Flávia Martins Vieira (UFG)
umaluanoceuoutraluanomar@gmail.com

Gina Glaydes Guimarães de Faria (UFG)
bom.dia@live.com

Desigualdades Educacionais: um estudo bibliográfico

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Resumo

Este trabalho objetiva descrever, por meio de estudo bibliográfico, como são discutidas as desigualdades escolares no âmbito da Educação Básica. Adota-se como fonte de investigação o periódico Cadernos de Pesquisa, considerando os artigos veiculados no período de 2007 a 2017, selecionados a partir do banco de dados a que este trabalho se vincula “Fracasso escolar e sentidos da escola: referenciais teóricos e metodológicos na pesquisa educacional” (NEPPEC/FE/UFG), o qual é composto por 83 artigos. Os critérios de seleção envolveram, além da leitura dos resumos, referências a termos afins como “MEC”, “Inep”, “desigualdade” no corpo do artigo, verificados por meio de instrumento de busca do word, de modo a identificar aqueles artigos que fossem diretamente relacionados às políticas educacionais e implicações para as desigualdades escolares. Tendo como fundamentação teórica-metodológica os estudos de Gil (2002), Lima e Mioto (2007) e Severino (2016). Os resultados indicam a recorrência das relações entre desigualdades socioeconômicas e educacionais, com ênfase para discussão sobre relações entre família e escola e desigualdades regionais. Atravessam as discussões preocupações com o desempenho tanto da escola, quanto do aluno e do professor, balizados por meio de avaliações de larga escala. Há posicionamentos distintos quanto ao emprego destas avaliações, mas há uma tendência para o reforço destas políticas para a definição e encaminhamento de ações que garantam uma escola de qualidade. Outro ponto que chama a atenção diz respeito à tendência, em algumas abordagens, para a responsabilização das famílias quanto ao êxito ou fracasso do aluno no processo de ensino e aprendizagem.

Palavras-chave: Políticas educacionais. Desigualdade. Fracasso escolar.

Introdução

Este trabalho, um estudo bibliográfico, tem como objetivo discutir como a temática da desigualdade escolar no âmbito da Educação Básica tem sido discutida na produção acadêmica, particularmente nos artigos veiculados no periódico Cadernos de Pesquisa. Trata-se de uma publicação da Fundação Carlos Chagas, Qualis A1, veiculado ininterruptamente desde o ano de 1971. Com publicações trimestrais até 1996 e quadrimestrais a partir de 1997, voltou a ter publicações trimestrais a partir de 2014. É coeditado pelas editoras Cortez e Autores Associados, desde 1999.

Para a seleção dos artigos que embasam este estudo, consultou-se o banco de dados da pesquisa a que este trabalho se vincula, composto até o momento por 83 artigos publicados entre os anos de 2007 a 2017. Para tanto, procedeu-se à leitura do título, do resumo e das palavras-chave de cada artigo, adotando-se os seguintes critérios para sua inclusão no trabalho: referências ao MEC e/ou Inep ou aos termos afins à discussão sobre as desigualdades escolares no âmbito das políticas educacionais. Para tanto, além da leitura atenta dos resumos, recorreu-se ao instrumento de verificação textual do próprio word para aferir se os termos “desigualdade”, “desigual”, “escola” e “políticas educacionais” estavam presentes no corpo do artigo. Nesta perspectiva, foram selecionados 23 artigos, tendo sido lidos e analisados até o momento 14.

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A pesquisa bibliográfica desenvolve-se a partir de “material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos. [...] A principal vantagem reside no fato de permitir ao investigador a cobertura de uma gama de fenômenos muito mais ampla do que aquela que poderia pesquisar diretamente” (GIL, 2002, p. 44-45). Além disso, a pesquisa bibliográfica exige a leitura minuciosa, atenta e com total observância aos objetivos da pesquisa. Constitui-se de “um desenho metodológico de aproximações sucessivas, [...] [que] significa realizar um movimento incansável de apreensão dos objetivos, da observância de etapas, de leitura, de questionamentos e interpretação crítica com o material bibliográfico” (LIMA, MIOTO, 2007, p. 37).

Para o estudo de cada artigo, seguiu-se as orientações de Severino (2016) que envolve: leituras analíticas sucessivas de forma a compreender desde o vocabulário e a visão geral do texto, a análise textual, por meio da identificação do tema principal e do encadeamento lógico dos argumentos do autor, a análise temática, sendo esta a compreensão e a crítica dos pressupostos adotados mediante a análise interpretativa, até à problematização e à síntese pessoal.

Em consonância com as indicações de Lima e Mioto (2007) o momento dedicado a leitura e análise dos artigos, orientadas por meio de um roteiro de leitura, baseou-se em prol da garantia da relevância das informações para o estudo, relacionando as informações obtidas diretamente com os objetivos da pesquisa e marcada pela inter-relação das interpretações dos autores (os conceitos, as considerações relevantes e as soluções propostas) com o foco da pesquisa.

Nesta perspectiva, para o estudo dos artigos foi elaborada uma planilha de análise e documentação envolvendo, além dos itens de identificação do artigo, do resumo e das palavras-chave, questões relacionadas à temática de estudo: tema principal, objetivo do artigo, tipo de pesquisa, autores citados, fundamentação teórica, dependência administrativa da escola, o nível de escolarização abordado, concepção e/ou contexto em que a escola é citada, referência ao fracasso escolar e a desigualdade, documentos citados e problemática e/ou contextualização em que as políticas educacionais são citadas. Além destas questões, previu-se um item em aberto para registro de questões não contempladas nos itens anteriores.

Apresenta-se a seguir os resultados mais gerais do estudo, particularmente os agrupamentos temáticos e o mapeamento dos documentos citados. A seguir discute-se como a temática da desigualdade educacional é tratada nos artigos selecionados.

Descrição Geral dos Resultados da Pesquisa

As discussões sobre as desigualdades educacionais são tratadas no âmbito das escolas públicas em 64,3% dos artigos. Enfatizando-se a necessidade da melhoria da qualidade educacional e sua valorização por parte do Estado, considerando-se os aportes financeiros, o salário docente e dentre outros aspectos. Ainda em relação à dependência administrativa, verifica-se que 35,7% dos artigos citam tanto a escola pública quanto a escola privada.

Constata-se que todos os artigos tratam de questões relacionadas à Educação Básica, por este viés, 44,4% dos artigos referem-se explicitamente ao Ensino Fundamental, 16,7% à Educação Infantil e 16,7% ao Ensino Médio. A Educação Básica em geral, orienta as discussões em 22,2% dos artigos, sem tratar especificamente da Educação Infantil, do Ensino Fundamental ou Ensino Médio.

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Observa-se que as modalidades de ensino foram citadas explicitamente em apenas um único artigo, sendo elas: Educação de Jovens e Adultos - EJA, Educação Indígena, Educação de Mulheres, Educação de Pessoas com Deficiência, Educação do Campo, Educação Ambiental e Educação Étnico-racial. Trata-se do artigo de Moehlecke (2009) que aborda as políticas educacionais do primeiro Governo Lula e, por isso, indicam-se todas as ações de inclusão implementadas por esse governo.

No tocante aos documentos citados, os artigos apresentam as seguintes referências: Sistema de Avaliação da Educação Básica - Saeb; Sistema Mineiro de Avaliação - Simave; Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior - Sinaes; Programa Internacional de Avaliação de Alunos - Pisa; Avaliação Nacional do Rendimento Escolar - Prova Brasil; Índice de Desenvolvimento da Educação do Rio de Janeiro – IDE - Rio; Olímpiada de Matemática; escalas de avalição de ambientes; Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB; Censo demográfico; Censo escolar; Pesquisa Nacional por amostra de domicílios - PNAD; Parâmetros Curriculares Nacionais - PCN; Índice de Desenvolvimento da Educação Básica - Ideb; Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação - Fundeb; Plano Nacional de Educação - PNE; Constituição da República Federativa do Brasil; Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura - Unesco; Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Económico - OCDE; Banco Mundial; Movimento Todos pela Educação; Fundo das Nações Unidas para a infância - Unicef; pareceres; resoluções; decretos; leis; portarias; relatórios; indicadores de dados educacionais e financeiros; programas; e entre outros.

Gráfico 1: Documentos mais citados nos artigos
Fonte: elaborado pela autora

Observa-se no gráfico que o maior percentual compõe a categoria “outros” que representa um conjunto de documentos apenas mencionados nos artigos para indicar fontes ou referendar argumentos dos autores. À medida que prevalece a análise descritiva das políticas, recorre-se à legislação, muitas vezes, para indicar o que está proposto no âmbito oficial e seus desdobramentos no sistema educacional. O mesmo ocorre em relação ao agrupamento intitulado “ações governamentais de inclusão”, em que são citados inúmeros documentos como o Relatório de gestão da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad); o Programa de Financiamento Estudantil - Fies; o Projeto Educar na Diversidade; o Programa Universidade para Todos - PROUNI; o Programa Educação para a Diversidade e Cidadania; o Projeto Educando para a Igualdade de Gênero, Raça e Orientação Sexual, entre outros documentos.

Considerando a ênfase aos documentos que apresentam os maiores percentuais, aqueles mais citados são respectivamente: Pisa, documentos oriundos da Unesco, Saeb, Censo Demográfico, LDB, Fundeb, Constituição Federal, PNE, Censo Escolar e Ideb. Estes documentos são basilares nas análises de políticas educacionais, indicando que grande parte das pesquisas tomam como referência, especialmente, documentos emanados de organismos internacionais como a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), responsável pelo PISA. No âmbito do Ministério da Educação (MEC), prevalece os documentos relativos às avaliações nacionais de desempenho de estudantes como o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb).

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Os artigos foram agrupados em dois grandes eixos temáticos: desigualdade socioeconômica e educacional, temática principal de 8 artigos, 57,1% (FERRARO, 2009; MOEHLECKE, 2009; BASSI, 2011; ÉRNICA, BATISTA, 2012; CAMPOS, 2013; LIBÂNEO, 2016; GRAMANI, 2017; GONÇALVES, MENICUCCI, AMARAL, 2017) e Avaliação e desempenho estudantil, temática principal de 6 artigos, 42,9% (SOARES, 2007; MARCHELLI, 2010; SOARES, NASCIMENTO, 2012; TURA, 2012; SILVA, SOUZA, 2013; SOARES, ALVES, 2013). Neste trabalho, a discussão restringe-se ao primeiro agrupamento temático, envolvendo a discussão sobre as relações família e escola, processos de exclusão/inclusão e qualidade da educação.

Políticas Educacionais e Desigualdades Escolares

Campos (2013) afirma que “não é a mesma educação que chega a todos ou a quase todos e, também, não é sempre que a educação oferecida corresponde às demandas e necessidades dos diversos grupos sociais, culturais e étnicos” (CAMPOS, 2013, p. 25). Esta afirmativa pode ser considerada o marco dos estudos desenvolvidos na maioria dos artigos selecionados para este trabalho, especialmente em relação aos segmentos considerados mais vulneráveis.

A análise das relações entre crianças vinculadas ao Programa Bolsa Família e os processos de escolarização, particularmente em relação à distorção idade-série realizada por Gonçalves, Menicucci e Amaral (2017) é exemplar quanto a esta discussão. “Acredita-se que, quanto maior a idade da criança, maior será a chance de ela estar em situação de distorção idade-série. Isso ocorre pela entrada da criança no mercado de trabalho para complementar a renda familiar” (GONÇALVES, MENICUCCI, AMARAL, 2017, p. 783).

Por isso, a existência de programas como o Bolsa Família se mostra tão significativo. Além de prestar um auxílio financeiro para a garantia da sobrevivência de famílias de baixa renda, também garante a permanência e/ou reintegração de crianças e adolescentes ao ambiente escolar, diminuindo assim as taxas de evasão e gerando impactos positivos tanto para o desempenho do aluno quanto para uma maior correlação entre idade-série.

Chama a atenção, nas discussões realizadas por este e outros autores dos artigos analisados, a ênfase à atuação da família junto à escola para o êxito da criança em seu processo de escolarização, particularmente quanto ao nível de escolarização dos pais e sua atuação profissional. Para Gonçalves, Menicucci e Amaral (2017) a desigualdade escolar pode ser explicada pela influência direta que os responsáveis exercem no processo de escolarização e não por causa da diferenciação das escolas. Justamente pelo fato deles serem os primeiros educadores, considera-se importante o acompanhamento e o auxílio nas tarefas escolares e no processo de desenvolvimento e formação da criança. Há, entretanto, a necessidade de dedicarem-se ao mercado de trabalho em prol do sustento da família, o que acaba influenciando, direta ou indiretamente, no tempo destinado ao convívio familiar.

Soares (2007) também reafirma a responsabilidade que compete às famílias no processo de escolarização, indicando “o estilo de criação dos filhos, a criação de rotina diária na casa e o investimento financeiro nos filhos” (SOARES, 2007, p 151), além de outras questões como o chamado “efeito de vizinhança”. Gramani (2017) destaca particularmente o nível de escolarização materna enquanto fator de grande influência para o desempenho dos alunos na escola. Para Marchelli (2010), o fracasso escolar relaciona-se diretamente “ao fato de as famílias de baixa renda não conseguirem manter os filhos na escola ou não propiciarem a esses as matrizes culturais extraescolares necessárias para o sucesso na aprendizagem” (MARCHELLI, 2010, p. 569-570).

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Soares e Alves (2013), além da família, chamam a atenção para as características inatas dos alunos e a qualificação dos professores, sendo esta relacionada com o grau de valorização da carreira docente. Silva e Souza (2013), estudando as condições materiais das escolas públicas, particularmente das regiões Norte e Nordeste, se reportam aos baixos resultados obtidos pelos estudantes em avaliações externas e denunciam as condições precárias das escolas.

O processo de escolarização de crianças negras também é recorrente nas análises das políticas educacionais e a questão da desigualdade escolar. Ferraro (2009), por exemplo, destaca que em relação à alfabetização “constata-se a reprodução continuada da desigualdade educacional que pesa sobre as pessoas negras em relação às pessoas brancas, sejam elas homens ou mulheres. ” (FERRARO, 2009, p. 822).

No que diz respeito às análises sobre as desigualdades escolares no âmbito das políticas educacionais, as questões mais recorrentes distribuem-se entre desigualdades socioeconômicas (29,4%), família (29,4%), aluno (17,6%), professor (11,8%), Estado (5,9%) e questões relacionadas à própria escola (5,9%). Há um entrecruzamento destas questões nos artigos, mas sobressai o que se considera clássico nas pesquisas que são as condições socioeconômicas e as relações família e escola.

O conjunto de trabalhos analisados também expõe como a desigualdade varia conforme as regiões do país. Nas regiões Norte e Nordeste encontram-se os maiores índices de desigualdade socioeconômica e escolar e de distorção idade-série, se contrapondo à região Sul e Sudeste que possuem as menores taxas (SILVA, SOUZA, 2013; GRAMANI, 2017; GONÇALVES, MENICUCCI, AMARAL, 2017). “Essa constatação ainda se aplica a muitas áreas [...] sendo sentida mais fortemente pelos grupos marginalizados da população, nas regiões rurais e nas periferias pobres das grandes cidades” (CAMPOS, 2013, p. 24-25).

Além disso, Soares (2007) alerta para os processos de exclusão presentes na própria escola, reproduzindo as desigualdades socioeconômicas e escolares por meio de um ideário que se embasa na concepção de que “a melhor maneira de obter melhores resultados na escola é excluir os alunos com alguma dificuldade de aprendizagem” (SOARES, 2007, p.149). Esta concepção reporta-se a duas fronteiras eliminatórias: o pertencimento socioeconômico e o desempenho cognitivo em nome de “um projeto maior de melhoria do ensino básico brasileiro visando mais qualidade e equidade” (SOARES, 2007, p 150). Trata-se, para Campos (2013), de um projeto de exclusão escolar, vivenciado sobretudo pelo intermédio de práticas diferenciadas dentro das quatro paredes da sala de aula.

Um outro ponto recorrente nos estudos é o que diz respeito aos recursos financeiros destinados às escolas, segundo os municípios. Há um alerta quanto aos recursos estipulados e o montante efetivamente investido (BASSI, 2011; ÉRNICA, BATISTA, 2012), sem desconsiderar, na análise, a diferença de arrecadação de impostos recolhidos pelas cidades. Apesar do recolhimento governamental e redistribuição das correspondentes parcelas aos municípios, “a devolução da maior parte da arrecadação para o estado de origem faz com que persistam profundas desigualdades inter-regionais” (BASSI, 2011, p. 125).

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Neste mesmo âmbito, Soares e Alves (2013) constatam que a qualidade educacional está diretamente relacionada ao modo como o município consegue gerir seus recursos financeiros para atender as demandas da realidade local. Dentro deste quadro, nos municípios com menos recursos à problemática referente às políticas públicas giram em torno de ações “que reduzam a taxa de analfabetismo e a defasagem escolar; aqui o mais importante é como o município está gastando o dinheiro, e não o quanto é gasto” (GRAMANI, 2017, p. 490).

Em relação ao processo de avaliação da aprendizagem é recorrente nos artigos analisados referências ao Saeb. Marchelli (2010), por exemplo, indica que as análises dos desempenhos estudantis evidenciam que “a escola básica brasileira está percorrendo uma perigosa curva descendente de aprendizagem, acumulando déficits ano após ano e sugerindo a falência das políticas públicas formuladas” (MARCHELLI, 2010, p. 566).

Conforme Tura (2012), a avaliação passa a ser compreendida enquanto materialização quantificada da qualidade do processo de ensino-aprendizagem. Além disso, são recorrentes a pressão e o sentimento de impotência entre gestores, professores e alunos diante de seus desempenhos frente a resultados quantificados e avaliados a partir da aplicação de testes padronizados que desconsideram suas reais necessidades, bem como, os desafios impostos pelo cotidiano escolar. E apesar dos resultados não provocarem a reprovação do aluno, contribuem para a dissonância entre o que o aluno deveria aprender e o que é realmente mobilizado no processo de ensino, incluindo a forma como esta aprendizagem é avaliada.

As principais consequências trazidas a partir da adoção desse sistema, conforme Silva e Souza (2013), são a redefinição de currículos, conteúdos e processos de ensino e aprendizagem visando articular-se às habilidades e conhecimentos exigidos pelas avaliações de larga escala, que além de quantificar o desempenho estudantil institui um quadro de ranqueamento de alunos, escolas, professores, gestores e localidades. Os quais também contribuem para a produção de práticas excludentes no interior do ambiente escolar.

Campos (2013) e dentre outros autores, chegam à conclusão de que as políticas educacionais em vigor em nosso país seguem o modelo gerencial de gestão, estando, assim, em consonância com as metas e prioridades do capital e das instituições internacionais voltados para o mercado. Busca-se “ampliar a eficiência da escola no alcance das metas de desempenho definidas pelos governos, reconfigurando tanto o modelo de regulação escolar quanto o papel do Estado no atendimento educacional” (SILVA, SOUZA, 2013, p. 775). Nessa perspectiva, nota-se que a partir da adesão a esse sistema de diretrizes:

O acirramento da competição por recursos públicos levou à promoção de alguns níveis e de algumas modalidades de ensino, em prejuízo de outros; [e a mobilizar] o recurso à terceirização e à privatização; a focalização em lugar da universalização; e a descentralização dos serviços educativos, sem a garantia de recursos materiais, humanos e, muitas vezes, sem condições políticas de controle social. [...] [De modo] que puseram a nu as desigualdades no acesso ao conhecimento por parte de alunos com diferentes origens sociais, evidenciando processos de discriminação e de reforço de desigualdades que persistem na escola, agora aparentemente aberta a todos (CAMPOS, 2013, p. 26).
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É importante destacar que mesmo dentro de uma coletividade chegar a um parâmetro comum sobre o que seria qualidade educacional é uma tarefa árdua. Fato que “implica situar os diversos discursos sobre a qualidade, identificando quem fala e de onde fala. Implica reconhecer que existem conflitos e disputas na definição do que seja qualidade da educação." (CAMPOS, 2013, p. 26). Exigiria, assim, conciliar diversas percepções, necessidades, recursos e expectativas. Por isso, requer-se a atuação e interlocução entre as diversas instâncias sociais para configurar-se uma participação democrática.

Portanto, o desafio que se impõe diante deste quadro é o repensar das políticas educacionais, concebendo coletivamente um projeto de educação “desatrelado dos interesses imediatos do mercado e das pressões por resultados quantitativos imediatos” (SILVA, SOUZA, 2013, p. 774). Para Silva e Souza (2013), os professores têm responsabilidade de discutir as bases desse projeto, apontando limites e potencialidades, estratégias de atuação e prioridades. O que se pretende assegurar com tal projeto é simplesmente o direito a um ensino público, democrático, gratuito, laico e inclusivo.

Também há que se salientar que apesar da escola ser a instituição que tem por excelência a formação dos indivíduos, ela não cumpre esta função isoladamente. Neste ponto, há uma tendência, nos artigos analisados, a um posicionamento favorável para que se constitua uma rede de cooperação juntamente com outras instâncias sociais tais como a família, o governo, o mercado de trabalho e os diversos grupos sociais.

De modo que, o “grande desafio [das políticas educacionais] é encontrar os ‘pontos nodais’ para construir um consenso político” (TURA, 2012, p. 793) que garanta uma formação de qualidade a toda a população. Soares e Nascimento (2012), por exemplo, acreditam que a solução para melhores condições de ensino e aprendizagem relaciona-se à adoção do sistema de ciclos, no âmbito da progressão automática, o qual diminuiria consideravelmente os índices de evasão, repetência e distorção idade-série. Outros, como Marchelli (2010), indicam os riscos para a redução da qualidade educacional ao se promover uma brecha para se permanecer na escola sem aprender.

Libâneo (2016) contribui para esta discussão ao explicitar claramente a função social da escola, que deve centrar-se no

[...] processo de ensino-aprendizagem, cuja referência é o conhecimento teórico-científico (no sentido de formação de conceitos ou procedimentos de pensamento), [pois] ajuda o aluno a organizar suas experiências e conceitos em torno de um sistema conceitual e, assim, vai adquirindo “ferramentas mentais” para analisar e compreender a complexidade do mundo ao seu redor, tornando aplicáveis à vida cotidiana das pessoas os conceitos formais abstratos. Portanto, [...] abrem a possibilidade real de que os alunos, ao retornarem à prática social cotidiana e local, os utilizem para atuar na modificação das suas condições de vida e das suas relações. Em resumo, escola de qualidade é a que, antes de tudo, por meio dos conteúdos, propicia as condições do desenvolvimento cognitivo, afetivo e moral dos alunos, considerando suas características individuais, sociais e culturais e as práticas socioculturais de que vivenciam e participam (LIBÂNEO, 2016, p. 59 - 60).
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Ademais, as políticas de diversidade e a articulação de estratégias que promovam a efetiva participação de grupos minoritários nos processos escolares são essenciais para a melhoria da qualidade educacional. “A exigência de reconhecimento, conforme esse entendimento, não é uma mera cortesia ou respeito que devemos ao outro, mas uma necessidade humana vital” (MOEHLECKE, 2009, p. 464). Além disso, como enfatiza Libâneo (2016), a escola é essencial enquanto projeto de formação que tem por base o conhecimento teórico-científico.

Conclusão

As discussões sobre as políticas educacionais em suas relações com as desigualdades escolares indicam a centralidade da escola pública e seus desafios. A qual é claramente explicitada, dentre outros aspectos, por meio de referências às localidades e infraestruturas das escolas; as condições de trabalho docente; aos grupos sociais minoritários e estigmatizados historicamente devido as suas condições étnico-culturais, majoritariamente referidas aos autodeclarados negros; de gênero, especialmente no que diz respeito à mulher trabalhadora em sua relação com os filhos; e as condições socioeconômicas, particularmente quanto aqueles que precisam conciliar trabalho e escola.

Chama a atenção à preocupação com o background familiar, incluindo o nível de escolarização dos pais, a composição familiar e a qualidade das interações entre os pares, bem como, o acompanhamento e o auxílio dos responsáveis nas tarefas escolares e no processo de desenvolvimento e formação da criança.

As análises apontam ainda para as verbas destinadas a manutenção e aperfeiçoamento dos sistemas de ensino municipais, nem sempre condizentes com os recursos necessários para se assegurar um nível mínimo de qualidade. Indicando-se, neste viés, diferenças regionais dentro de um mesmo estado. Além disso, o cenário político caracteriza-se por constantes continuidades e descontinuidades entre governos e políticas educacionais, implicando concepções e prioridades diversas.

Os estudos também alertam para os limites das avaliações externas e de larga escala, secundarizando os conteúdos escolares e as reais necessidades dos estudantes. Além disso, algumas instituições acabam segregando no momento de aplicação das avaliações externas e/ou excluindo de seu corpo discente aqueles alunos com dificuldades de aprendizagem. Nesta perspectiva, a aplicação dos testes como base das políticas educacionais pode atender aos interesses das instâncias governamentais nacionais e internacionais, bem como, as exigências do mercado, mas dificilmente às necessidades dos estudantes quanto à formação mais ampla. Contribuem ainda para quantificar, classificar e ranquear o desempenho de professores, alunos e escolas, o que pode incorrer na responsabilização de alunos, professores, gestores e da família.

Portanto, restringir as avaliações como o parâmetro mais importante para compreender a qualidade educacional promove a exclusão de relações mais determinantes para a avaliação do processo de ensino e aprendizagem e para a proposição de políticas mais consistentes. Já o posicionamento dos autores quanto às possibilidades de enfrentamento das desigualdades escolares diz respeito à implementação de políticas educacionais que envolvam as instâncias governamentais e a sociedade como um todo, especialmente a família e a escola.

Referências

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Notas

1. Graduanda do sexto período de Pedagogia (UFG), bolsista voluntária de iniciação científica (PROLICEN-PIVIC); membro do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Psicologia, Educação e Cultura da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás (NEPPEC/FE/UFG); Faculdade de Educação (FE);

2. Doutora em Educação; membro do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Psicologia, Educação e Cultura da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás (NEPPEC/FE/UFG); professora do PPGE/FE/UFG;

3. Este trabalho, em andamento, vincula-se ao projeto de pesquisa intitulado “Fracasso escolar e sentidos da escola: referenciais teóricos e metodológicos na pesquisa educacional”, desenvolvido no Núcleo de Estudos e Pesquisas em Psicologia, Educação e Cultura da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás (NEPPEC/FE/UFG).

4. É importante ressaltar que em decorrência da diversidade de elementos presentes no gráfico cinco deles não foram devidamente representados, ou seja, suas identificações e seus percentuais não foram destacados no mesmo. Sendo eles: Banco Mundial; Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico - OCDE; Parâmetros Nacionais Curriculares - PCN; e Pesquisa Nacional por Amostra em Domicílio - PNAD, que apresentam concomitante um percentual de 1,3%, e o Fundo das Nações Unidas para a infância - Unicef, que apresenta um percentual de 0,6%.

5. Gonçalves, Menicucci e Amaral (2017) e outros, na discussão sobre as relações entre família e escola, tendem a uma concepção idealizada da atuação dos pais na escolarização dos filhos. Indicam, por exemplo, “que mais importante do que a influência dos pais são as diferenças entre os pais, tanto em termos do tempo que passam em casa, como da capacidade de contribuir para o aprendizado da criança, que pode ser medido em anos de estudo (escolaridade) ” (GONÇALVES, MENICUCCI, AMARAL, 2017, p. 777). Esta questão deve ser aprofundada em estudo posterior.

6. São considerados grupos minoritários as esferas sociais nas quais se intensificam os processos de exclusão e subalternação de cunho identitário, étnico-cultural, linguístico, de gênero, socioeconômico e físico-cognitivo-social (pessoas com deficiência).