Concepções dos Professores da Rede Municipal de Educação de Goiânia em Educação Inclusiva e suas Influências nas Práticas Pedagógicas
215Resumo
O presente trabalho teve como objetivo analisar as concepções sobre educação inclusiva expressas pelos professores do ensino fundamental da Rede Municipal de Educação de Goiânia a partir das narrativas de sua prática em sala de aula, além de verificar quais conhecimentos a respeito de educação inclusiva apresentados são efetivamente considerados na atuação docente cotidiana, analisando se as práticas pedagógicas relatadas por esses professores podem ser caracterizadas dentro do que se considera conceitualmente como perspectiva da educação inclusiva. Considerando a especificidade desta rede, que trabalha com a proposta para o ensino fundamental embasado nos Ciclos de Formação e Desenvolvimento Humano, pretende-se investigar as influências das concepções dos professores do ensino fundamental, no que concerne aos conceitos referentes à inclusão escolar, em sua prática pedagógica atual. Para tanto, foram realizadas entrevistas com professoras desta etapa da educação básica. A análise das narrativas das professoras permitiu identificar que as concepções a respeito de educação inclusiva relatadas ao longo da pesquisa são referentes, em quase sua totalidade, ao conhecimento, de forma generalizada, das prerrogativas legais sobre o tema sem muita vinculação com a presente proposta de trabalho desta rede para esta etapa da educação básica, nem com a essência relativa à consideração dos direitos humanos enquanto princípio para a efetivação do direito de todos à educação, e, ainda, com as possibilidades e necessidades de reestruturação dos posicionamentos com relação desde ao planejamento e execução do trabalho pedagógico até quanto à organização do sistema educacional como um todo, demandadas pela efetiva consideração dessa perspectiva, observando-se ainda pouca relação com a prática pedagógica cotidiana.
Palavras-Chave: Educação Inclusiva. Concepções. Práticas Pedagógicas Inclusivas.
Justificativa
De que maneira a concepção sobre educação inclusiva dos professores da Rede Municipal de Goiânia influencia (ou não) a sua atuação em sala de aula frente às demandas da inclusão? Esta concepção tem direcionado suas práticas pedagógicas em sala de aula? Estes professores têm se percebido em contextos onde se faz necessária a aplicação dos conceitos de educação inclusiva com mais frequência ao longo do tempo? Têm procurado modificar sua atuação em contextos que exigem a aplicabilidade dos mesmos? Quais dificuldades elegem como principais para o desenvolvimento de seus conceitos sobre educação inclusiva?
Estes questionamentos têm perpassado minha realidade de forma muito frequente nestes últimos anos de trabalho na Gerência de Inclusão, Diversidade e Cidadania da Secretaria Municipal de Educação de Goiânia (SME). Como psicopedagoga e especialista em educação especial, realizo a avaliação, acompanhamento, orientações e encaminhamentos de educandos e professores desta rede relacionados ao tema da educação inclusiva.
Nesse sentido, ao longo do processo de escuta das instituições educacionais referentes às demandas específicas da inclusão, é possível perceber, com grande intensidade, que um dos maiores entraves observados na Rede Municipal de Educação (RME) é a dificuldade dos professores do ensino regular em lidar com as questões referentes à educação inclusiva. Apesar de ser legitimado por documentos oficiais a algum tempo, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, datada de 1948, até a recente Lei Brasileira de Inclusão, de 2015, o direito de todos à educação, com garantia de acesso, permanência e qualidade, tem sido negligenciado muitas vezes pela dificuldade com relação às diferentes concepções dos professores a respeito do tema.
216A reflexão sobre essas questões tem sido importante para compreender como o conhecimento das concepções dos profissionais das instituições educacionais e, bem como, a consequente necessidade de mudança de algumas delas, com relação aos documentos legais que respaldam a educação inclusiva e, ainda a discussão das possibilidades de efetiva implementação destas regulamentações, de acordo com as orientações contidas nestes instrumentos, com metodologias focadas no desenvolvimento dos educandos com necessidades educacionais especiais, é de grande importância para o êxito em tornar a educação inclusiva de fato, devendo estar permeadas em suas práticas pedagógicas cotidianas em sala de aula.
Sendo assim, faz-se mister levantar a questão que trata das concepções e suas influências em sala de aula com relação aos temas da educação inclusiva, tanto no que se refere ao conhecimento dos aspectos legais que embasam as propostas, quanto às questões pedagógicas e metodológicas em sala de aula. Discutir sobre esta realidade é suscitar as necessidades emergentes com relação ao preconizado nos próprios documentos normativos, que vão além das questões estruturais, envolvendo os recursos humanos indispensáveis para a sua efetiva implementação e sucesso.
A proposição desta pesquisa e estudo pretende verificar as relações entre as concepções sobre educação inclusiva, adquiridas ao longo da formação inicial e continuada dos professores, e suas influências nas práticas docentes destes profissionais em sala de aula do ensino regular, com relação ao processo de inclusão dos educandos com necessidades educacionais especiais (NEE) nas instituições, oportunizando, sobretudo, que o processo de escolarização ofereça a todos a possibilidade de convivência na construção do respeito mútuo às diferenças, além de que todos consigam se beneficiar da melhor forma do ensino regular enquanto promotor da aprendizagem formal.
Metodologia
A pesquisa foi realizada no contexto da Rede Municipal de Educação de Goiânia (RME), que conta com um total de 368 instituições, entre Centros Municipais de Educação Infantil, que atendem o público de 0 a 5 anos, Escolas Municipais, que atendem o ensino fundamental, de 6 a 14 anos, e a Educação de Adolescentes, Jovens e Adultos (EAJA), a partir de 15 anos de idade. É importante considerar que esta rede adota como proposta pedagógica, para o ensino fundamental, o Ciclo de Desenvolvimento e Formação Humano, sendo que o ciclo I atende educandos de 6 a 8 anos, o ciclo II de 9 a 11 anos e o ciclo III de 12 a 14 anos aproximadamente, sendo esta a modalidade considerada para a pesquisa.
Participaram deste estudo cinco professoras do ensino fundamental de instituições educacionais da Rede Municipal de Goiânia, dos três ciclos explicitados anteriormente, conforme a proposta da rede em questão e as faixas etárias descritas, para a realização da entrevista. As descrições a seguir tratam dos dados das professoras, porém com nomes fictícios.
217De acordo com a proposta metodológica adotada nesta pesquisa, foi utilizado um roteiro da entrevista semiestruturada, elaborado para esse estudo, com perguntas dirigidas para serem respondidas pelos professores das escolas pertinentes às concepções sobre a educação inclusiva, formação inicial e continuada para sua prática docente, compreensão a respeito de práticas pedagógicas inclusivas, as dificuldades do trabalho referente à inclusão em sala de aula e as necessidades de mudanças nas atuações para o desenvolvimento da educação inclusiva em seu dia a dia. Este roteiro de entrevista foi pensado no sentido de elucidar quais conhecimentos e concepções são apresentados pelas professoras sobre inclusão escolar e, ainda, quais relações estas concepções estabelecem com as práticas e atitudes docentes frente a realidade em sala de aula no ensino regular.
A entrevista semiestruturada, nesse caso, serve como caminho para aprofundar nos conceitos e dinâmicas das narrativas e posicionamentos dos professores com a possibilidade de direcionar a pesquisa de acordo com a pontuação do professor no momento de sua fala, proporcionando certa flexibilidade para direcionar a narrativa com questionamentos que permitem explorar os pontos levantados pelo entrevistado.
Resultados e Discussão
Após a realização e análise das entrevistas feitas com as professoras sobre suas concepções acerca de educação inclusiva e as práticas pedagógicas adotadas em sala de aula, as respostas obtidas foram avaliadas de acordo com as categorias descritas a seguir:
Formação dos professores, tempo de atuação no ensino regular e na Rede Municipal de Educação de Goiânia (RME):
De acordo com o questionamento inicial sobre a formação e tempo de atuação das professoras, a fim de se demarcar os sujeitos da pesquisa e fundamentar a análise de suas narrativas, são apresentados os dados das participantes da pesquisa:
- Prof.ª Lourdes, 43 anos, formada em Pedagogia e Comunicação Social, especialista em psicanálise, educação inclusiva, gestão pública, psicopedagogia e metodologias do ensino fundamental e Mestre em Educação, possui 20 anos de atuação no ensino regular e trabalha na RME há 16 anos. Atualmente é professora do ciclo II.
- Prof.ª Carla, 48 anos, pedagoga, especialista em educação infantil e métodos e técnicas de ensino. Atua há 27 no ensino regular e há 11 anos na RME. É professora do ciclo I.
- Prof.ª Eunice, 54 anos, possui Licenciatura em História e Pedagogia. Especialização em Gestão Escolar. Atua no ensino regular há 36 anos e na RME 19 anos. Atualmente é professora do ciclo II.
- Prof.ª Alice, 32 anos é licenciada em Ciências Biológicas, com especialização em Atendimento Educacional Especializado, Psicopedagogia e LIBRAS. Está no ensino regular há 10 anos e na RME há 10 anos. É professora do ciclo III.
- Prof.ª Tamara, 29 anos, é pedagoga especialista em educação infantil. Possui 6 anos de atuação no ensino regular e 4 anos na RME. Está atualmente trabalhando com o Ciclo I.
Como foi possível perceber, as professoras da amostra possuem formação superior para a atuação docente, a maioria em pedagogia, além de apresentarem também especializações diversas na área da educação, sendo que três professoras, das cinco, declararam ter formação na área da educação inclusiva. A professora que não apresentou formação em pedagogia atua no ciclo III, no qual a maior parte dos professores são de áreas específicas do conhecimento, porém, ainda assim, esta mesma professora declarou ter formação em áreas relacionadas à educação inclusiva, como: atendimento educacional especializado, psicopedagogia e LIBRAS. O tempo de atuação no ensino regular e, bem como, na RME é igual ou maior do que 10 anos para quatro das cinco professoras, demonstrando experiência docente suficiente para a avaliação das práticas.
Diante dos dados levantados, ficou claro que as professoras da RME apresentam formação acadêmica condizente com o trabalho em sala de aula, todas com especializações também na área educacional, comprovando formação em nível satisfatório para sua atuação e condizente com a mesma. Tais dados, de certa forma, validam e embasam as discussões e narrativas a respeito da educação inclusiva por parte das professoras, uma vez que legitimam sua habilitação para a função.
Concepções acerca de educação inclusiva:
Conhecer quais os conhecimentos, concepções e crenças as professoras mantém sobre a educação inclusiva é de fundamental importância para a observação, reflexão e análise de suas práticas pedagógicas enquanto viabilização de propostas para a inclusão escolar. O questionamento, neste momento, foi: “Na sua concepção, o que é educação inclusiva?”.
Um ponto recorrente em três dos cinco discursos das professoras, ao falarem sobre suas concepções, foi que a educação inclusiva seria responsável pela garantia do direito de acesso de todos à educação. A professora Lourdes pontuou que sua concepção de educação inclusiva é referente à compreensão do “direito de todos à educação” e que: “a educação inclusiva deve perpassar todos os componentes curriculares e envolver todos os membros desta comunidade escolar”. A professora Carla afirmou em sua fala que: “educação inclusiva é uma concepção de um ensino contemporâneo e ele tem o objetivo de garantir o direito de todos à educação”. Outra pontuação que referenda esta ideia foi explanada pela professora Tamara, quando disse que, em sua concepção: “a educação inclusiva tem como objetivo garantir o acesso a todos à educação de forma acessível”.
Nesse sentido, a recorrência da concepção de que a educação inclusiva está intimamente ligada à garantia do direito à educação para todos nos remete à compreensão de que as professoras conhecem minimamente sobre este ponto da legislação. E que, por conhecerem o dispositivo legal, utilizam-no em suas narrativas como argumento reforçador de suas concepções.
Ainda foram observadas expressões, como da professora Alice, a qual ressaltou que a educação inclusiva é uma possibilidade que “atende a todos”, além das falas da professora Lourdes, quando afirmou que: “a educação inclusiva deve trazer consigo o respeito e principalmente garantir perspectiva para todas as pessoas”. Nestas expressões é possível perceber também a ideia de educação para todos, indistinta e independente de suas condições, a qual também foi difundida socialmente com a promulgação dos documentos legais que legitimaram esta prática no país, tornando-a oficial e obrigatória.
219Outro ponto comum nas narrativas das professoras foi com relação à concepção de que a educação inclusiva seria ainda uma possibilidade para a valorização das diferenças e respeito à diversidade. Em seu discurso, a professora Lourdes afirmou ser a educação inclusiva: “uma educação que seja voltada para garantir os direitos de execução das habilidades de cada educando”. A professora Carla corroborou com esta ideia ao dizer que: “não é somente igualdade de oportunidades, é a valorização das diferenças humanas”. A prof. Tamara pontuou que o acesso de todos à educação também: “tem como objetivo valorizar a educação”.
Sendo assim, podemos perceber que os conceitos sobre diversidade e valorização do indivíduo também fazem parte das concepções das professoras expressas em seus discursos. Além, ainda, da possibilidade de compreensão da crença expressa de que a educação é o espaço social no qual estas ideias devem ser respeitadas e aplicadas, no sentido da necessidade de transformação do mesmo para a efetivação desses conceitos.
A garantia não só do acesso, mas também da permanência no ensino, também foi um argumento observado nas falas das professoras a respeito de suas concepções acerca de educação inclusiva. A professora Eunice pontuou que: “a inclusão é um processo de incluir os portadores de necessidades especiais ou de distúrbios de aprendizagem na rede regular de ensino e a permanência deles com atividades que possibilitam a aprendizagem deles ao longo do tempo”. A prof. Alice ressaltou que a educação inclusiva envolve atender “a todos não só no acesso, mas, principalmente, na permanência”.
Desta forma, ao fazerem uma análise de suas concepções, referentes ao que é proposto legalmente enquanto garantia para a educação, relacionando-as à prática e à realidade do dia a dia em sala de aula, as professoras ressaltaram a necessidade de se considerar ainda as possibilidades de permanência dos indivíduos no sistema de ensino como ponto importante para a concepção de inclusão escolar. Ou seja, garantir o acesso não seria o bastante, sendo condição fundante da educação inclusiva proporcionar a permanência com qualidade e relevância social.
Práticas pedagógicas adotadas:
Dando sequência à pesquisa, as professoras responderam à pergunta: “O que você compreende por práticas pedagógicas inclusivas?”, pontuando em suas narrativas a respeito das práticas pedagógicas adotadas referentes à educação inclusiva.
A concepção de modificação da prática pedagógica por meio da adoção de metodologias diferenciadas e diversificadas para a efetivação da inclusão escolar apareceu de forma unânime nos discursos. Esta visão pode ser percebida no discurso da professora Lourdes, quando diz ser metodologia inclusiva: “aquela que aponta soluções para a inserção deste sujeito no aprendizado”. A professora Carla esclarece que as práticas inclusivas: “acontecem quando o professor tem que modificar a sua prática pedagógica (...) com atividades diferenciadas para que o aluno possa ampliar suas possibilidades”. Esta diferenciação metodológica também é proposta pela professora Eunice quando fala sobre a necessidade de adequações metodológicas no ensino considerando a capacidade de aprendizagem do educando. Em seu discurso, a professora Alice também corrobora com esta ideia quando afirma que: “práticas pedagógicas inclusivas são metodologias e estratégias que possam fazer com que todos participem do processo”. E, por fim, a professora Tamara contribui com esse conceito quando diz que as práticas pedagógicas inclusivas são uma forma de: “oferecer oportunidades de aprendizado diferenciado”.
220Nesse sentido, é possível perceber que todas as professoras concordam com a premissa de que a educação inclusiva parte do pressuposto da necessidade de mudança, alteração e diferenciação da prática pedagógica adotada até então no ensino regular, ou seja, do ensino tradicional. E, além disso, que essa diversificação metodológica é necessária neste contexto de diversidade para atender a todos, reconhecendo-a desta forma.
A percepção da necessidade de flexibilização de currículos e espaços também apareceu como possibilidade de prática pedagógica. Foi observada na fala da professora Lourdes, quando aponta a flexibilização curricular como proposta para: “garantir tempos e espaços adequados para a permanência e aprendizagem desse sujeito na educação inclusiva”. Apesar de ter sido citada apenas por esta professora, compreendeu-se como relevante a consideração e a discussão desta fala, pois aponta para a demonstração de maior conhecimento com relação às propostas para a educação inclusiva, tendo como base os documentos legais e orientadores do MEC para esta modalidade no ensino regular.
Porém, a utilização de argumentos embasados na diversificação metodológica e flexibilização de currículos, tempos e espaços como referência de possibilidades de prática pedagógica inclusiva nos remete à compreensão da necessidade de amadurecimento das concepções acerca da efetivação da educação inclusiva nas escolas pautada não apenas na adaptação do modelo educacional vigente, mas sim, na transformação do mesmo, considerando o educando na centralidade do processo, e não o conteúdo.
Dificuldades para o trabalho docente na RME:
Com relação às dificuldades encontradas para o desenvolvimento do trabalho docente em um contexto de implementação da educação inclusiva no ensino fundamental, foi feito o seguinte questionamento: “Há dificuldade(s) para desenvolver o trabalho de inclusão em sala de aula? Qual(is)? Como lida com ela(s)?”.
Nos discursos das professoras, a falta de auxílio dos demais profissionais das instituições apareceu em sua maioria. A professora Lourdes apontou esta dificuldade quando ressaltou que: “o que dificulta é a preguiça dos outros (...), os colegas que não tem disponibilidade para fazer, nenhuma disponibilidade para tentar”, alegando que esta é uma barreira para a efetivação da prática inclusiva no sentido em que: “é preciso ter um diálogo entre os professores para iniciar uma atividade para que o outro dê continuidade, já que é um ciclo a proposta interdisciplinar”, se sentindo ainda discriminada por suas tentativas diferenciadas e por sua prática, alegando que: “qualquer coisa que a gente propõe aqui os alunos se sentem atraídos, acolhidos, incluídos, e isso é automaticamente rejeitado pelos demais professores, parece o processo de exclusão também com o professor”. A professora Carla também corroborou com esta ideia quando afirmou que: “as vezes nos sentimos sozinhas também, sem ninguém para compartilhar e dividir essa responsabilidade”, reforçando a falta de compartilhamento das ideias sobre inclusão na escola. Outra fala pertinente foi da professora Alice, quando discorre a respeito das limitações da organização do trabalho pedagógico e da dificuldade na atuação dos professores e coordenadores do ciclo III.
221Essa dificuldade nos remete novamente à limitação dos professores quanto à concepção da estrutura da escola para o atendimento na perspectiva da educação inclusiva, na medida em que não se privilegia a importância da diversidade e coletividade no planejamento das ações e práticas pedagógicas. Fica evidente que, na realidade da escola, cada professor é responsável pelo planejamento e execução de suas ações isoladamente, sendo o cotidiano escolar marcado ainda pela forma cartesiana e tradicional de pensar a educação e os processos de ensino e aprendizagem escolar, supervalorizando o conteúdo e o currículo.
Outro ponto marcante nas falas foi a dificuldade com relação à estrutura inadequada das escolas e, bem como, a escassez de recursos e apoios necessários para a implementação da educação inclusiva. Esse argumento apareceu no relato da professora Lourdes ao afirmar ser a estrutura física das escolas uma das dificuldades encontradas em sua prática. A professora Carla afirmou que: “as dificuldades são inúmeras, tanto de estrutura quanto de materiais”, o que também foi citado pela professora Eunice, ao dizer que: “o número de alunos na sala de aula é muito grande, além da falta de entendimento da secretaria de educação para definir quem precisa de um professor de apoio ou de um cuidador do lado da criança”. Outra citação da mesma dificuldade foi feita pela professora Alice, quando diz que existem muitas dificuldades, inclusive estruturais.
A educação na perspectiva inclusiva, ao lidar com a diversidade, esbarra na necessidade de estruturação da acessibilidade das instituições educacionais, as quais necessitam de adequações estruturais, recursos pedagógicos e humanos e apoios diversificados para atender a todos, respeitando-se as limitações de cada um. No sistema público de ensino essas demandas muitas vezes são negligenciadas por diversos fatores, o que realmente prejudica o trabalho dos profissionais deste espaço.
Foi pontuado pelas professoras, enquanto obstáculo para a efetivação da prática pedagógica inclusiva, a dificuldade em adaptar as propostas de trabalho docente, no que concerne à rotina de ações em sala aula. De acordo com a fala da professora Carla, essa dificuldade está relacionada ao fato de que os professores não têm “muito tempo para pensar em todos e nas diferenças de cada um durante o planejamento das aulas, o que dificulta quando estamos em sala de aula e temos que ensinar a todos”. A professora Alice pontuou que: “somos muito cobrados para ‘vomitar’ conteúdo em sala de aula, tem que terminar o livro porque esse conteúdo cai no ENEM, porque esse conteúdo cai numa outra prova maior”, reforçando sua dificuldade em pensar as práticas inclusivas, no seu contexto, devido às demandas de sua etapa de ensino. Outro ponto foi levantado pela professora Tamara ao relatar sobre sua dificuldade em trabalhar em sala de aula com o “educando especial”, no contexto do ensino regular, e pontuar sobre sua visão da necessidade de se iniciar o processo com os educandos, de uma forma geral, para assim atingir os considerados por ela como “especiais”.
222Neste ponto é possível observar mais uma vez a dificuldade dos professores em refletir sobre a prática inclusiva enquanto possibilidade educacional para todos, sem distinção dos sujeitos, assim como o proposto legalmente e em suas narrativas conceituais sobre o tema. Ainda se percebe que esta dificuldade está relacionada à inadequada estrutura de organização do trabalho pedagógico nas escolas, que não valoriza os momentos de planejamento coletivo, e, bem como, à exigência com relação ao privilégio da proposta curricular como sendo principal responsável pela aprendizagem e desenvolvimento dos educandos.
Por último, foi pontuado pelas professoras, como dificuldades para a adoção de práticas inclusivas, a falta de formação específica. Observou-se este argumento na narrativa da professora Eunice, ao pontuar que: “há pouca formação para os professores na área da inclusão, para a gente poder trabalhar com mais segurança”. A professora Alice também citou esta dificuldade, quando diz que: “tem também a falta de conhecimento de nós professores e até de coordenadores pra conseguir trabalhar com a inclusão.”.
Apesar da concepção, demonstrada nos discursos anteriores, referente à educação inclusiva como um direito de todos à educação indistintamente, neste momento fica evidente outra compreensão de educação inclusiva, como a integração de indivíduos com alguma disfunção, deficiência ou diferença que o torna não só diferente, mas alguém inferior, com necessidades de complementação para se equiparar aos demais. Quando se pontua a respeito da insuficiência formativa para o trabalho docente em sala de aula com todos, assim como o preconizado legalmente, é possível observar que se faz referência ao modelo tradicional de educação, em que todos são considerados iguais e homogêneos no contexto de sala de aula, sendo exigidas adaptações para a inclusão dos diferentes neste “todos”, necessitando-se de formação específica para esta prática, que passa a ser diferenciada, especializada.
Conhecimento sobre a proposta político-pedagógica da RME:
Podemos observar que, de acordo com as narrativas, todas as professoras alegaram ter conhecimento da proposta político-pedagógica da RME, a qual é pautada nos pressupostos teóricos de Vygotsky e da teoria histórico-cultural. Apesar de terem pontuado o conhecimento, duas professoras ressaltaram claramente que não a retomam em seus planejamentos, o que pode vir a prejudicar a prática pedagógica no dia a dia, que deve estar pautada em seus conceitos. Em mais uma oportunidade podemos observar que o conhecimento teórico não é suficiente para a transformação das práticas.
Considerações Finais
Esse trabalho teve como objetivo analisar as concepções sobre educação inclusiva expressas pelos professores do ensino fundamental da Rede Municipal de Educação de Goiânia (RME) a partir da sua atuação em sala de aula, identificando-as e verificando se as práticas pedagógicas descritas por estes sujeitos podem ser caracterizadas dentro da perspectiva da educação inclusiva.
De início, foi questionado a respeito da formação e do tempo de docência das professoras no ensino fundamental, a fim de verificar a compatibilidade com a atuação, o que revelou a adequação em nível superior, com a declaração, até mesmo, de especializações na área da educação inclusiva. O tempo de atuação das professoras também foi considerado satisfatório para a avaliação dos depoimentos.
223Durante as entrevistas foi identificado que as professoras discorreram sobre suas concepções de maneira um tanto abstrata e restrita, como se falassem de algo teórico, irreal, que fora aprendido e guardado sem muito uso ou vivência. Mas, quando questionadas a respeito das práticas e das dificuldades, a realidade veio à tona, configurando o cenário como conflituoso e quase impossível, conotando a incompatibilidade entre concepções e práticas, entre os estudos e formações e as ações cotidianas. Uma exemplificação desta análise pode ser percebida no tamanho das falas a respeito de um e outro questionamento, sendo que, ao pontuar sobre as concepções, as narrativas foram curtas e diretas, e, ao discorrem sobre a realidade e os entraves encontrados no cotidiano escolar, pode-se observar pontuações bastante extensas.
Fica evidente, portanto, que o conhecimento e a formação são capazes de proporcionar a formulação de concepções e valores a respeito do tema. Porém, relacioná-las e transformá-las em práticas configura-se em um processo mais profundo, no qual o indivíduo seria levado a modificar suas estruturas de pensamento construídas e arraigadas ao longo de suas experiências de vida, intermediadas pelas relações afetivas vivenciadas. Nesta perspectiva, foi possível observar que, apesar de conhecerem as prerrogativas legais e os fundamentos da educação inclusiva, as práticas relatadas pelas professoras ainda não se relacionam suficientemente com estas concepções. Ao analisar as ações e realidades pontuadas pelas professoras foram constatadas incipientes e isoladas tentativas de colocar em exercício as ideias a respeito de inclusão escolar.
Em suma, ficou claro que a ideia a respeito da educação inclusiva apresentada pelas professoras ainda está vinculada à adaptação metodológica e curricular, não levando em consideração a modificação do sistema de ensino, com a necessidade de redirecionamento do objetivo educacional, transferindo a centralidade do processo para o sujeito ao valorizar seus conhecimentos e experiências, fazendo do currículo um meio, e não o fim, para a aprendizagem. As diferenças seriam encaradas como naturais e necessárias no contexto de sala de aula e não como entraves que exigem estruturas, recursos, conhecimentos específicos e demais apoios externos para serem consideradas. As pontuações a respeito das dificuldades para a efetivação da proposta de educação inclusiva corroboram com esta ideia evidenciando a perspectiva de que tais considerações podem ser interpretadas como uma incompreensão das possibilidades de execução da proposta como um todo.
Por fim, esta pesquisa se propôs a avaliar se as concepções a respeito da educação inclusiva são consideradas no contexto e na rotina cotidiana em sala de aula pelos professores, ficando evidenciada a necessidade de amadurecimento tanto nos conhecimentos a respeito das possibilidades de estruturação do ensino na perspectiva da educação inclusiva, partindo do “o que é”, para o “como fazer”, quanto das práticas que a efetivam cotidianamente. Desta forma, vale ressaltar a importância de se considerar estratégias para a discussão da inclusão escolar em sua essência, com vistas à real modificação das práticas e consequente reestruturação da escola como um todo. Assim como preconiza Mantoan (2013, p.116), a educação inclusiva ainda é um desafio frente à construção de um modelo educacional que possibilite seus ideais e, ainda, atenda às exigências da contemporaneidade, sendo justa e democrática em suas concepções, métodos e práticas.
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Notas
1. Professora com licenciatura plena em Educação Física (UEG-GO), pedagoga (IESB-DF), psicopedagoga institucional e clínica (Instituto Saber-DF), especialista em Desenvolvimento Humano, Educação e Inclusão Escolar (UnB-DF), especialista em Educação Especial e Atendimento Educacional Especializado (FABEC), com formação em Altas Habilidades/Superdotação (NAAHS-GO). Psicopedagoga e Apoio técnico-professora da Gerência de Inclusão, Diversidade e Cidadania (SME-GO).