Ainoan Viana de Sousa Santos (SEDUC)
ainoan.viana@gmail.com

Oneida Fernandes Pereira (SEDUC)
oneidapereira@gmail.com

Relato de Experiência do Projeto de Incentivo às Ações Afirmativas(PIAA) na Série Final do Ensino Fundamental II no Colégio Estadual Severiano de Araújo

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Resumo

O Projeto de Incentivo às Ações Afirmativas (PIAA), desenvolvido no Colégio Estadual Severiano de Araújo, teve como objetivo propiciar o conhecimento das ações afirmativas e o reconhecimento fenotípico, despertando assim a ideia de pertencimento a um grupo social, na busca de garantir direitos historicamente negados. Seu desenvolvimento contemplou atividades pedagógicas voltadas para a participação e o bom desempenho dos alunos do nono ano do Ensino Fundamental II no processo de seleção de 2019/1 para o Ensino Médio Técnico do Instituto Federal de Goiás, câmpus Goiânia, Centro Oeste e Inhumas.Observando a dificuldade de aplicabilidade da lei 11.645/08 que insere o discente negro ou pardo em sua própria história, sendo que muitas vezes ocorre a negação de usufruir de seu direito a disputar a vaga para não carregar o estigma de “cotista”.Conhecer os critérios adotados na avaliação do fenótipo pode favorecer o empoderamento de grupos Étnico-raciais e o reconhecimento de sua ancestralidade poderá nortear a busca de sua identidade. Dos pretensos candidatos quinze alunos pertenciam à reserva de vaga para Escola Pública, sendo três negros e quatro pardos, além de dois negros e um pardo com deficiência, assim, para o desenvolvimento deste trabalho, considerou-se o direito de muitos estudantes de usufruir das ações afirmativas implantadas a partir da lei 12711/2012 da Igualdade Étnico-racial. No estágio atual do projeto, conta-se com a parceria da Secretaria Estadual de Educação, que permitiu uma carga horária para a coordenação do projeto e a parceria com a Organização das Voluntárias de Goiás que permitiu o cadastro de voluntários, que ministrarão aulas preparatórias para o processo seletivo 2020/1.

Palavras-chave: Sociedade. Ações Afirmativas. Educação Inclusiva.

Introdução

Observando os princípios da lei 12.711/2012 , que visa equidade nos processos seletivos, bem como a redução das desigualdades sociais e a integração étnico-racial, o Projeto de Incentivo às Ações Afirmativas foi pensado a fim de ampliar as oportunidades dos alunos do nono ano do Ensino Fundamental II do Colégio Estadual Severiano de Araújo, localizado na Vila Mutirão II, pertencente à Região Noroeste da capital Goiânia, no processo seletivo do Instituto Federal de Goiás para o ano de 2019.

No primeiro momento, em anos anteriores, o incentivo à participação em processos seletivos de acesso ao Ensino Médio realizou-se individualmente ou em pequenos grupos, visto que a unidade escolar não possuía em seu Projeto Político Pedagógico (PPP) ações que poderiam motivar os discentes a se inteirar de outras instituições fora de sua comunidade para cursar o Ensino Médio. Na verdade, a perspectiva dos estudantes, bem como de seus familiares, limitava-se a uma única instituição escolar conhecida na região noroeste da cidade de Goiânia.

Esse relato de experiência busca explicitar as etapas acerca do desenvolvimento dos passos pensados para atingir o objetivo final de conscientizar os candidatos, adolescentes com idade entre 14 e 17 anos, sobre as ações afirmativas e o reconhecimento fenotípico, despertando assim a ideia de pertencimento a um grupo social cuja maioria faz parte da classe baixa e média-baixa e de preta e parda, assim como a busca de garantir direitos historicamente negados.

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Leis que garantem as políticas públicas de Ações Afirmativas

“A escola ainda precisa fortalecer as atitudes de aceitação e de valorização da diversidade humana, enaltecendo a importância do pertencer, do conviver, do cooperar e contribuir para que todas as pessoas percebam que podem construir vidas comunitárias mais justas, mais saudáveis e satisfatórias.”(FIORESE e FONSECA, 2014. p.6)

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Básica tem como principal objetivo preparar o discente para o exercício da cidadania e o mundo do trabalho. Muitos alunos/as têm dificuldades de perceber o processo seletivo para o Ensino Médio Técnico como uma oportunidade para profissionalizar-se e as Ações Afirmativas como proposta de inclusão de negros e pardos, podendo incluí-los posteriormente no mercado de trabalho, pois muitos discentes optam por trabalhar e não estudar, além disso, desconsideram que existe a possibilidade de ao encerrar o período de estágio proposto pelo curso serem contratados. Estamos distantes do reconhecimento racial e acreditamos que com este novo procedimento de heteroidentificação possamos discutir ações para incentivar as temáticas sobre a História e Cultura afro em todos os componentes curriculares, resgatando a contribuição dos negros para a formação de nossa pátria.

“É na ação educadora entre professores e alunos que surgem as questões, os problemas, as formas mais adequadas de lidar com o material de estudo e as iniciativas de trabalho” (RIBEIRO,2013. p.4 )

A lei 11.645/2008 inclui no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade do estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena que deverá ser permeado por temáticas que resgatem as contribuições destes dois grupos étnicos, procuramos elencar alguns destes temas tratados entre o sexto e nono ano do Ensino Fundamental no Currículo Referência da Rede Estadual de Educação de Goiás: Conhecimento sobre a África (6ºano), Identificar o patrimônio cultural das comunidades indígenas e negras (8ºano), visões preconceituosas sobre a África e o Oriente (9ºano), além de desenvolver atitudes contrárias ao racismo, ao preconceito e qualquer forma de discriminação que permeia todo o Ensino Fundamental II, percebemos a importância destas temáticas e segundo Ribeiro:“ O historiador dialoga com o mundo em que vive, com problemas e desafios, lutas e utopias, e esse diálogo influencia a forma como ele reconstrói e interpreta o passado.” Muitas vezes observa-se um monólogo visto que o discente não se reconhece afrodescendente e ao longo dos séculos algumas características fenotípicas podem tornar-se mais ou menos expressivas. .Segundo o IBGE, a cor ou raça são características declaradas pelas pessoas de acordo com as seguintes opções: branca, preta, amarela, parda ou indígena, porém, percebemos que muitos indivíduos se declaram morenos, mulatos ou mesmo “neguim”, demonstrando que falta ainda um conhecimento dos critérios que possam analisar os indivíduos de acordo com seu fenotípico.

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A instrução PROEN Nº 02, de 04 de junho de 2018 tem por finalidade orientar o procedimento de heteroidentificação complementar a autodeclaração dos candidatos pretos, pardos e indígenas nos processos seletivos, já no edital PROEN Nº 040/2018 está previsto que se dará por meio de uma entrevista, filmada e com a banca composta por três membros da comunidade do Instituto Federal de Goiás, a qual, segundo a portaria, deverá ter participado de processo formativo sobre a temática da promoção da igualdade racial e do enfrentamento ao racismo, assinar termo de confidencialidade sobre as informações pessoais dos/as candidatos/as a que tiverem acesso durante o procedimento de verificação, validar mediante preenchimento da ficha de heteroidentificação as autodeclarações dos candidatos participantes dos processos seletivos e atuar durante os processos seletivos nas atividades de verificação dos candidatos autodeclarados/as pretos/as, pardos/as e indígenas e em seu artigo dez no inciso dois lê-se que : “os membros da banca de verificação deverão ser preferencialmente experientes na temática da promoção étnico-racial e do enfrentamento ao racismo e formas correlatas”. “Desta forma percebe-se adequação a ação civil pública proposta pelo Ministério Público Federal com o objetivo de regular a autodeclaração de candidatos. Será aplicada pela primeira vez no ano de dois mil e dezoito sendo as orientações publicadas uma semana antes da avaliação.”

Metodologia

No início de dois mil e dezoito, por ocasião do planejamento anual, houve a inserção no Projeto Político Pedagógico (PPP) do Projeto de Incentivo às Ações Afirmativas (PIAA), sendo seu foco principal a modalidade de Ensino Médio integrada à educação profissional, isso fez-se necessário ao perceber como ponto de atenção a baixa procura por Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia . Foi traçada como meta prioritária a criação de um grupo preparatório para o processo seletivo do Ensino Médio Técnico Integrado do Instituto Federal de Goiás 2019/1.

No início do mês de fevereiro, os professores voluntários reuniram-se para organizar um horário de aulas, momento esse em que receberam das organizadoras do projeto os conteúdos programáticos definidos em editais anteriores, visto que o edital 2019/1 só seria divulgado no segundo semestre de 2018. Definiu-se que seriam aulas quinzenais, com duração de duas horas e que ocorreriam em dias alternados da semana, devido à disponibilidade de cada docente. Para tanto, foi fixado o horário entre 13h30min e 15h30min.

Por volta da segunda quinzena de fevereiro, foram convidados os responsáveis dos discentes interessados no projeto por meio de bilhete para uma reunião no contraturno (noturno), na qual se apresentou o projeto, o horário de aulas e os professores que iriam ministrar o preparatório. Além do calendário de simulados bimestrais e visitas programadas solicitadas via e-mail ao “Projeto Conhecendo o IFG”, oferecido pelos câmpus Centro Oeste e Goiânia desta instituição.

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No mês de agosto retornamos às aulas com a proposta de realização de um simulado, no qual os discentes pudessem verificar quais suas potencialidades e dificuldades com relação ao conteúdo programático previsto no edital, além de aferir o progresso de cada um dos participantes, visto que já tínhamos acesso ao ponto de corte de cada curso no ano anterior. Já em setembro foi realizada a visita no Instituto Federal de Goiás câmpus Goiânia, onde os alunos conheceram outros cursos e laboratórios. Com a abertura do edital efetuamos a inscrição dos alunos pertencentes ao sistema universal e fizemos a solicitação de isenção de taxa para os alunos que cursaram todo ensino fundamental em escola pública. Quinze alunos foram contemplados com a isenção, sendo: dez alunos pretos, pardos e indígenas (PPI), dos quais três eram pretos, quatro pardos e três pretos com deficiência (PcD). Os outros cinco candidatos não se autodeclararam pretos ou pardos.

Considerações Finais

Acreditamos que o projeto alcançou neste primeiro momento seu objetivo, poistrinta e nove alunos dos alunos pertencentes aos seis nonos anos do Colégio Estadual Severiano de Araújo participaram desse processo seletivo, sendo que trinta e sete por cento estudaram somente em escola pública, o que representa aproximadamente vinte e cinco por cento preto ou pardo. Quinze outros alunos se inscreveram no processo seletivo do Instituto Federal Goiano câmpus Trindade que também adota Ações Afirmativas, outros participaram do sorteio de vagas do Colégio Militar da Polícia Militar do Estado de Goiás e alguns do processo seletivo para bolsas de estudo referentes ao ensino médio da Escola Sesi Senai Jardim Colorado. É necessário ainda apontar os resultados obtidos nos processos seletivos do IFG 2019/1 e no IFGoiano câmpus Trindade, nos quais obtivemos dezessete aprovações : onze aprovações no IFG 2019/1 , sendo nove alunos pretos ou pardos, dentre os quais dois eram especiais; já no IFGoiano câmpus Trindade ocorreram seis aprovações , sendo três pretos e pardos , dos quais dois especiais.

Apesar do discurso de equidade presente na sociedade é importante ressaltar uma entrevista da professora Lorena Francisco de Souza, da Universidade Estadual de Goiás (UEG) em uma reunião da Comissão Permanente de Políticas da Promoção da Igualdade Étnico-racial (CPPIR) do Instituto Federal de Goiás (IFG): “o racismo opera por meio do fenótipo (características físicas, morfológicas e fisiológicas apresentadas pelo indivíduo), da marca corpórea e não das características genotípicas (constituição genética) ou da ascendência como nos Estados Unidos (EUA).” Portanto, necessitamos conscientizar os docentes e discentes desta nova forma de avaliação que valida a autodeclaração, além dos critérios fenótipos usados para caracterizar os candidatos negros e pardos, para evitar a eliminação do processo seletivo. Acreditamos que as temáticas propostas com a implantação da lei 11.645/2008 relacionadas à cultura afro podem contribuir para o empoderamento de negros e pardos.

Referências

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Lei/L11645.htm. Acesso em: 12/11/2008.

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12711.htm. Acesso em: 12/11/2008.

http://www.ifg.edu.br/dti/186-ifg/campus/jatai/noticias-campus-jatai/7939-reuniao-da-cppir-traz-alternativas-para-consolidacao-das-politicas-afirmativas. Acesso em: 24/11/2018.

http://selecao.ifg.edu.br/downloads/cod1415/edital%20integrado%202019%20-%20final%20-%20ret%20003.pdf Anexo V e ITEM 13. Acesso em: 10/08/2018.

http://www.ifg.edu.br/attachments/article/98/Instru%C3%A7%C3%A3o%20Normativa%20PROEN%20n%2002_2018%20-%20Heteroidentifica%C3%A7%C3%A3o.pdf. Acesso em: 24/11/2018.

RIBEIRO, J. R. História e Ensino de História: Perspectivas e Abordagens.Educação em Foco, Edição nº: 07, Mês / Ano: 09/2013, Páginas: 1-7 Disponível em: http://unifia.edu.br/revista_eletronica/revistas/educacao_foco/artigos/ano2013/setembro/ensino_historia.pdf. Acesso em: 15/11/2018.

FIORESE. Marisol P. da Cruz. FONSECA, Danilo F. Caminhos pedagógicos para o reconhecimento e valorização da identidade dos descendentes afro-brasileiros e africanos em sala de aula. Os desafios da Escola Pública Paranaense na perspectiva do professor. 2014. Disponível em: http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/cadernospde/pdebusca/producoes_pde/2014/2014_unioeste_hist_artigo_marissol_pereira_da_cruz.pdf. Acesso em: 24/11/2018.

Notas

1. Graduada em Licenciatura em Língua Portuguesa pela Universidade Federal de Goiás, professora de Português no Ensino Fundamental II no Colégio Estadual Severiano de Araújo, Secretaria de Estado da Educação de Goiás (SEDUC)

2. Graduada em Licenciatura em Matemática pela Universidade Estadual de Goiás, graduada em Pedagogia pelo Instituto Superior de Educação Elvira Dayrell, pós-graduada em Psicopedagogia pelas Faculdades Integradas de Patos, professora de Matemática no Ensino Fundamental II no Colégio Estadual Severiano de Araújo, Secretaria de Estado da Educação de Goiás ( SEDUC)