O Rap como Recurso Didático no Ensino de História
148Resumo: Esta pesquisa propõe o uso do Rap como método pedagógico para o Ensino de História. Nesse sentido, almeja relacionar os usos deste gênero musical enquanto recurso didático, apresentando aos alunos e educadores como a música potencializa o aprendizado histórico. Ao explorar o Rap nessa perspectiva, é possível delimitar suas letras em recortes históricos, de maneira a compreender os períodos trabalhados na disciplina de História. Esta pesquisa visualiza o Rap como fonte cultural a ser explorada musicalmente, considerando a lírica destas canções, por apresentar ritmo, melodia, letras e sonoridade, propondo esses elementos como foco do estudo. Além disso, investigaremos a compreensão dos estudantes acerca da importância do Rap no Brasil, apresentando o gênero como agregador educacional, por relatar momentos históricos brasileiros com uma linguagem coloquial, equiparado à linguagem dos jovens adolescentes envolvidos na pesquisa. Nos centros de ensino que a pesquisa foi introduzida brevemente, captamos que os estudantes possuem interesse pela música de forma geral, e associam o Rap às questões raciais. No entanto, este estudo pretende progredir esse pensamento prévio para questões sócio econômicas, de gênero, históricas e também raciais. Para além da aproximação histórico musical, essa pesquisa busca trazer percepções sobre como a música impacta a vida dos estudantes, com foco nos gêneros periféricos, e como utilizar as canções em sala de aula. Ademais, os usos da música em sala de aula podem ser explorados em outras disciplinas, complementando o conteúdo, e para os educadores há uma elucidação de como abordar temáticas delicadas na linguagem do Rap.
Palavras-chave : Ensino de História. Rap. Música.
1. Introdução
O Ensino de História engloba, de forma sintética, maneiras de transportar a historicidade para a sala de aula e, com o auxílio teórico unido às práticas metodológicas, a disciplina de História representa para o ensino educacional uma ponte para a criticidade dos estudantes.
Pontua-se essa característica sobre o senso crítico, embasados nos fatos históricos, inserida no ensino de História ao considerar as Ciências Humanas como caminho reflexivo, filosófico e factual a ser seguido na educação. Compreender o espaço, a sociedade, as interações sociais e a humanidade são pontos referenciais para Michele Perciliano acerca da História:
O que se observa também é um quadro de expectativa com relação à disciplina de História e seu papel na formação de um cidadão crítico. A relevância e a carga dada à disciplina dentro dessa expectativa é de que a História, enquanto disciplina, deva ao menos fazer o indivíduo refletir seu presente e localizar-se temporalmente, reconhecendo que faz parte de um ambiente político, cultural e social (2017, p. 144).
Cada gênero musical brasileiro descreve e representa diferentes camadas da sociedade, correspondendo à época, classe social e influência cultural, havendo diversos gêneros que abrangem culturas e subculturas. O gênero musical Rap se enquadra nas músicas marginais, oriundas de outros subgêneros, com uma proposta disruptiva sócio cultural, nascendo nas periferias brasileiras da vozes subalternas, oprimidas e marginalizadas socialmente.
O Rap surgiu no Brasil nas periferias de São Paulo em 1990, derivando do movimento Hip Hop - trazido dos Estados Unidos, com seu ápice em 1970 e 1980 -, sendo a expressão artística de uma população marginalizada, e direcionando holofotes às mazelas sociais da periferia. Importante ressaltar que o movimento Hip Hop contém suas particularidades, como estilo, arte, dança e música, - sendo essas bases compostas por quatro elementos: o DJ, MC, break e graffite -, e no Brasil esses pilares solidificam-se na música assim surgindo o Rap, sendo o Hip Hop o estilo de vida dos rappers (MACEDO, 2011).
A linguagem musical do Rap conversa diretamente com temas sensíveis e assuntos que alcançam períodos históricos e passíveis de reflexões sociais; logo, ao tratar de vivências individuais, as letras atingem pontos essenciais que podem e devem ser explorados em sala de aula. Escurecendo , as narrativas dos rappers estão localizadas em um ambiente exuberante para o aprendizado, a lírica das letras permite análises sobre esses relatos que denunciam problemas sociais, raciais e estruturais nas periferias brasileiras.
2. Metodologia
Os métodos para inserir a temática em sala de aula podem ser listadas ao propor uma análise geral sobre a canção, inicialmente considerando sua conjuntura, para além das letras, ressaltando o ritmo, contexto no qual foi escrita, os compositores e a abordagem do todo como proposta lírica (NAPOLITANO, 2001).
A escolha das músicas denota-se crucial para iniciar a abordagem, priorizando aquelas que são mais próximas do cotidiano dos alunos, de rappers mais recentes na cena. Sendo assim, é crucial compreender o que a turma carece e pode contribuir para melhor aproveitamento do conteúdo.
No que refere-se às canções abordadas neste projeto, e posteriormente expostas aos estudantes nos próximos estágios, listo abaixo algumas músicas e seus respectivos assuntos, no que tangem a associação com a disciplina:
Quadro 1 : Músicas e períodos históricos equivalentes
RAP | Período Histórico |
---|---|
MC Funkero - História Oculta | Colonização/escravidão/pós-escravidão |
Racionais - Negro Drama | Escravidão/pós-escravidão |
Face da Morte - Anos de Chumbo | Ditadura Militar de 1964 |
Rapadura - O Nordeste é a Peste | Êxodo Rural/ Movimentos sociais/ Imigração |
Racionais - Diário de um detento | Movimentos sociais/ Encarceramento racista |
Emicida - Ismália | Movimentos sociais/Movimento Negro |
Katú Mirim - Nativas | Movimentos sociais/Movimento Indígena |
César MC - Canção Infantil | Movimentos sociais/ Desigualdade social |
Rincon Sapiência - A Coisa tá preta | Movimentos Sociais/ História da África - Afro Brasileira |
Guiu, DK47 - Racista e N1ke | Movimentos Sociais - negro/ Eleições 2018 |
Fonte: Elaboração da autora, 2023.
Considerando que a escola seja um dos principais pontos de apoio do projeto, a adição ou a união com as aulas que exploram e incentivam a música, como disciplinas de Música ou matérias eletivas que possuem esta proposta, evidenciam para os alunos como as músicas são, sonoramente, a construção dos acordes e as bases que provém da cultura preta (instrumentos de percussão).
Ou seja, reproduzir essas canções com instrumentos musicais, ou na perspectiva de um profissional da área, traz para o aluno maior aproximação com o assunto, logo agregando elementos defendidos pelos teóricos da História Pública (Hermeto, 2021), que ressaltam a importância do contato com a prática; neste caso, seria indispensável essa interação direta.
Uma vez realizada a escolha das canções, apresenta-se relevante utilizar outros meios e fontes históricas que aprofundem o tema, como documentários, episódios de séries, e entrevistas dos rappers que expliquem com objetividade o significado das canções e o que elas representam para o intérprete. Assim como Iolanda Macedo (2000) utiliza de recortes de revistas para apontar problemas - sejam problemas cronológicos, históricos ou verídicos - nas músicas, encarando como fundamental a busca pela criticidade.
3. Resultados e Discussão
Os resultados esperados nesta pesquisa englobam incentivar a busca por novas linhas artísticas nos estudantes, cumprindo com a criticidade das Ciências Humanas, sendo claro e bem delimitada para as Redes de Ensino que outras ferramentas pedagógicas são viáveis para ensinar História. Utiliza-se, nesse sentido, o conhecimento prévio dos alunos e assim busca-se maior interesse no aprendizado por meio da música.
No breve momento que esta pesquisa foi aberta à discussão em um Centro de Ensino, podemos observar que havia a possibilidade de promoção de eventos, saraus ou batalhas de rimas, podendo ser organizadas dentro da instituição de ensino, a fim de alinhar os conteúdos aprendidos durante o bimestre/semestre, como última tentativa de fixação da temática.
De maneira sucinta, esse projeto de estágio tem por cerne mostrar que é possível encarar o ensino com ferramentas diversificadas e acessíveis para os docentes e discentes, considerando a perspectiva dos povos subalternos e valorizando as fontes periféricas, elaborando aulas interativas que trazem para a sala de aula a experiência sensorial que a música proporciona.
4. Considerações Finais
O presente trabalho busca, por meio da fundamentação teórica, traçar uma narrativa não linear acerca do Ensino de História, de modo a utilizar a música como ferramenta principal para compreensão do conteúdo desenvolvido em sala de aula. Considerando essa intenção, as correntes historiográficas acerca da História Pública permeiam os assuntos e os guiam para alcançar os objetivos, que seria o conhecimento histórico.
Para além da música, o Rap irá encaminhar para compreensões diversas sobre a História, por ser uma ferramenta pedagógica, que assim como as outras precisa basear-se em fundamentos teóricos e metodológicos.. Sendo assim, a utilização de outros artifícios historiográficos surge como auxílio para construir esse pensamento crítico, que neste caso ao se tratar de uma lírica possui uma visão unilateral e pessoal daquele rapper, pois o Rap nada seria sem a pessoalidade de seu intérprete.
A música surge nesta pesquisa como meio de comunicação entre professor e aluno, considerando a bagagem cultural que os estudantes possuem, pois, mesmo que não haja proximidade com o gênero, eles se encontram inseridos numa cultura musical (de variados gêneros) em níveis diferentes; caso contrário, esta será a oportunidade ideal para tal. O alcance musical é o fator principal do aprendizado, nestas circunstâncias, pois ela traz ao estudante a possibilidade de compreender, por meio da lírica, relatos pessoais que representam grande parte da população periférica e preta do Brasil.
5. Referências
FAVERA IX. Disponível em: http://favera.com.br/ Acesso em ago de 2023.
HERMETO, Miriam; FERREIRA, Rodrigo de Almeida. “História pública e ensino de história” - São Paulo, SP: Letra e Voz, 2021.
LEAL, Zenildo. Ensino de História entre rimas e ressignificações: História da República Brasileira através do RAP. Dissertação (Mestrado Profissional em Ensino de História). Unifesp: Guarulhos, 2022
MACEDO, Iolanda. A linguagem musical Rap: expressão local de um fenômeno mundial. Tempos Históricos, [S. l.] , v. 15, n. 1, p. 261–288, 2000.
NAPOLITANO, Marcos. História & música. Belo Horizonte: Autêntica, 2016.
PERCILIANO, Michele. NO RITMO E NA POESIA: O RAP E O HIP HOP COMO ESTRATÉGIA DIDÁTICA PARA O ENSINO DE HISTÓRIA DA ÁFRICA E CULTURA AFRO-BRASILEIRA. VIII Congresso Nacional de História. XXII Semana de História. UNESPAR, 2017. P. 139-152.
PROGRAMA HIP HOP EM CENA. Disponível em: https://www.hiphopemcena.com/nossahistoria Acesso em ago de 2023.
SADDI, Rafael. O parafuso da didática da história: o objeto de pesquisa e o campo de investigação de uma Didática da História ampliada. Acta Scientiarum. Education, v. 34, n. 2, p. 211-220, 16 ago. 2012.
Notas
1. Graduanda em História, Licenciatura. Universidade Federal de Goiás - UFG.
2. Termo utilizado por Zenildo Leal, na tese de mestrado “Ensino de História entre rimas e ressignificações: História da República Brasileira através do RAP”, ao se referir a algo que precisa ser explicado. Uma substituição da palavra “esclarecendo” que remete à claridade, luz.