Juliane da Cruz Oliveira

Kelen Michela Silva Alves

Moema Gomes Moraes

Das razões fundamentais às funções trigonométricas: uma experiência utilizando o software geogebra

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Resumo

O presente relato de experiência apresenta a aplicação de uma proposta didática para construção de conceitos de trigonometria com o auxílio do software GeoGebra, que foi desenvolvida na modalidade de minicurso, no XIII Encontro Nacional de Educação Matemática (ENEM), em julho de 2019. Os participantes foram professores e alunos da Educação Básica, acadêmicos do curso de Licenciatura em Matemática e mestrandos da área. O objetivo da oficina foi desenvolver habilidades de visualização, interpretação, percepção e generalização de conceitos trigonométricos, ao desenvolver quatro atividades para o ensino de trigonometria no triângulo retângulo, no ciclo trigonométrico e nas funções trigonométricas elementares. A primeira atividade proporcionou a familiarização dos participantes com as ferramentas do GeoGebra e identificou os conhecimentos prévios sobre conceitos fundamentais da geometria que auxiliam na construção de conceitos da Trigonometria. A segunda atividade oportunizou a visualização das características e propriedades dos triângulos semelhantes para compreensão de conceitos referentes às razões trigonométricas. A terceira oportunizou a visualização das razões seno, cosseno e tangente, aplicados a ângulos maiores que 90º, por meio do ciclo trigonométrico. E, por fim, a quarta atividade explorou os comportamentos das funções trigonométricas, ao realizar variações de coeficientes numéricos. Em cada atividade promovemos a realização de reflexões relacionadas às possibilidades do ensino e da aprendizagem da trigonometria mediante o uso do software. Pelos relatos no decorrer do minicurso, observou-se que o GeoGebra pode oportunizar o desenvolvimento das habilidades de visualização, interpretação, percepção e generalização de conceitos de trigonometria, ao realizarmos atividades que permitam explorar as propriedades e os comportamentos das funções desta natureza.

Palavras-chave: Trigonometria. GeoGebra. Ensino e Aprendizagem de Matemática.

Introdução

Esse relato de experiência aborda as vivências de um minicurso ministrado no XIII Encontro Nacional de Educação Matemática. Trata-se de um evento de expressão nacional nesta área, por ter como público professores da educação básica, alunos do Ensino Médio, estudantes de licenciatura em matemática, estudantes de Pós-Graduação, professores do ensino superior, pesquisadores e professores da Pós-Graduação. No evento, além de conferências, comunicações científicas, existem espaços destinados a minicursos de diferentes temas da área. Diante desta possibilidade, surgiu o interesse na proposta de um minicurso cujo objetivo foi o de desenvolver habilidades de visualização, interpretação, percepção e generalização de conceitos trigonométricos, por meio de construções geométricas com o auxílio do GeoGebra.

As atividades foram desenvolvidas com sete pessoas em um laboratório de informática. Para iniciarmos a proposta, questionamos o que se deve aprender sobre Trigonometria, levando em conta que antes de estudá-la é necessário observarmos alguns objetivos relacionados à alguns conteúdos:

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As primeiras atividades foram destinadas a realização de situações que exploravam esses assuntos, para depois promovermos momentos de construção do ciclo trigonométrico e exploração das razões e funções trigonométricas.

Em nossa proposta, a ideia era de utilizar um recurso tecnológico que contribuísse com uma proposta de ensino de matemática por meio da reflexão dos seus conceitos, propriedades e características. Assim, optamos pelo software GeoGebra, que oportuniza a articulação entre a Geometria e a Álgebra de forma dinâmica, isto é, além de permitir a construção das figuras geométricas é possível “manusear”, utilizando seus recursos, as formas das figuras matemáticas a partir das propriedades que as definem.

O Geogebra é um software de geometria dinâmica, disponível na internet gratuitamente, com código aberto, desenvolvido por Markus Hohenwarter em 2001. Ele possibilita a realização de atividades de conteúdos de geometria, álgebra e cálculo. Destacamos ainda, uma particularidade deste recurso, que é a possibilidade de construção na tela do computador de alguns entes fundamentais da geometria a partir de suas propriedades: ponto, reta, retas paralelas, retas perpendiculares, mediatrizes, bissetrizes, circunferências, vetores, segmentos de retas, etc. Além disto, ao final da construção, permite a movimentação das figuras construídas, mantendo as propriedades que lhes são atribuídas (PEREIRA, 2012).

Para Gravina (1996, 2011) esse tipo de recurso favorece a forma de ensinar e aprender a partir da exploração experimental, em que o software oferece condições para o professor promover a interação constante por meio do “desenho em movimento”. Ele pode transformar um objeto construído em relação ao seu tamanho e posição, preservando suas propriedades geométricas. Este fato contribui para que os alunos possam conjecturar, problematizar e corrigir suas conjecturas. Estas possibilidades oportunizam o movimento do pensamento matemático de abstração, argumentação e demonstração.

O Geogebra possui outra característica relevante, que é a possibilidade de se ter duas representações de um mesmo objeto: a geométrica e a algébrica. Como enfatiza Hohenwarter (2007), idealizador do software, a característica mais notável do Geogebra é a percepção dupla dos objetos construídos: cada expressão na janela de Álgebra corresponde a um objeto na janela geométrica.

Assim, buscamos realizar as atividades do minicurso com o apoio do GeoGebra, com o intuito de contribuir significativamente para a exploração e compreensão de conceitos da trigonometria, oportunizar por meio da visualização o comportamento das funções trigonométricas e a descobertas de propriedades para validar conjecturas a partir da experimentação. Nessa perspectiva, buscou-se desenvolver no minicurso uma sequência de quatro atividades para trabalhar a trigonometria, com auxílio do GeoGebra, desde as razões fundamentais até o estudo das funções trigonométricas.

A realização do minicurso

A Base Nacional Comum Curricular - BNCC (BRASIL, 2018) orienta por meio de uma competência específica a compreender e utilizar diferentes registros de representação matemática, de modo a propiciar a construção e o desenvolvimento do pensamento matemático. Salienta a necessidade de desenvolver habilidades com o auxílio das tecnologias digitais, visando identificar as características das funções trigonométricas, como periodicidade, domínio, imagem, por meio da comparação das representações em ciclos trigonométricos e em planos cartesianos.

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Mais que promover a competência, o entendimento é que estes conteúdos são relevantes para a formação humana. Permitem que o indivíduo identifique determinadas situações em seu cotidiano e, ao apreender estes conceitos, ele consegue buscar novas soluções. Desta maneira, propor um momento de reflexão sobre a relação entre o uso de uma tecnologia em espaços de formação humana, tem como princípio observar os processos de mediação pedagógica ao utilizar estes recursos didáticos.

A característica deste tipo de software, permite ao professor oportunizar atividades em que o diálogo entre professor e aluno seja de discussão das conjecturas e da problematização dos exercícios propostos. Nesse minicurso, a proposta foi de promover situações em que fosse possível compreender os conceitos, mediante o movimento das funções trigonométricas quando seus coeficientes são modificados.

Atividades propostas

O minicurso foi elaborado com quatro atividades, desenvolvida no laboratório de informática. Foram sete participantes. Eles foram acomodados em três duplas e um participante realizou as atividades individualmente.

Iniciamos apresentando algumas funcionalidades básicas do software por meio da apresentação da interface do GeoGebra e de seus recursos. A primeira atividade teve o objetivo de familiarizar os participantes com recursos do software e de identificar o conhecimento de alguns conceitos básicos de geometria que auxiliam na construção de conceitos da Trigonometria no triângulo retângulo:

Atividade 1: construção de um triângulo retângulo em uma malha quadriculada e inscrito em uma semicircunferência.

Figura 1.Construção de Triângulos Retângulos. Fonte: Elaborado pelas autoras, 2019.

Após a construção incentivamos os participantes a movimentarem cada vértice dos triângulos. Foi possível observar: 1) ao movimentar os vértices do triângulo construído na malha, ele deixava de ser retângulo; 2) movimentando os vértices do triângulo inscrito na semicircunferência, a figura aumentava ou diminuía seu tamanho, mas continuava com as propriedades do retângulo.

A ideia era discutir e, por meio da observação da movimentação feita na figura, os cursistas compreendessem a propriedade: “todo triângulo inscrito numa semicircunferência é um triângulo retângulo”.

Atividade 2: O objetivo foi dar continuidade a familiarização do software GeoGebra, oportunizando a visualização e discussão das características e propriedades dos triângulos semelhantes. Nossa proposta foi de construção de um triângulo retângulo inscrito em outro também retângulo. Incentivamos a observação e análise durante a construção.

Neste momento, indagamos aos participantes quais conceitos ou propriedades geométricas poderiam ser exploradas nesta atividade. Alguns participantes relataram que poderia contribuir no estudo de casos de semelhanças de triângulos. Eles descreveram estas situações. Outros participantes destacaram que outro conteúdo a ser explorado seria o de razões entre os lados dos triângulos, isto é, de razão proporcional entre polígonos. Incentivamos a realizarem o cálculo das razões entre os lados, tanto do triângulo maior, quanto do menor, mediante um ângulo destacado.

Nesse momento, o processo de mediação foi destinado a discussão destas propriedades com o propósito de que eles encontrassem o valor de uma constante que indicava a razão de proporcionalidade. Deste modo, afirmamos a semelhança entre os dois triângulos e dele discutimos sobre outros modos de verificar tal semelhança.

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Figura 2.Triângulos semelhantes. Fonte: Elaborado pelas autoras, 2019.

Atividade 3: O objetivo foi discutir os conceitos obtidos na atividade 2 e, a partir deles, oportunizar a visualização das razões seno, cosseno e tangente aplicados a ângulos maiores que 90º, por meio da construção e exploração do ciclo trigonométrico. Esta atividade fez-se necessária, pois percebemos que ao se propor estudos da trigonometria no triângulo retângulo, fica-se restrito aos cálculos das razões trigonométricas nos ângulos agudos.

Iniciamos a construção em um eixo cartesiano. Pedimos que os participantes construíssem uma circunferência, com centro na origem dos eixos. Essa construção dividiu a circunferência em quatro partes, isto é, quatro quadrantes identificados pelos participantes. Em seguida representamos o seno e cosseno. Discutimos alguns valores representados no primeiro quadrante, analisando a projeção de um ponto qualquer que pertença ao arco, o ângulo formado e as projeções desse ponto sob os eixos (horizontal e vertical). Foi notório a apreciação e o interesse em relação a figura construída.

Destacamos, nessa unidade, as reflexões feitas por um dos participantes. Ele relatou que, devido a hipotenusa - no círculo trigonométrico - ter uma unidade de medida, o ciclo ajuda a compreender porque o seno é a medida do cateto oposto divido pela hipotenusa, e o cosseno a medida do cateto adjacente dividido pela hipotenusa.

Incentivamos a observarem o que ocorre quando o ângulo formado está em outros quadrantes, estudando os sinais para os valores do seno e do cosseno e que podemos associar arcos, independentemente do quadrante que se encontra, a arcos do primeiro quadrante. Esse processo nada mais é que buscar um triângulo congruente no 1° quadrante e aplicar suas respectivas definições.

Quando os arcos são formados por pontos sobre os eixos do plano cartesiano, os participantes observaram que, podem ser associados às coordenadas dos pontos na circunferência.

Figura 3.Ciclo trigonométrico. Fonte: Elaborado pelas autoras, 2019.

De forma similar realizamos a construção e discussão do eixo que representa a tangente. Foi possível verificar: 1) o conceito de tangente; 2) o sinal da tangente em cada quadrante, observando as projeções que incidem sobre eixo da tangente; 3) que os ângulos múltiplos de 90º e 270º não possuem medida de tangente.

Figura 4.Ciclo trigonométrico – Eixo da tangente. Fonte: Elaborado pelas autoras, 2019.

A quarta atividade teve o objetivo de estabelecer relação do ciclo trigonométrico com as funções trigonométricas, visando compreender os comportamentos destas funções ao realizar variações dos coeficientes numéricos A,B, C e D, que aparecem na função y = A + B.f (Cx + D), onde f pode ser seno ou cosseno.

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Para esta atividade recomendamos que a variação dos coeficientes fosse realizada uma de cada vez, na função y = senx, possibilitando conjecturas sobre a relação entre o coeficiente e a transformação associada.

Assim, os participantes perceberam que ao acrescentar o coeficiente A, obtendo y = senx + A, a função deslocava para cima ou para baixo, ou seja, realizava uma translação vertical. Além disso, puderam verificar que o coeficiente B altera a amplitude da função e que este trabalha diretamente com o intervalo que representa a imagem da função, bem como que o coeficiente C altera o período e D realiza translação horizontal da função. Essas construções podem ser verificadas na figura abaixo.

Figura 5.Funções Trigonométricas. Fonte: Elaborado pelas autoras, 2019.

Considerações finais

Nossa proposta proporcionou aos participantes a familiarização com algumas ferramentas do software GeoGebra, a oportunidade de revisar conceitos básicos da Trigonometria e discutir sugestões de experiências em sala de aula.

Acreditamos que este minicurso tenha contribuído significativamente para o desenvolvimento de habilidades de visualização, interpretação, percepção e generalização de conceitos trigonométricos. Percebemos o potencial de que experiências como estas contribuam para a construção de novas práticas e reflexões em torno do processo de ensino e aprendizagem em Matemática.

Este minicurso apresenta apenas um início de muitas possibilidades de trabalhos que podem ser realizados com outros softwares, ou até mesmo com próprio GeoGebra, buscando novas maneiras de abordagens para os conteúdos matemáticos.

Referências

BRASIL. Base Nacional Comum Curricular do Ensino Médio. 2018. Disponível em: < http://portal.mec.gov.br/conselho-nacional-de-educacao/base-nacional-comum-curricular-bncc-etapa-ensino-medio >. Acessado em: 30 jul. 2019.

GRAVINA, M. A. Geometria dinâmica: uma nova abordagem para o aprendizado da Geometria. In: Simpósio Brasileiro de Informática na Educação, 1996, Belo Horizonte, SBC, 1996. Disponível em: < http://www.ufrgs.br/espmat/disciplinas/geotri/pdf/maria-alice_geometria-dinamica1996-vii_sbie.pdf >. Acessado em: 26 de jul. 2019.

GRAVINA, M. A. Modelagem com o GeoGebra: uma possibilidade para a educação interdisciplinar? In: Novas Tecnologias na Educação, V. 9, CINTED-UFRGS, julho de 2011. Disponível em:< http://www.pucrs.br/ciencias/viali/tic_literatura/artigos/pacotes/12717.pdf >. Acesso em: 27 de jul. 2019.

HOHENWARTER, M. Geogebra Quickstart: guia rápido de referência sobre o Geogebra. 2007. Disponível em:< http://www.mtm.ufsc.br/~jonatan/PET/geogebraquickstart_pt.pdf >. Acesso em: 31 de jul. 2019.

PEREIRA, T. de L. M. O uso do software Geogebra em uma escola pública: interações entre alunos e professor em atividades e tarefas de geometria para o ensino fundamental e médio. Juiz de Fora, MG: Universidade Federal de Juiz de Fora, 2012. Originalmente apresentada como dissertação de Mestrado Profissional, UFJ, 2012.

Notas

1.Mestranda em Educação em Ciências e Matemática, pela Universidade Federal de Goiás (UFG)

2.Mestranda em Educação em Ciências e Matemática, pela Universidade Federal de Goiás (UFG)

3.Prof. Dra. da Universidade Federal de Goiás