Sarah Karoline T. de Sousa/UFG
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Alfabetizar e Letrar: Processos Indissociáveis na Prática Docente

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Resumo

Ao entender a linguagem como uma produção histórica, social, mutável e inacabada, faz-se necessário compreender como se dá essa relação entre a linguagem oral e o processo de apropriação da língua escrita (que pode ser compreendida a partir de duas concepções distintas), uma vez que a leitura e a escrita permeiam todas as esferas da sociedade atual (capitalista industrial e burguesa), seja para a comunicação, informação, lazer ou conhecimento. Definir o que é o processo de alfabetização e o processo de letramento é de suma importância para a prática pedagógica do professor alfabetizador, isso porque ao ter essa definição de forma clara e objetiva, é possível nortear os processos de ensino e aprendizagem de modo que possibilite melhores situações onde ocorra a apropriação e o entendimento da língua por parte dos educandos e garantir não só que dominem a leitura e a escrita, mas que entendam como funciona a língua estruturalmente e sejam capazes de fazer o uso dela em diferentes situações do cotidiano. A partir dos conceitos reunidos por Carmi Ferraz Santos e Márcia Mendonça em seu livro, é possível perceber as diferenças entre alfabetização e letramento e os equívocos recorrentes entre os professores alfabetizadores no momento de planejar suas atividades e ministrar suas aulas, para exemplificar essas situações, foram analisadas algumas das atividades utilizadas por eles. Dessa forma, será necessário compreender o que são os conceitos e quais as concepções dos professores a partir de suas práticas pedagógicas, a fim de entender como está sendo realizado o processo de apropriação da linguagem escrita e ter condições de propor outros caminhos para alcançar os resultados esperados, garantindo que o alfabetizar e o letrar sejam, de fato, processos indissociáveis na prática docente.

Palavras-chave: Educação. Letramento. Alfabetização.

Introdução/Justificativa

O que realmente significa alfabetizar? Um indivíduo alfabetizado sabe fazer uso da linguagem escrita adequadamente em todas as situações do seu cotidiano? E para saber fazer o uso dessa língua, é necessário saber ler e escrever formalmente? Questões como estas são fundamentais para tentar entender como se dá o processo de alfabetização e porque ele acontece dessa forma. É preciso considerar que, desde a década de 1980, emergiram, no Brasil, novas pesquisas trazendo outras perspectivas de se enxergar o processo de ensino e aprendizagem da linguagem escrita.

Depois de conhecer e discutir diferentes maneiras de entender o processo de aquisição de conhecimento que envolve a alfabetização é necessário retomar as concepções teóricas sobre o assunto. Ao entender a escrita como um sistema de representação da linguagem (concepção apresentada por Emília Ferreiro e Ana Teberosky) que, no caso da Língua Portuguesa, é um sistema alfabético e pressupõe que os educandos entendam como esse sistema funciona através da interação com ele, torna-se preciso esclarecer o que significa alfabetização e o letramento.

Essa abordagem é fundamentada nas concepções do socioconstrutivismo e no sociointeracionismo, que veem o processo de aprendizagem como um processo de reconstrução de conceitos e de interação entre o indivíduo e o meio (inclusive através da linguagem) e do contexto dessa interação.

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Metodologia

A partir de uma revisão de literatura, especificadamente no livro Alfabetização e Letramento: conceitos e relações, organizado por Carmi Ferraz Santos e Márcia Mendonça (2007), foi possível esclarecer algumas das concepções que fundamentam o que chamamos de alfabetização e letramento. Tendo por base os estudos realizados do livro, também foram analisadas algumas das atividades aplicadas por professores alfabetizadores, para relacionar a teoria apresentada com as práticas de ensino utilizadas no cotidiano escolar.

Discussão Teórica

O ato de alfabetizar se refere ao ensino da leitura e da escrita, que pode ser entendido como uma simples “codificação” e “decodificação” de símbolos que se referem à linguagem oral. Devido a essa concepção de linguagem e de ensino dessa linguagem, diferentes “métodos” foram elaborados com o objetivo de padronizar a forma de ensinar a leitura e a escrita. E, em consequência desses métodos, a alfabetização pode ser um processo doloroso e traumatizante por causa das “atividades desenvolvidas, com ênfase na repetição e na memorização de letras, sílabas e palavras sem significados” (ALBUQUERQUE, 2007, p. 13). Porém, em muitas das vezes, esse processo era “amenizado” por meio das práticas de leitura experimentadas em outros ambientes da vida de cada educando. Foi por volta de 1990 que, no Brasil, junto à concepção de alfabetização foi inserido o letramento, que se refere ao “estado ou condição que assume aquele que aprende a ler e a escrever” (ALBUQUERQUE, 2007, p. 16).

Por saber que muitos daqueles que dominam a escrita alfabética não sabem fazer o uso dessa linguagem de maneira autônoma e eficaz nas práticas sociais e sendo a escola a instituição oficial de aprendizado do conhecimento formal (entre eles o domínio da linguagem escrita), é seu papel criar situações que possibilitem o aprendizado, por parte dos educandos, deste conhecimento.

É imprescindível que os alunos desenvolvam autonomia para ler e escrever seus próprios textos. Assim, a escola deve garantir, desde cedo, que as crianças se apropriem do sistema de escrita alfabético, e essa apropriação não se dá, pelo menos para a maioria das pessoas, espontaneamente, valendo-se do contato com textos diversos. É preciso o desenvolvimento de um trabalho sistemático de reflexão sobre as características do nosso sistema de escrita alfabético (ALBUQUERQUE, 2007, p. 19).

Dessa forma, é preciso entender que o processo de alfabetização é o ato de ensinar ler e escrever e que esse processo deve ser acompanhado de práticas que insiram os educandos nos mais diversos gêneros textuais que norteiam o uso da língua na sociedade, por meio do letramento, o que fará com que estes se apropriem da língua escrita que já falam verbalmente. É por meio de gêneros textuais que as pessoas se expressam, seja na linguagem escrita ou na linguagem verbal, os gêneros são apenas as formas que os indivíduos de uma sociedade utilizam para se comunicar.

Ao entender que os gêneros discursivos são construídos histórica, social e culturalmente, é necessário considerar que eles são mutáveis, se adaptam às novas necessidades do discurso nas relações humanas. Cada gênero revela as suas condições de produção, ou seja, “quem diz o que, para quem, em que situação, através de que gênero textual, com que propósito comunicativo” (MENDONÇA, 2007, p. 41).

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Dada essas características dos gêneros do discurso, trabalhar um gênero como se fosse um modelo pronto e “fixo” é um erro, porque apesar de terem um determinado padrão, os gêneros são maleáveis e isso precisa ser considerado. Por exemplo: um texto que apresenta características narrativas também pode apresentar características descritivas ou expositivas, as regras não se aplicam em todas as circunstâncias.

Trilhar o caminho do letramento a partir do contato com gêneros textuais requer levar em conta que os gêneros são utilizados para alcançar algum objetivo (MENDONÇA, 2007). Por isso a escola deve “proporcionar aos alunos o contato com uma grande diversidade de gêneros orais e escritos, abrangendo várias esferas de circulação” (MENDONÇA, 2007, p. 47). Não é necessário esperar que a criança seja alfabetizada para inseri-la no mundo letrado, uma vez que esse mundo a cerca desde o seu nascimento. Apesar de tudo isso, é necessário “realizar um processo de didatização para atingir os objetivos pedagógicos na abordagem dos gêneros. Esse processo de didatização é desencadeado pela necessidade de ensinar [o uso da leitura e da escrita em diferentes esferas sociais], que exige a modificação do conhecimento, convertendo-o em objeto de ensino” (MENDONÇA, 2007, p. 49).

O grande desafio é que, quando se pensa em alfabetização e letramento, se imagina duas ações totalmente diferentes ou duas ações iguais, que não se diferenciam. É aí que está o problema. Juntamente com o acesso a diferentes gêneros textuais, entendimento do uso que se faz da linguagem escrita, é necessário pensar e refletir para compreender como esse processo acontece.

Não basta apenas trazer textos para ser lidos na sala de aula ou fazer atividades de escrita de palavras com seus alunos. É preciso que as atividades que contemplem os usos sociais da leitura e da escrita e aquelas que se relacionam à apropriação do sistema de escrita caminhem juntas. Ou seja, é preciso alfabetizar letrando (SANTOS; ALBUQUERQUE, 2007, p. 109).

Nesse sentido, é papel do professor alfabetizador analisar e criar atividades que possibilitem esse processo de conhecer os gêneros textuais que permeiam as esferas sociais e refletir sobre o sistema de escrita, fazendo com que os educandos se apropriem da linguagem com autonomia. O desafio é esse: criar oportunidades para que o processo de ensino e aprendizagem aconteça e, ao mesmo tempo, faça sentido aos educandos, uma vez que a partir dessa imersão no mundo letrado seja possível a ele reconhecer a funcionalidade e importância de se apropriar da língua escrita.

Resultados

A partir de tudo o que foi exposto e discutido nas páginas anteriores, analisaremos a seguir duas atividades propostas por professores alfabetizadores. A tentativa é analisar e entender as atividades propostas e as concepções utilizadas por eles no processo de criação e planejamento das mesmas:

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Atividade 1.
Atividade 2.
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Apesar da atividade 1 se iniciar com a leitura de um texto com palavras que exploram a letra L e seus pares, a atividade requer apenas que os alunos localizem as respostas no texto e coloquem nos seus locais na cruzadinha. Todas as perguntas não exigem nenhuma reflexão acerca do texto lido e nem sobre o uso da língua, apenas identificar o título, dizer quem é Lila (dizer que Lila é uma menina não responde a essa pergunta) e outras questões de simplesmente extrair palavras do texto não fazem sentido para o aluno. A atividade busca apenas identificar informações.

Já a atividade 2, traz um texto real, proveniente de um livro literário cuja história foi adaptada por Pedro Bandeira, mostrando o sentimento e os pensamentos do patinho feio. Os alunos em questão deveriam escrever um bilhete para o consolá-lo. Esse tipo de atividade provoca o pensamento autônomo da criança, fazendo com que ela deseje aprender a língua escrita para, de fato, escrever um bilhete para o patinho feio. O gênero bilhete é que permite a aproximação entre o aluno e o personagem de ficção. A escrita da criança inclusive revela isso: ou seja, revela o entendimento do propósito comunicativo. Na tentativa de consolar o patinho ela oferece a ele amizade. Fato que supõe um não mais estar sozinho nem se sentir abandonado.

Considerações Finais

A partir de tudo o que foi apresentado, é importante relembrar que a linguagem é um produto histórico, social e cultural. Ter a possibilidade de aprender e, mais ainda, de ensinar a ler e a escrever é desafio para o professor alfabetizador, que deverá promover situações de ensino-aprendizagem que instiguem os alunos a conhecer também a língua que já falam e a se apropriar desse conhecimento produzido e exercido nas práticas sociais. Por isso, mais necessário do que ensinar o sistema de escrita alfabético é permitir que o aluno participe de práticas letradas, compreendendo ali o funcionamento da língua e exercendo seu papel de sujeito histórico.

A escolha de atividades, a seleção de textos para leitura e escolha de gêneros para produção deve ser de acordo com a realidade histórica, social e cultural dos educandos, e isso não pode ser desprezado.

Referências

ALBUQUERQUE, Eliana Borges Correia de. Conceituando Alfabetização e Letramento. In: SANTOS, Carmi Ferraz; MENDONÇA, Márcia (Orgs.). Alfabetização e letramento: conceitos e relações. Belo Horizonte: Autêntica, 2007, p. 11-21.

MENDONÇA, Márcia. Gêneros: por onde anda o letramento? In: SANTOS, Carmi Ferraz; MENDONÇA, Márcia (Orgs.). Alfabetização e letramento: conceitos e relações. Belo Horizonte: Autêntica, 2007, p. 37-55.

SANTOS, Carmi Ferraz; ALBUQUERQUE, Eliana Borges Correia de. Alfabetizar letrando. In: SANTOS, Carmi Ferraz; MENDONÇA, Márcia (Orgs.). Alfabetização e letramento: conceitos e relações. Belo Horizonte: Autêntica, 2007, p. 95-109.

SANTOS, Carmi Ferraz; ALBUQUERQUE, Eliana Borges Correia de; MENDONÇA, Márcia. Alfabetização e letramento nos livros didáticos. In: SANTOS, Carmi Ferraz; MENDONÇA, Márcia (Orgs.). Alfabetização e letramento: conceitos e relações. Belo Horizonte: Autêntica, 2007, p. 111-131.

Notas

1. Sarah Karoline T. de Sousa, acadêmica do 6º período do curso de Pedagogia, da Universidade Federal de Goiás (UFG), 2019.