Ilma Socorro Gonçalves Vieira

Laura Borges Lacerda

Elisama Vasconcelos da Silva

Sara Cassimira Borba Siqueira

Teresa Raquel Oliveira Viana

EIXO
Programas e Projetos para formação de professores

A Informação a Serviço da Mobilização: uma proposta de produção de jornal na escola de educação básica a partir da residência pedagógica

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Resumo: Este trabalho se refere a uma proposta de produção de jornal em escola de Educação Básica, envolvendo estudantes do Ensino Médio em atividades de leitura e produção textual, sob a coordenação de docente de Língua Portuguesa e estudantes do curso de Licenciatura em Letras da Universidade Federal de Goiás, bolsistas do Programa de Residência Pedagógica. A proposta baseia-se na concepção de linguagem como forma de interação e na abordagem de variados gêneros discursivos, conforme concebido em estudos de Mikhail Bakhtin. A construção de um jornal na escola se justifica pelo fato de se tratar de um suporte que reúne uma variedade de gêneros, apresentados em diferentes linguagens, o que favorece o processo de letramento e a ampliação do repertório discursivo dos estudantes. Com o intuito de contribuir para a construção de nova perspectiva acerca da veiculação da informação, a proposta prevê uma inversão no tratamento das matérias a serem compartilhadas, investindo-se em aspectos positivos que perpassam o cotidiano, sobretudo na escola e entre a sua comunidade. A busca pela ruptura com a lógica predominante no jornalismo tradicional visa alcançar possibilidades para que a informação esteja voltada para a mobilização das pessoas em favor de intervenções éticas, criativas e produtivas sobre a realidade, sempre que necessário. Para o desenvolvimento da proposta, estão sendo constituídos grupos de estudantes do Ensino Médio, coordenados por bolsistas da Residência Pedagógica, com diferentes frentes de atuação: pesquisa e seleção de notícias consistentes e de conteúdos positivos, dentro e fora da escola, incluindo trabalhos e produções significativas para a comunidade escolar; registro de imagens de paisagens naturais, de ambientes que receberam intervenção humana positiva ou que refletem cuidados éticos e responsáveis por parte da sociedade; seleção de produções artísticas e culturais de autoria de estudantes, professores e outros sujeitos ligados à comunidade escolar; produção e realização de entrevistas sobre assuntos que estimulam a valorização das artes, das ciências, dos esportes e da cultura local; categorização dos materiais recolhidos, a partir de temáticas afins; formatação das edições; revisão linguística; divulgação via página eletrônica da escola. São referências teóricas estudos de Bakhtin (1995; 1992), Candido (1995); Erbolato (1978; 2012), Noblat (2012), Rojo (2015), Teixeira (2020), entre outros.

Palavras-chave: Jornal na escola. Leitura e produção de variados gêneros. Residência Pedagógica.

1. Introdução

O cotidiano é perpassado por situações, fatos e acontecimentos de diferentes naturezas, e alguns deles recebem destaque nas fontes de informação que circulam socialmente, de maneira privilegiada na atualidade, por meio das mídias eletrônicas. O enfoque preponderante nas questões capazes de gerar sensacionalismo e impactar a sociedade, de modo a suscitar uma corrente de especulações em torno de um mesmo fato ou acontecimento e, assim, fisgar a atenção das pessoas para um determinado veículo de comunicação, tem cumprido um papel ambíguo: por um lado, ressalta-se positivamente a agilidade com que as informações se propagam; por outro lado, questões importantes, que podem desencadear olhares e atitudes mais positivas diante da realidade, tendem a ser ignoradas. A título de exemplo, temos a diferença de repercussão, nos veículos de informação e comunicação, entre um infortúnio e uma apresentação artística em uma mesma cidade.

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A esse respeito, Alessandra Corrêa, em matéria divulgada pela BBC News Brasil em 2019, apresenta resultados de uma pesquisa realizada em 17 países pelo professor estadunidense Stuart Soroka e outros pesquisadores, com base nas reações fisiológicas dos participantes diante de notícias de conteúdo negativo ou positivo. Os resultados foram divulgados na revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences e evidenciam que embora as pessoas digam "que querem notícias mais positivas, elas sistematicamente escolhem as notícias mais negativas". Os brasileiros, em específico, de acordo com os dados apresentados, "prestam mais atenção em notícias negativas". A conclusão dos pesquisadores é de que "a natureza majoritariamente negativa do conteúdo noticioso pode levar os cidadãos a apatia, desmobilização e a um conhecimento político incorreto ou inadequado" (SOROKA, 2019).

A compreensão de que a informação deve estar a serviço da mobilização das pessoas, no sentido de estimular ações efetivas voltadas à intervenção sobre a realidade, na perspectiva de transformá-la, sempre que a qualidade de vida no Planeta e os bens materiais e imateriais de interesse coletivo, por exemplo, forem afetados, constitui um pilar fundamental da proposta de produção de um jornal na escola de Educação Básica. Isso porque investir na formação de crianças e jovens pressupõe um compromisso ético, especialmente no âmbito da docência, com a promoção de atividades capazes de contribuir para o desenvolvimento do pensamento crítico, aliado à tomada de atitudes produtivas, tanto diante das problemáticas identificadas quanto em relação aos conteúdos positivos presentes, de forma espontânea ou não, no nosso dia a dia. Nesse sentido, a informação precisa estar a serviço da mobilização e não da perplexidade e apatia inférteis, que muitas vezes conduzem à alienação, à incapacidade de se afetar, de se indignar com a violação de direitos e a barbárie decorrentes das injustiças presentes no mundo contemporâneo.

Assim, em se tratando da Educação Básica, pressupõe-se um ensino de Língua Portuguesa alicerçado na concepção de linguagem como forma de interação (Bakhtin, 2009), posto que a dinâmica da sala de aula favorece um entrecruzar de discursos de diferentes naturezas, constituindo-se uma dialética com potencial para que cada sujeito envolvido nos diálogos e debates construídos alcance condições necessárias para pensar e agir com autonomia, responsabilidade e consciência em relação ao seu papel social.

Um percurso de leitura e produção escrita, no qual seja explorada a riqueza da diversidade de gêneros discursivos (Bakhtin, 1992) – aqueles que, em diferentes linguagens, cumprem funções primárias no cotidiano, mas também os que se inscrevem em domínios específicos, como é o caso das obras literárias – torna-se, portanto, indispensável. Esse percurso contempla uma abordagem metodológica para o ensino de Língua Portuguesa, em sintonia com as discussões acerca dos multiletramentos (Rojo, 2015) e a função da escola no processo formativo dos estudantes na contemporaneidade, em que se fazem abundantes os gêneros e os desafios para saber usá-los, adequadamente, nas inúmeras esferas da atividade humana.

A construção de um jornal na escola, garantindo-se o protagonismo dos estudantes nos vários processos que o trabalho envolve, configura-se, desse modo, como uma abordagem metodológica alinhada às concepções de linguagem e de sujeito assumidas, assim como com a perspectiva de construção de uma sociedade aberta, sensível e atuante frente a tudo o que pode potencializar, sobretudo, a empatia, o respeito à natureza e à diversidade cultural e humana, a valorização das artes e das ciências.

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A proposta aqui apresentada encontra-se em construção, envolvendo, em um primeiro momento, estudantes do Curso de Licenciatura em Letras, da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Goiás (FL-UFG), bolsistas do Programa de Residência Pedagógica. As atividades estão definidas em planejamento orientado por docente do Departamento de Língua Portuguesa do Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada à Educação (Cepae-UFG), unidade que, além de oferecer a Educação Básica – da Educação Infantil ao Ensino Médio –, constitui-se como campo de estágio supervisionado para os vários cursos de licenciatura dessa universidade, contribuindo para a formação inicial de docentes ao oferecer espaço também para a atuação de bolsistas do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid) e da Residência Pedagógica.

O objetivo é estabelecer uma dinâmica de leitura e de produção textual envolvendo alunos do Ensino Médio e licenciandos do Curso de Letras, baseada na diversidade de gêneros discursivos, com enfoque em conteúdos positivos, na perspectiva da construção de um jornal local, mas de circulação ampla, no qual a informação esteja a serviço da mobilização produtiva das pessoas.

2. Metodologia

As etapas planejadas incluem as seguintes frentes de atuação de estudantes do Ensino Médio, sob a coordenação de um grupo de bolsistas da Residência Pedagógica, com supervisão e orientação de docente do Departamento de Língua Portuguesa do Cepae-UFG: pesquisa e seleção de notícias consistentes e de conteúdos positivos, dentro e fora da escola, incluindo trabalhos e produções significativas para a comunidade escolar; registro de imagens de paisagens naturais, de ambientes que receberam intervenção humana positiva ou que refletem cuidados éticos e responsáveis por parte da sociedade; seleção de produções artísticas e culturais de autoria de estudantes, professores e outros sujeitos ligados à comunidade escolar; produção e realização de entrevistas sobre assuntos que estimulam a valorização das artes, das ciências, dos esportes e da cultura local; categorização dos materiais recolhidos, a partir de temáticas afins; formatação das edições; revisão linguística; divulgação via página eletrônica do Cepae-UFG.

Para isso, serão utilizados procedimentos e instrumentos diversos, conforme as demandas de cada frente de trabalho.

3. Resultados e Discussões

Espera-se que essa dinâmica alcance, cada vez mais, consistência, contando com o envolvimento de docentes das diversas áreas do conhecimento atuantes no Cepae-UFG e, assim, as edições do jornal possam ter continuidade, independentemente de quem sejam os sujeitos envolvidos em sua construção.

O planejamento das atividades tem sido instigante, embora desafiador. Instigante porque envolve pesquisas diversas, inclusive acerca dos fundamentos e aspectos gerais do gênero jornalístico, sobre experiências com a produção de jornal em escolas de Educação Básica e a estruturação do suporte (Erbolato, 1978; 2012), além do estabelecimento de estratégias específicas para o desenvolvimento de cada frente de atuação. Desafiador por se tratar de uma experiência pioneira na instituição e demandar momentos de atividades para além da carga horária destinada ao currículo formal, exigindo a criação de condições de produção que extrapolam os períodos das aulas de Língua Portuguesa.

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Esses desafios têm sido, no entanto, estímulos para que a adesão de docentes de outras áreas do conhecimento ocorra de forma crescente, impulsionando também a interdisciplinaridade e a organização do trabalho coletivo, conforme disposto na proposta pedagógica da instituição.

4. Considerações Finais

A construção do jornal, conforme previsto na proposta aqui apresentada, envolve planejamento meticuloso e participação coletiva na preparação e no desenvolvimento de cada frente de atuação. As discussões que geraram a proposta foram avançando a partir de análises da conjuntura social, fortemente influenciada pela forma como as informações são propagadas, além da percepção da maneira como muitos estudantes do Ensino Médio têm lidado com as notícias que lhes chegam, dia a dia. Se houve tempos em que a juventude parecia suscetível a reagir de forma intensa a determinados conteúdos, positivos ou negativos, muitas vezes, o que se observa na atualidade é uma tendência à indiferença, como se a vida que pulsa na realidade fosse quase tão distante quanto o mundo virtual que tanto os arrebata através das telas de dispositivos e jogos eletrônicos.

A ideia de se construir um jornal com os estudantes do Ensino Médio foi alimentada, por outro lado, pelos resultados de um trabalho que buscou promover o acesso à linguagem literária e o manejo de suas possibilidades por meio de escritas criativas. Nestas, foi possível confirmar a importante função cumprida pela arte, especialmente, pela leitura e a escrita de poesia, atividades que, deliberadamente, nos mobilizam e, como discute Candido (1995) acerca das relações entre literatura e direito humano, podem nos tornar mais "compreensivos e abertos à natureza, à sociedade e ao semelhante".

Por fim, é fundamental observar que, ao mesmo tempo em que o mundo contemporâneo suplica pelo desenvolvimento da empatia, frente a notícias de conteúdo negativo, ele sinaliza para a urgência do reconhecimento, da valorização e do cultivo de conteúdos positivos, capazes de impulsionar a humanidade rumo a uma trajetória diferente desta que a tem conduzido à sua própria destruição. A escola de Educação Básica é espaço privilegiado para essa inversão de olhar, e a produção do jornal pode funcionar como um primeiro passo nessa direção.

5. Referências

BAKHTIN, M. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. 13ª ed. São Paulo: Hucitec, 2009.

_____. "Os gêneros do discurso". In: Estética de criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1992.

CANDIDO, Antonio. O direito à literatura. In: Vários escritos. São Paulo: Duas Cidades, 1995.

ERBOLATO, M. Leitura de jornais: como motivar a juventude?. Intercom: Revista Brasileira de Ciências da Comunicação, São Paulo, v. 9, n. 54, 2012.

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_____. Técnicas de codificação em jornalismo. Petrópolis: Vozes, 1978.

NOBLAT, Ricardo. A arte de fazer jornal. 8ª ed. São Paulo: Contexto, 2012. (Coleção-Comunicação).

ROJO, R. H. R. Hipermodernidade, multiletramentos e gêneros discursivos. São Paulo: Parábola Editorial, 2015.

ZONTA, Gustavo Paulo; LONGHI, Raquel Ritter. A atualidade de Mário Erbolato para a pesquisa em jornalismo. Revista Pauta Geral-Estudos em Jornalismo, Ponta Grossa v.5, n.2, p.41-57, Jul/Dez 2018.