Cicero Rodrigues Barbosa
cicero.barbosa@discente.ufg.br

Daniela Cristina de Oliveira
daniela.oliveira@ueg.br

Gabriela de Araújo Achegaua Salazar
gabrielachegaua@gmail.com

EIXO
Ações de Extensão

O Estudo Sobre a Ação Formativa com Professores no Clube de Matemática

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Resumo: Este trabalho apresenta a síntese de um estudo organizado a partir da experiência no projeto de formação continuada intitulado Clube de Matemática - Clumat: um espaço coletivo de organização do ensino e da aprendizagem . A ação formativa foi desenvolvida como projeto de pesquisa e extensão vinculado ao Instituto de Matemática e Estatística-IME, da Universidade Federal de Goiás-UFG, em parceria com a Gerência de Formação dos Profissionais da Secretaria Municipal de Educação de Goiânia-Gerfor, no 1° semestre de 2023, com professores que ensinam matemática no 4° ano do ensino fundamental. O referido projeto de ação formativa foi organizado em duas etapas (2023 e 2024) com dois módulos cada. O conteúdo programático abordou temas como: coletividade, pressupostos da Atividade Orientadora de Ensino-AOE, Situações Desencadeadoras de Aprendizagem-SDA, o Movimento Lógico-Histórico do Conceito, o Jogo e a Avaliação na perspectiva da Teoria Histórico-Cultural-THC. Foi proposto uma reflexão sobre a organização do ensino de matemática sustentada na THC, valorizando a ludicidade, a coletividade e a intencionalidade na atividade pedagógica. Nesse sentido, o objetivo deste trabalho é descrever sinteticamente de forma crítico-reflexiva a experiência nesta ação formativa. Assim, o primeiro semestre serviu para que os professores cursistas tivessem um primeiro contato com o arcabouço teórico utilizado. Diante dos relatos dos cursistas durante a ação formativa, percebeu-se que os professores compreenderam a possibilidade de organização do ensino de matemática que vai além do ensino tradicional e o quão o curso tornava-se importante para os professores e para a escola, apontando indícios de mudança de sentido acerca da atividade pedagógica.

Palavras-chave : Ensino de Matemática. Clube de Matemática. Formação Continuada.

1. Introdução

O modo em que a Educação Matemática se organiza na atualidade tem sido palco de debate de diversos pesquisadores, como Rosa, Moraes e Cedro (2016); Oliveira (2022), por não conseguir mobilizar os indivíduos rumo ao desenvolvimento por meio do conhecimento científico. Em se tratando do processo de ensino e aprendizagem da matemática, pesquisas apontam algumas razões que desencadeiam as variadas dificuldades dentro desse processo, como a reprodução do pensamento empírico em detrimento do pensamento teórico e a qualidade da formação desses profissionais, que determina a forma de organização do ensino de matemática nas escolas.

De acordo com Rosa, Moraes e Cedro (2016) as pesquisas sustentadas pela Teoria Histórico-Cultural (THC) têm mostrado que a escola tradicional, ao priorizar um ensino que se utiliza apenas de percepções e representações empíricas dos sujeitos acerca dos objetos, ou seja, supervaloriza o aspecto intuitivo, não consegue mobilizar os sujeitos ao desenvolvimento do pensamento teórico. Para Davidov (1982), o objetivo principal da atividade de ensino, que é inerente ao professor, é a apropriação do conhecimento teórico pelo sujeito, em atividade de aprendizagem, a fim de subsidiar o seu desenvolvimento psíquico.

Nesse sentido, em busca de uma organização do ensino pautada no desenvolvimento do pensamento teórico, defendemos a importância da formação continuada de professores que vise a apropriação do trabalho do professor: ensinar conhecimentos teóricos. Acreditamos que a atividade de ensino deve perpassar pela intencionalidade nas ações formativas para possibilitar uma educação humanizadora e a busca por novos conhecimentos.

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Nessa perspectiva, o Clube da Matemática (Clumat) surge como espaço de formação docente e, concomitantemente, como espaço de aprendizagem para estudantes do ensino fundamental. É organizado tomando como premissa a ludicidade, como forma de motivar os estudantes à apropriação dos conhecimentos matemáticos, e as ações e reflexões coletivas dos sujeitos, de modo a possibilitar o compartilhamento de ideias e de saberes entre os pares (CEDRO, 2015).

Com isso, o objetivo deste trabalho é descrever sinteticamente de forma crítico-reflexiva a experiência dos autores na ação formativa intitulada "Clube de matemática - Clumat: um espaço colaborativo de organização do ensino e da aprendizagem" e vislumbrar um possível movimento de mudança de sentido sobre a compreensão acerca da atividade pedagógica pelos professores participantes desse processo.

2. Metodologia

A referida ação formativa foi desenvolvida no primeiro semestre de 2023, com professores que ensinam matemática no 4° ano do ensino fundamental, da Rede Municipal de Educação de Goiânia, sob a organização do Instituto de Matemática e Estatística da Universidade Federal de Goiás-IME/UFG, em parceria com a Gerência de Formação dos Profissionais da Secretaria Municipal de Educação de Goiânia-Gerfor/SME.

Esse curso de formação de professores é fundamentado nos pressupostos da THC, está alinhado à proposta político pedagógica da Rede Municipal de Educação de Goiânia-RME e à Política de Formação Continuada dos Profissionais da SME/2020, por meio da Gerfor, que tem o objetivo contribuir com a qualificação dos profissionais da educação e na implementação das políticas e ações formativas da RME.

A ação formativa em questão, objetivou possibilitar aos professores que ensinam matemática na RME de Goiânia, um ambiente formativo sobre o processo de ensino e a aprendizagem da matemática, tendo como premissa, a ludicidade e o trabalho coletivo. Para isso, contou com a participação de sete professores formadores que atuam como professores da educação básica, ensino superior e/ou pesquisadores da atividade pedagógica. Os sujeitos da ação formativa são professores que ensinam matemática para o 4° ano do ensino fundamental RME de Goiânia.

A ação formativa está organizada em quatro semestres, nos anos de 2023 e 2024. Este trabalho refere-se ao primeiro semestre de 2023 (Módulo 1) composto por dez encontros. Em relação ao conteúdo programático, foram estudados temas como: coletividade, pressupostos da Atividade Orientadora de Ensino (AOE), Situações Desencadeadoras de Aprendizagem (SDA), o Movimento Lógico-Histórico do Conceito, o Jogo e a Avaliação na perspectiva da THC.

3. Resultados e Discussão

Nesta seção, apresentaremos sinteticamente os aspectos relevantes de alguns dos encontros do curso no primeiro semestre de 2023. O primeiro encontro teve como objetivos apresentar aos participantes a proposta do clube de matemática, possibilitar que os participantes se conhecessem e explicitar a organização da proposta formativa. Foi um momento muito rico, pois, os 17 cursistas presentes tiveram a oportunidade de expressar suas expectativas e motivações quanto ao curso e vivenciarem a tarefa de ensino Matematicolândia , sustentada na THC. Dentre as motivações apresentadas pelos cursistas destacamos a busca por novos conhecimentos e metodologias que possam contribuir com a aprendizagem dos estudantes, conforme mostramos no quadro 1, a seguir.

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Quadro 1: Roda de conversa - falas dos professores cursistas

Professor (P) - Motivações acerca da participação no curso
P1 - O motivo que estou com uma turma de 4º ano que passou pela pandemia e tem dificuldades, preciso avançar com o conteúdo do 4 ano, e vejo a necessidade também de retornar com o conteúdo dos ano anteriores.
P2 - Ampliar meu conhecimentos matemáticos, novas metodologias de ensino/aprendizagem, buscando melhorar o meu desenvolvimento e dos alunos.
P3 - Matemática é vida, tento passar isto da melhor forma para meus alunos (as), no entanto, percebo que não tenho obtido tanto êxito, com relação ao entusiasmo e interesse por parte deles (as).
P5 - Mais conhecimento.
P6 - Quero aprender novas metodologias de ensino, para proporcionar aos estudantes aulas de matemática com mais qualidade.

Fonte: Registros dos formadores.

O segundo encontro objetivou a compreensão dos princípios da coletividade nos processos pedagógicos. Foram realizadas discussões a partir da leitura dos textos de Lopes et al (2016) e Garcez et al (2012). Os cursistas produziram um texto com a temática “como é a minha escola?”, para que pudessem descrever os aspectos estruturais e pedagógicos que determinavam o processo de ensino e aprendizagem em suas escolas. Foi um momento importante, pois, verificamos que o trabalho dos professores na maioria das escolas é realizado de forma individual, deixando de lado o aspecto coletivo, como eles mesmos identificaram com base nos textos estudados.

É importante ratificar que dos dez encontros do primeiro semestre, três foram realizados nas escolas dos cursistas, juntamente com os seus estudantes, destacando aqui o Clube de Matemática como espaço de aprendizagem dos estudantes. O propósito desses encontros in loco foi que os professores cursistas compreendessem como os aspectos estudados sobre o ensino da matemática, organizado na perspectiva da THC, poderiam mobilizar os sujeitos ao estudo. Sempre ao final desses encontros eram realizadas rodas de conversas com os professores cursistas com a finalidade de levá-los a refletir sobre o processo de ensino-aprendizagem do encontro. A seguir, o quadro 2 apresenta algumas falas desses professores durante a roda de conversa.

Quadro 2: Roda de conversa - falas dos professores cursistas

Professor (P) – Falas na roda de conversas
P4 – Os alunos se envolveram na atividade e trabalharam juntos nos grupos, os alunos ajudaram os que não sabiam, a tarefa foi pra eles uma coisa atrativa.
P5 – Esse tipo de ensino tradicional que temos nas escolas deu certo pra nós porque viramos professores, então entendemos a lógica, mas não dá certo pra todo mundo, então não podemos pensar numa escola pra poucos que se adaptam, mas pra todos
P3 – Eu acho essa tarefa adequada aos alunos e eles não demonstram dificuldade, depois da mediação do professor, os alunos começam a entender. No grupo de alunos que eu estava os alunos foram muito colaborativos. Os alunos questionam as opiniões e sugestões dos colegas.
P6 – O maior ponto positivo dessa atividade (Matematicolândia) é o número de conteúdos que podem ser trabalhados nos componentes curriculares, os meninos estavam interessados em criar, montar a cidade, houve a participação do grupo.

Fonte: Registros dos formadores.

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No último encontro do semestre, estudamos o tema avaliação, na perspectiva da THC. Foi realizada uma reflexão sobre a avaliação da aprendizagem, ressaltando a necessidade de refletir sobre sua finalidade educacional, sobretudo sua função de orientar o ensino para promover a aprendizagem e o desenvolvimento dos estudantes. Nesse encontro os cursistas também fizeram uma autoavaliação referente à sua participação no Módulo 1 do curso. O quadro 3, a seguir, traz a síntese de algumas respostas de alguns cursistas durante a realização das atividades.

Quadro 3: Respostas dos professores cursistas

Professor (P) – Autoavaliação dos cursistas
P3 – A ideia de trabalhar de forma coletiva, foi o que mais me impactou, tenho muita dificuldade de trabalhar coletivamente, mas já estou mudando minha perspectiva. Trabalhar de forma coletiva só foi possível devido a participação e acolhimento dos meus colegas de curso.
P5 - O curso me impactou muito na forma como via o ensino de matemática e como vejo agora. Acredito que a SDA contribui muito para uma mudança de paradigma no ensino da matemática não tradicional, ensino esse baseado na coletividade no amor próprio que contrapõe a todo aquele modelo bancário implementado pela política neoliberal.
P7 – Para que o curso clube de matemática possa se tornar um projeto desenvolvido no âmbito de todas as escolas municipais de Goiânia, poderiam abrir o curso para os demais anos e não apenas para professores do 4° ano. Os professores de outras séries sempre nos procuravam para participar.
P6 – O que mais me chamou atenção nesse primeiro semestre foi que, além dos textos apresentados, falas e orientações da equipe formadora, fomos para a prática, levando para as escolas/alunos, as atividades estudadas no curso, podendo assim desenvolver e avaliar.

Fonte: Registros dos formadores.

O Módulo 1 da ação formativa foi iniciada com 17 cursistas e concluída com 10. A evasão pode justificar-se principalmente pela necessidade de alguns encontros serem realizados aos sábados, já que a SME não autorizou que todos os encontros fossem no meio de semana, ou seja, no horário de trabalho do professor.

Apesar desse fator, seguimos com a proposta de formação continuada de professores, destacando a importância do trabalho coletivo e seu compartilhamento para a promoção de uma educação humanizadora, o que podemos perceber na fala de P3, no quadro 2, acima. Neste trecho, o professor diz que as crianças foram bastante colaborativas na atividade proposta, sendo uma ação que não conseguia promover anteriormente, conforme colocou no início do curso no quadro 1.

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O movimento entre teoria e prática, proposto nos encontros formativos, reflete nos sentidos atribuídos pelos professores tanto à atividade pedagógica, como no próprio modo de compreender o conhecimento matemático, como indicam P5 e P6 no Quadro 3. Nesse sentido, diante dos relatos dos cursistas durante a ação formativa, percebemos o quão o curso constituiu-se importante para os professores concernente a sua compreensão sobre a atividade pedagógica.

4. Considerações Finais

O reconhecimento da importância da formação continuada de professores dentro da atividade pedagógica faz com que essas ações formativas busquem não apenas subsidiar os professores de conteúdos e metodologias, mas também de um arcabouço teórico que seja acessível e relevante para a sua atividade de ensino, na perspectiva de contribuir para uma educação humanizadora. Na educação escolar tomada como atividade, a intenção educativa do professor tem a marca da sua vivência em espaços formativos (MOURA, 2013, p. 85).

O primeiro semestre da ação formativa possibilitou aos cursistas o estudo dos princípios gerais da THC. Os professores demonstraram indícios de compreensão da necessidade de organização do ensino de matemática, pautado na coletividade e ludicidade, de modo a envolver os estudantes ao estudo. Nessa perspectiva, esperamos que os professores possam ter iniciado um processo de mudança de sentido acerca da atividade pedagógica e que esse movimento continue no semestre seguinte, na continuidade desta ação formativa.

5 REFERÊNCIAS

CEDRO, W. (org.). Clube de matemática: vivências, experiências e reflexões. Curitiba: CRV, 2015.

DAVYDOV, V. V. Tipos de generalización en la enseñanza. La Havana, Cuba: Editorial Pueblo y Educación, 1982.

GARCEZ, V. H.; ROESLER L. V. L., A.; GARCEZ; S. D. S. A dimensão colaborativa no movimento de ensinar, aprender e formar-se professor que ensina Matemática. Roteiro , [S. l.], v. 37, n. 1, p. 127–146, 2012. Disponível em: https://periodicos.unoesc.edu.br/roteiro/article/view/789 .

MOURA, M. O. A educação escolar: uma atividade? In: SOUZA, N.M.M de. Formação continuada e as dimensões do currículo. Campo Grande -MS: Ed. UFMS, 2013.

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OLIVEIRA, D. C. Quando os estudantes não são mais os mesmos [manuscrito]: o processo de apropriação de conhecimentos geométricos nos anos iniciais e a Teoria Histórico-Cultural. 2022.

ROSA, J. E.; MORAES, S. P. G.; CEDRO. W. L. As particularidades do pensamento empírico e do pensamento teórico na organização do ensino. In: MOURA, M. O. (Org.) . Educação escolar e aprendizagem na teoria histórico-cultural. São Paulo: Edições Loyola, 2016.

Notas

1. Pós-doutoranda em Educação em Ciências e Matemática - UFG.

2. Mestra em Educação em Ciências e Matemática- UFG.

3. É uma tarefa de ensino em que os estudantes constroem coletivamente uma cidade, alocando de forma consciente os seus imóveis constitutivos, trabalhando localização, deslocamento, planejamento urbano etc.