrumento de cidadania, o que se alinha com os princípios estabelecidos na Constituição Brasileira de 1988 e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/1996) (BRASIL, 1988; BRASIL, 1996).

As escolas de tempo integral emergem como uma resposta a essa demanda por uma educação integradora. Almeida e Faria (2013) discutem como essas escolas visam oferecer uma experiência educacional que ultrapassa os limites do currículo convencional, integrando diversas áreas do conhecimento e atividades extracurriculares. Gadotti (2008) e Freitas (2007) enfatizam que o modelo de tempo integral é projetado para fornecer um ambiente educacional enriquecido, que estimula o desenvolvimento integral do aluno. Esse modelo é amparado pela legislação educacional brasileira, que reconhece a importância da educação integral para o desenvolvimento pleno dos indivíduos (BRASIL, 1996; BRASIL, 1988).

Dentro desse contexto educacional, as avaliações externas, como a Prova Brasil, assumem um papel significativo. Bonamino e Sousa (2009), juntamente com Fernandes, Souza e Franco (2015), destacam a Prova Brasil como um instrumento chave para avaliar e monitorar a qualidade do ensino. Haddad e Di Pierro (2011) ressaltam que, além de medir o desempenho acadêmico, a Prova Brasil serve como uma ferramenta orientadora para políticas educacionais e práticas pedagógicas. A importância desse tipo de avaliação é corroborada por Oliveira (2017) e Custódio e Souza (2020), que analisam como a Prova Brasil influencia as políticas educacionais, afetando decisões importantes no âmbito da gestão escolar.

Essa abordagem de avaliação externa é essencial para o desenvolvimento de um sistema educacional responsivo e adaptativo às necessidades dos alunos e da sociedade. Por um lado, essas avaliações fornecem dados sobre o desempenho dos alunos e a eficácia das práticas pedagógicas. Por outro, elas podem impulsionar reformas educacionais, levando a melhorias na qualidade do ensino e na igualdade de oportunidades educacionais. A Prova Brasil, portanto, é um componente importante na estratégia para aprimorar a educação brasileira, fornecendo insights que podem guiar a tomada de decisões em todos os níveis do sistema educacional.

A combinação desses três elementos - a visão ampliada da educação, o modelo das escolas de tempo integral e a implementação de avaliações externas como a Prova Brasil - compõe um quadro complexo e dinâmico da educação brasileira atual. Essa estrutura teórica fornece uma base para entender os desafios, as oportunidades e as nuances do sistema educacional no Brasil. Ela também destaca a importância de abordagens integradas e contextualizadas na educação, que considerem as especificidades culturais, sociais e econômicas do país, visando ao desenvolvimento de uma sociedade mais justa e igualitária.

3. Metodologia

O Centro de Ensino de Período Integral Professor Sebastião França (CEPI Professor Sebastião França), localizado em Goiânia, GO, é um exemplo emblemático de inovação pedagógica no cenário educacional brasileiro. Este centro educacional, dedicado ao desenvolvimento integral dos alunos, adota uma metodologia de ensino interdisciplinar e reflexiva, estimulando os estudantes a se tornarem protagonistas ativos em seu processo de aprendizagem. Este enfoque alinha-se com as concepções contemporâneas de educação, que enfatizam a importância do protagonismo estudantil e da aprendizagem interdisciplinar para o desenvolvimento de competências essenciais no século XXI (Libâneo, 2004; Perrenoud, 1999).

Atendendo a cerca de 295 alunos, com idades que variam entre 11 e 15 anos, o CEPI Professor Sebastião França abarca as séries do 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental. Operando em um regime de tempo integral, com uma jornada diária extensa de nove horas e trinta minutos, a instituição oferece um ambiente educacional rico e diversificado. Suas instalações, que incluem salas de aula especializadas, laboratórios de ciências e áreas desportivas, além de espaços destinados ao Atendimento Educacional Especializado (AEE), são projetadas para suportar uma abordagem pedagógica integrada, conforme sugerido por autores como Moll (1990) e Vasconcellos (2002).

A pesquisa realizada no CEPI Professor Sebastião França utilizou uma abordagem qualitativa e exploratória, visando entender as dinâmicas internas e as práticas pedagógicas da instituição. Para tanto, foram empregados questionários dirigidos a professores e alunos do nono ano. Essa metodologia permitiu captar percepções, atitudes e feedback sobre o ambiente educacional e as práticas pedagógicas adotadas, em consonância com as recomendações de Yin (2018) sobre a eficácia da pesquisa qualitativa em ambientes educacionais.

A escolha do CEPI Professor Sebastião França como objeto de estudo se deu em razão de seu modelo educacional inovador e dos resultados expressivos alcançados em avaliações educacionais, refletindo a relevância e o impacto de suas práticas pedagógicas.

A coleta de dados foi realizada por meio de questionários, cujos resultados forneceram informações quantitativas e qualitativas essenciais para a análise. A análise de conteúdo, técnica qualitativa, foi utilizada para examinar os dados coletados. Esta análise permitiu identificar padrões e tendências sobre as práticas pedagógicas e a eficácia do modelo de ensino adotado pelo CEPI, como sugerido por Miles e Huberman (1994).

4. Resultados e discussão

A interpretação dos gráficos relacionados à percepção da Prova Brasil por estudantes e professores em escolas de tempo integral oferece insights sobre o impacto ambivalente desta avaliação na qualidade da educação e no desenvolvimento regional. Segundo a Figura 1, uma ampla maioria de estudantes (89,2%) reconhece a importância da Prova Brasil para mensurar a qualidade educacional em escolas de tempo integral. Essa constatação, à primeira vista positiva, revela, sob uma análise mais crítica, um cenário onde a avaliação externa começa a ditar os contornos da educação, eclipsando objetivos pedagógicos mais amplos e emancipatórios.

Figura 1: Relevância dos resultados da Prova Brasil para a qualidade da educação em escolas de tempo integral

Embora essa percepção positiva possa ser interpretada, conforme apontado por Silva (2018), como um reconhecimento da importância da prova como ferramenta de avaliação e um potencial motivador para o engajamento dos alunos em atividadeseducacionais, uma leitura alternativa sugere uma problemática central: a educação começa a ser vista e construída em função dessas avaliações externas.

Almeida (2019) argumenta que a utilização dessa percepção para aprimorar a preparação dos alunos pode, reforçar uma abordagem pedagógica que prioriza a adequação aos critérios de avaliação em detrimento da promoção de um aprendizado crítico e emancipador. Tal cenário desvia-se dos ideais defendidos por Freire (1980), Libâneo (1994) e Saviani (1992) que veem a educação como um meio de emancipação social e desenvolvimento de um pensamento crítico autônomo. Por outro lado, a Figura 2 abaixo mostra que a maioria dos professores (73,3%) percebe um impacto da Prova Brasil na rotina escolar.

Figura 2: Percepção do impacto da Prova Brasil na rotina da escola de tempo integral

Esta percepção, conforme analisada por Ferreira e Souza (2020), destaca como a Prova Brasil se tornou um elemento determinante na configuração das práticas pedagógicas, levando a uma homogeneização do ensino que prioriza a preparação para testes padronizados. Essa orientação resulta em uma redução do espaço para abordagens educativas mais holísticas e emancipatórias, que enfatizam o desenvolvimento crítico, a criatividade e a participação ativa dos alunos no seu próprio processo de aprendizagem. Curiosamente, a minoria de professores (26,7%) que não percebe tal impacto evidencia a existência de resistências pontuais a essa lógica, sugerindo a possibilidade de práticas pedagógicas alternativas menos focadas em testes, conforme discutido por Machado e Garcia (2014). No entanto, esse grupo minoritário também ilustra o desafio de implementar uma educação emancipadora em um contexto dominado por avaliações externas que moldam os objetivos e métodos educacionais.

A Figura 3 ilustra que uma significativa parcela dos professores (observa-se um impacto moderado a alto para a maioria) reconhece o papel central da Prova Brasil na configuração das rotinas escolares em instituições de tempo integral, evidenciando como essa avaliação se tornou um pilar na estruturação das atividades pedagógicas.

Figura 3: Impacto da Prova Brasil na rotina das escolas em tempo integral

Conforme apontado por Xavier (2016), embora a Prova Brasil possa ser vista como um mecanismo para orientar melhorias na educação, ela também carrega implicações significativas que vão além da esfera acadêmica, afetando o desenvolvimento integral e o bem-estar dos alunos. Essa constatação se torna preocupante quando se considera a crença de 85,7% dos professores no potencial transformador das escolas de tempo integral para o desenvolvimento regional, conforme discutido por Araújo e Oliveira (2015) e Sousa e Freiesleben (2018). Tal otimismo quanto ao papel da educação como vetor de crescimento individual e progresso regional pode ser comprometido por uma ênfase desproporcional em resultados de avaliações externas.

Figura 4: Capacidade das escolas em tempo integral de impulsionar o desenvolvimento regional

A diversidade de percepções entre os professores sobre o impacto da Prova Brasil nas escolas de tempo integral e suas implicações no desenvolvimento regional ilumina a complexidade inerente a essa relação. Aprofundar-se nas causas dessa percepção variada, conforme sugerido por teóricos como Flyvbjerg (2006) e Stake (1995) através da metodologia de estudo de caso, pode revelar compreensões para a formulação de políticas educacionais e práticas pedagógicas futuras. Esta investigação fomenta uma educação que, ao invés de se conformar às métricas de avaliações externas, se compromete com os princípios de emancipação, liberdade e desenvolvimento crítico dos alunos.

Entender essas nuances se torna vital para a construção de uma abordagem educacional capaz de reconhecer e integrar as múltiplas facetas da Prova Brasil dentro de um contexto educacional que priorize a formação integral do ser. Isso implica em desafiar e repensar a predominância de uma lógica educacional que se baseia no desempenho em testes padronizados, visando, em vez disso, adotar práticas que valorizem o desenvolvimento humano, o pensamento crítico e a capacidade de transformação social dos alunos. Assim, a pesquisa aponta para a necessidade de políticas educacionais e práticas pedagógicas que, ao invés de perpetuar a lógica neoliberal de educação centrada em resultados, inspirem um processo educativo que seja, em sua essência, libertador e revolucionário, alinhado aos ideais de educadores como Freire (1980), Libâneo (1994) e Saviani (1992).

5. Considerações Finais

Esta pesquisa, ao examinar a interação entre a Prova Brasil e a educação em escolas de tempo integral, trouxe à luz reflexões críticas sobre as complexidades dessa relação, não apenas do ponto de vista pedagógico, mas também considerando suas implicações socioeconômicas. A análise destacou que, embora a Prova Brasil possa servir como um mecanismo para avaliar certos aspectos da qualidade educacional, sua abordagem não se alinha com os princípios da educação integral. Isso se manifesta em uma prática educacional que, pode desviar-se da promoção do desenvolvimento pleno dos estudantes, enquanto serve aos interesses do mercado de trabalho.

A adoção de escolas de tempo integral, embora atenda a uma demanda legítima por parte dos pais que necessitam de apoio para conciliar trabalho e família, também reflete como a educação pode ser moldada por necessidades externas, favorecendo o mercado de trabalho. Essa configuração levanta questionamentos críticos sobre o propósito da educação: ela se destina a promover o desenvolvimento integral dos alunos ou a atender às exigências do mercado de trabalho, facilitando assim uma economia que requer pais trabalhadores em tempo integral.

Adicionalmente, o estudo ressaltou a crença no potencial das escolas de tempo integral para contribuir para o desenvolvimento regional. No entanto, ao delinear essa contribuição, é essencial questionar: (Des) envolvimento para quem? Essa pesquisa revelou uma lacuna na discussão sobre como a educação orientada por avaliações externas, como a Prova Brasil, e o modelo de escolas de tempo integral podem apoiar um desenvolvimento regional que beneficie todos os membros da comunidade, e não apenas os interesses econômicos predominantes.

Portanto, ao concluir, enfatiza a urgência de uma abordagem crítica e reflexiva que aborde tanto a relação entre avaliação educacional e práticas pedagógicas quanto o papel da educação no contexto socioeconômico. As políticas educacionais futuras devem reconhecer e incorporar os princípios da educação integral, garantindo que as avaliações nacionais e o formato das escolas de tempo integral não apenas enriqueçam a experiência educacional dos estudantes, mas também promovam um desenvolvimento regional inclusivo e equitativo.

Encoraja-se a realização de futuras pesquisas que explorem estratégias para harmonizar a educação integral com as necessidades sociais e econômicas regionais de forma que a educação se torne um vetor para o desenvolvimento social verdadeiro, questionando e expandindo o entendimento de desenvolvimento para incluir bem-estar coletivo, justiça social e oportunidades equitativas para todos.

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