Juan Sebastián Ospina Álvarez (UFG)
diseno.sebas@gmail.com.

Mas, Que Colégio é Este? Ensinam Design!

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Resumo

Neste relato trago algumas ponderações derivadas da experiência de acompanhar, enquanto estagiário do PIBID – Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência, uma turma de oitavo ano do Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada à Educação – CEPAE da Universidade Federal de Goiás – UFG, colégio localizado no campus 2 desta instituição na cidade de Goiânia. No plano de ensino da disciplina de Artes Visuais o professor separou uma unidade temática para trabalhar tópicos relacionados ao Design Gráfico e à Comunicação Visual e na hora de aplicar estes em sala de aula surgiram diversas reflexões que saliento neste texto sobre um ensino de artes que, como tem repetido o docente durante sua supervisão, busca despertar nos e nas discentes expectativas de possíveis entradas ao ensino superior, atuação no campo profissional e além disso que usa imagens fora do circuito das artes eruditas para promover o ensino e aprendizagem. De modo específico narro uma aula na qual eu fiquei encarregado de ministrar e usei como tema norteador a biomimética para pensar os processos criativos na área de design gráfico e a partir da qual os e as estudantes realizaram desenhos de objetos, espaços, logos e vestidos que surgiram de desenhos de observação feitos em aulas anteriores. Além disso, esses desenhos feitos a partir da biomimética consideraram assuntos de usabilidade e de estudos de necessidades dos seres humanos, quesitos que nem sempre são considerados nas aulas de artes visuais, é por isso que até hoje me pergunto, de modo positivo, que colégio é este?! Ensinam design.

Palavras-chave: Design Gráfico. Ensino de Artes Visuais. Cultura Visual.

Uma Grata Surpresa...

Gostaria começar este relato sublinhando que sou suspeito para falar da grata surpresa que me gerou o fato do ensino de elementos do design gráfico e comunicação visual na aula de arte que acompanho como estagiário do PIBID no CEPAE, pois minha primeira formação é justamente design visual e atualmente atuo como docente de design gráfico, motivos que me conectam diretamente às temáticas e me permitem pensar em práticas aplicáveis não só no ensino fundamental, futuramente, mas também rever minha prática docente no ensino superior. Portanto, as reflexões que compartilho aqui partem desse encantamento pessoal, mas ao mesmo tempo do entrecruzamento com assuntos referentes ao ensino de artes e, de modo geral, de cultura visual.

Fazendo um exercício de memória, vejo como o modelo de ensino de artes no qual foi formado na escola e colégio e o mesmo que ainda prevalece ainda hoje em muitas instituições toma como campo de estudo objetos, práticas e assuntos da arte erudita e de viés principalmente europeia. Poucos elementos da cultura visual e visualidades cotidianas são considerados artefatos plausíveis de serem trabalhados em sala de aula.

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Estar no CEPAE, observando e acompanhando as aulas, além de me preparar para ser docente na área de artes visuais tem me feito lembrar, inúmeras vezes, da minha época de estudante. Exercitar a memória sobre esses assuntos tem significado basculhar no vasto acervo de fatos-arquivos que tenho vivenciado e que viajam constantemente entre passado e presente, empurrando aquilo que chamo de futuro, pois refletir sobre estas, na maioria das vezes, transforma e define o agir nos seus tempos. Segundo Lilian Ucker (2018) quando nos narramos para exercícios profissionais não somente relatamos apenas aspectos de formação, mas também morais e afetivos, reconstruímos experiências e estabelecemos conexões.

Design Gráfico e Artes Visuais

Para ser artista visual ou designer gráfico(a) há que saber desenhar? Quiçá muitas mais perguntas e respostas unem estas duas áreas, as artes visuais e o design gráfico, mas também há diferenças basais que distinguem uma da outra. A intencionalidade do design gráfico se distingue um pouco da intencionalidade no campo das artes visuais por considerar necessidades de vários tipos, tanto físicas como simbólicas. As mensagens ou imagens produzidas pelo primeiro campo devem estar encaminhadas a uma leitura mais “objetiva”, enquanto o segundo campo procura estabelecer relações de viés mais subjetivo. Definir o quê é essa intencionalidade é uma tarefa dantesca e acredito não haver uma única resposta e, ainda menos, que eu consiga esboçá-la em um único texto. Mas, se há algo que une estas duas disciplinas é a imagem como matéria prima.

Agora, conforme defendo em outro texto,

resulta contraditória uma objetividade absoluta – abusada – sobre a qual alardeiam os designers quando tentam diferenciar seu ofício das demais atividades culturais e visuais. Não se pode esquecer que os usuários estão carregados de subjetividades e necessidades diferenciadas. Ter destinatários modelo só conservará as necessidades ainda não resolvidas que determinam regimes, hierarquias e padrões. Talvez os designers devessem ser aqueles que, a partir de uma mudança de perspectiva do seu trabalho, abrindo-se às questões sociais, ecológicas e políticas, dessem uma nova imagem à sua profissão e atividade (OSPINA ÁLVAREZ, 2013, p. 500-501).

Dessa forma, o desenho faz parte das duas áreas, a subjetividade e os arranjos culturais, também, mas se há algo que diferencia uma da outra é a existência de outro sujeito no design, o que na maioria das vezes encarrega a produção de uma peça gráfica que pode ser uma logo, um banner, um cartaz, a interfaz de um site web, a diagramação de um impresso, etc. A este pessoa normalmente se lhe denomina cliente e determina, à diferença do que acontece na arte, o uso de elementos gráficos e a intencionalidade do objeto, quase sempre tendendo à propagação do seu produto, com fines comerciais ou não.

Neste ponto surgem umas das minhas primeiras cavilações, até que ponto pensar nas questões de usabilidade do design nos permite empreender ações que nos façam pensar nas necessidades dos outros e tentar pensar como as demais pessoas enxergam as informações que produzimos? Que outras competências desenvolvemos no ensino de artes quando pensamos além do objeto-imagem e partimos para outros artefatos como vestuário, mobiliário ou espaços?

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Na minha perspectiva, a empreitada do docente por levar assuntos relativos ao design à aula de artes tem uma enorme potência dentro da educação da cultura visual. Em muitas ocasiões, não exclusivamente no CEPAE, as instituições encontram nos objetos e imagens cotidianas os melhores pré-textos para mergulhar nas análises e produção de discursos visuais que têm a ver com o social e assuntos como o próprio consumo desenfreado de objetos que vivenciamos nos dias de hoje.

A aplicação do processo criativo de design que inclui etapas de observação, análise, definição de variáveis, escolha de materiais e execução da proposta, entre outras, na minha perspectiva, contribui para, desde o ensino de artes, desenvolver noções de prospecção em projetos e organização visual das informações.

Pensando no anterior, a grande pergunta que me surgiu nessas aulas foram: mas, que colégio é esse? Ensinam design? Esta pergunta não tem um caráter pejorativo, pelo contrário, nasce de uma surpresa grata sobre a oportunidade que o grupo de estudantes está tendo ao extrapolar as técnicas de desenho, pintura e modelado para pensar em desenvolvimento projetuais.

Para executar uma das atividades propostas no plano de ensino, o docente pediu para a turma sair da sala de aula e fazer nove desenhos em total, três de animais, três de plantas e três de minerais. Estes desenhos deviam ser feitos com lápis de cor e ser o mais realistas possíveis. Em uma das sessões que os e as estudantes se espalharam pela instituição eu estive acompanhando a turma e, em alguns casos, ajudando a reproduzir elementos visuais como as texturas.

Nesse mesmo dia o docente me pediu para, na aula seguinte, falar um pouco do processo criativo no campo de design voltado para a produção de espaços, mensagens visuais, objetos e peças de vestuário.

Voltei para casa pensando como encarar essa parte da aula que tinha sido me solicitada. Acudi novamente aos processos de memória e lembrei do meu professor Gustavo Villa Carmona – recentemente falecido, que pediu para nós, turma de design visual pegar um elemento do jardim e a partir dele criar, só criar, criar coisas fantasiosas ou realistas mas que nada tivessem a ver com o objeto selecionado.

Das Abstrações...

Considerando os desenhos que tinha solicitado o docente para a turma, pensei em levar imagens para falar da biomimética, ou seja, do estudo das estruturas e comportamentos dos seres vivos e dos elementos da natureza para serem aplicados na vida cotidiana, por exemplo no design de produtos. Assim, fiz uma pesquisa de várias imagens de casas, vestidos, mobiliário, logos, entre outros, que guardassem relação com elementos da natureza. Com o banco de imagens definido construí uns slides e os levei na aula seguinte.

Um dos exemplos que escolhi foi uma tábua para conservar pão, queijo ou outros alimentos que tem uma couraça inspirada no tatu e chamada pelos seus criadores de Armadillo Bread Bin. Os designers, do campo do design de produto, observaram a forma do corpo do tatu e os movimentos que este realiza para se proteger e daí nasceu este artefato que mistura madeira e alumínio (Figura 1).

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Figura 1. Armadillo Bread Bin.
Fonte:https://www.instructables.com/community/Armadillo-bread-bin/

Assim como o caso do objeto criado para conservar alimentos, apresentei peças de roupa, cadeiras, mesas e outros tantos artefatos inspirados em animais e plantas. As imagens não deixam de ser fascinantes e no dia da apresentação percebi isso por parte das e dos estudantes. No meio da exposição do tema estas e estes começaram a fazer associações com objetos da sua casa e entorno.

Após a apresentação das referências falei dos processos de abstração, ou seja, da retirada gradativa de elementos figurativos para passar de um animal ou planta para um cadeira ou saia, por exemplo. Usei um exemplo de abstração progressiva realizado pelo pintor Pablo Picasso (Figura 2), artista que a turma já conhecia e aproveitei para fazer um enlace com o tema da aula.

Figura 2. Abstração Progressiva Pablo Picasso.
Fonte:https://www.paredro.com/como-apple-hace-uso-del-metodo-picasso-para-ensenar-a-sus-empleados-sobre-el-diseno-de-productos/

Por meio da figura 2 comentei para a turma que a abstração aplicada ao design gráfico procura, de forma gradativa, ir retirando elementos figurativos do elemento representado assim como no caso do desenho de um touro feito por Picasso. Terminada minha fala o docente pediu para a turma criar, a partir dos desenhos realizados nas aulas anteriores, objetos, vestidos ou espaços, seguindo as observações que eu tinha feito sobre o processo de abstração.

Houve vários casos que me surpreenderam pela rapidez com que foram realizados. Uma estudante criou um casaco inspirado nas folhas do coqueiro que tinha desenhado. Com os folíolos construiu as ombreiras da peça de vestuário para dar um destaque. Outra colega desenhou uma saia seguindo a forma de outras folhas das que não consegui decorar o nome, mas lembro da proposta por sua capacidade de observação e transposição das formas da planta para uma roupa. Outra criou um vestido com estampas floridas inspiradas nos desenhos que tinha feito como é possível observar na Figura 3.

Figura 3. Desenho feito por uma das estudantes.
Fonte:fotografia tirada do portfólio da estudante com autorização da discente e do professor

Outra estudante propus uma capa do celular com flores. O desenho tinha ficado esteticamente muito bonito, mas ao ver a ubiquação das flores, que segundo ela seriam em relevo, eu perguntei se seria cômodo o manuseio do objeto, ao que ela respondeu que não. Aproveitei esse instante para lembrar, para ela e o restante da turma, que uma das funções que o design cumpre é tornar os objetos de fácil uso, apelando pelo conforto, inclusive.

Além deste desenho de objetos os estudantes trabalham, na unidade temática sobre design gráfico, outros tópicos como pop art, criação de logos, criação de personagens, entre outros. É importante destacar que a unidade que precede a que refiro neste texto tem foco no desenho de perspectiva voltado para a representação de espaços arquitetônicos. Segundo relatos do professor, vários egressos têm lhe contado que a partir das aulas de arte encontraram espaço no campo das artes gráficas.

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Abstraindo...

A experiência do CEPAE tem me permitido pensar em um ensino e aprendizagem de artes que explore diversas propostas da comunicação visual. O fato do processo criativo em design recorrer a várias fases que se podem definir, de forma sintética, em observação, análise e execução permite desenvolver competências vinculadas ao ensino por meio de projetos, à observação de necessidades nos entornos e à enunciação de respostas rápidas.

O trabalho por meio de oficinas como o pensamento visual, ao meu ver, potencia a exploração de habilidades entre os estudantes. Inclusive, trabalhos que envolvam solução de necessidades e que requerem de trabalho em equipo, ajudam a que estudantes do ensino fundamental reconheçam possibilidades de inserção profissional.

As peças gráficas produzidas sob a nomeação de design, espalhadas mundo afora por meio do consumo de diversos produtos, possibilita atear momentos de reflexão sobre a veiculação de mensagens das mídias. Para finalizar saliento: ensino de design gráfico no ensino médio? que colégio são esses!

Referências

OSPINA ÁLVAREZ, J. S. O quê o design pode aprender em um campo trans. Anais do VI Seminário Nacional de Pesquisa em Arte e Cultura Visual. Goiânia: Núcleo Editorial FAV-UFG. 2013. p. 497-506.

UCKER PEROTTO, L. Reflexões entre pesquisa e experiência biográfica na formação de arte- educadores. Revista do LAV, Santa Maria, v. 11, p. 147-165, ago 2018.

Notas

1. Estudante da Licenciatura em Artes Visuais, modalidade a distância (UFG). É docente do Curso Superior Tecnológico em Design Gráfico e do bacharelado em Jornalismo da Universidade Paulista (UNIP-Goiânia). Doutor em Arte e Cultura Visual pela Universidade Federal de Goiás (UFG). Mestre em Design e Criação Interativa e Bacharel em Design Visual pela Universidad de Caldas, Colômbia.

2. Coordenadora do grupo de PIBID: Lilian Ucker. Coordenador Institucional CEPAE: Wanderley Alves dos Santos.