Rúbio Dorneles de Bessa
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A Cultura Digital e as Performances E-Arte/Educativas na Escola: O Papel do Professor Enquanto Mediador do Ato Pedagógico Crítico

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Resumo

Este relato de experiências educativas surgiu de minhas inquietações enquanto professor de Sociologia que analisa o consumo da cultura digital massiva por parte dos alunos. Em minha prática pedagógica, sempre busquei articular com meus alunos a compreensão da cultura digital presente no ciberespaço, observando que o consumo acrítico de conteúdos massificados e disponíveis na internet retira a autonomia desses jovens. Neste sentido, este relato de experiências discute o papel do professor como mediador do conhecimento no ato pedagógico crítico das performances culturais e-arte/educativas na escola, no contexto da cultura digital em que nos encontramos imersos, analisa a crise expressa na função do professor e apresenta novas possibilidades de vivências de tempo, espaço, corpo entre uma escola fechada em si mesma, em contraste com as redes virtuais que clamam por atualização permanente. Para tanto, realizamos performances e-arte/educativas críticas num colégio estadual do município de Aparecida de Goiânia, local que leciono para turmas do 3º Ano do Ensino Médio. Os links dos vídeos das performances realizadas na escola estão nas notas de rodapé deste resumo expandido. Na pesquisa observou-se que a percepção crítica feita pelos alunos é de que as tecnologias não são apenas um meio, uma ferramenta ou suporte em si. Elas podem representar pontes para ligar a escola e a sociedade porque possuem potencial de criticidade que conduz à emancipação/auto governança dos alunos. A proposta metodológica que fundamenta esta discussão é o sistema triangular digital, onde a execução de dois intentos pedagógicos performáticos mediados por mim nas aulas de Sociologia conduziu à crítica transformadora em relação ao meio, à mídia e ao consumo da cultura digital.

Palavras-chave: Escola. Performances-Arte/Educativas. Cultura Digital.

Introdução

Este relato de experiências educativas surgiu de minhas inquietações enquanto professor de Sociologia que analisa o consumo da cultura digital massiva por parte dos alunos. Em minha prática pedagógica, sempre busquei articular com meus alunos a compreensão da cultura digital presente no ciberespaço. O consumo acrítico de conteúdos massificados e disponíveis na internet retira a autonomia desses jovens.

Nessa perspectiva, este estudo discute o papel do professor enquanto mediador do conhecimento no ato pedagógico crítico das performances culturais e-arte/educativas na escola. A respeito do conceito de performance, Schechner (2006) ressalta que:

As performances marcam identidades, dobram o tempo, remodelam e adornam o corpo, e contam estórias. Performances – de arte, rituais, ou da vida cotidiana – são “comportamentos restaurados”, “comportamentos duas vezes experenciados”, ações realizadas para as quais as pessoas treinam e ensaiam (p. 2).

O contexto da cultura digital, no qual nos encontramos imersos e a crise expressa na função do professor e as novas possibilidades de vivências de tempo, espaço, corpo entre uma escola fechada em si mesma, que contrasta com as redes virtuais que clamam por atualização permanente, instiga-nos à investigação dos motivos desse comportamento contraditório por parte dos professores e da escola.

A escola, enquanto instituição social estabelece interdependência com a realidade social em que está inserida, reproduzindo, readaptando e absorvendo as influências externas de outras instituições em sua função social que é promover a educação de crianças, jovens e adultos. A escola deve promover ações que atualizem essa relação.

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Essas questões são assim desenvolvidas por Cunha (2010, p. 358):

A vida, imersa no universo digital, necessita de intervenções educativas libertadoras, para percebermos criticamente a existência do simbólico e suas representações no cardápio de nossas opções, para então agregá-los ou descartá-los com auto governança, cujas percepções e escolhas consistem numa prática dialógica e processual – ficcional – no (re) conhecimento identitário-histórico-cultural.

Intervenções pedagógicas realizadas por professores na escola precisam estar atentas e acompanhar questões associadas às vivências dos alunos, incluindo acultura digital. Destacamos que a cultural digital, segundo Pierre Lévy (1999) possui status de revolução, a quarta revolução da comunicação humana para ser mais preciso - as três primeiras seriam a invenção da escrita, do alfabeto e da imprensa. Os conceitos de cibercultura e ciberespaço são centrais na obra deste autor e dele derivam todas as suas reflexões:

O termo [ciberespaço] especifica não apenas a infraestrutura material da comunicação digital, mas também o universo oceânico de informação que ela abriga, assim como os seres humanos que navegam e alimentam esse universo. Quanto ao neologismo “cibercultura”, especifica aqui o conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço (LÉVY, 1999, p. 17).

O autor estabelece relação de constante interação entre cibercultura e ciberespaço. Transpondo seu raciocínio para minha prática pedagógica, não tratamos apenas do espaço da sala de aula enquanto infraestrutura da escola, mas pretendemos extrapolar os conceitos sociológicos que se desenvolvem no território de conhecimento propiciado pela arte.

Salientamos que houve mudanças significativas no modelo produtivo capitalista com o advento das tecnologias e a escola deve ser repensada no contexto social em que se insere e na situação de constante transição na era da informação, em ritmo acelerado, devido à nova configuração político-econômica do mundo, conforme nos diz Castells (1999, p. 22).

[...] um novo sistema de comunicação que fala cada vez mais uma língua universal digital tanto está promovendo a integração global da produção e distribuição de palavras, sons e imagens de nossa cultura como personalizando-os ao gosto das identidades e humores dos indivíduos. As redes interativas de computadores estão crescendo exponencialmente, criando novas formas e canais de comunicação, moldando a vida e, ao mesmo tempo, sendo moldadas por ela. A nova cultura é a cara do mundo digital: líquida, mutante, mais participativa.

A comunicação está cada vez mais relacionada à língua digital, por isso meu interesse em estudar o fluxo constante da informação em que estamos imersos, pois assim como já destaquei, tenho notado que na escola o consumo passivo e acrítico de informações nem sempre se reveste em conhecimento crítico.

Essas transformações, promovidas pela intensa conectividade com as novas tecnologias, são percebidas no modo de pensar e fazer educação, assim como nas transformações no modo de trabalhar, comunicar e aprender, o que deveria se refletir nas práticas escolares. No entanto, quase sempre ficamos aquém, tanto em termos de infraestrutura quanto de práticas pedagógicas interconectadas com essa realidade.

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Nesse contexto, surge nossa inquietação e necessidade de intervenção, via intentos pedagógicos e-arte/educativos, para promover transformações, tendo como prerrogativa o fato de que a cultura digital, enquanto processo dinâmico traz alterações para o ambiente escolar porque promove demandas antes inexistentes, as quais questionam se a escola realmente cumpre sua função social.

Assim, o objetivo primordial deste estudo é analisar o fenômeno do agir comunicativo e as performances culturais, estabelecendo reflexões sobre a cultura digital e a crise de identidade, expressa na função do professor, e as novas possibilidades de vivências de tempo, espaço, corpo entre uma escola fechada em si mesma e em contraste com as redes virtuais, que clamam por atualização permanente e o papel do professor, enquanto mediador de saberes e promotor do ato pedagógico crítico.

Ressaltamos esse objetivo, pois a tecnologia tem condicionado as estruturas comunicativas no cenário da cultura digital, imprimindo racionalidade na comunicação entre os atores sociais na escola: o audiovisual que integra voz, imagem, som, movimento, textos, dados, convergindo para a formação de uma rede comunicativa mundial – a internet, ressignificando as estruturas de comunicação.

Nesse aspecto, a teoria do agir comunicativo de Habermas (1989) nos instrumentaliza para refletir sobre a relação professor/aluno que ocorre no interior da sala de aula, em que juntos, num processo de interação, buscam construir conhecimento provisório, baseado em negociações e entendimentos comunicacionais.

Habermas (1989, p.43) propõe que:

Os intérpretes renunciam à superioridade da posição privilegiada do observador, porque eles próprios se vêem envolvidos nas negociações sobre o sentido e a validez dos proferimentos. Ao tomarem parte em ações comunicativas, aceitam por princípio o mesmo status daqueles cujos proferimentos querem compreender. Eles não estão mais imunes às tomadas de posição por sim/não dos sujeitos de experiência ou dos leigos, mas empenham-se num processo de crítica recíproca. No quadro de um processo de entendimento mútuo-virtual ou atual- não há nada que permita decidir a priori quem tem de aprender de quem.

Como ressalta esse autor, queremos que alunos/professores - enquanto sujeitos históricos desta pesquisa - vivenciem um processo de aprendizagem crítica, onde não haja status que estabeleça rupturas entre ambos.

Ao invés disso, entendemos que o professor deve mediar esse ensino crítico para que o aluno seja capaz de desenvolver seu conhecimento a ponto de se posicionar diante dele com autonomia. Isso se confirma pela existência de legislação estadual, que proíbe o uso de celulares em sala, bem como a penalização para alunos flagrados utilizando este recurso tecnológico sem autorização, alheios aos afazeres didáticos.

Ao refletir sobre a função do professor na atualidade, De Campos Hagemeyer (2004) destaca que nos deparamos com a dificuldade de combinar os muitos fatores que dizem respeito à formação humana:

O contexto atual, em que os problemas político-econômicos estão aliados à vertiginosa evolução científica e tecnológica, reflete-se em mudanças nas formas de ser e viver dos homens em todos os níveis, desconcertando a quem tem a profissão de ensinar/formar crianças e adolescentes. Parece que a escola deve mudar e espera-se essa mudança principalmente no foco de atuação do professor (p. 68).
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Essa problemática, suscitada pela autora, representa o constante acréscimo de responsabilidades terceirizadas à escola, mas que nem sempre compete a ela intervir. Especificamente focalizamos demandas do mundo do trabalho, sexualidade, violência, todos evidenciados na falta de políticas públicas para amparar a escola neste cenário, também presente em meu local de trabalho.

Um conflito ritualístico se instaura entre a escola - que proíbe o uso de celulares e demais aparatos tecnológicos em sala de aula por parte dos alunos, cada vez mais imersos no consumo massivo da cultura digital - e o professor, que exerce seu trabalho pedagógico.

Há uma situação desafiadora relacionada a alunos e professores: de um lado, existem alunos ambientalizados com a cibercultura; de outro, professores que pouco conhecem e utilizam os recursos digitais. Instaura-se, neste aspecto, a seguinte problemática, conforme Prensky (2001, p. 4):

Os imigrantes digitais (professores) tentam ensinar nativos digitais (alunos). Os professores de hoje têm que aprender a se comunicar na língua e estilo de seus estudantes. Isso não significa mudar o significado do que é importante, ou das boas habilidades de pensamento. Mas isso significa ir mais rápido, menos passo a passo, mais em paralelo, com mais acesso aleatório, entre outras coisas.

Percebemos em nossa escola um paradoxo entre a escola ritualizada em práticas e saberes tradicionais e a tensão permanente diante da imersão nas tecnologias que circulam o ambiente escolar e que transformam as relações entre professor/alunos. Nessa perspectiva, a respeito da prática de performances e-arte/educativas em nosso cotidiano, temos a possibilidade de estabelecer uma abordagem conjunta entre as duas disciplinas: a antropologia e o teatro. A respeito destes pontos de contato, Schechner (2011, p. 213) salienta que:

Quer os praticantes e acadêmicos de ambas as disciplinas gostem ou não, há pontos de contato entre a antropologia e o teatro: e provavelmente há mais pontos surgindo. Estes pontos de contato são, até o momento, seletivos – apenas um pouco da antropologia toca um pouco do teatro. Mas quantidade não é a única, ou mesmo a mais importante medida de fertilidade conceitual. Esta mistura vai, penso eu, ser frutífera.

A conclusão que fazemos de Schechner (2011, p. 234) é nesse sentido, vislumbrar uma performance sociológica-teatral-antropológica, que consiga abarcar esses meandros epistemológicos, é necessária uma metodologia adequada. Por isso, neste estudo foi utilizada a proposta do sistema triangular digital ou sistema e-Triangular de Ana Mae Barbosa, referenciada por Cunha (2008, p. 25):

Tem como objetivo o desenvolvimento crítico da percepção digital; da mente digital; do pensamento digital, em prol da fluência sensório-cognitivo-interpretativa acerca do mundo digital. Esses processos mentais, interligados podem colocar em operação a rede cognitiva da aprendizagem da linguagem – do universo digital, sabendo-se que cognição é (re) conhecer/perceber/conceber.

Para realizar o desenvolvimento crítico da percepção digital, promovemos um levantamento de dados a respeito do consumo de internet pelos jovens brasileiros para melhor compreender os padrões de conteúdos e as categorias mais acessadas por eles na internet atualmente. A pesquisa intitulada “O jovem brasileiro na rede 2014” realizada por CONECTA (comunidade online de pesquisa). É uma iniciativa do IBOPE (Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística) e YOUPIX (festival que apresenta e discute conteúdos da internet fora dela).

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Figura 1. Pesquisa: O jovem brasileiro na rede 2014
Figura 2. Amostra da pesquisa e perfil dos participantes
Figura 3. Perfil do usuário jovem – super consumidores na internet
Figura 4. A preferência pelo consumo de redes sociais na internet
Figura 5. Aplicativos com maior acesso de redes sociais

A partir dos dados colhidos na pesquisa “O jovem brasileiro na rede 2014” foi feita a observação de um perfil do consumo de internet pelos jovens, cujos dados e comportamentos se repetem nos alunos da escola pesquisada, foi possível estabelecer parâmetros importantes que corroboram com os objetivos da proposta metodológica que norteia este estudo.

A atuação do professor deve transformar a realidade dos alunos e o ato de conhecer (autogovernança) permite criticidade que promove desnaturalização, um estranhamento, no sentido antropológico do termo, estabelecer um “olhar de estrangeiro”, ou seja, estranhar o familiar – observar os comportamentos arraigados no dia-a-dia e, portanto, tornados naturais.

Os intentos e-arte/educativos críticos utilizaram-se da linguagem da performance teatral em sua execução, permitindo transpor territórios identitários entre a disciplina Sociologia e a Arte em sala de aula e a aplicação dos intentos pedagógicos "Entre os muros da Escola" e "Cyberbullying".

A outra fonte para nossa discussão foi uma pesquisa realizada pela eCGlobal.com(2012), painel de pesquisa online que realizou uma pesquisa sobre o cyberbullying e os riscos da internet para os jovens. Nas intervenções realizadas, conseguimos estabelecer contato com outros territórios e realizar performances e-arte/educativas críticas em que atuamos e levamos os alunos a perceberem o potencial de criticidade necessária para sua emancipação/autogovernança. A postura do professor nesse processo deve ser a mediação no uso e consumo de tecnologias em sala de aula, de forma a promover a educação crítica em relação ao meio, à mídia, ao conteúdo dessas novas tecnologias.

Não devemos simplesmente adotar uma postura de substituição do “novo” em relação ao “velho”, ou seja, não há uma intencionalidade em desqualificar a cultura, o conhecimento sistematizado que o professor possui. Na verdade é o contrário, deve-se utilizar do conjunto de saberes próprios da formação acadêmica do professor e, sobretudo, as contribuições da vivência na vida e em sala de aula, muito importantes, por isso, não podem ser desprezados ou simplesmente substituídos.

Referências Bibliográficas

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________. Licenciatura em Artes Visuais: módulo 6. Universidade Federal de Goiás. Faculdade de Artes Visuais. Goiânia, Funape, 2010.

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SCHECHNER, Richard. O que é performance. Performance Studies: an introduction. Nova York & Londres: Routledge, 2006.

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SIBILIA, Paula. Redes ou paredes: a escola em tempos de dispersão. Rio de Janeiro: Contraponto, 2012.

YOUPIX SP FESTIVAL 2014. O jovem brasileiro na rede 2014. Disponível em: http://pt.slideshare.net/conectaibrasil1/youpix-2014-final2. Acesso em 25 jun. 2016.

Notas

1. Este trabalho em formato de resumo expandido consiste em relato de experiência educativa através da aplicação de intentos pedagógicos desenvolvidos no contexto escolar em que eu leciono em turmas de 3ª série do ensino médio.

2. Graduado em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Goiás (2002). Graduado em Informática pela Universidade Estadual de Goiás (2016). Professor efetivo da rede pública estadual de Aparecida de Goiânia (Desde 2004). Mestrando em Sociologia – UFG (2019).

3. A justificativa para a escolha do teatro, mais precisamente da improvisação teatral, enquanto linguagem de expressão performática deve-se à minha formação acadêmica em Sociologia, portanto em um território acadêmico e profissional diferente, mas não excludente das artes. Os ritos e as práticas pedagógicas realizadas por professores na regência de sala de aula possuem pontos de contato e são exemplos de performances culturais. Adotamos a improvisação teatral para a sensibilização dos alunos e para a aplicação dos intentos e demais intervenções pedagógicas registradas neste trabalho.

4. A experiência de aplicação do intento pedagógico foi filmada e registrada em fotos pelo professor e alunos. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=puxkVdB1mco

5. A experiência de aplicação do intento pedagógico foi filmada e registrada em fotos pelo professor e alunos. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=TcDFbrAlHuk