Felipe Freitas Braga (IF/UFG)
felipefbraga@homail.com

Cynthia Maria Jorge Viana (FE/UFG)
cynthiajviana@gmail.com

A Psicologia da Educação na Formação de Professores: reflexões a partir das disciplinas Psicologia da Educação I e II no Curso de Licenciatura em Física

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Resumo

A Psicologia da Educação, enquanto área de conhecimento ligada à Psicologia e à Educação, oferece subsídios para a prática educacional através da compreensão do processo de ensino-aprendizado e da sua articulação com o desenvolvimento humano. Essa comunicação apresenta reflexões a partir do conteúdo das disciplinas Psicologia da Educação I e Psicologia da Educação II estudadas no curso de Licenciatura em Física, da Universidade Federal de Goiás. A disciplina Psicologia da Educação está inserida na grade curricular dos cursos de licenciatura da Universidade como disciplina obrigatória. No curso de Licenciatura em Física, as disciplinas de Psicologia da Educação I e Psicologia da Educação II ocorrem nos segundo e terceiro períodos, respectivamente. O estudo compreende o entendimento da constituição da Psicologia como ciência, e, os fundamentos históricos e epistemológicos; os pressupostos e conceitos fundamentais; as concepções de aprendizagem e de desenvolvimento; e, as implicações e contribuições educacionais com base em quatro autores: B. F. Skinner, S. Freud, J. Piaget e L. S. Vygotsky. Aqui apresenta-se uma compreensão da Psicologia da Educação para formação de professores a partir de uma visão pautada em estudos que entendem a constituição dos indivíduos em seu processo de formação mediado pelos fenômenos e processos sociais. Assim, para o ensino em Física, tal disciplina torna-se fundamental para o entendimento de questões que extrapolam os processos educativos.

Palavras-chaves: Licenciatura. Ensino de Física. Formação de Professores.

Entre as diversas ciências que oferecem recursos a educação, a Psicologia da Educação, enquanto subárea da Psicologia, oferece subsídios para a prática educacional através da compreensão dos processos psicológicos influentes no processo ensino-aprendizado, da sua articulação com o desenvolvimento humano, e do entendimento dos fatores sociais historicamente determinados presentes no processo de escolarização. Tal disciplina oferece também arcabouço teórico para articulação entre a prática social e a prática pedagógica, ao oferecer estudos sobre as teorias de desenvolvimento e da aprendizagem e estudos sobre a constituição da subjetividade humana.

Em um breve retrospecto histórico, a Psicologia emerge enquanto um campo do conhecimento, a partir do conhecimento advindo da filosofia. Com o desenvolvimento do conhecimento científico, de base e tendência positivista, desvincula-se do corpo da filosofia para se tornar um corpo de conhecimento autônomo, adquirindo status de ciência e contendo objetos de estudo próprios, recebendo tal denominação durante o século XX. A Psicologia da Educação, como uma subárea da Psicologia, que vai emergindo ao longo do desenvolvimento da Psicologia como ciência, representa um campo em que há intersecção entre as práticas da Psicologia e a prática educativa, principalmente, às que se voltam para o ambiente escolar.

A Psicologia da Educação se torna uma das bases de fundamentação da educação, no Brasil, durante os anos 1920 com a ascensão do movimento escolanovista. A partir da difusão do ideário da Escola Nova, as questões de ordem biológica passam a ser supervalorizadas, como postos por Saviani (2003). Isto se reflete na ideia de que o indivíduo é o responsável pelo seu próprio desenvolvimento, cujo enfoque era nas questões biológicas e psicológicas dos alunos. A apropriação de técnicas psicológicas de forma indiscriminada, como a análise de resultados de testes e a responsabilização da criança e seu lugar de origem, serviu para justificar diversos equívocos e preconceitos não sendo dispensada a devida atenção ao fato de o processo educacional ter caráter multifacetado e multideterminado da educação além dos fatores de ordem social e econômica.

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Bittar e Gebrim (1999) frisam que tal concepção do fenômeno educativo tem suas raízes dentro do ideário do liberalismo. Amplamente difundida, a corrente liberal defende que o ser humano é dotado de capacidades e direitos e que cabe ao mesmo se constituir como tal concorrendo entre seus pares para satisfação das suas necessidades. Esta visão viria a justificar o ajustamento dos indivíduos a sociedade, por meio da utilização da psicologia e de um “psicologismo” do fenômeno educativo que limita as questões educacionais apenas a sua dimensão psicológica. Para as autoras, urge a necessidade de superação desta ideia e, também, a superação de um pensamento que descole a constituição da subjetividade dos fenômenos sociais.

A disciplina Psicologia da Educação junto a outras disciplinas pedagógicas se tornam integrantes obrigatórios nos currículos dos cursos de licenciatura no Brasil durante os anos de 1960, com a expectativa de aproximar os futuros professores do conhecimento acerca do desenvolvimento humano, incluindo as questões físicas e psicológicas. As teorias estudadas por meio das correntes psicológicas trariam o conhecimento sobre os fatores psicossociais inerentes ao processo de ensino-aprendizado, considerando suas dimensões sociais, culturais e cognitivas. As tentativas de superação das adversidades advindas do meio escolar por meio da Psicologia da Educação, porém, foram frustradas como demonstrado por Salvador (1999) e Gatti (2003), uma vez que os problemas de formação docente e de marginalização escolar permaneceram.

A partir da década de 1970, por meio de pesquisas que visavam a superação da dicotomia entre psicologia e a educação, em meio as críticas em relação ao caráter de patologizante do enfoque clínico que a Psicologia detinha até então dentro do ambiente escolar, esta área do conhecimento adquire uma maior abrangência se valendo de outras áreas e da interdisciplinaridade para ganhar novas abordagens frente aos fenômenos educacionais. A visão reducionista, herança da abordagem clínica, que despejava sobre o educando o seu fracasso, desconsiderando as condições pedagógicas nas quais esse se encontrava, era então posta em cheque. Agora elencando não mais apenas aspectos particulares no desenvolvimento dos indivíduos e interpretações de resultados e performances dentro de sala de aula, mas também os determinantes culturais e sociais que influenciaram esse processo durante sua condução, denota-se a necessidade de construção de uma nova abordagem.

Dentro da literatura sobre o tema, no que diz respeito a importância da disciplina, dispõe-se de trabalhos que constatam a forma como docentes enxergam as contribuições da Psicologia da Educação para sua prática em sala de aula. Bergamo (2004) por meio de um estudo com professores da educação básica constatou que grande parte dos docentes considera a Psicologia da Educação como tendo um papel importante na sua atuação. Cerca de 65% dos entrevistados corroboram tal afirmação. Entretanto 21% dos entrevistados afirmaram que não houve contribuições por parte da disciplina em sua prática, justificando, segundo a autora, o pouco tempo dedicado ao estudo da área e a dicotomia entre teoria e prática. Nesse estudo, os que se mostraram favoráveis, justificaram a importância da disciplina no entendimento do desenvolvimento humano em cada faixa etária, a partir das teorias psicológicas; na percepção da interferência do processo de mediação no desenvolvimento e aprendizagem dos alunos; e, na identificação de problemas e resolução de questões que aparecem no cotidiano. A autora salienta que não é objetivo da disciplina servir como manual ou guia para atuar em sala de aula, mas intenta oferecer um olhar de reflexão e crítica ao professor que, ao se apropriar dos conceitos sobre as questões que regulam o processo de desenvolvimento e de ensino-aprendizado, possa atuar de forma condizente no contexto ao qual os seus alunos estarão inseridos.

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Carvalho (2003) em seu estudo, que também visava constatar a relevância da Psicologia da Educação para a prática docente, entrevistou 30 professoras da 1ª série do Ensino Fundamental, formadas no curso de Pedagogia. Ao analisar as questões Carvalho (2003) descreve que:

O primeiro grupo concentra as manifestações da grande maioria das professoras entrevistadas: 25 manifestações do total de 30, o que representa 83% desse total. As respostas das professoras desse grupo foram sintetizadas em quatro pontos principais, descritos a seguir: a) a psicologia auxilia a identificar dificuldades pelas quais a criança esteja passando, sejam problemas familiares, sejam de relacionamento, de aprendizagem ou problemas psicológicos mais graves (dez manifestações); b) a Psicologia ajuda a perceber as diferenças de personalidade e as diferenças entre as crianças (seis manifestações); c) ‘usar de Psicologia’ auxilia no relacionamento com a criança (cinco manifestações); d) a Psicologia ajuda a entender o desenvolvimento infantil (quatro manifestações) (p. 38).

Além de pesquisas empíricas nessa área, a respeito dos fundamentos da Psicologia da Educação, Antunes (2008), ao se referir aos objetivos da educação, enfatiza as contribuições da Psicologia da Educação, como sendo constitutivos destes. A educação, valendo-se de múltiplos determinantes, entre eles os fatores psicológicos, demonstra a importância dessa área de conhecimento. Por outro lado, a Psicologia, enquanto uma ciência complexa e dinâmica com seu lugar enquanto uma das áreas que fundamentam a práxis educativa, contribui para a compreensão dos fatores que constituem o processo de ensino-aprendizagem. É papel da educação promover meios que possibilitem a socialização dos conhecimentos, sendo a escola a instância socializadora desse saber elaborado. Esta é uma condição indispensável para tornar o conhecimento um elemento crucial na emancipação das classes populares (Saviani, 2003).

A percepção do indivíduo enquanto um ser concreto e histórico, que se constitui e constrói sua subjetividade na interação com o outro e com o meio, torna-se fundamental para a construção de uma prática pedagógica de fato transformadora e inclusiva. De tal forma, a psicologia educacional, a partir da reflexão sobre o papel e o lugar que ocupa no processo educacional, não deve ser entendida como uma receita ou regras a serem seguidas, mas como um campo extremamente relevante que servirá como conhecimento para compreensão dos indivíduos nas suas relações em meio a sociedade. Quanto mais o professor for capaz de compreender as relações existentes entre a sua prática e a prática social, mais pertinente será a sua contribuição no processo de formação dos educandos. Para Antunes (2008)

A psicologia como um dos fundamentos do processo formativo do educador deve propiciar o reconhecimento do educador/professor como sujeito do processo educativo, traduzindo-se na necessidade de mudanças profundas das políticas de formação inicial e continuada desse protagonista fundamental da educação. Por sua vez, a ação do psicólogo escolar deve pautar-se no domínio do referencial teórico da psicologia necessário à educação, mediatizado necessariamente por conhecimentos que são próprios do campo educativo e das áreas de conhecimento correlatas (p. 474).
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Ao considerar a formação de sujeitos em meio ao seu contexto histórico e cultural, e corroborando com a perspectiva mencionada, Vygotsky (2001) – um dos autores estudados na disciplina Psicologia da Educação II no curso de Licenciatura em Física – entende que o escopo da educação está para além do desenvolvimento das potencialidades individuais. A constituição do sujeito a partir das interações realizadas num contexto cultural, não acontece de forma isenta deste. A internalização da cultura por meio do estabelecimento de relações interpessoais, e esta, passando para o âmbito intrapessoal, vai constituindo o ser humano com novas capacidades internalizadas que, por sua vez, interferirão e contribuirão para modificação do espaço cultural.

No processo de ensino e aprendizagem tem-se como essenciais a mediação do outro quanto a mediação semiótica. Para o autor, e os diversos autores que tomam parte da abordagem sócio-histórica, a colaboração entre alguém que conhece algo e alguém que ainda não o conhece, pode potencializar a aprendizagem por meio da interferência na Zona de Desenvolvimento Proximal, isto é, dentro dos limites da capacidade de entendimento e socialização dos alunos, considera-se o seu nível de desenvolvimento real e projeta-se atividades que o façam superar a diferença entre seu desenvolvimento real e o nível proximal. Além disso, ao se utilizar palavras que melhor se relacionem às interações e considerando todo o aparato sensorial dos alunos que interfere no processo, o professor poderá traçar estratégias para que os significados em construção, possam ocorrer sistematicamente (GEHLEN, 2012).

É possível assim, através da prática pedagógica, a partir da base teórica da Psicologia da Educação, criar nos educandos formas para o alcance de sua emancipação mantendo o compromisso com o rigor acadêmico e não o relegando ao segundo plano, cedendo à última moda educacional, que acaba por prejudicar a consecução dos objetivos educativos, por diluírem os conteúdos através de uma forma difusa de currículo. Com relação ao Ensino Física, é possível trabalhar com pautas que façam com que os alunos, através do conhecimento dos quais eles irão se apropriar dentro de sala de aula, enxerguem ferramentas pelas quais eles conseguirão alterar sua realidade concreta e as suas condições de existência; e dando para os professores apoio para contribuir no alcance máximo das potencialidades de seus alunos através de seu papel na mediação do processo de aprendizagem, como algo social e mediado pela cultura.

Referências

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BERGAMO, Regiane Banzzatto. Concepções de professores sobre a disciplina psicologia da educação na formação docente. 2004. Dissertação (Mestrado em Educação) – Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUCPR, Curitiba, PR, 2004.

BITTAR, Mona; GEBRIM, Virginia Sales. O papel da Psicologia da Educação na formação de professores. Revista Educativa, Goiânia, v. 2, p. 7-12, 1999.

CARVALHO, Diana de C. As contribuições da psicologia para a formação de professores: algumas questões para debate. In: MARASCHIN, Cleci; FREITAS, Lia; CARVALHO, Diana Carvalho de. Psicologia e educação: multiversos sentidos, olhares e experiências. Porto Alegre: Ed. UFRGS, 2003.

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GATTI, Bernadete A. Tendências da pesquisa em Psicologia da Educação e suas contribuições para o ensino. In: TIBALI, Elianda F. Arandes; CHAVES, Sandramara Matias (Orgs.). Concepções e práticas em formação de professores: diferentes olhares. Rio de Janeiro: DP&A, 2003.

GEHLEN, Simoni Tormöhlen et al. O pensamento de Freire e Vygotsky no Ensino de Física. Experiências em Ensino de Ciências, v. 7, n. 2, p. 76-98, 2012.

SALVADOR, César Coll. Psicologia da Educação. Porto Alegre: Artmed, 1999.

SAVIANI, Demerval. Escola e democracia. 36. ed. São Paulo: Cortez Editora & Autores Associados, 2003.

SAVIANI, Demerval. A Pedagogia histórico-crítica e a educação escolar. In: BERNARDO, M. (Org.). Pensando a educação. São Paulo: EDUNESP, 1989.

VYGOTSKY, Lev S. (2001). A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo: Martins Fontes.

Notas

1. Discente do curso de Licenciatura em Física do Instituto de Física da Universidade Federal de Goiás (IF/UFG).

2. Docente da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás (FE/UFG). Doutora em Educação pelo Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Goiás (PPGE/UFG). Graduada e Mestre em Psicologia pela Universidade Federal de São João Del Rei (DPSIC/PPGPSI/UFSJ).

3. Antunes (2008) mostra que com a regulamentação da profissão de psicólogo no Brasil em 1962 e o estabelecimento de cursos específicos para formação de profissionais na área, valeu-se do que já estava se desenvolvendo no período anterior para criação das bases de atuação da Psicologia: educação, clínica e trabalho.

4. Para Bittar e Gebrim (1999), “[...] os problemas educacionais se traduziriam em conceitos psicológicos, o que acarretaria a transferência para o aluno das responsabilidades educacionais. Procurava-se na Psicologia as respostas para essas questões, visto que o tratamento desses problemas era frequentemente reduzido a uma perspectiva psicológica. Assim, a responsabilidade pelo êxito ou fracasso da aprendizagem é do aluno, de suas capacidades, e de suas deficiências” (p. 10).