O Fenômeno Migração e Sua Abordagem no Livro Didático de Geografia do Ensino Médio
129Resumo: O presente artigo busca analisar a abordagem do fenômeno migração em uma coleção de livros didáticos da Educação Básica, Ensino Médio, alicerçados pelo entendimento de que a Geografia deve trabalhar os conteúdos de forma crítica e associados aos contextos sociais de vivencia de estudantes e professores. A pergunta de partida que motivou o desenvolvimento dessa pesquisa foi se o fenômeno migração é abordado nos livros didáticos em uma perspectiva social dinâmica, com sentido amplo e interdisciplinar e não apenas como dados e números desassociados da análise humana necessária a importância do conteúdo. A partir da análise realizada foi observado que os livros didáticos utilizados atualmente pela rede pública estadual de Goiás abordam o fenômeno migração num contexto geral, sem abordar estudos regionais acerca da temática. Ou seja, impossibilitando os alunos de aprenderem sobre a temática no que tange a vivencia do seu cotidiano.
Palavras-chave : Migração. Geografia. Educação Básica
1. Introdução
Os movimentos migratórios acontecem desde o surgimento das primeiras civilizações. O instinto de mover-se e a capacidade de adaptação aos mais variados ambientes são marcas da nossa história evolutiva. Essa é uma prática também dos dias atuais, cada vez mais intensa e facilitada pelo aperfeiçoamento dos meios de transporte e as interligações promovidas pela globalização.
De acordo com Brettell e Hollifield (2008), os estudos sobre migração, adentram no contexto dos estudos populacionais, o que traz diferentes abordagens e especificações de objetos de estudos. Por acontecer socialmente, em determinado tempo e espaço e ser um grande fenômeno da atualidade, as migrações são destaque no cenário mundial.
A análise de dados migratórios pela Geografia, dentre tantas possíveis contribuições, relaciona-se a produção de dados e materiais que favorecem e direcionam a implantação de políticas públicas (MARANDOLA JR; DAL GALLO, 2010). Faz-se necessário apontarmos o campo de atuação da Geografia, trazendo a sua aptidão para as análises acerca dessa temática, abordando o lugar de vivência do migrante como berço de suas raízes, repleto de significados e traços culturais. Permitindo uma análise espacial da população pertencente ao espaço deixado pelo migrante.
130Como ciência humana, para a Geografia, a análise de dados migratórios não se refere apenas a dados estatísticos e números matemáticos. Importa compreender a motivação das migrações, os locais de maior atrativo para os migrantes e os desafios e oportunidades que esse migrante encontrará no decorrer de seu deslocamento. Relaciona-se com a cultura e com o conceito de lugar.
A importância dos estudos populacionais para Geografia reside na necessidade em não “só conhecer o mundo”, mas as transformações ocasionadas pela relação homem e natureza. Entender esse fenômeno sempre foi um dos maiores desafios da ciência geográfica. Desse modo, a Geografia da População se inserida no movimento da dialética, ela soma, agrega e não enfraquece o desenvolvimento da Geografia (MORMUL, p. 251, 2013).
Além disso, as relações que se estabelecem entre as pessoas e os reflexos dessa relação, materializadas no âmbito social, como a xenofobia, por exemplo, também são questões relacionadas às discussões geográficas.
É através, e pela Geografia, que se discutem as diferentes questões envolvidas ao ato de migrar. Qual a necessidade de migrar? Porque o local de origem do migrante não busca sanar as necessidades do migrante evitando a sua saída? Quais as consequências oriundas da evasão do migrante? Quais oportunidades o migrante encontrará no seu local de destino? Quais dificuldades ele passará até adaptar-se neste novo local?
Diante dessa perspectiva e da importância do tema no cenário mundial e regional, bem como do papel do ensino de Geografia, o presente trabalho, tem como objetivo, realizar uma análise preliminar, da forma como esse conteúdo é abordado na Educação Básica, mais especificamente no Ensino Médio, a partir da análise da coleção: Geografia – Contextos e Redes (PNLD/2018), da editora Moderna. (São Paulo, 2016, 2ª edição), a referida coleção de livros didáticos é utilizada na rede de Educação Estadual de Goiás.
Como objetivos específicos da pesquisa temos:
Analisar como o fenômeno migração é abordado em livros didáticos utilizados no Ensino Médio - se em uma perspectiva social dinâmica, com sentido amplo e interdisciplinar ou, apenas como dados e números desassociados da análise humana necessária a importância do conteúdo.
Contribuir com a discussão, com prospecção futura, do desenvolvimento da pesquisa, vinculada a análise da temática e a sua articulação com as questões do Exame Nacional de Ensino Médio - ENEM, na expectativa de colaborar com a melhor preparação desses alunos para a realização de uma prova, para além de meros conteúdos formais e maior embasamento discursivo.
2. Referencial Teórico
O termo migração refere-se à movimentação espacial da população que migra do seu local de origem para outras localidades, esse movimento da população ganhou inúmeras classificações com o avançar dos estudos acerca da temática e diferentes fatores são responsáveis por esse movimento. Dentre eles: fatores climáticos, políticos, sociais, religiosos e culturais.
131O instinto de mover-se e a capacidade de adaptação aos mais variados ambientes são marcas da nossa história evolutiva. De acordo com a Internacional Organization for Migration (IOM), da ONU, estima-se ter mais de 1 bilhão de migrantes no mundo, cerca de mais de 230 milhões vivendo fora de seus países de origem, onde cerca de mais de 10% da população dos países desenvolvidos é estrangeira (ONU, 2020). Um fator primordial para que essas pessoas migrem é o aumento da desigualdade entre países ricos e pobres. Durante o século XX, a evolução nas tecnologias e transportes aliados à globalização fizeram com que as migrações internacionais se expandissem rapidamente.
Há um impacto dessa questão em diferentes esferas da vida social: saúde, educação, trabalho, tanto individualmente, quanto coletivamente. Nesse sentido, torna-se primordial a busca e a implementação de leis e acordos internacionais que assegurem os direitos, proteção e integridade dos migrantes. Apesar da necessidade de inclusão, garantia de direitos e acolhimento ao migrante, o que vemos é atitude inversa, em vários países, e muitas vezes um estímulo à xenofobia. De acordo com Wermuth; Senger (2017). A temática migrações tem causado bastante discussões na comunidade internacional, principalmente em razão de políticas migratórias cada vez mais excludentes e exteriorizadas, asseguradas pela construção de barreiras físicas e jurídicas que dificultam a circulação de pessoas pelo mundo. Faz-se interessante observarmos a migração como um movimento histórico, através da análise dos movimentos populacionais atuais, constatamos que os mesmos países que mandavam a sua população excedente para os países menos desenvolvidos, são os que agora rejeitam os migrantes, principalmente os econômicos, que batem em suas portas em busca de uma qualidade de vida melhor (BAUMAN, 2005).
Desde sua origem, os Direitos Humanos foram fundamentados a partir da noção de cidadania, desta forma, a chamada universalidade foi contida pela necessidade do vínculo a um Estado que lhe dá legitimidade. Partindo desta concepção, os Diretos Humanos dos migrantes, principalmente dos que se encontram irregulares, vem sendo desrespeitados sob a condescendência dos Estados Democráticos de Direto contemporâneos. Notadamente, os europeus que serviram de base para o resto do mundo (WERMUTH; SENGER, 2017).
Dentre os acordos internacionais que visam proteger o migrante, destacamos aqui o Pacto Global para Migração, idealizado pela ONU – Organização das Nações Unidas, e que traz em seu interior diversas formas de alcançar essa proteção aos migrantes. O Pacto Global para Migração é um documento abrangente para gerenciar a migração internacional, enfrentar seus desafios e fortalecer os direitos dos migrantes, contribuindo para o desenvolvimento sustentável. O texto está profundamente enraizado com a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
No Brasil, a Lei nº 13.445, de 2017, dispõe sobre os direitos e os deveres do migrante e do visitante, regula a sua entrada e estada no País e estabelece princípios e diretrizes para as políticas públicas para o emigrante. Dentre vários pontos importantes, cabe um destaque aos princípios e garantias relacionados a interdependência dos direitos humanos, o repúdio e a prevenção à xenofobia, ao racismo e a qualquer forma de discriminação, a promoção de entrada regular e a regularização de documentos, igualdade de tratamento e oportunidades e ao migrante e seus familiares e a inclusão social, laboral e produtiva do migrante por meio de políticas públicas. Destaca-se ainda o Art 4º, no qual é garantido ao migrante, em território nacional, condição de igualdade com os nacionais, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, bem como são assegurados (BRASIL, 2017). Tida como uma das melhores leis de migração do mundo, torna-se de extrema relevância o conhecimento e o trabalho pedagógico dessa referência legal, como um trabalho educativo, para a construção cidadã no que se refere ao fenômeno da migração, mas, principalmente, sobre o migrante.
132É perceptível que a temática migração vai muito além de números, gráficos e tabelas apresentados nas aulas vinculadas a Geografia da População. As inúmeras possibilidades de integração com o tema, realmente permitem um trabalho pedagógico interdisciplinar com a História e Sociologia e, até, mesmo com a Matemática, no intuito de aproximar os estudantes do entendimento e análise de gráficos e tabelas, tão presentes no ensino de Geografia.
Todo o histórico do processo de migração, que faz parte da história da humanidade e as temáticas que podem ser desbravadas a partir dela, como políticas públicas, xenofobia, globalização e outras mais, permitem uma interconexão entre diferentes assuntos trabalhados dentro da própria Geografia, evidenciando que os conteúdos não são estanques e separados, mas, sim, dinâmicos e articulados, como a própria vivência social da humanidade.
Quando falamos em escola e em educação, o livro didático surge como material de apoio do trabalho do professor e dos alunos. Ele traz os conteúdos a serem trabalhados ao longo do ano letivo e é organizado de acordo com as orientações legais vigentes. Apesar das críticas que esse material recebe - e aqui não é nosso objetivo entrar nessa questão, o livro didático ainda é um aliado do processo de ensino e aprendizagem, que somado a outros recursos didáticos, contribui para formação escolar de nossos estudantes, sendo muitas vezes, o único material de estudo disponível nas escolas, com grande alcance junto aos estudantes. Segundo o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), em 2019 foram distribuídos mais de 126 milhões de livros didáticos que beneficiaram mais de 35 milhões de alunos em todo o país.
Dado a sua elaboração, o manuseio e as intervenções realizadas a partir desse material, precisa contar com o trabalho e interlocução direta do professor. Como destacam Santos; Jesus e Mitidiero Junior (2010), é de responsabilidade do professor administrar as formas de utilização do livro didático, buscando-se aproveitar dos recursos de ensino que o livro pode oferecer. Desta forma, fica claro que analisar os conteúdos e as formas como estes são apresentados nos livros é importante para construções didáticas melhores no futuro mas, as reflexões junto aos pares sobre conteúdos e métodos também se tornam relevantes se quisermos ir além da transmissão de conteúdos e tentarmos alcançar a reflexão, a discussão e o debate crítico de conteúdos.
3. Metodologia
Segundo Cavalcanti (2012), os objetos de conhecimento do ensino de Geografia são os saberes escolares referentes ao espaço geográfico. Esses saberes são resultados da cultura geográfica elaborada cientificamente pela humanidade e considerada relevante para a formação do aluno. Partindo desse ponto de vista, nasce a necessidade de trabalhar com os conteúdos escolares sistematizados de forma crítica, criativa e questionadora, buscando favorecer sua interação e seu confronto com outros saberes.
133Nesse sentido, a Educação Básica como um todo, mas, o Ensino Médio de forma específica, deve orientar a formação de um cidadão para aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a conviver e aprender a ser. Quando chega nessa fase da educação, o adolescente já tem um percurso de vida formado, agregando experiências de seu modo ser e viver, bem como os conteúdos apresentados nessa fase são, na verdade, um aprofundamento do que é visto durante o Ensino Fundamental, com maior possibilidade de abstração e formação crítica por parte do aluno. Daí a importância dessa fase da educação, na formação cidadã dos estudantes.
Além disso, os conteúdos abordados nas provas do Exame Nacional do Ensino Médio - ENEM tem cada vez mais cobrado o desenvolvimento do pensamento crítico e social dos alunos, com questões de interpretação de dados, textos e interdisciplinaridade, exigindo que o aluno não só aprenda conceitos e teorias desconexos da realidade, mas que saiba refletir sobre a interação sociocultural entre as propostas de conteúdo.
Com base nesse cenário, a presente pesquisa analisou de forma qualitativa, uma coleção de livros didáticos utilizados no Ensino Médio da rede pública estadual do Estadual de Goiás 1º, 2º e 3º ano, da coleção Geografia – Contextos e Redes (PNLD/2018), da editora Moderna. (São Paulo, 2016, 2ª edição), na qual buscou-se verificar em quais conteúdos a temática migração é trabalhada e de que forma o tema é abordado. A escolha dessa coleção, se deve ao fato de ser a coleção utilizada na escola campo do estágio supervisionado, o que permitiu um acesso contínuo e um trabalho desenvolvido de forma sistemática ao longo do desenvolvimento do estágio obrigatório. Além disso, as análises foram desenvolvidas na perspectiva do entendimento da Geografia como Ciência Social formadora de cidadãos críticos, com grande papel social, no que se refere a construção e Direitos Humanos e cidadania, articulada ao cotidiano de vivência do educando como aponta Callai (1998).
4. Resultados
No Ensino Médio, na coleção analisada, o foco com a temática migração, concentrou-se no livro do segundo ano, embora a temática esteja presente nas três séries.
No livro do primeiro ano os fluxos migratórios aparecem como objeto de estudo da Cartografia, utilizando-se da representação dos fluxos migratórios transatlânticos que marcaram o fim do século XIX, e início do século XX - ou seja, não é exatamente a temática que é discutida e sim a representação de dados de migração, na linguagem cartográfica, com intuito de analisar os elementos do mapa, bem como das informações acerca dos fluxos migratórios representadas nele.
134O livro do segundo ano concentra o trabalho com a temática migração. Os primeiros conteúdos acerca dos fluxos migratórios são trabalhados junto aos conteúdos referente a dinâmica populacional. Nesse tópico, a temática da migração é inicialmente apresentada com breve comentário sobre o início das migrações no mundo e as motivações acerca do fenômeno - um breve histórico. O livro segue abordando a temática, adentrando na questão da situação de irregularidade e ilegalidade em que muitos migrantes vivem em todo o mundo, bem como das estratégias de combate adotadas pelos governos desses países, buscando conter a entrada ilegal de migrantes. O livro apresenta um mapa do ano de 2013, explanando os principais movimentos migratórios no mundo, bem como, dados obtidos através da Organização Internacional de Migrações (OIM) acerca do quantitativo de migrantes internacionais e internos. Além de mencionar o que ocasionam os conflitos que ocorrem nas fronteiras de países que são rotas de migração ou ponto de destino de migrantes devido a sua atratividade. Os dados são desatualizados e para uma discussão com dados reais, vivenciados cotidianamente, é necessário a intervenção do professor e o auxílio de materiais paradidáticos. O livro deixa a desejar no que se refere à discussão social relativa ao fenômeno: mortes de migrantes, situação de marginalidade social e exclusão, bem como o preconceito que muitos migrantes sofrem ao saírem de suas origens, para falar de algumas questões. O texto menciona políticas restritivas que buscam criminalizar os fluxos migratórios, fazendo assim, que se intensifique o crescimento de assentamentos e ou, acampamentos informais de migrantes. Ao falar desse assunto e não abordar o tema política de migrantes, deixa de abordar as iniciativas legais brasileiras, tidas como uma das melhores do mundo, no que se refere ao acolhimento de migrantes. Falar de política de migração no Brasil é falar de dignidade, Direitos Humanos e cidadania. O livro traz como sugestão complementar, algumas indicações de leitura, sendo modestas as sugestões nas áreas de audiovisual e musical.
Ainda no material do 2º ano, o fenômeno migração segue sendo trabalhado a partir da ótica da ilegalidade, abordando o intenso número de migrantes que vivem na Europa e nos Estados Unidos da América - EUA de forma ilegal e, aborda as medidas tomadas pelo governo dos EUA afim de barrar a entrada ilegal de migrantes por meio de sua fronteira com o México. Há uma perda significativa nessa abordagem, uma vez que trata o assunto desqualificando a migração, dando destaque a pontos negativos da questão; Não há problematização da temática tão pouco focos de discussão e reflexão. Essa forma de abordagem não permite articulação da temática com outros conteúdos e deixa o assunto estanque e com possibilidade de ser desinteressante por parte dos alunos, por estar distante de sua vivência. O livro traz rápidos conteúdos sobre a migração na África e a migração derivada de catástrofes naturais, mas, não articula os assuntos, tão pouco reflete sobre as ações humanas por trás dos acontecimentos. Parecem assuntos deslocados de um contexto social e exemplos bem próximos a nossa realidade poderiam ter sido utilizados com o objetivo de fazer com que fossem melhor abstraídos conceitos e exemplos. O foco da discussão é um cenário internacional. Com a temática relacionada a população brasileira, a temática migração é abordada no contexto nacional, onde o cap. 7, aborda a economia açucareira e da mineração, trazendo um breve histórico sobre as primeiras migrações de portugueses para ocupar o território brasileiro, além da migração interna e internacional influenciadas pela descoberta do ouro. Também é retratada a ocupação dos territórios do Rio Grande do Sul, e as dificuldades enfrentadas pelos migrantes japoneses, que trabalhavam no plantio e na colheita de algodão. O livro segue abordando os movimentos migratórios referentes a descoberta de ouro e diamantes na região de Minas Gerais e a importância da indústria para o aumento do fluxo interno de pessoas no país. Nesse contexto também é retratada a migração de retorno, apontando a diminuição dos empregos nos polos de atração dos migrantes, além do surgimento de possibilidades de encontrar-se empregos dentro dos limites de sua região de origem. Adentrando nas migrações estrangeiras no Brasil, faz-se um pequeno histórico acerca do financiamento da imigração de suíços e alemães, custeada por D. João VI, buscando-se o branqueamento da população. Neste sentido, o livro deixa a desejar, pois, poderia sugerir material de apoio acerca da colonização do país que retratasse a discriminação de raça e cor. Um ponto importante é a ausência de dados estatísticos atuais e poucos mapas e gráficos que auxiliam na compreensão espacial do fenômeno estudado. Adentrando na questão dos refugiados no Brasil, o conteúdo aborda a significativa participação do Brasil junto às entidades internacionais de proteção ao refugiado, bem como a criação do Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE). Diante da nossa realidade legal e das situações de xenofobia, esse ponto precisaria ser melhor explorado. Por fim, a migração aparece nas discussões sobre urbanização.
135No exemplar referente ao livro do 3º ano, a discussão acerca do fenômeno dos fluxos migratórios inicia-se no capítulo 4 – Europa, no que se refere aos desafios da integração, apontando a dificuldade de integração da Europa Comunitária, devido a fatores referentes à crise econômica e o aumento dos fluxos migratórios intra e extra comunitária. O livro sugere proposta de atividade em grupo, entendida aqui como de suma importância para o aprendizado dos alunos, visto que lhes dá a oportunidade de trabalhar o conteúdo no contexto da realidade do seu país e de forma coletiva, que incentiva o debate e a reflexão. Avançando no conteúdo deste mesmo capítulo adentramos na questão da crise migratória recente, abordando o aumento do desemprego, aliado à xenofobia e a intolerância étnica. Esses que ocorrem devido a população dos países europeus considerarem os migrantes como inimigos, que chegaram para tomar as oportunidades dos nacionais. Uma questão positiva da abordagem temática do livro, contribuindo para que o aluno possa entender os desafios encontrados pelos migrantes em terras estrangeiras. Porém, o livro não sugere nenhum material complementar para que os alunos possam aprofundar os conteúdos. Sugere-se que sejam apresentados filmes que abordam essa realidade do migrante como o filme Jean Charles (2009).
5. Considerações Finais
O trabalho de pesquisa transcorreu a partir da análise do livro didático utilizado durante o estágio supervisionado obrigatório, no segundo semestre de 2021. Ou seja, um livro em uso que, atualmente, faz parte do trabalho de formação pedagógica em Ensino de Geografia na Educação Básica em Goiás. Os livros apresentam informações desatualizadas, poucos mapas e dados estatísticos, fundamentais para a contextualização e compreensão do fenômeno espacialmente. Cabe destacar que no 1 ano, a migração aparece como um dado a ser estudado pela cartografia, e não, com um fenômeno social a ser compreendido. Com um material desatualizado, pede que o professor faça atualizações - articulações necessárias para que o fenômeno possa ser melhor compreendido, em uma perspectiva cidadã, pelos alunos. É fundamental que nesse contexto o docente se coloque como mediador do processo de ensino e aprendizagem e apresenta temas atuais e do espaço de vivência do aluno, a fim de realmente promover a formação de um pensamento geográfico, a partir da aproximação e abstração de conceitos. Cabe ressaltar que sabemos das enormes cargas e condições de trabalho do professor e, usar um material com defasagem de dados e discussões obsoletas, geram uma tarefa a mais para o docente.
136A coleção foca na discussão sobre migração no 2º ano e, de forma positiva sugere algumas ações de trabalho de formação complementar, como leitura de textos e filmes. Entretanto, não traz elementos com dados atuais, tão pouco possui exemplos do cotidiano regional e mesmo nacional dos estudantes - ficando as informações mais no âmbito internacional. Ainda assim, são tímidas as articulações com a globalização como conteúdo didático. A impressão que se tem é que o conteúdo é dado de forma desarticulada dos demais conteúdos da Geografia. Falta a proposição de um trabalho mais reflexivo e contextualizado e, dessa forma, não se articula ao que vem sendo proposto pelo ENEM - as questões que vêm sendo trabalhadas nessa prova, tem sido de caráter interdisciplinar, crítica e contextualizadas. Faz-se necessário trabalhar o senso crítico dos alunos do Ensino Médio, visto que, são alunos dos últimos anos da Educação Básica. É de suma importância que esses alunos adquiram conhecimentos acerca das mais diversas discussões sociais sobre o fenômeno da migração, uma vez que, o Brasil é um país de intensos fluxos migratórios e dentro de um contexto de diversidades étnicas, culturais, raciais e de nacionalidades. Trabalhar questões de discriminação na escola, pode contribuir de forma significativa, para a construção de uma sociedade de mais respeito a pluralidade, de acolhimento ao diverso. Ou seja, a impressão que se tem é que a forma com que o conteúdo migração é trabalho no livro didático é deslocado da proposta de avaliação do Exame Nacional do Ensino Médio.
Abordar a questão dos fluxos migratórios atrelados a vivência e experiência dos estudantes facilita a apreensão dos conteúdos, fazendo com que ele tenha facilidade em analisar essas questões com senso crítico, discorrendo dessas temáticas de âmbito social com conhecimento de causa, se sentido partícipe do processo de ensinar e aprender e nesse lugar, a coleção didática analisada ainda deixa muito a desejar.
6. Referências
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Notas
1. Graduado do curso de Licenciatura em Geografia, pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás PUC Goiás, Campus: Escola de Formação de Professores e Humanidades, Goiânia, Goiás.
2. Dra. em Ciências Ambientais. Coordenadora Acadêmica do Instituto do Trópico Subúmido, Coordenadora do Curso de Geografia PARFOR - Polo Luziânia e professora do Curso de Geografia na Pontifícia Universidade Católica de Goiás, campus: Escola de Formação de professores e Humanidades. Goiânia, Goiás.