Aline Santana Lôbo

Maria Cristina Campos Ribeiro

Ensino Coletivo de Música na Escola Pública em Pirenópolis, Goiás

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Resumo

Esta comunicação pretende refletir e dialogar sobre o ensino coletivo de música nas escolas de educação básica a partir de experiências vivenciadas no município de Pirenópolis, na Escola Estadual Comendador Joaquim Alves, vinculadas ao Núcleo de Estudos e Pesquisa Ciranda da Arte da Secretaria Estadual de Educação de Goiás. As práticas coletivas de música reúnem alunos de faixas etárias, séries, localidades e referências musicais diversas a fim de promover entre os sujeitos envolvidos no processo de ensino e aprendizagem, práticas que extrapolam a sala de aula e tornam significativas as experiências pessoais e interpessoais. O ensino coletivo de música na referida escola parte de três vieses propostos pelo Ciranda da Arte: a educação e a escola, estudo e pesquisa, arte e cultura. As práticas coletivas, tendo como base a cultura, proporcionam uma imersão no cotidiano e constroem os fios que compõe significados e ao mesmo tempo agregam conhecimentos e valores a partir das vivências escolares. O currículo é flexível e sua estruturação ao longo de seis anos reflete processos e diálogo com os educandos. A metodologia empregada proporciona ações e reflexões acerca da prática escolar integrada à vida como um todo, por meio da interseção entre festas populares, repertório, método e performance. Os arranjos musicais são elaborados de forma a integrar os participantes, das mais diversas maneiras, respeitando os diferentes níveis de conhecimento. O repertório escolhido perpassa rituais cotidianos que possibilitam (re)construir os conteúdos identitários internalizados e praticados, além de proporcionar aos oportunidades de constituírem relações entre os novos conteúdos e os conhecimentos que já possuem de forma a lhes dar ferramentas para atuarem na sociedade de forma protagonista. As músicas escolhidas coletivamente são fontes de criação e inspiração que dão sentido a própria vida.

Palavras-chave: Pirenópolis. Ensino Coletivo. Música

Introdução

Pirenópolis, localizada entre as capitais Goiânia e Brasília, cidade história de quase trezentos anos, que surgiu no período do ciclo do ouro e mantém as tradições culturais afloradas, tem nos casarios coloniais e nas belezas ímpares da natureza fontes de inspiração, e também uma musicalidade potencializada nas vivências culturais de festejos seculares.

Mendonça (1981) registra que Pirenópolis, inicialmente chamada Meia Ponte, desde o século XVIII é berço da música no Estado de Goiás. A dedicação dos moradores a diversos instrumentos musicais, a participação em bandas e conjuntos musicais, a atuação em rezas, folias, sempre estiveram presentes,

lá existem, em grande número, Missas, Te-Deum, ladainhas, motetes, hinos religiosos para coros, geralmente a 4 vozes, acompanhados por pequenos conjuntos orquestrais ou banda e que representam uma documentação vasta e valiosa, a mais importante, talvez, existente no Estado (MENDONÇA, 1981, p.98).

Atualmente a cidade de Pirenópolis desponta no cenário turístico e tem aumentado o número de pessoas vindas de outros locais. As atividades musicais se estendem a inúmeros músicos que atuam em bares e restaurantes entre outras atividades.

Neste contexto, a Escola Estadual Comendador Joaquim Alves de Oliveira, localizada no centro da cidade, recebe alunos e funcionários da zona urbana, da zona rural e também frequentam alunos de origens diversas. As práticas artísticas vivenciadas na escola agregam e refletem toda essa diversidade de experiências, tanto anteriores quanto adquiridas ao longo do processo de ensino e aprendizagem. Tal percurso dá novos significados e expressões às práticas musicais, às vivências da cultura popular e ao currículo escolar.

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A arte se insere num contexto único, pois faz parte da cultura de um povo, ultrapassa os limites do concreto, legitimando maneiras de expressão, sentimentos, ancestralidade, o vir a ser. Segundo Geertz (1989), o homem é um ser cultural que constrói significados de sua própria existência e o emaranhado de fios tecidos são passíveis de serem interpretados. Desse modo, partindo, da cultura como uma construção intersubjetiva, discute-se como as práticas coletivas de educação musical realizadas no seio da escola pública constituem o tecido cultural e ao mesmo tempo agrega conhecimentos e valores são repertórios vivenciado nas práticas escolares.

Este trabalho procura refletir e dialogar ainda sobre a relevância do ensino coletivo de música na escola pública como forma de proporcionar a expressão solidária com base na ajuda mútua, que reúne alunos de faixas etárias, séries, localidades e referências musicais diversos. Para tanto, o currículo precisa ser flexível e sua construção deve contar com a participação dos sujeitos envolvidos no processo.

Desenvolvimento: a Música para Além da Escola

O homem realiza sua existência sobre a terra, que é a base natural de que dispõe para a prática dos eventos culturais. A manifestação cultural adapta-se ao espaço que é composto de signos, revela o fazer do homem, sua condição e seu destino. Cada sujeito pode contribuir conforme suas possibilidades, ampliadas na prática de conjunto onde timbres, vozes, acordes, movimentos e sensações se somam em arranjos próprios. Percebe-se então, que, quando um grupo trabalha com interesse (re)constrói valores e sentimentos, aflora uma sincronicidade que possibilita a expressão em que todos se sentem “parte” e “todo” numa combinação harmônica.

neste ininterrupto rito de passagem, se expressam em experiências e manifestações, espetáculos e proposições que se agrupam sob uma pesquisa: “Sincronicidade e Expressão”. Ao mesmo tempo que traz sentido à criação artística, traz também um aporte pedagógico, de transmissão destes conhecimentos e revelações da intuição e culturas abordadas. Na verdade, cada um dos espetáculos, performances, workshops, obras e proposições, cada um dos contatos com pessoas, artistas, brincantes que compartilharam este processo, foi um convite à entrada em rituais de passagem (PASCALI, 2008, p.103).

Na Escola Estadual Comendador Joaquim Alves as práticas coletivas de música e performance são trabalhadas de forma colaborativa e permeadas por rituais cotidianos carregados de gestos e símbolos, que reunidos e solenizados, ensinam com mais força. Segundo Brandão (2010), todo o ritual não é mais do que uma sequência de gestos, que tornam explícitas regras sociais, pois, tudo o que acontece, ensina.

A vivência da expressão musical no ambiente escolar, na forma de práticas coletivas tendo como base a cultura, proporciona uma imersão no cotidiano buscando novos sentidos e significados. Ao chegar na escola, o aluno traz em sua bagagem, experiências, referências, ancestralidades que, através da música amplifica sensações, percepções, aflora questionamentos, transformando a maneira como se relaciona com o meio em que vive.

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As vivências musicais no ambiente escolar e a inserção da música no currículo foram integradas à escola Joaquim Alves desde 2013, por meio do Centro de Estudo e Pesquisa Ciranda da Arte, vinculado à Secretaria Estadual de Educação do Estado de Goiás. O Ciranda da Arte coordenou o processo de reinserção da educação musical, discutindo questões diversas como, as políticas públicas, a importância da formação continuada e das produções científicas, além de proporcionar qualificação profissional e suporte pedagógico aos educadores. As ações do Ciranda da Arte relacionam três vieses: a educação e a escola; estudo e pesquisa; arte e cultura

Diante dessa tríplice, o Ciranda desenvolve ações internas e externas tecendo articulações cocriativas e colaborativas entre seu quadro de professores-artistas-pesquisadores(a) especialistas nas áreas de Artes Visuais, Dança, Teatro (contação de histórias), Música e Circo. É, pois, toda uma trama que ressoa, por investir e fomentar em Arte/Educação, na transformação de sujeitos sociais, objetivo maior do Ciranda da Arte, bem como da Secretaria de Estado da Educação (Ciranda da Arte; acesso em 26/07/2019).
Figura 1. Fonte: LÔBO, mar/2015

O grupo de professores e alunos, envolvidos com a educação musical, pesquisa e performance na referida escola em Pirenópolis, tem buscado por meio de seu trabalho, oportunizar compartilhamento de caminhos, olhares e vivências, no sentido de compor uma experiência de ensino coletivo mais ampla e inclusiva.

A proposta inclui desde a pesquisa histórica, prática musical e metodológica, até as vivências instrumentais, técnicas, de escuta e percepção, juntamente com a prática de conjunto e performance. Um dos eixos eixo norteadores desse processo é a cultura pirenopolina, com suas diversas expressões, contudo, trabalhar com a cultura local requer abordagens e práticas específicas, tendo em vista o contexto e a proximidade com suas manifestações. Segundo Vilela (2012) propor uma metodologia, subentende a abordagem cultural pois o professor lida com a singularidade e esta é uma grande oportunidade para abordar questões como a diferença e o que é comum a um determinado grupo ou lugar.

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Pensemos sempre que somos uma cultura de soma, surgimos do enlace de etnias e culturas diversas e sempre tivemos o rico hábito de incorporarmos ao nosso fazer cotidiano os costumes dos povos que aqui chegavam, e chegam, quer seja pelas imigrações, quer seja pela via do cinema, do rádio, do disco etc. Quando pensamos em método há por trás deste a palavra cultura. Vamos criar algo para ensinar a quem? A música popular exprime incessantemente os anseios de seu povo e, mesmo neste momento em que se encontra atrelada aos interesses de grandes empresas de mídia, vimos surgir por vias alternativas expressões que nos contam sobre um cotidiano, perto de nós, que muitas vezes desconhecemos (VILELA, 2012, p. 134).

Formalmente, o ensino coletivo de música vem alicerçando suas bases há algum tempo na educação básica. Na década de 1930, na Era Vargas, Heitor Villa-Lobos implantou o Canto Orfeônico nas escolas, baseado no método Kodály, com o resgate de canções folclóricas e, portanto, uma base nacionalista. A prática coral foi amplamente trabalhada, mas na década de 70 o ensino da música ficou diluído numa disciplina denominada Artes que congregava as diversas linguagens artísticas sem, assegurar profundidade e formação adequada dos professores, que acabavam por se ater mais ao desenho geométrico. Foi na reforma educacional proporcionada pela LDB 9394/96 que este aspecto redirecionou-se, possibilitando a atuação de professores com formação específica nas áreas de Artes Visuais, Artes Cênicas, Dança e Música. Isto não assegurou a reinserção, papel, amplitude e função da música no ambiente escolar. Foi com a lei 11.769 de 2008 que se vislumbrou o retorno dessa disciplina às escolas.

Alguns questionamentos ainda são necessários, segundo Cruvinel

o Ensino Coletivo de Instrumento Musical pode ser uma importante ferramenta para o processo de socialização do ensino musical, democratizando o acesso do cidadão à formação musical (...) Porém, os conceitos, as concepções e as metodologias necessitam de pesquisas e discussões para maior aprofundamento sobre a temática, bem como, produção de conhecimento. Pelo exposto, neste momento em que se discute a “música nas escolas (2008, p. 5).

O Ensino Coletivo de Instrumentos Musicais tem um papel fundamental na prática educativa. Tourinho (1995) relaciona alguns princípios que norteiam essa prática, tais como, a imitação, os alunos podem aprender a tocar um instrumento e um aprende com o outro. A aula é planejada para o grupo, exigindo do estudante, disciplina, assiduidade e concentração; o planejamento é feito para o grupo, levando-se em conta as habilidades individuais de cada um; autonomia e decisão.

Dentro desta perspectiva, o professor precisa estar mais atento e preparado para envolver os alunos com suas diferenças e semelhanças, motivando-lhes e criando espaços de construção coletiva, pois, “a música não é só uma técnica de compor sons e silêncio, mas um meio de refletir e de abrir a cabeça do ouvinte para o mundo” (BRITO, 2003, p.5).

Trazer a música para a escola, de forma integrada e legitimada por educadores e alunos, requer disposição, formação musical pessoal, coletiva, atenção na escuta e observação de como cada um se percebe e se expressa musicalmente em cada fase de seu desenvolvimento, contando com o apoio de pesquisa e estudos que fundamentem o trabalho.

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No fazer musical alguns aspectos mais específicos vão se juntando à vivência cultural, a escolha do repertório tem papel fundamental e muitos aspectos são ponderados tais como, interesses, fontes de pesquisa disponíveis, possibilidades técnicas e instrumentais. A seleção do acervo se pauta na busca de músicas e ritmos que reportem a lugares de memória. Percorre-se o trajeto das festas locais, através da Banda de Couro, serestas, canções de tradições rurais, cantos de trabalho, folias e Festa do Divino Espírito Santo.

A contextualização histórica do repertório e instrumentos utilizados pelo grupo, bem como técnicas e recursos de interpretação, relacionam os saberes populares às práticas formais. Os exercícios e vivências lúdicas e coletivas de estímulo e aperfeiçoamento da percepção musical, imaginação, coordenação motora, memorização, socialização, expressividade e criatividade, promovem a iniciação musical, a partir de relações interativas.

Este percurso tem proporcionado ações e reflexões acerca da prática escolar integrada à vida como um todo através da interseção entre festas populares, repertório, método e performance. Vê-se então, um ciclo onde o conhecimento vivo e bebido nas fontes é valorizado, experimentado, ampliado e partilhado com a comunidade.

O processo de surgimento de nossa música popular se deu de forma desordenada e não linear, fundindo elementos das diversas culturas que aqui iam se misturando. A absorção desses novos elementos foi sempre imitativa e, ao mesmo tempo, criativa, tal qual ainda é hoje nas nossas manifestações musicais ligadas à Cultura Popular. Muitas vezes, os músicos da terra não dominando os códigos cultos para executarem canções européias acabavam interpretando-as a partir de seus próprios repertórios de possibilidades, que estava ligado à sua cultura de origem e às suas formas de expressão. Assim, não a traduziam com a fidelidade esperada, mas acabavam criando uma forma própria de interpretá-las. Este processo serviu mais solidamente de base à estruturação de uma música brasileira. Este “trunfo da ignorância” fez com que a arte popular fosse autorreferenciada, mesmo nos momentos em que tentava imitar. E essa autorreferência ao imitar, foi, possivelmente, uma das principais responsáveis pela diversidade e qualidade excepcional da nossa música popular (VILELA, 2012, p.135).

Os arranjos musicais são realizados pelos professores com o intuito de contemplar os participantes como um todo, agregando os diferentes tipos de habilidades e conhecimentos musicais, dando-lhe unidade, oportunizando a expressão individual e coletiva onde cada um participa como pode, sem comprometer a música. Os alunos com maior domínio em seus instrumentos ajudam seus colegas na medida do possível, aspecto esse, que reforça a solidariedade e compromisso com o crescimento do grupo.

A interação entre pesquisa e prática envolvendo alunos e professores de forma colaborativa, onde a cultura popular compõem o currículo e parâmetros educacionais, tem proporcionado preciosas trocas de saberes e compartilhamento: a alegria de construir juntos ou até mesmo do friozinho na barriga que só sente, quem tem a coragem de se expor, de forma, inclusiva, indo desde a pesquisa histórica, prática e metodológica, até as vivências instrumentais, técnicas, de escuta e percepção, juntamente com a prática de conjunto e performance.

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Desde 2014, alunos, professores de música e alunos puderam partilhar saberes com diversos profissionais, exploraram instrumentos musicais, como por exemplo: viola caipira, violão, flauta doce, flauta transversal, percussão, canto popular e coral, instrumentos de sopro da família dos metais. Participaram de oficinas diversas proporcionadas por artistas convidados e instituições como a Associação Brasileira de Música(ABEM, 2013), e Escola de Música e Artes Cênicas/Simpósio Internacional de Musicologia (de 2014 a 2016). Participaram de formações como o curso de Sincronicidade e Expressão, coordenado pela professora Dra. Maria Julia Pascali em projeto ligado à Universidade Federal de Goiás, oficinas de ritmos brasileiros (Ponto de Cultura Coepi), entre outras formações continuadas. Alguns alunos puderam vivenciar também a prática como monitores e oficineiros como na Feira Literária de Pirenópolis em que ensinaram ritmos goianos e o toque de caixa na tradicional Banda de Couro de Pirenópolis (2014).

Em 2019, as professoras de música da Escola Joaquim Alves, Mª Cristina e Aline iniciaram a oficina de Musicalização Infantil para atender crianças de 4 a 11 anos, ofertada à comunidade, filhos de alunos da Educação de Jovens e Adultos, filhos de professores e irmãos mais jovens dos alunos regulares. Embora essa oficina seja recente, a turma com cerca de trinta alunos, participou das festividades ligadas à Festa do Divino Espírito Santo, especificamente no Reinado de São Benedito, cuja culminância se deu dia 11 de junho. Nesta celebração, o grupo de crianças, jovens e adultos se preparou e cantou a missa em latim, Santa Infância de Cagliero Giovanni (1900 )e a tradicional música da Congada, Pretinho de Guiné, num arranjo realizado para esse coro, a três vozes como se pode ver na partitura abaixo.

Figura 2. Arranjadora: RIBEIRO, M. C. C., 2019. Música da Congada: Pretinho de Guiné (3 vozes e violino).
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Essa foi uma experiência única em que os alunos e professores interagiram com músicos e regentes, vivenciando o repertório dentro do contexto da festa num âmbito muito maior e mais complexo, ampliando redes e estreitando laços tanto com a comunidade como com as famílias das crianças e jovens. Experiências como essa deixam claro a importância da prática coletiva e sua integração com o lugar vivido.

Figura 3. Fonte: Pascali, M.J. 2019.Turma de musicalização/jun/2019.

É importante ressaltar que tais práticas são respaldadas pela Base Nacional Comum Curricular que prevê como competência a ser desenvolvida na escola:

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As experiências culturais e artísticas realizadas na escola e alicerçadas pela BNCC, possibilitam a aproximação entre as pessoas e inserem as práticas da escola nas atividades sociais. Em pouco tempo de trabalho – 6 anos, torna-se nítido, os benefícios da prática musical em conjunto, tanto pela vivência em si, como pela inserção de alunos no mercado artístico, ou mesmo na construção da valorização da arte. São práticas que extrapolam a sala de aula e torna significativo o momento presente. O conhecimento adquirido por meio das práticas coletivas, desenvolve em seus partícipes a sociabilidade, o afeto, a inclusão, a interação, o desenvolvimento do senso coletivo, o trabalho em equipe, e o protagonismo, entre outros elementos que fazem parte da formação do ser.

Descreve-se a música originalmente como a própria extração do som ordenado e periódico do meio turbulento de ruídos. Cantar em conjunto, achar os intervalos musicais que falem como linguagem, afinar as vozes significa entrar em acordo profundo e não visível sobre a intimidade da matéria, produzindo ritualmente contra todo ruído do mundo, um som constante (um único som musical afinado diminui o grau de incerteza no universo, porque insemina nele um princípio de ordem) (WISNIK, 2011, p. 27).

A prática coletiva de música na educação básica favorece o desenvolvimento da criatividade, da afetividade, da imaginação, da sensibilidade auditiva, promove o diálogo entre os envolvidos. Um currículo voltado para as peculiaridades locais dá oportunidades de construção de um conhecimento significativo, tanto para a área de educação musical como para a educação como um todo.

Conclusão

As músicas servem como veículos de difusão responsáveis por situar os partícipes no âmbito do imaginário, repleto de símbolos e vivências capazes de darem sentido à existência. Tal linguagem desperta sentidos, facilita a compreensão de saberes claramente expressos e daqueles que estão nas entrelinhas. Além disso, proporciona a construção de conhecimentos significativos, fortalecimento da individualidade e de vínculos. A necessidade de vivenciar as tradições constrói identidades (HALL, 2003). Daí a importância do trabalho na escola pública de uma educação musical voltada não só para as práticas coletivas musicais, como também para os valores implícitos nesta ação, tais como respeito, solidariedade, interação entre gerações, valorização da história pessoal, familiar e local.

Considera-se, portanto, que a música enquanto veículo de comunicação e aprendizado se situa como um elo de perpetuação da cultura, é uma entidade em que tudo é compartilhado e celebrado (CANCLINI, 2003). O aporte as práticas coletivas de música vivenciadas na escola extrapolam fronteiras, constroem significados e abarcam conteúdos emocionais, integrando e definindo o sentimento de pertencimento à cultura. É possível à professores e alunos reafirmarem a essência, trazerem a espontaneidade e sentido para o cotidiano, ampliando, a possibilidade de recriar o que já existe e trazer o novo. Para Teixeira (2015), a criatividade possibilita ao homem desenvolver o potencial de atualizar-se e manifestar-se.

Alfredo Bosi, no prefácio do livro Cantando a Própria História, de Ivan Vilela, explana sobre uma constatação geral de que a música sempre foi um componente central da vivência simbólica de nossas comunidades. A música exprime e potencializa uma rede de sentimentos e valores que dão forma e sentido à cultura (VILELA, 2016). As melodias contêm narrativas que são embaladas em um ritmo próprio e procuram criar e recriar um ambiente propício.

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Desenvolver as atividades musicais a partir de temas geradores, com base na interdisciplinaridade como carnaval, aniversário da cidade, da escola, festa do Divino Espírito Santo, festa junina, semana do folclore, natal entre outros, ajuda na escolha do repertório e proporciona aos educandos oportunidades de constituírem relações entre os novos conteúdos e os conhecimentos que já possuem de forma a lhes dar ferramentas para atuarem na sociedade a partir de novos parâmetros fortalecendo aspetos ligados à cidadania, solidariedade e bem estar.

É nessa perspectiva que as práticas musicais da Escola Estadual Comendador Joaquim Alves respaldadas pelo Núcleo de Pesquisa Ciranda da Arte, ancoradas nas vivências e partilhas dos envolvidos com o processo, possibilita a integração entre pessoas, aponta diminuição da distorção idade série, apresenta caminhos de práticas ligadas as vivências culturais com o intuito de dar sentido à própria vida e de buscar prazer e felicidade.

Bibliografia

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CANCLINI, Nestor Garcia. Culturas Híbridas. Trad. Heloisa Pezza Cintrão, Ana Regina Lessa. 4ª ed., São Paulo: EDUSP, 2003.

CIRANDA DA ARTE. Sobre o Ciranda. Disponível em: https://cirandadaarte.com.br/portal/sobre/. Acesso em: 20 de julho de 2019.

CRUVINEL, Flavia Maria. O Ensino Coletivo de Instrumentos Musicais na educação Básica: compromisso com a escola a partir de propostas significativas de Ensino Musical. Meio eletrônico, 2008.

GEERTZ, Clifford. Interpretação das Culturas. São Paulo: LCT. 1989.

HALL, Stuart. A identidade Cultural na Pós-Modernidade. Tradução Tomaz Tadeu da Silva e Guacira Lopes Louro. Rio de Janeiro: DP&A ed., 2003.

MENDONÇA, Belkiss S. Carneiro. A Música em Goiás. 2ª ed. Goiânia, Ed. Da Universidade Federal de Goiás, 1981.

PASCALI, Maria Julia. Em prol de cravar júbilo nos corações dormentes: construção poética de uma percepção. / Maria Julia Pascali. Campinas, SP: [s.n.], 2008.

TEIXEIRA, Célia Maria da Silva. Encontro de teorias na transformação do homem- Aproximação com a Musicoterapia. In: Música na Contemporaneidade: Ações e Reflexões. ZANINI, Claudia R. de O. e CAMARGO, Robson C. de. Goiânia: Editora da PUC, 2015.

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____________ . Cantando a própria história – Música Caipira e Enraizamento. São Paulo: Edusp, 2016.

WISNIK, José Miguel. O som e o Sentido. 2ª ed., 8ª reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. 283 p.

Notas

1. Mestre em Ciências Sociais e Humanidades, TECCER/UEG; professora da Secretaria Estadual de Educação de Goiás/ Centro de Estudos e Pesquisa Ciranda da Arte.

2. Mestre em Ciências Sociais e Humanidades, TECCER/UEG; professora da Secretaria Estadual de Educação de Goiás/ Centro de Estudos e Pesquisa Ciranda da Arte.

3. Método pedagógico utilizado por Heitor Villa-Lobos. Sua prática consistia na convicção de que era o canto coral a ferramenta mais imediata para a aprendizagem musical.

4. A Festa do Divino Espírito Santo é uma celebração que foi registrada no ano de 2010, pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional-Iphan, como Patrimônio da Cultura Imaterial.