Matheus Moura Silva
saruom@gmail.com

Dânia Soldera
danisoldera@gmail.com

Relatórios Parciais de Observação em Dois Colégios Públicos de Goiânia

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Resumo

Este relatório busca descrever as principais observações tidas durante os breves encontros com as turmas do 6º e 9º anos no Colégio Estadual João Bênnio, em Goiânia (GO) como parte do desenvolvimento do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência, relacionado à Faculdade de Artes Visuais – UFG. A professora supervisora, Priscilla Pinheiro, formada na mesma instituição do programa, é a responsável pelos alunos no colégio. Durante os encontros notou-se a precariedade da infraestrutura local, bem como a indiferença do corpo colaborativo do colégio para com os alunos em geral e o descaso estadual com relação à educação. Na segunda parte do texto, são discorridas as observações realizadas no segundo semestre do Pibid, desta vez no colégio Cepae - Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada à Educação – UFG, com supervisão do professor Wanderley Silva. As turmas são do 8º ano A e B. O Cepae é um colégio diferenciado, com proposta, corpo docente e espaços únicos no estado de Goiás e, até mesmo, no Brasil. Diferentemente do Colégio Estadual, o Cepae proporciona todo o aparato necessário para o bom desenvolvimento dos alunos e dos docentes, gerando outras problematizações no cotidiano escolar. Durante as aulas de artes no colégio, foi observado as relações de autonomia dos alunos, o que gerou questões do tipo: Como instigar a criação autônoma? Ou mesmo a relação entre conteúdo curricular e o dia a dia dos alunos, como: Quais seriam os possíveis exemplos de formas quadradas que estivessem mais próximas do repertório cultural dessas crianças? Por outro lado, minhas indagações centrais se dão com relação ao modo de se pensar o Pibidiano e sua atuação na escola.

Palavras-chave: Pibid; arte educação; estágio.

Este relatório se refere as atividades do Pibid desenvolvidas em dois colégios. A primeira parte foco no Colégio Estadual João Bênnio, no período entre outubro e dezembro de 2018, com a coordenação da profª Lilian Ucker Perotto e com supervisão da profª Priscilla Pinheiro de Oliveira, professora atuante no colégio. O grupo é composto pelos estudantes Naor Filho Pacífico de Vasconcelos, Matheus Moura Silva, Patrícia Guedes da Silva, Silmara Pereira Câmara e Vanessa Vieira Cardoso da Silva – todos do terceiro período do curso de licenciatura em Artes Visuais, da FAV, modalidade Ensino a Distância. Relevante ressaltar que o Colégio Estadual João Bênnio possui nota 4,5 no Ideb 2017 do Ensino Médio, de acordo como o site EducaData.org. Já a segunda parte a atenção é dada ao segundo semestre do Pibid, realizado no Cepae – UFG, sob supervisão do professor Wanderley Silva. No Cepae, a turma e questão é do 8º ano.

Pretende-se aqui, esboçar um texto etnográfico, no entanto as atividades do projeto começaram com atraso, o que acabou por prejudicar a profundidade da coleta de dados. Um atraso de data, as visitas à escola iniciaram no meio do semestre, e outros atrasos devido ao calendário escolar. Na primeira visita foram visitadas duas turmas do 6º período, entre 14 e 17hs. A receptividade foi boa, os alunos pareceram ser tranquilos. Durante as apresentações, é curioso observar que nenhum dos alunos esboçou a intenção de seguir com os estudos até cursarem uma faculdade. Apenas após serem incentivados pelas professoras é que passaram a pensar na possibilidade de uma faculdade. Essa falta de perspectiva acadêmica foi um choque. Enfatiza a falta de compreensão do mundo e das possibilidades que lhe são tolhidas. Há carência de pensamento crítico. Muitos alunos ali nunca saíram do bairro, não chegando a irem ao centro de Goiânia.

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Os principais problemas observados dizem respeito à estrutura da escola, muito pequena, sala abafada, sem ventilação e sem área de lazer adequada. Neste dia em especial, os alunos receberam como lanche (ainda em sala de aula) o que disseram ser uma gelatina – porém liquida. Alguns alunos se recusaram a tomar, mas a maioria tomou, apesar de reclamarem do sabor e da consistência. Faziam chacota da gelatina liquida. Uma evidente falta de recursos para proporcionar um lanche melhor aos alunos.

Uma das principais reclamações da professora Priscilla – ao longo dos dois meses de projeto –, foi o abandono do colégio por parte do governo estadual. Neste primeiro encontro, mais do que falar com os alunos, a professora Priscilla fez questão de explicitar os pormenores da administração da escola. Como os próprios professores e outros funcionários agem com relação a instituição ou mesmo com alunos (houve casos de assédio contra alunas). Ao que parece, por ser um colégio de periferia, está mais sujeito a ações criminosas como assediadores na porta do colégio e coisas do tipo.

A segunda aula só foi possível ocorrer no dia 09/11, três semanas após a primeira. Isso foi devido a dois feriados que bateram justamente com a data das aulas e outro por conta da necessidade do colégio de utilizar o horário da aula de artes para a aplicação de prova de outra disciplina. Este tipo de troca de horários já havia sido previsto pela professora Prisicilla, que relatou ser prática comum no colégio. Sempre que precisam de algum horário para repor aula de outras matérias, utilizaram o espaço das Artes. Aparenta, propositalmente ou não, uma forma institucional de descriminação da disciplina de Artes dentre as outras. Algo já muito debatido na literatura educacional das artes e evidenciado no contexto escolar.

A partir do segundo encontro o grupo passou a frequentar a turma do 9º período A, horário das 14:40 as 16:40hs. A turma aparentou ser mais animada e descontraída até por serem mais velhos. No primeiro horário houve a apresentação e logo a professora Priscilla retomou a atividade anterior que estavam trabalhando. Eles haviam selecionado previamente algumas imagens, posteriormente ampliadas e dividida (cada parte da imagem em uma folha A4). Na aula em particular, com as imagens já selecionadas e impressas, a turma foi dividida em grupos. Cada um ficou a cargo de montar a imagem fragmentada e estipular uma ordem para o encaixe das folhas. Isso servia para facilitar o processo de montagem e colagem das imagens nos muros na rua.

No segundo horário, após o recreio, a turma foi para rua colar os lambe-lambes. A professora Priscilla havia solicitado para os alunos que levassem grude, feito de amido de milho. No entanto, apenas um levou. Foi preciso procurar cola branca na escola para diluí-la em água ao ponto de render o suficiente para colar as folhas nos muros. No fim deu certo e acabou sobrando cola. Na verdade, talvez tenha sobrado cola porque não foi colada todas as imagens. E haveria ainda a turma seguinte do 9º B que faria a mesma atividade. Ou seja, o material deveria durar para eles também, caso não tenham levado o grude. Neste segundo encontro ficou mais uma vez clara a falta de recurso institucional para o básico. Não havia cola branca no colégio que os alunos pudessem usar para desenvolveram uma atividade.

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Este, acabou por ser o penúltimo encontro do semestre no Colégio Estadual João Bênnio. Na semana seguinte os alunos teriam prova de Artes. A professora Priscilla, apesar de não ser adepta da aplicação de prova, foi obrigada pela direção a avaliar os alunos de maneira tradicional. Ela contou que a prova foi pensada a partir das atividades desenvolvidas durante ano, principalmente as com conteúdo crítico social, como hip hop, pixação e outros elementos culturais próximos ao cotidiano dos alunos. Neste terceiro e último encontro, devido à prova, a professora Priscilla aproveitou para conversar um pouco mais com o grupo sobre possíveis atividades futuras e modos de melhorar a interação do grupo com as turmas.

Foi interessante observar, mesmo que por breves encontros, o modo como a professora Priscilla busca aliar o lúdico do dia a dia dos alunos com as discussões críticas provocadas pela arte. O modo leve dela postar dentro de sala de aula, passa uma certa confiança aos alunos que os deixam livres para se expressarem. Especialmente na turma do 9º ano. A maioria se mostrou bastante comunicativa e participativa ao executar o exercício proposto. Já a turma do 6º ano, era perceptível uma energia pueril entre os alunos, mas muitos deles quietos – talvez pela presença do grupo do PIBID. Nesta turma, em especial, chamou atenção o único aluno homossexual da turma. Em alguns momentos ele parecia super a vontade com os colegas, mas, ao mesmo tempo, sofria críticas dos colegas, que o censuravam. Particularmente, observei no banheiro masculino, várias ofensas nominais a um aluno específico com trejeitos homossexuais. Uma clara expressão homofóbica por parte de alguns alunos do colégio. Talvez este seria um bom tema para ser tratado em uma aula de artes como forma de desconstrução de preconceitos.

Pelo pouco observado entre as relações construídas dentro do colégio, tudo pareceu muito formal. Dentre os adultos do colégio, os alunos pareciam ter mais liberdade e se comportarem com mais leveza somente com a professora Priscilla. Os outros funcionários, principalmente da parte administrativa, pareciam tratar os alunos com certa ressalva, até mesmo distância. Se para Marli André (2012, p.43) “a dimensão institucional age (...) como elo de ligação entre a práxis social mais ampla e aquilo que ocorre no interior da escola”, pode-se identificar formalidade, o distanciamento entre corpo administrativo e alunos, como um reflexo das relações de classe. Como os funcionários não fazem parte da classe social dos alunos, as relações interpessoais se refletem no tratamento diário de formalidade e distanciamento, mesmo se vendo todos os dias. Mas foram poucos encontros para poder avaliar melhor, tais relações no contexto escolar.

O projeto o PIBID realizado em 2018, com início em outubro possuiu um contexto político ímpar. O Brasil estava em pleno mês eleitoral, com os nervos a flor da pele por todos lados, esquerda ou direita. Uma batalha acirrada nas urnas e nas relações cotidianas entre todos no país. Este clima foi bem notado entre os alunos. Com a turma do 6º ano o impacto político foi menor, mas nem por isso deixou de ter piadas com Lula ou algo do gênero. Na turma do 9º ano houveram mais comentários políticos, mais brincadeiras e deboches relacionando candidatos à presidência. Talvez o clima político, sendo um dos candidatos claramente homofóbico, ter alimentados expressões de ódio contra gays como as vistas nas paredes do banheiro.

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Algo que chamou a atenção, não ocorrido dentro do grupo do Colégio Estadual João Bênnio, mas com um colega que estava em um grupo que estagiava em um colégio militar. Por ser homossexual, o colega passou a se sentir ameaçado por frequentar – mesmo que na condição de estagiário – um colégio regido por indivíduos que apoiavam candidatos homofóbicos, inclusive com propagandas dentro do colégio. O colega acabou sendo remanejado para a turma do Colégio Estadual João Bênnio.

Cepae - Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada à Educação

A proposta, a partir daqui, parte do texto da professora Irene Tourinho (2014), o qual visa desenvolver um artigo tendo como proposta principal a metáfora. Um dos principais entraves para seguir esta ideia, surge por conta de minha percepção de como desenvolver o texto. Meu intuito parte do pressuposto de um texto analítico tendo como ponto central, minhas interpretações e observações do segundo semestre no Pibid. Isto, aliado ao texto base da professora Irene. Partirei daí para o desenvolvimento desta parte do artigo.

Um dos pontos que senti como prejuízo (e corro o risco de me torar repetitivo aqui, pois já comentei em reunião), é quanto aos lapsos de tempo entre cada aula visitada. Alguns fatores forem decisivos para isto ocorrer. Primeiro, feriados. Não me recordo de quantos feriados ao todo, mas ao menos um feriado caiu no dia da aula de artes. Segundo, manifestações contra o corte na verba da educação, acabou por serem realizadas justamente nos dias das aulas de artes. Terceiro, faltas por motivos particulares, por exemplo, fiz uma viagem para um congresso no sul do país, sendo minha participação, no mesmo, marcada para o dia da aula de artes. Quarto, as reuniões do próprio Pibid.

Percebi que a não sequencialidade das aulas é prejudicial para o acompanhamento do desenvolvido pelos alunos. Como no Cepae são duas aulas seguidas, ao perder um dia de acompanhamento, perde-se muito do desenvolvimento do aluno. Principalmente devido à metodologia utilizada pelo professor Wanderley. Os alunos trabalham em uma crescente. Ao não observar parte desse processo, surge um vazio entre o visto e o resultado final do produzido pelo alunato. Ou mesmo a noção geral da proposta do professor e a recepção dos alunos. Ou ainda chegar no meio da atividade e não entender o que está sendo trabalhado. Dá a impressão de uma eterna nova inserção na sala de aula. Ao acompanhar aulas sequencialmente, tive uma sensação completamente oposta a esta. Me senti fazendo parte do desenvolvimento dos alunos. Eles mesmos passaram a me procurar com mais confiança para solicitar auxílio. É se inserir, mesmo que minimamente, no cotidiano da turma. Mas reforço aqui a compreensão da escolha em não obrigar o grupo a estar presente em todas as aulas na escola.

Ao fim da última reunião do grupo do Pibid, realizado na FAV, foi-me dito algo que por si só é uma metáfora. Sei que, apesar de em parte estar certo, falou brincando e levo como brincadeira. Mas no caso fui chamou de “chato”, justamente por levantar a questão exposta anteriormente sobre a sequencialidade da presença em sala de aula. Pegando o “chato”, como algo “plano”, achatado ao ponto de perder toda e qualquer curvatura, pode ser entendido também como “base”. O “chato” ao qual me foi imputado é o incomodo, o ruído, a perturbação de uma ordem. Me conheço bem ao ponto de perceber o quão inoportunas podem ser algumas colocações que faço e como elas podem incomodar.

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Outro incomodo, neste caso bastante comum no meio acadêmico, é o currículo escolar. A maneira de organizá-lo, o conteúdo apresentado, bem como a metodologia são aspectos bastante discutidos e problematizados no campo da docência. Tanto o currículo escolar quanto a metodologia de ação do professor formam a “base”, o “plano” de aula e atuação do docente. Desde o início do Pibid, principalmente nas reuniões, o que mais se discutiu foi justamente o “plano” de aula. Até nos foi pedido para analisar um livro didático, por exemplo, e posteriormente desenvolver um “plano” de aula tendo como “base” um exercício e/ou conteúdo descrito no livro didático.

A provocação levantada por Tourinho é interessante, pois em vários momentos (nas reuniões do Pibid) senti como haver um esforço em delimitar uma metodologia de ação ou ao menos legitimar uma forma de atuação. Sendo a metodologia de atuação em sala de aula plural, seria ingênuo de nossa parte termos um ponto fixo de percepção de como compreender e atuar como “pibidianos” – aqui volto a ser “chato”. Um chato que me remete ao “pé chato”, ou seja, aquele que mantém mais partes do pé no chão. Em outras palavras, sugiro manter os pés no chão, sem muitas divagações. Digo isso pois percebi muitos prejulgamentos de como as aulas no Cepae poderiam ser e pouca reflexão de como elas foram, de fato, realizadas. Não entro em mérito de certo ou errado, apenas levanto o quanto poderíamos discutir outros aspectos da observação em sala de aula. A análise do que não ocorreu, parece suplantar a do que poderia ser a partir do que de fato aconteceu.

Por exemplo, nas primeiras aulas acompanhadas no Cepae, ainda em março, a atividade proposta pelo professor Wanderley se baseava na compreensão e prática da perspectiva (uma forma de dar profundidade ao “plano”, ao “chato”). Inicialmente os alunos aprenderam técnicas de perspectiva de um ponto, passando para dois até três pontos de fuga. A ideia do professor foi dar o básico de noção de desenho aos alunos, para ao final do ano eles “estarem produzindo histórias em quadrinhos, no mínimo um cartum”, como disse o professor Wanderley. Tais aulas de perspectiva seguiram por todo o mês de abril. A cada novo desafio lançado pelo professor, os alunos tinham tarefas para serem realizadas em casa. Essas tarefas são reunidas e formam os “portfólios” de cada aluno. Os critérios de avaliação bimestral passam pela realização dos exercícios em sala, em casa e na montagem do portfólio. A criação da capa e o modo de montar ficam a escolha dos estudantes.

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Durante o mês de março e abril, não percebi conflitos entre os alunos e professor. Pelo contrário, a liberdade dada aos alunos não gera bagunça. Eles conversam, sim, em voz alta, alguns usam até mesmo fone de ouvidos para escutar música. Porém todos fazem os exercícios. Poucos alunos ali (independente do gênero), procrastinam ou evitam de produzir. Em geral, as atividades são realizadas em sala de aula. Por outro lado, assim que passam a ter um melhor domínio da técnica, como foi com relação à perspectiva, o professor convida a turma a circular pelo espaço escolar em busca de aplicar, por meio da obervação, a técnica aprendida. Participei ao todo de três aulas fora de sala. Uma após terminarem os exercícios de perspectiva, o qual deveriam procurar desenhar o espaço da escola; e outros dois em busca de animais, plantas ou pedras para serem desenhados. Este exercício fez parte da segunda etapa do plano anual do professor.

Outra metáfora que me vem a mente tem a ver com a perspectiva. Lembro que durante as primeiras aulas que o grupo observou a classe no Cepae, as principais atividades estavam relacionadas ao desenvolvimento da técnica. No caso, a já mencionada perspectiva. O professor Wanderley distribuiu aos alunos folhas com exercícios de perspectiva para eles replicarem. A tarefa consistiu em aprenderem o básico de formas geométricas e, por meio da perspectiva (profundidade) no desenho, criar formas. Por exemplo, um retângulo se tornaria uma geladeira, ou algo assim – ver figura 2.

Durante uma das reuniões do Pibid, foi usado um outro termo que também já é a própria metáfora. Foi dito que eu estaria “defendendo o quadrado”. O quadrado, no caso, possui ao menos dois sentidos para aquela ocasião em especial. Seria o “quadrado”, forma geométrica passada como tarefa para os alunos. Seria ainda a ideia “quadrada”, de uma forma fechada de se pensar o ensino de artes como técnica. Algo ultrapassado, na perspectiva atual, e que deve ser evitado, buscando se trabalhar mais questões visuais próximas do cotidiano dos alunos.

Pode que realmente, em maior ou menor grau, eu estivesse “defendendo” este dois tipos de “quadrados” mencionados anteriormente. No entanto, em minha cabeça eu estava em busca de uma percepção neutra da situação, uma vez que não estávamos acompanhando as aulas desde o início. A meu ver, sem termos uma ideia clara dos objetivos do professor e de como efetivamente foram realizadas as aulas, seria ingenuidade nossa – naquele momento em específico – prejulgar como seria a “melhor” maneira de trabalhar com aquelas classes. De modo geral, minha crítica se fez mais por não termos nos atito a, por exemplo, debater o plano de aula proposto pelo professor em contraponto ao executado. As nossas análises focavam mais em questões subjetivas em detrimento das objetivas.

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Neste quesito trago um exemplo observado por mim em uma aula. Dentre todos os alunos, passei a reparar em um que chamarei de Menino. O Menino possui um ar de descolado, se comparado com os outros colegas. Não usa óculos, cabelos bagunçados, roupas largas. Eloquente, sempre a conversar e dar palpites. Costuma falar alto, chamar atenção. Faz os exercícios como se fosse obrigado, mas faz e possui um resultado mediano – perto de outros colegas mais aplicados. Demonstra saber os conteúdos ao mesmo tempo possui pouca paciência para sala. Percebi certa limitação do Menino quanto à criação.

Em determinado momento ele pediu ajuda ao professor para que lhe fosse indicado o que fazer com o desenho de um quadrado. O professor incentivou-o dizendo para pensar em coisas quadradas e daí fazer algo. O Menino ficou desapontado com a resposta do professor, voltou para sua cadeira e pediu ao colega do lado: “o que faço com um quadrado, me diz aí?”, ao que respondeu o colega “não sei”, o Menino exclamou: “minha mãe não está aqui, me diz aí o que fazer”. Achei interessante a fala por demonstrar uma necessidade de alguém lhe imputar uma tarefa. O professor, por sua vez, deu autonomia total ao Menino para desenhar o que quisesse, mas ele não soube o que fazer justamente por ter de pensar em fazer. É o peso da autonomia, ter de resolver por si seus problemas. Insatisfeito, o Menino pediu ajuda ao colega para que esse pensasse por ele no desenho que faria, pois a mãe não está lá para mandar ele fazer algo, tirando dele a autonomia de suas ações. No fim o Menino realizou a tarefa, de modo mediano como de costume. Ainda preso em seu “quadrado”.

Tendo como base este exemplo específico do Menino, podemos pensar em como responder de modo mais satisfatório ao pedido pelo aluno. Se o Menino é, de certo modo, mediano dentre os alunos, é fácil pensarmos que vários outros ali possuem dificuldades semelhantes relacionadas à autonomia. Como instigar a criação autônoma? Quais seriam os possíveis exemplos de formas quadradas que estivessem mais próximas do repertório cultural dessas crianças? Estes são exemplos de algumas questões mais objetivas que poderíamos ter discutido em reuniões. Seria uma maneira de usar do quadrado de modo criativo como, por exemplo, na pintura de Piet Mondrian: Composición en rojo, amarillo y azul(1921). A simplificação figurativa extrema como algo novo.

Se na primeira parte os alunos buscaram desenvolver a técnica de perspectiva, a segunda se baseia na utilização de objetos naturais (vegetais, animais e minerais) para a reprodução e posterior criação de peças de design. Antes do exercício prático em si, participei de uma aula teórica do professor, na qual ele fez uma “Introdução ao Desing”, falando o que é o design e suas diversas aplicações. Em seguida ele abriu para a apreciação de imagens de objetos utilitários com designs diferenciados como exemplo de ideias criativas e incomuns. Alguns eram obras de arte, outros projetos e até mesmo peças realmente de produtos de massa. Ao todo foram 20 imagens compartilhadas pelo professor por meio de retroprojetor.

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Durante a exibição das imagens, os alunos foram incentivados a escrevem, com palavras breves, o que acharam de cada imagem. Se era interessante, se não, se gostou se não, coisas assim. Ao final da exposição, os alunos foram convidados para irem andarem pelo colégio em busca de observarem e desenharem três objetos diferentes, sendo um animal, um vegetal e um mineral. Os alunos foram para o pátio da escola. A maioria logo encontrou algo para desenhar. Poucos ali tiveram dificuldade para achar o que desenhar. Sempre quando isso ocorria, buscavam se orientar com o professor, para terem ideias – foram raros. Como tarefa de casa, ficou desenharem três objetos de cada grupo para a próxima aula, totalizando nove desenhos. No entanto, a próxima aula foi manifestação e a escola aderiu. O que levou os alunos a terem duas semanas para realizarem a atividade.

Na aula seguinte, a minoria havia realizado o exercício em casa. Levando o professor a dedicar este dia para mais uma rodada de observação fora de sala de aula. Os alunos que haviam feito a atividade em casa, avançaram no exercício. Ou seja, agora que já haviam escolhido e desenhado os objetos, era hora de transformá-los em peças de design. Para tanto, deveriam selecionar a forma e/ou textura do animal, vegetal ou mineral desenhado, para dar forma algo novo, sendo em qualquer âmbito do design, como design de moda, automobilístico, esportivo, publicitário, móveis, joias, etc. Como poucos estavam neste estágio, ficou como tarefa para a próxima aula, dia 12/06/19, levar os desenhos para apresentação da nova etapa da disciplina.

No geral estou apreciando a experiência, o modo como o professor Wanderley conduz a turma, bem como a proposta de trabalho dele. Assim como ele, percebo a criação como a base para o desenvolvimento cognitivo/artístico/estético dos indivíduos e estimular isto nos alunos é estimular pessoas autônomas no futuro.

Bibliografia

ANDRÉ, Marli Eliza Dalmazo Afonso de. Etnografia da prática escolar. 18 Ed. Campinas-SP: Papirus, 2012. p. 35-48

TOURINHO, Irene. Metodologias-metáforas: um ensino da arte como cultura (não apenas) visual. In: CHARRÉU, Leonardo; OLIVEIRA, Marilda Oliveira de (Orgs). Pedagogias, espaços e pesquisas moventes nas visualidades contemporâneas. Goiânia: Gráfica da UFG, 2016.

Notas

1. Doutor e mestre em Arte e Cultura Visual – PPGACV-FAV/UFG, com graduação em Comunicação Social, é roteirista e editor de histórias em quadrinhos. Pesquisa processos criativos e estados não ordinários de consciência. Atualmente cursa licenciatura em Artes Visuais na FAV-UFG, participante do Pibid.

2. Doutoranda em Arte e Cultura Visual na linha Culturas da Imagem e Processos de Mediação pelo PPGACV – FAV/UFG; Mestra desde 2014 pelo mesmo programa. Licenciada em Artes Visuais pelo CAL/UFSM(2011) e graduada em Desenho e Plástica - bacharelado CAL/UFSM(2007). Última atuação docente em pintura, desenho e metodologia do ensino de arte, modalidade presencial e EAD na UFG.

3. https://educadata.org/escola/52035131-colegio-estadual-joao-bennio