Polliany Vieira de Andrade
pollianyandrade@hotmail.com

Selma Martines Peres
selmamartinesp@gmail.com

Tertúlia Literária Dialógica: a Leitura Literária em Contexto Escolar

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Resumo

O presente artigo é resultado parcial de pesquisa sobrea Tertúlia Literária Dialógica (TLD) compreendida como um instrumento formador em contexto escolar. Essa atividade é desenvolvida em uma pesquisa de mestrado e, espera-se como resultados, que para além das modificações das transformações das práticas de leitura que ela nos permita compreender formas de experiências de leitura, das crianças do 5º ano do ensino fundamental em uma escola no campo. Nesse texto apresentamos discussões teórico-metodológicas acerca do conceito de TLD e sua relação com a leitura. Nas TLD são realizadas a leitura de obras clássicas da literatura universal ou nacional, ficando a critério de escolha do grupo. A partir dos encontros, quebra-se os paradigmas que tem como crença que apenas pessoas com alta escolaridade podem ter acesso aos clássicos. As TLD têm sua concepção de ensino definida e apresentada a partir dos sete princípios da aprendizagem dialógica, elaborados a partir de Habermas e Freire: diálogo igualitário, inteligência cultural, transformação, dimensão instrumental, criação de sentido, solidariedade e igualdade de diferenças. Nos encontros, as discussões sobre os destaques realizados nas obras se dão em contexto dialógico, aqui o que se considera não é a hierarquia de saberes, mas sim a validade dos argumentos, pois nas tertúlias todos podem falar e compartilhar o lido com o vivido. Nela garante-se uma aprendizagem respeitosa e reflexiva.

Palavras-chave: Leitura. Clássicos Literários. Tertúlia Literária Dialógica.

Introdução

Ainda hoje, a leitura se configura como um instrumento de poder e, um dos atos fundamentais em nossa sociedade, quiçá o mais importante e o mais valorizado entre todas as habilidades culturais que possuímos. A sua presença é constantemente vista de forma positiva, e a sua ausência pode trazer um olhar negativo. A leitura é um modo imprescindível, e talvez o mais importante e indispensável para a condição de cidadão.

Nas palavras de Freire (2011, p. 19),temos a leitura como um ato que envolve compreensão crítica, em que “[...] não se esgota na decodificação pura da palavra escrita ou da linguagem escrita, mas que se antecipa e se alonga na inteligência do mundo”. Assim, a partir das palavras do autor, compreendemos que a leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior desta não possa prescindir da continuidade da leitura daquele.

Resultados de pesquisas têm mostrado que ações que envolvem as tertúlias literárias dialógicas em contexto escolar têm potencializado o desenvolvimento da competência leitora, nesse sentido, temos nos dedicado a pensar ações com essa temática, em especial, a partir de pesquisa de mestrado em andamento.

Para esse texto, apresentamos discussões teórico-metodológicas acerca do conceito de TLD e sua relação com a leitura.

Leitura e Tertúlia Literária Dialógica

A leitura numa perspectiva freiriana é tomada como a enunciação do homem ao mundo, e não simplesmente a decodificação de palavras, mas sim o ler mediante ao contexto em que estamos inseridos. Ao lermos a palavra mediatizada pelo mundo, sendo ela “palavramundo”, temos a leitura como uma ação singular, “[...] além de uma prática que consiste, basicamente, na compreensão de textos, a leitura pode ser uma experiência. Uma experiência da linguagem, uma experiência sensível, emocional, uma experiência em que está em jogo nossa sensibilidade” (LARROSA, 2011, p. 10).

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Nesse sentido, também para Cosson (2014, p. 39), o ato de ler está relacionado com o diálogo que se põe com o passado juntamente com a experiência do outro. Na sequência, sucede o encontro do eu com o outro por meio dos códigos registrados em algum lugar, esse vem a ser o objeto da leitura, “[...] a leitura parte do contexto e tem no contexto o seu horizonte de definição. Ler é compartilhar os sentidos de uma sociedade”.

A leitura, portanto, faz parte do processo de comunicação diária que acontece entre as pessoas e, que abarcam interações sociais e trocas, causadas em situações distintas, demonstradas pela memória e contextos sociais.

A essa articulação, ainda pode-se citar Brito (2006, p. 84) que vê o ato de ler como uma “[...] ação intelectiva, através da qual os sujeitos, em função de sua experiência, conhecimentos e valores prévios, processam informação codificada em textos escritos”. Assim, a leitura se faz sempre sobre os textos que nos dão a ler, textos esses que têm em si uma bagagem expressiva das representações do mundo.

A leitura é compartilhar, partilhar os sentidos do mundo e os seus valores trazidos, ela se faz e se deixa ver na leitura literária, na literatura nos encontramos e, ao nos encontrarmos compreendemos “o senso de nós mesmos e da comunidade a que pertencemos”. Isso porque a leitura literária “nos diz o que somos e nos incentiva a desejar e a expressar o mundo por nós mesmos”. (COSSON, 2009, p. 17).

A literatura é uma experiência a ser realizada, sendo ela a inclusão do outro em mim, sem que haja a renúncia do meu próprio eu. A experiência literária não só nos permite saber da vida por meio da experiência do outro, como também vivenciá-la.

Para Lajolo (1991), é a literatura a porta de um mundo autônomo que, nascendo com ela, não desfaz na última página do livro, no último verso do poema, na última fala da representação. A literatura ocupa um lugar único em relação à linguagem, ou seja, cabe ao leitor por meio da literatura transformar o mundo acessível, modificando a sua concretude em palavras, sabores, odores, cores, vida e formas vivamente humanas.

Sob essa perspectiva, para além de aparências estéticas e de fruição, é importante destacar a leitura do texto literário como também um ato político. Esse ato nos permite pensar sobre as demandas que angustiam a sociedade, cogitando também sobre o nosso lugar no mundo e o nosso papel como sujeito partícipe dessa sociedade.

Desta forma, há a necessidade de inserir a leitura literária como um direito, um direito universal, em que a literatura condiz a uma necessidade universal que deve ser realizada, porque tem a capacidade de formar sentimentos e à visão de mundo, assim ela nos organiza, nos liberta do caos e, portanto, nos humaniza. Antonio Candido (2004) nos traz que ao negarmos, ou melhor, quando nos é negado o acesso e a fruição da literatura, não estão simplesmente nos negando o contato, estão mutilando a sociedade.

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O autor ainda ressalta que, a literatura pode ser um instrumento consciente de “desmascaramento pelo fato de focalizar as situações de restrição dos direitos, ou de negação deles, como a miséria, a servidão, a mutilação espiritual. Tanto num nível quanto no outro ela tem muito a ver com a luta pelos direitos humanos” (ANTÔNIO CÂNDIDO, 2004, p. 186).

A sua função nos direciona a um pensar relacionado com as mais diversas formas e usos sociais. Assim, introduzimos esse texto mencionando à leitura e a leitura literária como uma habilidade social fundamental na nossa sociedade, tanto para a formação humana, como para construção e transformação do contexto social que é tão desigual, o que oportuniza, uma transformação subjetiva e social.

Dessa forma, defendemos o partilhar da leitura literária clássica universal e nacional como a possibilidade de se ter parte em uma prática dialógica que se configure em uma ação reflexiva, como também em uma experiência de leitura. Daí a importância da leitura literária em contexto escolar.

Todas as pessoas têm direito a participarem do processo de leitura, em que a escolarização tem a incumbência de ofertar, a escola como instituição de grande potencial formativo que é, precisa compreender que, para uma leitura e escrita democrática e significativa, é preciso incluir a leitura dos clássicos literários. Para além da compreensão do que foi lido, espera-se que os leitores possam interpelar seu modo de ser e estar no mundo.

Como ressaltam vários autores, a literatura traz inúmeros benefícios durante toda a vida, da infância à vida adulta, entretanto, conforme as crianças vão crescendo, a literatura passa a assumir diferentes lugares e “papéis”, se aprofundando nos mais diversos temas, travando diálogos mais complexos e despertando o pensamento crítico da criança.

Assim, se queremos desenvolver um leitor crítico e sensível e, um leitor para toda a vida, é importante oferecer a esses leitores em formação os mais variados tipos de obras literárias, de diferentes autores, épocas, gêneros, posições e pontos de vistas.

Os clássicos literários universais, embora não distinguissem público, eram especificamente negados para muitos e, ainda hoje tem-se uma restrição quanto ao seu uso. No passado, pregavam que esses eram destinados para as pessoas com maior escolaridade, a elite da classe dominante.

Hoje, o que temos é, a classe popular sem acesso a esse material, não simplesmente por ainda se estender esse pensamento, mas porque a sociedade carrega a crença de que, os clássicos são leituras difíceis, árduas, complicadas e sem contar a questão financeira. Em uma sociedade desigual, em que a maioria não possui o suficiente para alimentação básica, adquirir um livro por recursos próprios é algo inacessível.

A leitura literária, quando trabalhada em contexto escolar, ganha caráter pedagógico e propedêutico, uma vez que, utilizam-se dela como um mecanismo de averiguação da leitura da palavra, ignorando os saberes de mundo que os educandos trazem. Os clássicos literários, já não fazem parte do cotidiano da camada popular, os únicos livros ofertados na maioria das escolas, onde a maioria dos educandos têm acesso são na sua maioria os didáticos.

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E neles os clássicos se apresentam em excertos, fragmentos de textos literários, para uso exploratório da gramática, ortografia e para compreender o que determinado autor quis dizer com aquele escrito. A leitura trabalhada nesse suporte textual desconsidera a oportunidade que a literatura oferece aos seus leitores de se verem na história, pensar a vida, refletir sobre o contexto atual relacionando com o passado.

Por esse ângulo, procuramos fundamentar nossos estudos e as nossas práticas em teorias e referenciais que possamos valer sobre possibilidades que contribuam para a construção de uma atualidade acessível, singular e plural ao mesmo tempo, simples, inacabada e equânime.

Nessa medida, compreendemos que o leitor ao ler o texto clássico possa relacionar, atribuir sentidos e dizer sobre sua vida, sua realidade, suas experiências que são singulares, mas que ao falarem em grupo se tornam plurais, potencializando assim, ato de humanização e formação pela literatura, que se inicia desde as narrativas das primeiras histórias ouvidas que, muitos já tiveram o contato e a experiência.

A Literatura Clássica Universal

A literatura quando nasceu, na antiga Grécia, não carregava esse nome, naquela época era nomeada de poesia, e sua utilidade era basicamente para entretenimento da nobreza. Entre uma guerra e outra, “[...] era declamada por profissionais da palavra, narradores de feitos bélicos do passado para uma aristocracia que, já nessa época, preferia a paz à luta armada” (ZILBERMAN, 1990, p. 12).

No decorrer dessas circunstâncias temos o surgimento dos clássicos, entre eles a Ilíada e a Odisseia. Embora, a permanência das respectivas obras no tempo não se explica da mesma forma de sua origem, esses clássicos passaram a representar para os gregos o que as sagradas escrituras, a bíblia, representava para os hebreus.

Segundo Lajolo (1982, p. 21), a palavra “clássico” deriva da palavra latina “classis”, o seu significado vem de “classe de escola”, “[...] os clássicos, então, eram chamados clássicos por serem julgados adequados à leitura dos estudantes, úteis na consecução dos objetivos escolares”. E como para a seleção de seus textos a escola privilegiava os autores mais antigos, provavelmente vem daí a superposição de significados.

Assim, ao falarmos em Literatura Clássica Universal, e ao usarmos o termo universal não nos referimos a uma totalidade, porém, pretende-se dizer com essa palavra o conhecer o outro. Aqui universal, tem como intenção o sair de si e do seu dia-a-dia e migrar, se aventurar, se arriscar para outras experiências, abrir-se para a alteridade através da expressão de diferentes povos e suas culturas.

Esse abrir-se para alteridade é apresentado por Larrosa (2011, p. 6), como algo que ao “[...] me passar tem que ser outra coisa que eu. Não outro eu, ou outro como eu, mas outra coisa que eu. Quer dizer, algo outro, algo completamente outro, radicalmente outro”.

Calvino (2007) relata que os clássicos são livros que normalmente não concluímos a leitura, uma vez, que estes estão sempre a pedir novas leituras e novos encontros. Desmistificando, uma turva visão de clássico como algo estável, que ficou parado em um tempo pretérito.

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De maneira oposta, clássico é o livro que percorre os tempos possibilitando e trazendo a cada leitor, em tempos distintos, um reencontro e uma novidade. Assim, a leitura dos clássicos tem o poder de transformar e formar os homens, “[...] além desses fatores está o gosto e o prazer de “viajar” com os livros”. (GIROTTO, 2007, p.40).

Nesse sentido, os clássicos são como alimento que pesa e permite ao corpo caminhar, formando, alimentando nossa mente e imaginação construído pelas leituras literárias. Essas leituras não propiciam simplesmente um saber, mas sim uma experiência que dá sentido ao mundo por meio das palavras, transcendendo os limites de tempo e espaço.

Essa experiência da leitura é um acontecimento da pluralidade que está além de assegurar um único sentido do objeto (texto) no mundo, aqui, “[...] na experiência da leitura, o que se busca é, ao contrário, ressignificar o texto”. (LARROSA, 1996, p.51).

Sendo a experiência aquilo que me passa, ela “[...] é uma relação em que algo passa de mim a outro e do outro a mim. E nesse passar, tanto eu como o outro, sofremos alguns efeitos, somos afetados. (LARROSA, 2011, p. 10). Nesse sentido, a experiência nos forma, trazendo sentido e gosto do vivido para o pensamento, ela nos coloca sempre abertos a novas experiências, acontecimentos, reformulações, uma vez que ela nunca é definitiva e derradeira.

Nesse mundo também composto por palavras, um outro mundo é reorganizado e o exercício da leitura de mundo move-se pelo conhecimento e pelas experiências vividas e colhidas na e com a leitura literária. Essa, pode proporcionar o contato com um universo enriquecedor, permitindo ao leitor a possibilidade de sair de si, para poder compreender melhor sua realidade e o seu papel social.

Cosson (2009, p.17), traz que é através do exercício de leitura e escrita que o homem constrói seu próprio modo de fazer e estar no mundo, se tornando dono da linguagem, que, ao ser sua, também é de todos, “[...] isso ocorre porque a literatura é plena de saberes sobre o homem e o mundo”.

É sabido que a literatura clássica universal tem potencial transformador e mediador dos diferentes conhecimentos ao homem, contudo, o acesso a essas obras foi por muito tempo selecionada e disponibilizada unicamente para a elite dominadora.O distanciamento desta com o ‘povo’ era severamente colocado perante um discurso dominador, de que “[...] a Literatura Clássica Universal só poderia ser lida por quem teve longa formação acadêmica” (GIROTTO, 2007, p. 68), esse discurso introjetou preconceitos registrados por tempos, deixando vestígios no tempo atual.

A leitura tomada como um ato político, e não simplesmente como decodificação, mas como a contribuição de formação para um leitor crítico, liberto e autônomo pode contribuir para desmistificar a marginalização da prática da leitura que se instala na sociedade, em que um grupo específico, dita e seleciona o que poderá ou não ser lido pelo restante. Nesses termos, é fundamental que a leitura de livros de leitura clássica universal seja acessível a todos.

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É notório que não é possível colocar fronteiras para os clássicos universalmente reconhecidos. No entanto, práticas insistem em propagar que a maioria das obras clássicas da literatura universal não pode ser lida por determinado público, porque são pessoas que não têm o conhecimento suficiente para entender. (GIROTTO, 2007). E, logo, não têm a capacidade de gostar e compreender essas obras. Contra isso, nasceram as Tertúlias Literárias Dialógicas, para demonstrar o que há de injusto, incerto e nada científico nesta afirmação, além de proporcionar a aproximação com a cultura clássica universal e o conhecimento científico acumulado pela humanidade ao longo do tempo.

Tertúlia Literária Dialógica

Sabendo dos benefícios da literatura clássica universal, como transformadora e mediadora dos diferentes conhecimentos ao homem, o acesso a essas obras foi por muito tempo selecionada e disponibilizada unicamente para a elite dominadora. O distanciamento desta com o ‘povo’ era severamente colocado perante um discurso dominador, de que “[...] a Literatura Clássica Universal só poderia ser lida por quem teve longa formação acadêmica” (GIROTTO, 2007, p. 68), esse discurso introjetou preconceitos registrados por tempos, deixando vestígio no tempo atual.

No decorrer de vários estudos referente a importância da leitura dessas obras clássicas, e como uma ruptura com essa visão excludente da classe dominante de que essas obras eram exclusivamente para eles. Que em meados dos anos 1990, motivados em iniciativas educativas literárias que emergiam em toda a Espanha, um grupo de educadores próximos aos movimentos sociais deram origem as Tertúlias Literárias Dialógicas, que é uma atividade cultural, educativa e social.

De acordo com Flecha e Mello (2005, apud MELLO et al, 2010, p.4), “a atividade de tertúlia literária dialógica teve sua origem ligada aos movimentos sociais da Espanha logo após o término da ditadura de Franco em 1975”. Essa atividade tem como proposta a democratização do acesso à leitura. Mello et al (2010, p. 2), trazem que, a Tertúlia Literária Dialógica vem se apresentando como um importante instrumento no campo da educação, “[...] mais especificamente ao proporcionar nova forma de interpretação de textos clássicos com a proposta de democratização do acesso à leitura”. Desmistificando o ato de ler literatura clássica como possível somente por quem teve alta escolaridade.Bem como, potencializar discussões sobre,

[...] a vida, indagações sociais, de política, de sonhos e de desejos, a atividade se desenvolve a partir de destaques de parágrafos que tenham relevância para as pessoas, ou seja, que tenha chamado sua atenção pela relação com a própria vida e com momentos da atualidade. (MELLO, et al 2010, p. 4).

Segundo Girotto (2011, p. 92), as tertúlias são compostas por princípios que

[...] se articulam nas formulações teóricas para serem desenvolvidos na prática. Nela, a comunicação e o diálogo constroem juntos, alternativas de aprendizagem para todos e todas. Elaborados a partir das formulações de Habermas (1987) e Freire (2005), são eles: diálogo igualitário, inteligência cultural, transformação, dimensão instrumental, criação de sentido, solidariedade, igualdade de diferenças. (FLECHA, 1997).
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Desse modo, é importante salientar que na tertúlia não se tem a pretensão de descobrir o que o autor ou autora da obra está querendo dizer em seus textos. Mas sim, refletir e dialogar através das diferentes e possíveis interpretações que se dão no mesmo texto. Sem dúvida, a Tertúlia Literária Dialógica abre espaço para se refletir a respeito de situações, intenções, costumes, desigualdades etc., presentes em nossa vida social.

Entendendo que a leitura é parte essencial do saber, no qual esteia as nossas interpretações e nos proporciona a compreensão do outro e do mundo. Por meio dela também de acordo com alguns estudos relacionados a ela, percebe-se, a aquisição de posicionamentos, em que questionamos acerca da potencialidade e opiniões de autores, para assim refletir e formar os nossos próprios conceitos e paulatinamente, as inferências. Levando em conta que a escola é responsável pelo ensino da leitura e, que as Tertúlias Literárias Dialógicas, vêm apresentando bons resultados como:

[...] transformações pessoais e do entorno; melhoria na leitura em geral; espaço de diálogo onde todas as falas são respeitadas; melhoria nos conhecimentos instrumentais e, consequentemente, aumento de autoestima e de autonomia, leitura crítica do mundo, melhora da expressão oral, vivência em espaços de solidariedade, entre outros. A Tertúlia Literária Dialógica apresentou-se também como importante ambiente onde se aprende além da convivência respeitosa, conhecimentos instrumentais necessários para se viver na atual sociedade. (MELLO, et al, 2010, p.9)

Nesse ínterim, a Tertúlia Literária Dialógica trabalha a importância da leitura da palavra juntamente com a leitura do mundo. A oportunidade de se trabalhar com uma leitura de boa qualidade, ou seja, os clássicos da literatura universal, uma leitura por prazer; o experimentar novas formas de se trabalhar a literatura em sala de aula a partir da dinâmica da tertúlia além, do incentivo ao encontro entre diferentes pessoas.

Nesse sentido, as tertúlias literárias dialógicas serão desenvolvidas em Corumbaíba, no interior do estado de Goiás em uma escola da rede municipal de ensino no campo, para aprendermos a partir das leituras dialógicas “[...] a potencializar os elementos presentes nas diversas experiências e transformá-los, [...] em processos de humanização e de reafirmação dos povos do campo como sujeitos de seu próprio destino, de sua própria história”. (CALDART, 2004, p. 90).

Diante do exposto, a leitura literária proposta em nossa pesquisa se realiza em contexto escolar e busca a ruptura com a leitura a partir de livros didáticos e com a literatura escolarizada. Dessa forma, o objetivo da investigação é compreender as experiências de leitura que os alunos do 5º ano adquirem por meio de tertúlias literárias dialógicas. Já a questão da pesquisa se configura em: como as tertúlias literárias se configuram em experiências de leitura?

A pesquisa que estamos desenvolvendo se configura como uma abordagem qualitativa que segundo Garnica (1997), essa abordagem contempla a trajetória circular em torno do que se pretende compreender, voltando o seu olhar para a qualidade, aos elementos que sejam significativos para o observador, uma vez que, o pesquisador estará próximo aos participantes. Também se inspira na metodologia comunicativa, “[...] elaborada pelo Centro Especial em Teorias e Práticas Superiores de Desigualdades (CREA) e utilizada em pesquisas desde a década de 1990 na Europa, e a partir de 2001 no Brasil, pelo Núcleo de Investigação e Ação Social e Educativa (NIASE), da Universidade Federal de São Carlos” (GABASSA, 2009, p.79.), que tem como argumento os seus modos de investigar a realidade baseada no diálogo e na transformação social.

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Para tal, usaremos como técnicas de produção de dados alguns instrumentos da metodologia comunicativa crítica, como relatos comunicativos de vida cotidiana, observações comunicativas e grupos de discussão. Ressaltamos que as técnicas utilizadas serão pautadas nos princípios da Aprendizagem Dialógica e a comunicação será priorizada e favorecida em todos os momentos. Essas técnicas de produção dos dados, além de integrar os participantes irão contribuir para o esclarecimento da questão principal da pesquisa que buscamos compreender, como as Tertúlias Literárias Dialógicas se configuram em experiências de leitura por alunos/as em contexto escolar.

Assim, a pesquisa se desenvolverá mediante a proposta das tertúlias literárias dialógicas desenvolvidas pelo CREA, que é uma prática de leitura compartilhada em torno, das obras da literatura clássica. Nela há a presença de uma pessoa moderadora(que será a pesquisadora) da atividade, que também será a responsável por organizar e anotar as inscrições dos turnos de palavras, para que a atividade se realize garantindo um diálogo igualitário.Essa investigação tem como público alvo, alunos do 5º ano do ensino fundamental I em uma escola no campo.

Os encontros serão semanais, com duração de cerca uma hora, a uma e meia, dependendo do desenvolvimento da turma na atividade. Antes de iniciar a atividade teremos um encontro com os participantes para apresentarmos os princípios dialógicos, bem como a escolha dos clássicos a serem trabalhados nos encontros.

Por fim, ressaltamos que neste artigo, embasou-se nos estudos bibliográficos para realizar um levantamento acerca do conceito de tertúlia literária dialógica e sua articulação com a leitura.

Algumas Considerações

Como o foco são as tertúlias literárias dialógicas como promoção da leitura, experiência de leituras e da palavra, cabe aqui ressaltar a importância dessa atividade como uma ferramenta pedagógica e como investimento para que as práticas de leitura tão comentadas e almejadas sejam uma realidade em contexto escolar.

Nesse texto, pudemos apresentar o que alguns autores já vêm sinalizando acerca da importância das tertúlias literárias dialógicas como proposta potencializadora de experiências de leituras significativas e modificadoras, haja vista que ao proporcionar uma leitura dialógica, espera-se contribuir para a ampliação e desenvolvimento de leitores críticos capazes de compreender o mundo através da escrita e, que possam fazer inferências do vivido para o lido.

Outro aspecto a ser destacado é que essa leitura não seja acompanhada da noção de dever, de tarefa a ser cumprida, mas sim de prazer, de deleite, de descoberta, de encantamento e, mais do que a procura por uma dimensão instrumental para assegurar uma boa educação, se faz importante pensar a literatura como o melhor sentido da palavra educação.

Por fim, juntamente com os estudos aqui apresentados em conjunto com a proposta da pesquisa em andamento, esperamos que as experiências de leituras a partir das tertúlias literárias dialógicas, possam se desenvolver na sensibilidade, no povoamento do imaginário, no aprimoramento da humanidade, abrindo assim a mente dos participantes/leitores para uma visão democrática do mundo e da vida, possibilitando assim, inúmeras interpretações da obra e, por conseguinte, do outro. E que, segundo Larrosa (1996), essa aproximação da formação do leitor com a literatura seja uma nova forma de potencializar as suas experiências formativas.

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Referências

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ZILBERMAN, Regina; SILVA, Ezequiel Theodoro da. Literatura e Pedagogia: ponto e contraponto. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1990.

Notas

1. Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Goiás/Regional Catalão-PPGEDUC/UFG. Membro do grupo de estudos de Educação, Leitura e Escrita – EDULE. Catalão, Brasil.

2. Doutora em Educação. Professora da Unidade Acadêmica Especial de Educação UAEE, Programa de Pós-Graduação em EducaçãoPPGEDUC/UFG, Líder do grupo de estudos de Educação, Leitura e Escrita – EDULE Catalão, Brasil.