O Estudo Sobre a Ação Formativa com Professores no Clube de Matemática
122Resumo: Este trabalho apresenta a síntese de um estudo organizado a partir da experiência no projeto de formação continuada intitulado Clube de Matemática - Clumat: um espaço coletivo de organização do ensino e da aprendizagem . A ação formativa foi desenvolvida como projeto de pesquisa e extensão vinculado ao Instituto de Matemática e Estatística-IME, da Universidade Federal de Goiás-UFG, em parceria com a Gerência de Formação dos Profissionais da Secretaria Municipal de Educação de Goiânia-Gerfor, no 1° semestre de 2023, com professores que ensinam matemática no 4° ano do ensino fundamental. O referido projeto de ação formativa foi organizado em duas etapas (2023 e 2024) com dois módulos cada. O conteúdo programático abordou temas como: coletividade, pressupostos da Atividade Orientadora de Ensino-AOE, Situações Desencadeadoras de Aprendizagem-SDA, o Movimento Lógico-Histórico do Conceito, o Jogo e a Avaliação na perspectiva da Teoria Histórico-Cultural-THC. Foi proposto uma reflexão sobre a organização do ensino de matemática sustentada na THC, valorizando a ludicidade, a coletividade e a intencionalidade na atividade pedagógica. Nesse sentido, o objetivo deste trabalho é descrever sinteticamente de forma crítico-reflexiva a experiência nesta ação formativa. Assim, o primeiro semestre serviu para que os professores cursistas tivessem um primeiro contato com o arcabouço teórico utilizado. Diante dos relatos dos cursistas durante a ação formativa, percebeu-se que os professores compreenderam a possibilidade de organização do ensino de matemática que vai além do ensino tradicional e o quão o curso tornava-se importante para os professores e para a escola, apontando indícios de mudança de sentido acerca da atividade pedagógica.
Palavras-chave : Ensino de Matemática. Clube de Matemática. Formação Continuada.
1. Introdução
O modo em que a Educação Matemática se organiza na atualidade tem sido palco de debate de diversos pesquisadores, como Rosa, Moraes e Cedro (2016); Oliveira (2022), por não conseguir mobilizar os indivíduos rumo ao desenvolvimento por meio do conhecimento científico. Em se tratando do processo de ensino e aprendizagem da matemática, pesquisas apontam algumas razões que desencadeiam as variadas dificuldades dentro desse processo, como a reprodução do pensamento empírico em detrimento do pensamento teórico e a qualidade da formação desses profissionais, que determina a forma de organização do ensino de matemática nas escolas.
De acordo com Rosa, Moraes e Cedro (2016) as pesquisas sustentadas pela Teoria Histórico-Cultural (THC) têm mostrado que a escola tradicional, ao priorizar um ensino que se utiliza apenas de percepções e representações empíricas dos sujeitos acerca dos objetos, ou seja, supervaloriza o aspecto intuitivo, não consegue mobilizar os sujeitos ao desenvolvimento do pensamento teórico. Para Davidov (1982), o objetivo principal da atividade de ensino, que é inerente ao professor, é a apropriação do conhecimento teórico pelo sujeito, em atividade de aprendizagem, a fim de subsidiar o seu desenvolvimento psíquico.
Nesse sentido, em busca de uma organização do ensino pautada no desenvolvimento do pensamento teórico, defendemos a importância da formação continuada de professores que vise a apropriação do trabalho do professor: ensinar conhecimentos teóricos. Acreditamos que a atividade de ensino deve perpassar pela intencionalidade nas ações formativas para possibilitar uma educação humanizadora e a busca por novos conhecimentos.
123Nessa perspectiva, o Clube da Matemática (Clumat) surge como espaço de formação docente e, concomitantemente, como espaço de aprendizagem para estudantes do ensino fundamental. É organizado tomando como premissa a ludicidade, como forma de motivar os estudantes à apropriação dos conhecimentos matemáticos, e as ações e reflexões coletivas dos sujeitos, de modo a possibilitar o compartilhamento de ideias e de saberes entre os pares (CEDRO, 2015).
Com isso, o objetivo deste trabalho é descrever sinteticamente de forma crítico-reflexiva a experiência dos autores na ação formativa intitulada "Clube de matemática - Clumat: um espaço colaborativo de organização do ensino e da aprendizagem" e vislumbrar um possível movimento de mudança de sentido sobre a compreensão acerca da atividade pedagógica pelos professores participantes desse processo.
2. Metodologia
A referida ação formativa foi desenvolvida no primeiro semestre de 2023, com professores que ensinam matemática no 4° ano do ensino fundamental, da Rede Municipal de Educação de Goiânia, sob a organização do Instituto de Matemática e Estatística da Universidade Federal de Goiás-IME/UFG, em parceria com a Gerência de Formação dos Profissionais da Secretaria Municipal de Educação de Goiânia-Gerfor/SME.
Esse curso de formação de professores é fundamentado nos pressupostos da THC, está alinhado à proposta político pedagógica da Rede Municipal de Educação de Goiânia-RME e à Política de Formação Continuada dos Profissionais da SME/2020, por meio da Gerfor, que tem o objetivo contribuir com a qualificação dos profissionais da educação e na implementação das políticas e ações formativas da RME.
A ação formativa em questão, objetivou possibilitar aos professores que ensinam matemática na RME de Goiânia, um ambiente formativo sobre o processo de ensino e a aprendizagem da matemática, tendo como premissa, a ludicidade e o trabalho coletivo. Para isso, contou com a participação de sete professores formadores que atuam como professores da educação básica, ensino superior e/ou pesquisadores da atividade pedagógica. Os sujeitos da ação formativa são professores que ensinam matemática para o 4° ano do ensino fundamental RME de Goiânia.
A ação formativa está organizada em quatro semestres, nos anos de 2023 e 2024. Este trabalho refere-se ao primeiro semestre de 2023 (Módulo 1) composto por dez encontros. Em relação ao conteúdo programático, foram estudados temas como: coletividade, pressupostos da Atividade Orientadora de Ensino (AOE), Situações Desencadeadoras de Aprendizagem (SDA), o Movimento Lógico-Histórico do Conceito, o Jogo e a Avaliação na perspectiva da THC.
3. Resultados e Discussão
Nesta seção, apresentaremos sinteticamente os aspectos relevantes de alguns dos encontros do curso no primeiro semestre de 2023. O primeiro encontro teve como objetivos apresentar aos participantes a proposta do clube de matemática, possibilitar que os participantes se conhecessem e explicitar a organização da proposta formativa. Foi um momento muito rico, pois, os 17 cursistas presentes tiveram a oportunidade de expressar suas expectativas e motivações quanto ao curso e vivenciarem a tarefa de ensino Matematicolândia , sustentada na THC. Dentre as motivações apresentadas pelos cursistas destacamos a busca por novos conhecimentos e metodologias que possam contribuir com a aprendizagem dos estudantes, conforme mostramos no quadro 1, a seguir.
124Quadro 1: Roda de conversa - falas dos professores cursistas
Professor (P) - Motivações acerca da participação no curso |
---|
P1 - O motivo que estou com uma turma de 4º ano que passou pela pandemia e tem dificuldades, preciso avançar com o conteúdo do 4 ano, e vejo a necessidade também de retornar com o conteúdo dos ano anteriores. |
P2 - Ampliar meu conhecimentos matemáticos, novas metodologias de ensino/aprendizagem, buscando melhorar o meu desenvolvimento e dos alunos. |
P3 - Matemática é vida, tento passar isto da melhor forma para meus alunos (as), no entanto, percebo que não tenho obtido tanto êxito, com relação ao entusiasmo e interesse por parte deles (as). |
P5 - Mais conhecimento. |
P6 - Quero aprender novas metodologias de ensino, para proporcionar aos estudantes aulas de matemática com mais qualidade. |
Fonte: Registros dos formadores.
O segundo encontro objetivou a compreensão dos princípios da coletividade nos processos pedagógicos. Foram realizadas discussões a partir da leitura dos textos de Lopes et al (2016) e Garcez et al (2012). Os cursistas produziram um texto com a temática “como é a minha escola?”, para que pudessem descrever os aspectos estruturais e pedagógicos que determinavam o processo de ensino e aprendizagem em suas escolas. Foi um momento importante, pois, verificamos que o trabalho dos professores na maioria das escolas é realizado de forma individual, deixando de lado o aspecto coletivo, como eles mesmos identificaram com base nos textos estudados.
É importante ratificar que dos dez encontros do primeiro semestre, três foram realizados nas escolas dos cursistas, juntamente com os seus estudantes, destacando aqui o Clube de Matemática como espaço de aprendizagem dos estudantes. O propósito desses encontros in loco foi que os professores cursistas compreendessem como os aspectos estudados sobre o ensino da matemática, organizado na perspectiva da THC, poderiam mobilizar os sujeitos ao estudo. Sempre ao final desses encontros eram realizadas rodas de conversas com os professores cursistas com a finalidade de levá-los a refletir sobre o processo de ensino-aprendizagem do encontro. A seguir, o quadro 2 apresenta algumas falas desses professores durante a roda de conversa.
Quadro 2: Roda de conversa - falas dos professores cursistas
Professor (P) – Falas na roda de conversas |
---|
P4 – Os alunos se envolveram na atividade e trabalharam juntos nos grupos, os alunos ajudaram os que não sabiam, a tarefa foi pra eles uma coisa atrativa. |
P5 – Esse tipo de ensino tradicional que temos nas escolas deu certo pra nós porque viramos professores, então entendemos a lógica, mas não dá certo pra todo mundo, então não podemos pensar numa escola pra poucos que se adaptam, mas pra todos |
P3 – Eu acho essa tarefa adequada aos alunos e eles não demonstram dificuldade, depois da mediação do professor, os alunos começam a entender. No grupo de alunos que eu estava os alunos foram muito colaborativos. Os alunos questionam as opiniões e sugestões dos colegas. |
P6 – O maior ponto positivo dessa atividade (Matematicolândia) é o número de conteúdos que podem ser trabalhados nos componentes curriculares, os meninos estavam interessados em criar, montar a cidade, houve a participação do grupo. |
Fonte: Registros dos formadores.
125No último encontro do semestre, estudamos o tema avaliação, na perspectiva da THC. Foi realizada uma reflexão sobre a avaliação da aprendizagem, ressaltando a necessidade de refletir sobre sua finalidade educacional, sobretudo sua função de orientar o ensino para promover a aprendizagem e o desenvolvimento dos estudantes. Nesse encontro os cursistas também fizeram uma autoavaliação referente à sua participação no Módulo 1 do curso. O quadro 3, a seguir, traz a síntese de algumas respostas de alguns cursistas durante a realização das atividades.
Quadro 3: Respostas dos professores cursistas
Professor (P) – Autoavaliação dos cursistas |
---|
P3 – A ideia de trabalhar de forma coletiva, foi o que mais me impactou, tenho muita dificuldade de trabalhar coletivamente, mas já estou mudando minha perspectiva. Trabalhar de forma coletiva só foi possível devido a participação e acolhimento dos meus colegas de curso. |
P5 - O curso me impactou muito na forma como via o ensino de matemática e como vejo agora. Acredito que a SDA contribui muito para uma mudança de paradigma no ensino da matemática não tradicional, ensino esse baseado na coletividade no amor próprio que contrapõe a todo aquele modelo bancário implementado pela política neoliberal. |
P7 – Para que o curso clube de matemática possa se tornar um projeto desenvolvido no âmbito de todas as escolas municipais de Goiânia, poderiam abrir o curso para os demais anos e não apenas para professores do 4° ano. Os professores de outras séries sempre nos procuravam para participar. |
P6 – O que mais me chamou atenção nesse primeiro semestre foi que, além dos textos apresentados, falas e orientações da equipe formadora, fomos para a prática, levando para as escolas/alunos, as atividades estudadas no curso, podendo assim desenvolver e avaliar. |
Fonte: Registros dos formadores.
O Módulo 1 da ação formativa foi iniciada com 17 cursistas e concluída com 10. A evasão pode justificar-se principalmente pela necessidade de alguns encontros serem realizados aos sábados, já que a SME não autorizou que todos os encontros fossem no meio de semana, ou seja, no horário de trabalho do professor.
Apesar desse fator, seguimos com a proposta de formação continuada de professores, destacando a importância do trabalho coletivo e seu compartilhamento para a promoção de uma educação humanizadora, o que podemos perceber na fala de P3, no quadro 2, acima. Neste trecho, o professor diz que as crianças foram bastante colaborativas na atividade proposta, sendo uma ação que não conseguia promover anteriormente, conforme colocou no início do curso no quadro 1.
126O movimento entre teoria e prática, proposto nos encontros formativos, reflete nos sentidos atribuídos pelos professores tanto à atividade pedagógica, como no próprio modo de compreender o conhecimento matemático, como indicam P5 e P6 no Quadro 3. Nesse sentido, diante dos relatos dos cursistas durante a ação formativa, percebemos o quão o curso constituiu-se importante para os professores concernente a sua compreensão sobre a atividade pedagógica.
4. Considerações Finais
O reconhecimento da importância da formação continuada de professores dentro da atividade pedagógica faz com que essas ações formativas busquem não apenas subsidiar os professores de conteúdos e metodologias, mas também de um arcabouço teórico que seja acessível e relevante para a sua atividade de ensino, na perspectiva de contribuir para uma educação humanizadora. Na educação escolar tomada como atividade, a intenção educativa do professor tem a marca da sua vivência em espaços formativos (MOURA, 2013, p. 85).
O primeiro semestre da ação formativa possibilitou aos cursistas o estudo dos princípios gerais da THC. Os professores demonstraram indícios de compreensão da necessidade de organização do ensino de matemática, pautado na coletividade e ludicidade, de modo a envolver os estudantes ao estudo. Nessa perspectiva, esperamos que os professores possam ter iniciado um processo de mudança de sentido acerca da atividade pedagógica e que esse movimento continue no semestre seguinte, na continuidade desta ação formativa.
5 REFERÊNCIAS
CEDRO, W. (org.). Clube de matemática: vivências, experiências e reflexões. Curitiba: CRV, 2015.
DAVYDOV, V. V. Tipos de generalización en la enseñanza. La Havana, Cuba: Editorial Pueblo y Educación, 1982.
GARCEZ, V. H.; ROESLER L. V. L., A.; GARCEZ; S. D. S. A dimensão colaborativa no movimento de ensinar, aprender e formar-se professor que ensina Matemática. Roteiro , [S. l.], v. 37, n. 1, p. 127–146, 2012. Disponível em: https://periodicos.unoesc.edu.br/roteiro/article/view/789 .
MOURA, M. O. A educação escolar: uma atividade? In: SOUZA, N.M.M de. Formação continuada e as dimensões do currículo. Campo Grande -MS: Ed. UFMS, 2013.
127OLIVEIRA, D. C. Quando os estudantes não são mais os mesmos [manuscrito]: o processo de apropriação de conhecimentos geométricos nos anos iniciais e a Teoria Histórico-Cultural. 2022.
ROSA, J. E.; MORAES, S. P. G.; CEDRO. W. L. As particularidades do pensamento empírico e do pensamento teórico na organização do ensino. In: MOURA, M. O. (Org.) . Educação escolar e aprendizagem na teoria histórico-cultural. São Paulo: Edições Loyola, 2016.
Notas
1. Pós-doutoranda em Educação em Ciências e Matemática - UFG.
2. Mestra em Educação em Ciências e Matemática- UFG.
3. É uma tarefa de ensino em que os estudantes constroem coletivamente uma cidade, alocando de forma consciente os seus imóveis constitutivos, trabalhando localização, deslocamento, planejamento urbano etc.