Soraya Vieira Santos

Sheila Daniela Medeiros dos Santos

Hugo Vinícius Ferreira Silva

Rachel Benta Messias Bastos

EIXO
Ações de Extensão

Literar com a(s) Infância(s): tempo de ler

113

Resumo: Este trabalho refere-se à experiência pedagógica de um projeto de extensão vinculado à Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás, o qual teve como objetivo combater a disseminação dos livros de autoajuda para crianças por meio do literar com/na(s) infância(s), de modo a promover a leitura literária para estudantes, professores e comunidade em geral. Com base no referencial teórico de Britto (2012, 2018) e Sarmento (2003, 2005) selecionou-se dez obras literárias para a realização de sessões públicas de leitura coletiva, as quais se efetivaram na modalidade on-line pela plataforma Google Meet, quinzenalmente e com duração de 30 minutos, de forma a possibilitar a participação de diferentes interessados em distintos espaços. O projeto de extensão obteve resultados exitosos: excedendo o número de participantes estimado inicialmente; promovendo a inclusão de pessoas com deficiência e, sobretudo, mobilizando e conscientizando estudantes, professores e comunidade em geral, na práxis de “literar” para/com a(s) infância(s).

Palavras-chave : Literatura Infantil. Leitura.

1. Introdução

O projeto de extensão “Literar com a(s) infância(s): tempo de ler” trata-se da reedição de outro projeto de extensão intitulado: "Literar com a infância no enfrentamento do (des)conhecido", o qual foi desenvolvido de junho a dezembro de 2020, durante o período de isolamento social em decorrência da pandemia de COVID-19.

Convém mencionar que este projeto de extensão implementado anteriormente obteve excelentes resultados, pois como bem observou Santos, Bastos e Teixeira (2021, p. 26) afetou de modo profícuo tanto os participantes jovens, adultos e idosos, como as crianças de modo geral.

Isso porque, o referido projeto propiciou a problematização de um aspecto preocupante que se consolidou de modo subjacente no contexto brasileiro: a sedução, a magia e o aprisionamento dos livros de autoajuda para crianças, os quais, por sua vez, têm se transformado em um fenômeno de interesse mercadológico (Santos, 2021a).

Ademais, este projeto impactou positivamente seus participantes pelo fato de terem a possibilidade de: acessarem os acervos de livros e contação de histórias disponíveis em bibliotecas e plataformas digitais de modo mais crítico; realizarem a divulgação da literatura infantil em diversos contextos educativos; e vivenciarem a experiência de “literar” por meio da gravação de novas contações de histórias e da leitura para as crianças no período de isolamento social, de forma a atravessarem a (des)conhecida pandemia tendo a literatura como aliada. Outrossim, o projeto também impeliu as crianças a vivenciarem a experiência de ouvir e (re)pensar narrativas.

114

Em termos quantitativos, o projeto anterior alcançou cerca de 1000 seguidores no Instagram , 120 seguidores no Facebook e em torno de 700 inscritos no Youtube até dezembro de 2020 (data de sua finalização).

Dentro das temáticas propostas foram elaboradas aproximadamente 100 postagens, sendo 29 vídeos para o Youtube , que juntos somaram quase 7500 visualizações ( Instagram : @literarcomainfancia; Facebook : /literarcomainfancia; e Youtube : Canal Literar com a Infância).

Para além dos números, o projeto atuou em parceria com a Secretaria Municipal de Educação de Goiânia, na ocasião da programação da 3ª Semana do Bebê de Goiânia - Conectados pela Primeira Infância , com o "Momento Literar", uma sessão de contação de histórias que aconteceu ao vivo no canal do Youtube , alcançando crianças, famílias e educadores da Educação Infantil vinculados à rede municipal em Goiânia.

Assim, tendo em vista o êxito da proposta anterior, a ampla participação da comunidade acadêmica e da comunidade externa à Universidade Federal de Goiás e, ainda, o contínuo desejo expresso pelos participantes e novos interessados em sua retomada e continuidade, buscou-se reeditar o referido projeto de extensão em outro formato, na modalidade on-line, desta vez intitulando-se: “Literar com a(s) infância(s): tempo de ler”, com o objetivo de combater a disseminação dos livros de autoajuda para crianças por meio do literar com/na(s) infância(s), de modo a promover a leitura literária para estudantes, professores e comunidade em geral. Em vista disso, com base neste objetivo, instaurou-se o desafio de trabalhar uma maior abrangência de temáticas e de explorar, conhecer e compreender a leitura literária com foco na “formação cultural”.

Cumpre lembrar que ao priorizar o estudo sobre as/da(s) infância(s), faz-se necessário considerar que esta categoria tem sido analisada historicamente sob diferentes perspectivas. Por esta razão, ao longo do tempo, diversas concepções de infância foram sistematizadas sob a ótica de historiadores, higienistas, pesquisadores do campo da psicologia e da sociologia. Todavia, apesar das distintas perspectivas, o que está em pauta é que a multiplicidade da(s) infância(s) existentes precisa ser considerada não apenas por pesquisadores da infância, mas sobretudo por profissionais que trabalham com crianças, afinal, conforme Sarmento (2005) asseverou:

A infância é historicamente construída a partir de um processo de longa duração que lhe atribuiu um estatuto social e que elaborou as bases ideológicas, normativas e referenciais do seu lugar na sociedade. Esse processo, para além de tenso e internamente contraditório, não se esgotou. É continuamente actualizado na prática social, nas interacções entre crianças e nas interacções entre crianças e adultos (Sarmento, 2005, p. 365-366).

De acordo com este autor, as crianças são produtoras de cultura, compreendendo cultura como “um conjunto estável de atividades ou rotinas, artefatos, valores e ideias que as crianças produzem e partilham em interação com os seus pares” (Sarmento, 2005, p. 373).

115

Neste sentido, Sarmento (2003) delimita os contornos conceituais do termo “culturas da infância” como a “capacidade das crianças em construírem de forma sistematizada modos de significação do mundo e de ação intencional, que são distintos dos modos adultos de significação e ação” (Sarmento, 2003, p. 3-4).

Para Sarmento (2005) estas atividades representam, em termos culturais, não necessariamente o que os adultos produzem para as crianças, mas sobretudo o que as próprias crianças produzem ao interagirem em coletividade com/entre seus pares e com os adultos em um contexto marcado por “relações desiguais de classe, de gênero e de etnia” (Sarmento, 2003, p. 8).

A partir destas considerações, cumpre salientar que compreendeu-se o termo “formação cultural” no projeto de extensão, na acepção de Berman (1983), como um processo em que o indivíduo vivencia diferentes linguagens culturais, ampliando as experiências, a idiossincrasia e o conhecimento do contexto social do qual faz parte. Assim, a “formação cultural”, por sua dinamicidade, possui uma potente conotação pedagógica e designa a formação como processo, exprimindo simultaneamente o elemento delineado, o processo e o resultado da cultura conforme definições edificantes forjadas por Goethe e Hegel (Berman, 1983).

2. Referencial Teórico

É preciso asseverar a relevância da literatura na formação humana. Sartre (2006, p.118) afirma que “[...] o tema da literatura sempre foi o homem no mundo”. Neste sentido, Saldanha e Amarilha (2016), fundamentados em Candido (2011), afirmam que a literatura é um direito humano, é cultura.

Britto (2009; 2012), por sua vez, afirma que é preciso conceber a literatura como valor e possibilidade de realização da liberdade e do autoconhecimento e como prática social circunstanciada, que favorece o alargamento da consciência crítica e das possibilidades de atuação e intervenção na sociedade. De acordo com este autor, promover a leitura demanda “(...) uma forma de pertencimento crítico ao mundo. Um valor, portanto. Um valor que carrega um princípio de humanidade e que implica, mais que o simples hábito, uma atitude” (Britto, 2012, p. 29).

Assim, a leitura de livros literários adquire maior significância quando se faz referência à formação de professores. Ao ter em vista a complexidade do processo de ler como uma prática que possibilita a construção humana e a interação entre povos de diferentes origens (Saldanha; Amarilha, 2016), a leitura para professores contribui: com a formação cultural e política (Freire, 1989); com a formação dos gostos, os quais se aprende, se muda, se cria, se ensina (Britto, 2012); e, por fim, com a formação crítica para a escolhas de leituras futuras (Dalla-Bona; Fonseca, 2018). Advém desta premissa a necessidade de envolver estudantes de licenciatura em projetos que incentivem e possibilitem a leitura de narrativas literárias.

116

Entretanto, de acordo com Cosson (2013), poucos cursos de Pedagogia oferecem uma disciplina da área de literatura que procure conciliar a formação literária com a pedagógica. Neste sentido, a pesquisa de Saldanha e Amarilha (2016) ressalta que esta ausência “fragiliza o conhecimento humanístico, essencial para a formação do professor” (Saldanha; Amarilha, 2016, p. 393).

O estudo de Dalla Bona e Fonseca (2018), por sua vez, chama atenção para o predomínio de uma ideia utilitarista do trabalho escolar com a literatura infantil e seu uso como pretexto para ensinar os conteúdos escolares.

Destarte, a leitura se revela na partilha entre o ouvinte e o contador da história, o professor e o estudante e/ou os familiares e as crianças, em uma experiência de mediação, interação com o texto e reconstrução da narrativa. Este aspecto é fundamental, uma vez que os mediadores da leitura desenvolvem a noção de que sempre é preciso interrogar o texto e “analisar todos os aspectos da configuração textual” (Mortatti, 2001), para que a leitura seja crítica e não instrumental. Ainda que o livro não trate diretamente de um determinado assunto ou não apresente abertamente um conteúdo, a leitura pode permitir a reflexão sobre o tema proposto se for conduzida neste sentido.

Assim, um livro não precisa ser didático para “ensinar” algo, da mesma forma como não deve ser prescritivo e repleto de conselhos direcionados às crianças (Santos, 2015). A esse respeito é fundamental a análise de Santos (2015), quem revela o modo como cresce exponencialmente o mercado de venda de livros de autoajuda para adultos e, inevitavelmente, também para crianças, chamando a atenção para a necessidade de distinguir a literatura infantil deste tipo de produção.

Nesta perspectiva, ao selecionar e analisar livros de autoajuda infantil, Santos (2015, p. 212) não apenas salienta que estas obras são constituídas por “histórias sem profundidade, de textos prescritivos, conselhos e fórmulas prontas para solucionar problemas, incitando a aceitação e o conformismo em detrimento ao senso crítico”, como também enfatiza que constitui um desafio não ceder a essas leituras e “(re)pensar as concepções frágeis, generalistas e abstratas de criança, de infância, de escola e de educação, que se impõem pela funesta política neoliberal” (Santos, 2015, p. 215).

Portanto, a expressão “literar” que fundamenta o presente projeto se distancia de um aspecto instrumental e/ou de uma propositura alusiva à autoajuda, uma vez que “literar” para o mencionado projeto é rastrear o ineditismo,

117
[...] é ler com novos olhos, é apresentar diferentes perspectivas sobre um mesmo assunto e levantar um questionamento crítico sobre aquilo. Literar é ser neologismo: reagrupar partes e dar nova identidade ao todo. É estimular a leitura a partir do próprio ato de ler. É mostrar que a literatura nunca cai em desuso, e que há sempre algo novo a ser descoberto e explorado (Morais; Rocca; Marcatto, 2020).

O ato de “literar” compreende, portanto, uma visão ampla de leitura e de promoção de ações de leitura que se referem à “inclusão do sujeito num determinado ‘modo de cultura’ e na disseminação de hábito, práticas e formas de cultura mais densas e elaboradas” (Britto, 2012, p. 28). Essa ação, por conseguinte, remete ao sentido do humano e da “pessoa completa”, como lembra Wallon (2007), que afirma que os indivíduos se constituem no entrelaçamento de aspectos motores, cognitivos e afetivos, sendo que é exatamente à emoção que compete o papel de unir os indivíduos entre si, constituindo-se como seres sociais. Como a atividade da leitura é social, estão implicados nesta atividade aquele que enuncia o texto e aquele que dá sentido ao texto lido.

Ademais, como afirma Britto (2012, p. 31), é preciso destacar que a “promoção da leitura não pode pautar-se nem pelos ditames do mercado editorial ou da indústria da informação e do entretenimento, nem pela necessária disciplina da aprendizagem escolar”. Isto é, a escolha dos textos literários, segundo Britto (2018) deve se dar com base em critérios como: textos que possuam intensidade e densidade cultural; proponham experiências rítmicas, rímicas e prosódicas; instiguem a criação e a imaginação; e contemplem uma linguagem que contrasta com a linguagem comum.

3. Metodologia

O projeto de extensão “Literar com a(s) infância(s): tempo de ler” contou com a participação de: estudantes e docentes dos cursos de Pedagogia e Psicologia da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás (FE/UFG); estudantes e docentes do Instituto Federal de Goiás (IFG); professores/as, gestores/as e educandos/as da educação básica da rede municipal de educação de Goiânia; e demais interessados/as da comunidade em geral.

A partir de reuniões que ocorreram nos meses de novembro e dezembro de 2022 e janeiro de 2023, restritas à coordenação e equipe executora, elaborou-se um cronograma de atividades para o ano de 2023 e promoveu-se a divulgação do projeto nas redes sociais.

118

Deste modo, o projeto de extensão teve a duração de um ano e um mês, compreendendo o período de 30 de novembro de 2022 a 31 de dezembro de 2023. As sessões de leitura, com duração de trinta minutos, ocorreram quinzenalmente às quintas-feiras, sendo que o horário de realização era alternado para atender públicos distintos, de forma a iniciar-se às 11h30min em uma quinta-feira e às 18h30 na quinta-feira seguinte. Participaram do projeto de extensão como membros efetivos da equipe executora: uma coordenadora, duas vice-coordenadoras externas, duas consultoras, duas colaboradoras externas e cinco discentes, sendo um deles intérprete em libras.

A necessidade de contar com a presença de um intérprete em libras durante as sessões de leitura ocorreu em decorrência não apenas do fato de o projeto “Literar com a(s) infância(s): tempo de ler” ter como perspectiva uma educação para a inclusão (Mantoan; Lanuti, 2022), mas também pelo fato de que estudantes com deficiência auditiva, visual e com baixa visão passaram a participar das sessões, de modo a reiterar ao responsável pela leitura do dia, a relevância de realizar a sua autodescrição e a descrição das imagens do livro lido/contado durante os encontros.

Em um primeiro momento, realizaram-se as seguintes atividades: socialização do texto que constituiu o projeto de extensão “Literar com a(s) infância(s): tempo de ler” para os membros da equipe executora inteirarem-se da proposta a ser viabilizada; socialização dos links de todo o material produzido na edição anterior do projeto de extensão “Literar com a infância”, incluindo o e-book e os vídeos, a fim de que todos os membros da equipe executora da ação atual realizassem a leitura e a apropriação do referido material; participação dos membros da equipe executora na oficina ministrada pela vice-coordenadora do projeto de extensão sobre as ferramentas digitais, as plataformas e os recursos tecnológicos a serem utilizados durante as sessões de leitura na modalidade on-line; e, por último, participação de uma das consultoras do projeto de extensão na palestra intitulada: “Diálogos com a literatura infantil” – com as professoras pesquisadoras, especialistas em literatura infantil no Brasil: Dra. Márcia Abreu (Universidade Estadual de Campinas) e Dra. Patrícia Hansen (Universidade Nova de Lisboa) –, com o objetivo de ampliar os conhecimentos sobre a temática.

Concomitantemente à concretização destas atividades, alguns membros da equipe executora apresentaram sugestões de livros literários para crianças, as quais foram seguidas de discussão e seleção para compor as sessões coletivas de leitura. Esta seleção, por sua vez, obedeceu a critérios rigorosos que forneceram elementos para nortear a escolha das leituras literárias com o ojetivo de combater a disseminação dos livros de autoajuda voltados para crianças. Cumpre lembrar que, em relação a este aspecto, Santos (2021b) assevera que para desviar-se das armadilhas dos livros de autoajuda para crianças faz-se necessário desconfiar de livros que:

[...] impõem verdades e enaltecem a intuição; possuem enunciados prescritivos e listas de aconselhamentos; estão impregnados de discursos de poder e persuasão; incentivam o consumismo; atribuem à criança um poder interior; disseminam a força do pensamento positivo; contêm palavras apelativas e soluções fáceis; prometem sucesso e felicidade; fornecem orientação rápida e direta às crianças; difundem falsas expectativas e ilusões; exaltam uma visão utilitarista do conhecimento; concebem os problemas como se fossem todos de ordem pessoal, individual, nunca coletivos; e, ainda, cedem lugar à redundância, aos imperativos, às ideias moralizantes, às promessas tentadoras, às frases de impacto, às metáforas levianas e às propostas terapêuticas (Santos, 2021b, p. 112).
119

De acordo com a autora, para aventurar-se no mundo da fantasia dos livros literários para crianças faz-se necessário priorizar as obras que: promovem a curiosidade e o ineditismo; encantam e são permeadas pelo conhecimento; demandam um palco de negociações para o embate de pontos de vista distintos; interpelam temáticas universais; evocam metáforas para problematizar polêmicas; incitam a criança a desvendar enigmas; reavivam as mais diversas emoções; propiciam uma relação imbricada entre linguagem, imaginação e criatividade; levam a criança a percorrer uma multiplicidade de caminhos transpondo-a para o mundo da fantasia; fomentam a produção imaginária por meio de diferentes estilos de composições literárias como: poesias, teatros, fábulas, contos clássicos, mitos, novelas, cordéis, entre outros. Nesta direção, a autora alerta:

[...] não escolha um livro apenas pela temática, mas também pela sua forma e pela maneira como o(a) autor(a) constrói a narrativa. Suspeite sempre das estórias rasas, que fazem uso de uma linguagem repleta de diminutivos e que têm personagens perfeitos. Os livros de literatura infantil, contrariamente, agitam a imaginação, são audaciosos, despojados, inventivos, transgressores, inusitados, comoventes, misteriosos e, sobretudo, detêm as chaves secretas para descriptografar e abrir as fantásticas portas dos sonhos e da fantasia (Santos, 2021b, p. 112).

Com base nestas premissas os membros da equipe executora elegeram dez obras literárias para serem lidas nas sessões públicas, sendo que nove delas foram lidas quinzenalmente e uma delas compôs uma sessão especial, de encerramento, a qual realizou-se ao final do projeto de extensão.

As obras selecionadas e seus respectivos autores foram as seguintes: Além do que se vê , de Sami Ribeiro (20/04/2023); O rei maluco e a rainha mais ainda , de Fernanda Lopes de Almeida (04/05/2023); Gente que mora dentro da gente , de Jonas Ribeiro (18/05/2023); Meu crespo é de rainha , de Bell Hooks (01/06/2023); Agora não Bernardo , de David McKee (15/06/2023); Minha mãe é negra sim , de Patrícia Santana (29/06/2023); Outra história de Iracema , de Domar Vieira (03/08/2023); O menino arteiro , de Gil Veloso (17/08/2023); Joana e a pandemia , de Ligia França (31/08/2023); e Se você quiser ver uma baleia , de Julie Fogliano (08/11/2023).

Em cada sessão realizou-se a leitura de um livro literário sem a necessidade de conhecimento prévio da obra pelos participantes. A leitura pública, em tempo real, seguiu-se de diálogo, possibilitando a formação cultural, a divulgação dos autores e dos livros literários e, sobretudo, o incentivo ao “literar”. A equipe executora definiu que a emissão de certificados, com carga horária de uma hora, seria concedida aos participantes em cada encontro específico, sem que fosse exigido regularidade nos encontros, uma vez que o intuito era oportunizar maior participação de todos os interessados.

4. Resultados e Discussão

Como afirma Vygotsky (2001) reitera que a literatura é uma poderosa ferramenta que propicia a expressão de sentimentos, a revelação de experiências no domínio da linguagem, o redimensionamento dos significados e a negociação dos sentidos.

Assim, na experiência com a literatura voltada à(s) infância(s), destaca-se o papel que os adultos exercem como mediadores oferecendo material simbólico para que cada criança comece a descobrir não apenas quem ela é, mas também quem quer e quem ela poder ser:

Saber que a imaginação nos permite ser outras pessoas e nós mesmos, descobrir que podemos pensar, nomear, sonhar, encontrar, comover e decifrar a nós mesmos nesse grande texto escrito a tantas vozes por uma infinidade de autores ao longo da história, é o que dá sentido à experiência literária como expressão de "nossa humanidade comum" (Reyes, 2010, p. 15).

Nesta perspectiva, o projeto de extensão mobilizou e conscientizou professores, em formação e em atuação, na práxis de “literar” para/com as crianças. Cumpre lembrar que o termo práxis, neste trabalho, é compreendido como um conceito filosófico da atividade teórico-prática do ser humano em todas as áreas da sociedade, conforme acepção de Arnoni (2006). Para este autor, a tensão dialética que se estabelece entre os pólos contraditórios, teoria e prática, permite compreender a dinâmica de determinado contexto, expressando a qualidade da práxis . Neste ínterim, a práxis une pensamento e ação possibilitando o devir do ser social, no sentido da transformação (Arnoni, 2006).

Em síntese, conforme assevera Sánchez Vásquez (2011) a práxis é uma relação entre teoria e prática, na qual pode ocorrer uma transformação da realidade existente, sem que intercorra a separação entre estes dois elementos, pois ambos formam uma unidade de contrários. A definição dos contornos conceituais desta palavra contribui para o entendimento de como é possível empreender uma ação que transforme a realidade.

120

Nesta ambiência, Correia e Carvalho (2012) atestam que uma práxis educativa, para se concretizar, deve conduzir o indivíduo à reflexão sobre qual concepção possui de: sociedade , com o objetivo de elucidar qual é o homem que quer formar; pensamento , com o intuito de refletir sobre a importância do conhecimento e da leitura do mundo; e tempo , ao considerar a realidade que é o hoje (sendo ela concreta), assim como os diferentes tipos de saberes que são essenciais durante a práxis pedagógica.

Portanto, a partir de um olhar crítico para a literatura infantil, do mesmo modo como ocorreu na primeira edição, o projeto de extensão incentivou a formação de clubes de leitura e a visitação em bibliotecas, livrarias e outros espaços culturais com a criação de momentos compartilhados de contação de histórias. É fundamental destacar que a literatura está sempre posta como possibilidade, como ferramenta, nos mais diversos contextos e, portanto, deve ser considerada como uma multiplicidade de expressões e formatos que podem ser reinventados em cada leitura.

5. Considerações Finais

Este trabalho consolidou-se como uma experiência pedagógica associada ao projeto de extensão intitulado: “Literar com a(s) infância(s): tempo de ler” vinculado à Universidade Federal de Goiás. O referido projeto objetivou combater a disseminação dos livros de autoajuda para crianças por meio do literar com e na(s) infância(s), de modo a promover a leitura literária para estudantes, professores e comunidade em geral.

Por meio da divulgação de livros e acervos de literatura infantil de histórias contadas já existentes, incitou-se a produção de novas contações de histórias, de leituras e propostas de diálogo que pudessem fomentar a problematização contínua dos/entre os participantes.

Neste ínterim, observou-se que o projeto de extensão mobilizou professores e futuros professores acerca da imprescindibilidade da leitura literária; incentivando a formação de (novos) contadores de histórias, com estímulo à produção de estudantes de Pedagogia, Psicologia e outras áreas do conhecimento, além de propiciar a “formação cultural” de todos os envolvidos no projeto priorizando o olhar para a(s) diferentes infância(s) e para a cultura produzida e partilhada pelas crianças em interação com seus pares.

Ademais, o projeto de extensão sinalizou para o fato de que a literatura infantil deve ser enaltecida e reconhecida, porém, deixando-a percorrer os caminhos inusitados dos planos estéticos, sem se preocupar com propósitos meramente pedagógicos. Somente com este olhar a literatura infantil poderá constituir, de fato, uma forma de subversão, de resistência e de transformação social.

6. Referências

ARNONI, M. E. B. Ensino e mediação dialética. Revista Ibero-Americano de estudos em educação , Araraquara, v. 1, n. 1, 2006, p. 1-10. Disponível em: http://www.periodicos.fclar.unesp.br/iberoa,ericana/article/view/437. Acesso em 29 out. 2023.

BERMAN, A. Bildung et Bildungsroman . Le temps de la réflexion. Paris: Gallimard, 1983, IV.

BRITTO, L. P. L. Literatura: conhecimento e compromisso com a liberdade. Leitura: Teoria & Prática . v. 27, n. 53, 2009, p. 17-23.

BRITTO, L. P. L. Leitura: acepções, sentidos e valor. Nuances: estudos sobre Educação , Presidente Prudente, v. 21, n. 22, 2012, p. 18-31.

BRITTO, L. P. L. Ler com crianças. Revista Exitus , Santarém/PA, v. 8, n. 3, 2018, p. 17-31.

CANDIDO, A. O direito à literatura . Vários escritos. 5. ed. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2011.

CORREIA, W.; CARVALHO, I. Práxis educativa: tempo, pensamento e sociedade. Revista Portuguesa de Educação, Universidade do Minho, v.25, n.2, p.63-87, 2012.

COSSON, R. A. A formação do professor de literatura - uma reflexão interessada. In: PINHEIRO, A. S.; RAMOS, F. B. (Orgs.). Literatura e formação continuada de professores . Desafios da prática educativa. Campinas, São Paulo: Mercado de Letras, 2013, p. 11-26.

DALLA-BONA, E. M.; FONSECA, J. T. Análise de obras da literatura infantil como estratégia de formação do pedagogo/professor: saber ler, saber escolher. Educar em Revista , v. 34, n. 72, 2018, p. 39-56.

121

FREIRE, P. A importância do ato de ler : em três artigos que se completam. São Paulo: Cortez, 1989.

MANTOAN, M. T. E.; LANUTI, J. E. O. E. A escola que queremos para todos . Curitiba: CRV, 2022.

MORAIS, A.; ROCCA, F.; MARCATTO, L. Literar: revista literária , 2016. Disponível em: https://www.literar.com.br/literar/ <. Acesso em: 23 de maio de 2020.

MORTATTI, M. R. Leitura crítica da Literatura Infantil. Itinerários , Araraquara, v. 17, 2011, p. 179-187.

REYES, Y. A casa imaginária : leitura e literatura na primeira infância. São Paulo: Global, 2010.

SALDANHA, D. M. L. L; AMARILHA, M. Literatura e formação do pedagogo: caminhos que (ainda) não se cruzam. Desenredo . Revista do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade de Passo Fundo, v. 12, n. 2, 2016, p. 376-396.

SÁNCHEZ VÁSQUEZ, A. Filosofia da Práxis . 2. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2011.

SANTOS, S. D. M. Armadilhas e ilusões dos livros de autoajuda infantil na educação escolar. In: CHAVES, J. C.; BITTAR, M.; GEBRIM, V. S. Escritos de psicologia, educação e cultura . Campinas, SP: Mercado de Letras, 2015, p. 183-218.

SANTOS, S. D. M. Onde tem fada…tem bruxa! Os desencantos dos livros de autoajuda para crianças. Itininerarius Reflectionis - Revista PPGE/UFJ, v. 17, n. 4, 2021a, p. 1 - 21. Disponivel em: https://revistas.ufj.edu.br/rir/article/view/69354 . Acesso em: 17 mar. 2024.

SANTOS, S. D. M. No meio do caminho (das escolhas literárias) surgiu uma pedra... In

SANTOS, S. V.; BASTOS, R. B. M.; TEIXEIRA , R. F. P. L.; BARBOSA, C. R. A. Literar com a infância no enfrentamento do (des)conhecido [ E-book ] Goiânia: Cegraf UFG, 2021b. 125 p.

SANTOS, S. V.; BASTOS, R. B. M.; TEIXEIRA , R. F. P. L. Literar com a infância no enfrentamento do (des)conhecido. Revista UFG , Goiânia, v. 21, n. 27, 2021. Disponível em: https://revistas.ufg.br/revistaufg/article/view/66432. Acesso em: 25 nov. 2022.

SARMENTO, M. J. Imaginário e culturas da infância. Cadernos de Educação , Pelotas, v. 12, n. 21, p. 51-59, 2003. Disponível em: http://www.titosena.faed.udesc.br/Arquivos/Artigos_infancia/Cultura%20na%20Infancia.pdf . Acesso em: 01 nov. 2023.

SARMENTO, M. J. Gerações e alteridade: interrogações a partir da sociologia da infância. Educação & Sociedade , Campinas, v. 26, n. 91, p. 361-378, maio/ago., 2005.

SARTRE, J. P. Que é a literatura? São Paulo: Ática, 2006.

VYGOTSKY, L. S. A construção do pensamento e da linguagem . São Paulo: Martins Fontes, 2001.

WALLON, H. O orgânico e o social no homem. In: WALLON, H. Objetivos e métodos da psicologia . Lisboa: Editorial Estampa, 1975.

Notas

1. Doutora em Educação, Faculdade de Educação, Universidade Federal de Goiás, Campus Goiânia/GO.

2. Doutora em Educação, Faculdade de Educação, Universidade Federal de Goiás, Campus Goiânia/GO.

3. Graduando em Pedagogia, Faculdade de Educação, Universidade Federal de Goiás, Campus Goiânia/GO.

4. Doutora em Educação, Instituto Federal de Goiás, Campus Goiânia Oeste, Goiânia/GO.