Joyce Guimarães Rodrigues
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Isabella Kethuly Spindola Firmino
isakethuly@gmail.com

Gina Glaydes Guimarães de Faria
ginaggfaria@gmail.com

Pesquisa Qualitativa na Educação: um relato de estudos no âmbito da iniciação científica

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Resumo

A partir dos estudos realizados como bolsistas no Núcleo de Estudos e Pesquisas em Psicologia, Educação e Cultura (NEPPEC) da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás, busca-se analisar a pesquisa bibliográfica, especialmente seu processo de construção,seu contexto, características e os aspectos para a elaboração da mesma(LIMA, MIOTO, 2007; GIL, 2002) e as diretrizes para a leitura de textos acadêmicos (SEVERINO, 2000). Descreve-se o surgimento da abordagem qualitativa e suas principais características metodológicas (BOGDAN, BIKLEN, 1991; DELAMONTE, HAMILTON, 1997) e apresenta-se uma breve introdução ao percurso da pesquisa qualitativa no Brasil (LÜDKE, ANDRÉ, 1986; PATTO, 2015; ZANETTE, 2017). Enfatiza-se a importância da abordagem qualitativa, particularmente em sala de aula, visto que para a compreensão dos processos educacionais, é preciso observar como se dá as relações sociais, os comportamentos implícitos e explícitos, dentre outros, no cotidiano escolar. A pesquisa qualitativa é relevante já que permite visualizar os movimentos didático-pedagógicos, os quais viabilizam a compreensão da interação professor-aluno, como o professor ensina e como o aluno aprende, além das relações, interações, aluno-aluno, podendo ser observados como se dá o processo de aprendizagem em grupo, por exemplo. Assim, o tipo de pesquisa estudado permite observar as práticas escolares. Esse movimento, dado em sala de aula, possibilita o pensar teoricamente, envolvendo o processo de práxis presente na atuação do professor, para formular uma tese. Vê-se a necessidade da mesma para promover o momento de pesquisa. O presente artigo visa pensar a pesquisa em educação a partir do campo e suas relações sociais presentes.

Palavras-chave: Pesquisa Educacional. Pesquisa Qualitativa. Pesquisa Bibliográfica.

Este trabalho reporta-se a estudos que estão sendo realizados no âmbito da Iniciação Científica, tendo por campo de investigação a revista Cadernos de Pesquisa da Fundação Carlos Chagas em que, por meio de pesquisa bibliográfica, busca-se estudar temáticas atinentes aos chamados problemas de escolarização (PATTO, 2015), no período compreendido entre 2007 a 2017. Indica-se o percurso histórico da pesquisa qualitativa e sua inserção na área educacional de modo a expor o sentido deste tipo de pesquisa como forma de apreender as mediações que ocorrem na instituição e seus impactos no processo do ensinar e do aprender, reciprocamente determinados.

Resulta da pesquisa em andamento no Núcleo de Estudos e Pesquisas em Psicologia, Educação e Cultura da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás (NEPPEC/FE/UFG) sobre a temática do fracasso escolar. Na particularidade dos planos de estudos que subsidiam o trabalho ora relatado, investigam-se a concepção de “dificuldades de aprendizagem” e os referenciais teóricos que embasam as pesquisas que tratam diretamente do cotidiano escolar.

A sala de aula apresenta-se como campo de pesquisa relevante à compreensão dos processos de escolarização e seus impactos na aprendizagem dos estudantes. Permite apreender, sob diferentes perspectivas metodológicas, questões como atuação docente, relações entre estudantes, entre professores, metodologias de ensino, dentre outros. Não por acaso, desde os anos de 1980, no Brasil, as abordagens qualitativas, particularmente a pesquisa etnográfica e o estudo de caso, têm sido eleitas por estudiosos que buscam na escola a compreensão tanto das vicissitudes como dos êxitos da escolarização.

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Objetiva-se, neste trabalho, indicar as contribuições da pesquisa qualitativa para a compreensão dos processos educativos, especialmente em relação aos estudos voltados para o cotidiano escolar. Para tanto, organiza-se em dois momentos principais: no primeiro caracteriza-se a pesquisa bibliográfica e, a seguir, por meio de considerações introdutórias, descreve-se “a tradição da investigação qualitativa em educação” (BOGDAN, BIKLEN, 1994).

Em relação à pesquisa bibliográfica, adota-se como referência as indicações de Lima e Mioto (2007). Orientando-se pelo método materialista dialético, as autoras afirmam que talpesquisa “[...] implica sempre em uma revisão e em uma reflexão crítica e totalizante porque submete à análise toda interpretação pré-existente sobre o objeto de estudo” (LIMA; MIOTO, 2007,p.40).Segundo as autoras, a globalização e a expansão do comércio implicam-se na produção do conhecimento, sobretudo a partir do desenvolvimento tecnológico, considerado indicador parao desenvolvimento econômico, com forte impacto na produção de conhecimento científico. Pode-se afirmar que a ciência tem atendido cada vez mais os interesses de mercado. Assim, a Universidade – tida como polo de desenvolvimento tecnológico e científico, tende a produzir conhecimento em prol da empresa e do Estado, este igualmente voltado para os interesses econômicos em detrimento das políticas sociais.

A pesquisa bibliográfica, muito presente na área educacional nos dias de hoje, tende a se confundir com o resumo ou revisão da literatura, como apontam Lima e Mioto (2007). Ao contrário da revisão de literatura, necessária para a elaboração de projetos de pesquisas e outros trabalhos científicos, a pesquisa bibliográfica constitui-se metodologia de pesquisa em que, por meio de fontes bibliográficas, busca-se a compreensão do objeto de pesquisa. Para as autoras, “[...] a pesquisa bibliográfica requer do realizador atenção constante aos ‘objetivos propostos’ e aos pressupostos que envolvem o estudo para que a vigilância epistemológica aconteça.” (LIMA; MIOTO, 2007, p. 40). Quando se estabelece o objeto de estudo da pesquisa, é necessário estar ciente das suas especificidades, particularmente quanto à historicidade do objeto.

O método de pesquisa atua como uma lente que permite apreender o objeto e demarcar os passos para a elaboração do projeto de pesquisa, seu “desenho metodológico,e para o levantamento bibliográfico. Ao final, momento da “síntese integradora”, resulta “[..] o produto final do processo de investigação, resultante da análise e reflexão dos documentos. Compreende as atividades relacionadas à apreensão do problema, investigação rigorosa, visualização de soluções e síntese” (LIMA; MIOTO, 2007, p. 41). Apontam também para a necessidade de apresentar o percurso da pesquisa, momento em que o pesquisador explicita como foi feita a coleta de dados e sua análise.

Na pesquisa bibliográfica a leitura e análise do material de pesquisa necessita do mesmo cuidado e rigor. De acordo com Gil (2002), os tipos de leituras envolvem a leitura exploratória, primeira a ser realizada, que tem por objetivo colher uma visão global da obra em estudo; segue-se a leitura seletiva com o intuito de analisar sua pertinência à pesquisa. Na leitura analítica identificam-se as ideias do autor e sua compatibilidade com o problema proposto. Deve-se fazer este movimento com objetividade, pois não cabe ao pesquisador julgar as ideias expostas no texto. Trata-se de uma leitura crítica e objetiva.

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Faz-se uma leitura integral para uma visualização geral da obra e, em seguida, identificam-se as ideias chaves. É necessário organizá-las, seguindo uma hierarquização, de acordo com as ideias principais e secundárias. Ao final faz-se a síntese. Assim, após analisar o texto, ou seja, decompô-lo em partes, faz-se uma articulação dos dados coletados.

Por fim, a leitura interpretativa, mais complexa, é a etapa em que é feita uma relação entre as ideias do autor e o problema proposto pela pesquisa. Assim, vai além da analítica, que se retém aos dados do texto. Ao interpretá-lo é feita uma relação dos dados com os conhecimentos obtidos, sem que a posição do pesquisador apareça. Esse processo consiste na separação das partes para a compreensão do todo.

Outra referência fundamental para a pesquisa bibliográfica é oriunda de Severino (2000) que indica as diretrizes para a leitura de textos acadêmicos. Para o autor,

[...] a leitura de um texto, quando feita para fins de estudo, deve ser feita por etapas, ou seja, apenas terminada a análise de uma unidade é que se passará à seguinte. Terminado o processo, o leitor se verá em condições de refazer o raciocínio global do livro, reduzindo a uma forma sintética. (SEVERINO, 2000, p. 51)

Assim, segundo o fragmento acima, para que a síntese seja feita é preciso passar por etapas claramente sistematizadas para que o resultado final seja satisfatório. O autor propõe os procedimentos para o estudo da unidade de leitura selecionada para a compreensão do texto de forma integral. No primeiro momento faz-se a análise textual, destacando-se palavras e conceitos que não estejam devidamente claros durante a leitura.De modo a eliminar ambiguidades, além de buscar as palavras e conceitos distantes para que, além de diversificar o momento de estudo e leitura, deixe claro as informações e conhecimentos que passariam despercebidos em outro tipo de leitura. Finaliza-se a análise textual com um esquema que facilita a visão geral da unidade de leitura.

Realiza-se no segundo momento a análise temática. Nela busca-se a compreensão da mensagem global do texto, identificando-se seu tema. Após a descoberta do tema, identifica-se a problemática e a posição do autor frente ao problema apresentado. Tal identificação permite descobrir a ideia defendida e o que ele pretende demonstrar, ou seja, sua tese.

No terceiro momento, Severino (2000) propõe a análise interpretativa. Essa está encarregada de interpretar o pensamento do autor percebendo se há ou não relação entre a tese proposta e o posicionamento teórico do autor ou filosófico. O quarto momento se caracteriza por retomar o texto de forma integral, de preferência em grupo, para que levem para a discussão problemas relevantes para a reflexão pessoal e para a própria discussão em grupo. O quinto momento refere-se a síntese pessoal expressa na construção lógica de uma redação, como aponta o autor. Caracteriza-se por retomar os pontos abordados em todas as etapas anteriores.

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A atividade científica deve utilizar da reconstrução e indagação da realidade para impulsionar o aprendizado, vinculando sempre com os problemas propostos pela vida prática. Portanto, ao escolher como metodologia a pesquisa bibliográfica, busca-se aqui deixar claro o caminho do pensamento que guiará o estudo conforme a apreensão da realidade à luz do método de pesquisa, no caso das autoras, o materialismo dialético. A seguir são apresenta-se o estudo inicial sobre as origens da pesquisa qualitativa na educação.

Pesquisa Qualitativa: considerações iniciais

Bogdan e Biklen (1994), em “Investigação qualitativa em educação: uma introdução à teoria e aos métodos”, indicam que esta pesquisa remonta ao século XIX, mas no âmbito da pesquisa educacional consolidou-se apenas no final dos anos de 1960 em países como Estados Unidos da América (EUA), França e Inglaterra. É interessante relembrar que o marco que dá origem à pesquisa qualitativa nos EUA refere-se, por exemplo, às matérias veiculadas na imprensa norte-americana, muitas delas eivadas de sensacionalismo, em que o cotidiano de imigrantes e de pessoas pobres era exposto, chamando a atenção para a degradação urbana e suas implicações para o chamado sofrimento social.

Em meados do século XIX, estudos pioneiros como o de Frederick Leplay que estudou as famílias da classe trabalhadora na França por meio do método de “observação” e a publicação da obra de Henry Mayhew, na Inglaterra, que também se debruçou sobre as condições de vida de trabalhadores e desempregados ingleses são alguns dos marcos de origem da pesquisa qualitativa. Entretanto, foi nos EUA que a metodologia da pesquisa qualitativa foi mais desenvolvida, já nos primeiros anos de século XX, tendo por base os levantamentos sociais e sua busca pela análise científica dos problemas sociais.

Apesar da ênfase às medidas estatísticas, trabalhos como o “Inquérito de Pittsburg”, realizado em 1907, apresentava “descrições detalhadas, entrevistas, desenhos (executados em carvão por vários artistas) e fotografias” (BOGDAN, BIKLEN, 1994, p.22-23), procedimentos tão usuais nas pesquisas realizadas nos dias de hoje nas escolas. Próximos ao sentido de “narrativas”, os levantamentos sociais, realizados por diferentes segmentos profissionais como jornalistas, assistentes e cientistas sociais buscavam, dentro de seus limites, “encorajar mudanças sociais, com base na investigação, e os seus métodos apresentavam os problemas em termos humanos” (BOGDAN, BIKLEN, 1994, p.25).

Mas coube à antropologia norte-americana a contribuição decisiva à pesquisa qualitativa na educação. Franz Boas, antropólogo norte-americano, realizou as primeiras vinculações, mais amplas, entre antropologia e educação, no âmbito da universidade. Boas e seus colaboradores enfatizavam que as culturas deveriam ser compreendidas por meio da visão dos próprios sujeitos pesquisados. O artigo de Boas, publicado em 1898, foi acompanhado, neste mesmo ano, da publicação do artigo daantropóloga norte-americana Nina Vandewalker, que estabeleceu diretamente “demandas” da educação àantropologia. Mas foi Bronislaw Malinowski, o primeiro antropólogo cultural a observar, por longo período, sujeitos da pesquisa em seus ambientes nativos e a descrever sistematicamente seus dados e a metodologia do trabalho de campo, estabelecendo “as bases da antropologia interpretativa” (BOGDAN, BIKLEN, 1994, p.25).

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O percurso histórico da vinculação entre antropologia e educação nos EUA efetiva-se explicitamente com a pesquisa de Margaret Mead que indicou a necessidade do professor estudar,por meio de observações e experiências diretas,os contextos de socialização dos alunos para qualificar sua atuação. A pesquisa qualitativa encontrou sua sistematização na chamada “sociologia de Chicago” mediante a sistematização da “observação participante” e do “estudo de caso”.

Pesquisa baseada em “dados recolhidos em primeira mão”, na ênfase à vida na cidade, incluindo estudos de comunidades mais específicas (estudos de etnicidade) e na interação social, daí a designação de “abordagem interacionista. Bogdan e Biklen (1994) chamam a atenção que tal abordagem, no contraponto à pesquisa experimental e ao “movimento de medida da escola científica”, permaneceu à margem na universidade. Histórias de vida, diários de campo eram “aceitos” no trabalho social, mas não na área da ciência. À educação interessava o olhar da ciência, e ciência tinha por base a estatística e a “escola sob medida”, tão cara à psicologia que, então, pontificava na educação. Além disso, no próprio campo da sociologia, a educação era pouco investigada.

Apesar da ênfase aos estudos quantitativos à época, foram produzidos trabalhos voltados para a descrição do “mundo social dos professores e seus alunos” (BOGDAN, BIKLEN, 1994, p.30). Histórias de vida, entrevistas em profundidade, registros de casos, documentos pessoais, observação participante, dentre outros, eram adotados nas pesquisas. O sentido destes estudos é bem explicitado pelos autores por meio da obra Sociologyofteaching em que Willard Waller, seu autor, afirma:

(...) as crianças e os professores não constituem inteligências incorpóreas, nem máquinas de ensino e de aprendizagem, mas sim seres humanos integrais, enlaçados num labirinto complexo de interconexões sociais. A escola é um mundo social por ser habitada por seres humanos (WALLER, 1932, p.1 apud BOGDAN, BIKLEN, 1994, p.31).

Ainda nos EUA, os anos de 1960, “uma época de mudança social” (BOGDAN, BIKLEN (1994), instiga o interesse por estudos e pesquisas que levem em consideração o ser humano e suas relações sociais e culturais, agora no âmbito da própria área da educação, além de financiamentos públicos de pesquisas que adotavam procedimentos qualitativos. Efetiva-se, então, o ingresso das abordagens oriundas da antropologia na pesquisa educacional, especialmente para estudar a escolarização das chamadas minorias. “Os porta-vozes do movimento dos direitos civis insistiam que era necessário dar a palavra àqueles quer eram discriminados” (BOGDAN, BIKLEN, 1994, p.37).

Desse modo, muitos estudos voltam seus olhares para as escolas e seu quotidiano utilizando entrevistas com gestores, professores, pais; entrevistas em profundidade com novos professores que assumiam suas salas de aula; observações participantes para o estudo de experiências de estudantes em contexto de sala de aula. Estes e outros procedimentos tinham como foco na escolarização das crianças mais pobres, reafirmando a tendência da abordagem qualitativa quanto ao enfrentamento e à busca de soluções para o sofrimento social.

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Efeitos da escola e da expectativa de professores na vida das crianças, questões raciais, dentre outros temas, passaram a ser investigados pelos chamados “métodos etnográficos”. A aceitação da abordagem a partir de então envolve diferentes questões como a necessidade de se produzir conhecimento sobre a escola frequentada pelos excluídos num ambiente em que a democracia era claramente reivindicada pela sociedade de modo geral. Nesse contexto, as abordagens funcionalistas vão sendo preteridas pelas abordagens “humanistas” como a etnometodologia e o interacionismo simbólico. A diversidade, tema que passa a ser recorrente na pesquisa educacional, é investigada por meio da etnografia e da observação participante. O debate entre a pesquisa quantitativa e a pesquisa qualitativa persiste, mas de modo menos acirrado, mas explicitam-se outros embates como o modo de condução da pesquisa e da relação do pesquisador com os sujeitos do estudo.

Na esteira da diversidade, outros temas marcam mais recentemente a pesquisa qualitativa, tendência de pesquisa que tem crescido na área educacional. Sobressai a temática do feminismo, fortemente estudado pelas feministas. Em termos de abordagem, destaca-se a inserção de antropólogos e sociólogos pós-modernos no âmbito da investigação qualitativa, especialmente a partir dos anos de 1990. Este último ponto necessita ser aprofundado no estudo em andamento.

Para os autores, alguns parâmetros caracterizam a pesquisa qualitativa: o primeiro deles trata da fonte de dados, a qual deve se dar a partir de um ambiente natural no qual o investigador deve ser o instrumento principal. Os autores descrevem que mesmo o pesquisador utilizando de gravações de áudio, vídeo ou bloco de anotações, o instrumento principal dever ser o próprio pesquisador, o qual deve dispor de demasiado tempo para melhor qualidade e desenvolvimento da pesquisa. Isso porque é o pesquisador é quem recolhe as informações, percebendo ou não suas singularidades.

Outra característica refere-se ao uso do discurso descritivo. Como apontam os autores Bogdan e Biklen(1991, p.49): “A palavra escrita assume particular importância na abordagem qualitativa, tanto para o registro dos dados como para a disseminação dos resultados”. A terceira diz sobre um dos conceitos essenciais para a abordagem em questão. Nela, dá-se uma importância maior ao processo do que aos dados coletados.

A quarta descreve a análise indutiva que os investigadores qualitativos tendem a ter dos dados. Eles não aspiram coletar os dados para confirmar ou não alguma hipótese, mas empenham-se para construir situações conforme a experiência se dá. A última característica ressalta a relevância do significado na abordagem em questão. Nela, o pesquisador busca perceber as diferentes visões de mundo, como e porque certas relações sociais se desenvolvem, notando assim a perspectiva nativa.

A Pesquisa Qualitativa no Brasil: uma breve introdução

A abordagem qualitativa em educação consolidou-se no Brasil nos anos de 1980, particularmente a pesquisa etnográfica e o estudo de caso. Lüdke e André (1986) publicaram em 1986 a obra “Pesquisa em educação: abordagens qualitativas” com o intuito de preencher a lacuna quanto à ausência de trabalhos voltados para as abordagens qualitativas na área acadêmica. Além das importantes indicações metodológicas, o livro destaca-se pela apresentação dos desafios identificados para a realização da pesquisa sob tal referencial metodológico.

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Entretanto, esta abordagem faz-se presente no país ainda na década de 1970, sob a crítica dos estudos positivistas no âmbito das ciências sociais e humanas. André (1978) publica em 1978 o artigo “A abordagem etnográfica: uma nova perspectiva na avaliação educacional”, marco para a área da pesquisa qualitativa no Brasil. Zanette (2017) segue o percurso histórico da pesquisa qualitativa no Brasil e aponta para, além da publicação do artigo de Marli André, em 1978, a realização de um seminário sobre a pesquisa qualitativa realizado em Belo Horizonte, cujo resultado foi publicado na própria revista Cadernos de Pesquisa o que contribuiu fortemente para a difusão da abordagem sob um olhar crítico.

Dentre outras, cita-se a publicação da obra “Introdução à psicologia escolar” de autoria de Maria Helena Sousa Patto, que em 1997 foi publicada em sua 3ª edição revista e atualizada. Trata-se de uma coletânea de textos que traz traduções de artigos que até os dias de hoje são fontes para a compreensão desta abordagem. Cita-se, por exemplo, o artigo de Delamonte e Hamilton (1997), já referenciado neste trabalho.

É de autoria de Maria Helena de Sousa Patto a pesquisa emblemática para o estudo do cotidiano escolar no Brasil, publicada no livro “A produção social do fracasso escolar: histórias de submissão e rebeldia”. Fundamentada na socióloga Agnes Heller, realiza a pesquisa em uma escola da cidade de São Paulo em que desvela as mazelas de seu cotidiano, tecido sob as malhas do preconceito (PATTO, 2015). No momento, este estudo está em andamento, mas já é possível identificar em que medida a própria dinâmica escolar pode produzir o chamado fracasso escolar. A literatura sobre a abordagem qualitativa em educação destaca que uma de suas grandes contribuições diz respeito ao desvelamento da produção do fracasso escolar (ZANETTE, 2017).

Considerações Finais

Este estudo, apesar de inicial, possibilitou a compreensão da importância da abordagem qualitativa na pesquisa educacional para a compreensão dos processos educacionais. É preciso observar como se dá a aplicação do currículo, as relações sociais, os comportamentos implícitos e explícitos nas relações interpessoais, dentre outras questões, no cotidiano escolar.

Pode-se afirmar que é no âmbito do cotidiano da escola que se produz muitos dos problemas de escolarização. A pesquisa qualitativa demonstra relevância singular, já que permite visualizar os movimentos didático-pedagógicos, os quais viabilizam a compreensão da interação professor-aluno, como o professor ensina e como o aluno aprende. Esse movimento, em sala de aula, possibilita o pensar teoricamente, envolvendo o processo de práxis presente na atuação do professor.

Referências

BOGDAN, R. C.; BIKLEN, S. K. Investigação qualitativa em educação: uma introdução à teoria e aos métodos. Portugal: Porto Editora, 1994.

DELAMONTE, Sara; HAMILTON, David. A pesquisa em sala de aula: uma crítica e uma nova abordagem. In: PATTO, Maria Helena Sousa. Introdução à psicologia escolar. 3ª edição revista e atualizada. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1997.

GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. São Paulo: Atlas. 4. Ed., 2002.

LÜDKE, Menga; ANDRÉ, Marli E. D. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo: EPU, 1986.

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PATTO, Maria Helena Sousa. A produção do fracasso do fracasso escolar: histórias de submissão e rebeldia. São Paulo: Intermeios, 2015.

SEVERINO, Antônio Joaquim Severino. Metodologia do trabalho científico. São Paulo: Cortez, 2016.

ZANETTE, Marcos Suel. Pesquisa qualitativa no contexto da educação no Brasil. Educar em Revista, Curitiba, n.65, p.149-166, jul./set., 2017. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/er/n65/0104-4060-er-65-00149.pdf Acesso 1 de outubro de 2018.

Notas

1. Orientanda de Iniciação Científica (PIVIC/CNPq) - Graduanda do curso de Pedagogia - Faculdade de Educação/UFG

2. Orientanda de Iniciação Científica (PIVIC/CNPq) - Graduanda do curso de Pedagogia - Faculdade de Educação/UFG

3. Profa. Orientadora do plano de trabalho de Iniciação Científica CNPq - Vinculada ao Núcleo de Estudos e Pesquisas em Psicologia, Educação e Cultura (NEPPEC) - Faculdade de Educação/UFG