A língua inglesa no contexto do ensino remoto emergencial, desafios e perspectivas: um relato de experiência
Helida Mara Valgas
Resumo: Este capítulo aborda experiências relacionadas ao processo de implementação e consolidação do Ensino Remoto Emergencial (ERE) no Centro de Línguas da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Goiás (CL/FL/UFG), como estratégia alternativa às aulas presenciais, durante a fase crítica da pandemia de COVID 19. Trata-se de um relato de experiência, que tem como objetivo registrar e compartilhar nossas experiências e perspectivas no papel de professora de língua inglesa do projeto em questão, durante as diferentes fases de implementação do Ensino Remoto Emergencial. Nesse sentido, versaremos sobre o planejamento das ações e abordaremos algumas experiências ocorridas durante as aulas remotas, considerando desafios e estratégias adotadas. Por fim, tendo em vista os pontos expostos, enfatizaremos a importância da manutenção das discussões, pesquisas e estudos relacionadas ao ensino online no contexto pós pandemia, uma vez que acreditamos que embora tal formato de ensino ainda esteja cercado de desafios, devemos encontrar alternativas a fim de aprimorar a prática, uma vez que a mesma mostra sinais promissores considerando as demandas da sociedade do século XXI.
Palavras-chave: ensino remoto, desafios, perspectivas.
Abstract: This chapter addresses experiences related to the process of implementation and consolidation of Emergency Remote Teaching at the Language Center of the Faculty of Letters of the Federal University of Goiás, as an alternative strategy for face-to-face classes, during the critical phase of the COVID-19 pandemic. It is an experience report, which aims to register and share our experiences and perspectives on the role of an English teacher in the mentioned project, by taking into consideration the different implementation phases of Emergency Remote Teaching. In this regard, we are going to present information about the action planning and some of the experiences which occurred during the remote classes, by taking into consideration the challenges and strategies adopted. Finally, by considering the issues raised, we are going to lay emphasis on the importance of carrying on with the discussions, research, and studies related to online teaching in the post- pandemic context, since we believe that although this kind of teaching is still surrounded by challenges, we have to find alternatives in order to improve this practice, since it shows us, promising signs considering the demands of the 21st-century society.
Keywords: remote teaching, challenges, perspectives.
Introdução
O ano de 2020 ficou marcado pelos desafios impostos pela pandemia de COVID-19. A sociedade de modo geral, foi surpreendida com a necessidade do isolamento social a fim de evitar o contágio do coronavírus e, consequentemente, estudantes, professores e vários outros profissionais ligados à educação foram surpreendidos com o fechamento de escolas, universidades e instituições de ensino em geral, o que gerou impactos sem precedentes nos processos de ensino-aprendizagem. No que tange ao ensino de línguas estrangeiras, a situação não foi diferente. Assim como em outras instituições de ensino, a pandemia de COVID-19 teve um impacto significativo nas atividades do Centro de Línguas da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Goiás (CL/FL/UFG).
Tendo tal contexto em vista, este capítulo configura-se como um estudo qualitativo, do tipo relato de experiência. Ao discorrer sobre o relato de experiência como método de pesquisa educacional, Fortunato (2018) aponta que “a experiência é um dos mais importantes – muitas vezes, o único – meio de se colocar a educação em evidência para, portanto, pensar sobre, na, com e para a própria educação, com o intuito de renová-la.” (FORTUNATO, 2018, p. 37). Nesse sentido, este capítulo tem como objetivo relatar, no intuito de registrar e compartilhar, experiências relacionadas ao processo de implementação e consolidação do Ensino Remoto Emergencial (ERE) no Centro de Línguas da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Goiás (CL/FL/UFG), como estratégia alternativa às aulas presenciais, durante a fase crítica da pandemia de COVID-19.
Ainda de acordo com Fortunato (2018), como método de pesquisa, o relato de experiência deve servir como uma espécie de receita, na qual o pesquisador discrimina todo o contexto e qualifica as ações envolvidas, de forma sequencial, culminando na conclusão da experiência. Dessa forma, as experiências compartilhadas pelo professor podem ser úteis para outros profissionais diante de situações semelhantes, considerando, porém, as peculiaridades de diferentes contextos. Segundo o autor, é possível propor uma série de elementos para a condução de uma pesquisa educacional sob a égide do relato de experiência: (1) antecedentes; (2) local; (3) motivo; (4) agente(s); (5) envolvidos; (6) epistemologia para ação; (7) planejamento; (8) execução; e (9) análise por uma lente teórica. O autor reitera que tais elementos não caracterizam um passo a passo único e definitivo a partir do qual todos os relatos de experiência devem ser elaborados, tratando- se apenas de uma possibilidade.
Assim, a fim de relatar as experiências vividas durante o processo de implementação e consolidação do Ensino Remoto Emergencial no CL/FL/UFG, considerando as peculiaridades do contexto em questão, o presente capítulo apresentará alguns dos elementos descritos por Fortunato (2018), para a condução de uma pesquisa educacional na perspectiva do relato de experiência. Uma vez que aqui nos referimos a uma experiência advinda da urgência da implementação de uma modalidade de ensino como resposta ao cenário imposto pela pandemia de COVID-19, não discorreremos de forma a contemplar todos os elementos descritos por Fortunato (2018), uma vez que, este artigo não se origina de uma pesquisa previamente planejada. Além disso, tais elementos não serão apresentados de forma estanque em nossos relatos, pois daremos destaque aos fatos e seus desdobramentos de forma cronológica, apresentando narrativas e discutindo-as sob uma lente teórica.
Além do aporte teórico proveniente de livros, artigos acadêmicos, dissertações etc. a redação deste relato de experiência considerará como fonte de dados diversos instrumentos como planos de aula, anotações da professora, mensagens e documentos enviados por e-mail pela coordenação do CL/FL/UFG relacionados à implementação do Ensino Remoto Emergencial. Além disso, consideraremos nossas próprias reminiscências.
O Centro de Línguas da UFG: do presencial ao remoto
Sabemos que é cada vez maior a necessidade de se aprender uma segunda língua ou língua estrangeira. Segundo Oliveira (2014, p. 73), “[o] número de pessoas interessadas em aprender uma língua estrangeira cresceu vertiginosamente nos anos 1940 e se mantém num patamar elevado até hoje”. Dentre inúmeras instituições voltadas para o ensino de línguas, o CL/FL/UFG, tem se destacado há anos, como um projeto de extensão que oferece à jovens e adultos da comunidade universitária e da comunidade em geral, cursos de línguas – portuguesa, estrangeiras e LIBRAS.
O CL/FL/UFG oferece, ainda, oportunidade de estágio extracurricular remunerado para estudantes dos cursos de licenciatura da Faculdade de Letras da UFG. Esses alunos e outros professores, já graduados e contratados pelo projeto, são supervisionados por professores da referida unidade acadêmica, estabelecendo uma constante de formação, o que faz do projeto uma oportunidade ímpar para o desenvolvimento da prática pedagógica de seus professores.
Além de ser um importante campo de estágio para licenciandos de Letras, o CL/FL/UFG se configura como um vasto campo de pesquisa, onde alunos de graduação e pós-graduação e seus respectivos orientadores, desenvolvem pesquisas na área da linguística aplicada. Tais pesquisas culminam na publicação de trabalhos acadêmicos em geral, trabalhos de conclusão de curso, artigos acadêmicos, capítulos etc. Nesse sentido, é válido ressaltar os valores do projeto no que tange ao tripé pesquisa, ensino e extensão.
O curso de língua inglesa ofertado pelo CL/FL/UFG tem duração de oito semestres (níveis I-VIII) e a carga horária semestral corresponde a 60 horas. No primeiro semestre de 2020, havíamos, enquanto professora, assumido um total de oito turmas de diferentes níveis (I, III e V). Acreditamos que não seja possível dividir de forma estanque as experiências envolvidas com a implementação do Ensino Remoto Emergencial, de modo a considerar somente um dos oito grupos em questão, nesse sentido, diversas experiências e impressões serão narradas como um todo, sem desconsiderar experiências vividas nos semestres seguintes. Ainda assim, a fim de objetivar nossos relatos, no que tange aos dados oriundos da experiência didático-prática em si, daremos foco a uma das turmas com a qual trabalhamos no contexto em questão: uma turma de Inglês I, cujas aulas ocorriam às segundas e quartas-feiras, às 15:50.
A escolha desse grupo se dá devido ao fato de que este representa a primeira turma na qual, de fato, demos início à nossa experiência no Ensino Remoto Emergencial. Além disso, por ser o primeiro grupo a ter aulas a cada semana, as vivências didáticas experienciadas com a turma em questão foram determinantes para a nossa formação, para a aprendizagem na prática. Muitas experiências vivenciadas com o grupo, serviram como balizadoras diante de diversas situações ocorridas em diferentes momentos em outras turmas, até mesmo, de níveis diferentes.
A turma em questão era composta por aproximadamente vinte alunos, brasileiros, jovens e adultos, de diversos níveis e áreas de formação. Por questões éticas, a identidade dos alunos será mantida em sigilo. Além disso, é válido ressaltar que este capítulo terá como foco as nossas vivências enquanto professora e que possíveis menções aos alunos ocorrerão meramente como uma forma de contextualizar a situação em questão e seus desdobramentos.
É válido destacar que, até o ano de 2020, as atividades de ensino do CL/FL/UFG aconteciam de forma exclusivamente presencial e foi nesse contexto que, logo na primeira semana do início do semestre letivo 2020/1, nos primeiros dias do mês de março, o tema “coronavírus” passou a estar presente na sala de aula. Rapidamente a questão da COVID-19 passou a ser motivo de preocupação em todo o país e apenas após oito dias desde o início das aulas, a fim de evitar o a propagação do chamado novo coronavírus, decretos de diferentes esferas determinaram o cancelamento de aulas e outras atividades acadêmicas e, de modo geral, o fechamento de estabelecimentos que não ofereciam serviços essenciais à população, a princípio, por quinze dias.
Naquele momento muitos acreditavam que rapidamente voltaríamos à chamada normalidade, porém com os índices de contaminação e mortes pela doença crescendo de forma assustadora no Brasil e no mundo e diante das dificuldades encontradas pelo sistema de saúde em todo o país, novos decretos, que restringiam cada vez mais as possibilidades de contato entre pessoas, foram sendo publicados e estiveram em vigor ao longo de vários meses. Diante da angústia causada pelo isolamento social, restava apenas o Ensino Remoto Emergencial como possibilidade de retomada das atividades do CL/FL/UFG.
De acordo com Oliveira, Corrêa e Morés (2020), a utilização das Tecnologias Digitais Interativas (TDIs) ganhou espaço no contexto da pandemia de COVID-19, exigindo que as instituições de ensino passassem por um processo de adaptação aos modos de ensinar e de aprender, substituindo, temporariamente, a modalidade presencial pelo ensino remoto. Ainda de acordo com os autores, essa substituição que permitiu a continuidade das aulas de forma remota, por meio de computadores desktop ou dispositivos móveis como laptops, tablets e smartphones, ficou conhecida como Ensino Remoto Emergencial.
Ao versar sobre tal questão, Moreira e Schlemmer (2020) esclarecem que nesse formato de ensino, características do ensino presencial físico como o curso em si, seu currículo, metodologias e práticas pedagógicas são transportadas para os meios digitais. Os autores explicam ainda, que nessa perspectiva o processo é centrado no conteúdo e embora haja um distanciamento geográfico, a aula ocorre num tempo síncrono, privilegiando o compartilhamento de um mesmo tempo.
No contexto do CL/FL/UFG, após alguns meses sem aulas e mediante a necessidade de dar continuidade às atividades de ensino, foi decidido que a partir do mês de agosto de 2020, retomaríamos as aulas dos cursos de línguas por meio do Google Meet. Naquele momento, professores, supervisores e toda a equipe do projeto começaram a se mobilizar no sentido de estabelecer rumos para enfrentar mais um desafio imposto pela crise sanitária: o Ensino Remoto Emergencial.
O que faremos agora? O planejamento das atividades
A princípio, algumas semanas antes do início das aulas remotas, questões de cunho prático foram decididas por meio de extensas reuniões online nas quais professores, supervisores, coordenação e a equipe de secretaria discutiram as melhores possibilidades diante das inúmeras adaptações que deveriam ser feitas. Questões como a diminuição da carga horária das aulas online em relação às aulas presenciais e a consequente necessidade de adaptação dos conteúdos, a utilização de uma sala de aula virtual em uma plataforma online, a fim de complementar de modo assíncrono, as aulas realizadas via Google Meet foram alguns dos temas abordados.
Além disso, outros inúmeros tópicos foram também discutidos ao longo de várias semanas, por meio de um grupo em um aplicativo de mensagens. Tal grupo possibilitou, ainda, o trabalho colaborativo entre professores, supervisores, coordenação e a equipe de secretaria, mediante o compartilhamento de informações, sugestões, tutoriais e links relacionados às inúmeras ferramentas úteis para o ensino remoto. Nesse sentido, diante de tantas possibilidades, o período de planejamento, que antecedeu a retomada das aulas foi, de modo particular, um período para uma infinidade de testes com relação às ferramentas, possíveis estratégias, materiais etc.
De acordo com Scrivener (2012), as coisas mais importantes que aprendemos sobre o ato de ensinar são aquelas que aprendemos sobre nós mesmos, o que fazemos e como fazemos. Naquele momento, existia um grande questionamento tácito: “que professora eu vou ser agora?”. Destarte, o processo de planejamento das atividades relacionadas ao Ensino Remoto Emergencial configurou-se como um momento de reinventar o ato de ensinar, uma vez que aquela professora presente na sala de aula presencial não seria suficientemente adequada para aquela nova forma de ensino.
Uma das inquietações que se destacavam, diz respeito à necessidade de adaptação da comunicação não verbal, uma vez que, durante as aulas remotas, os alunos veriam somente nossos rostos e possivelmente as mãos. Como aponta Scrivener (2012), em grupos de iniciantes, gestos, movimentos, e expressões são elementos cruciais durante as instruções e explicações dadas pelo professor, uma vez que proporcionam um suporte visual que ajuda os alunos a compreender o que está sendo dito.
Outra questão que se apresentava era a necessidade de adaptação do conteúdo à nova carga horária do curso, uma vez que, as aulas presenciais eram de uma hora e quarenta minutos e as aulas remotas teriam apenas uma hora de duração . Além disso, passaríamos por um período de um mês para adaptação, nesse período contaríamos somente com uma aula por semana com cada turma e um segundo momento de plantão de dúvidas. Destarte, uma das possibilidades seria a gravação de vídeos instrutivos e explicativos que seriam disponibilizados na sala de aula virtual na nova plataforma online com a qual passávamos a contar. Assim, como uma forma de complementar as aulas via Google Meet, além do livro didático, os alunos poderiam acessar videoaulas, arquivos em geral, links, gabaritos de atividades etc. de forma assíncrona, ou seja, fora dos horários de aula.
Assim, uma das primeiras questões identificadas foi a necessidade de adaptação do espaço físico, pois o quarto, em casa, passaria a ser um ambiente de trabalho. Era necessário tornar aquele espaço minimamente adequado para a gravação dos vídeos e para as aulas síncronas, de forma que a privacidade não fosse exposta naquele que antes era um ambiente tão íntimo. Além dos desafios com relação aos aspectos técnicos envolvidos no trabalho de criação de conteúdo audiovisual, novas angústias e questionamentos foram recorrentes: “estes vídeos estão adequados do ponto de vista técnico e didático?”, “quem terá acesso a esses vídeos além dos nossos alunos?”, “até que ponto estou confortável com a exposição da minha imagem e possíveis julgamentos de alunos e pares com relação à minha habilidade didática nessa forma de ensino na qual sou absolutamente inexperiente?”
Além disso, uma vez que trabalhávamos com diferentes turmas, de diferentes níveis, era necessário executar o planejamento, produzir e organizar o material a ser disponibilizado na sala de aula virtual para as diferentes turmas de forma simultânea. Outra preocupação recorrente era com relação à utilização do material didático que anteriormente era trabalhado no curso presencial: “até que ponto podemos utilizar o conteúdo do livro didático na produção de vídeos e na composição do material a ser disponibilizado na sala de aula virtual, respeitando a questão dos direitos autorais?”.
Outro ponto importante que não pode ser negligenciado em nossa narrativa, diz respeito à necessidade de adaptação das formas de avaliação durante o Ensino Remoto Emergencial. Pensar sobre a avalição nos trouxe vários questionamentos: “como avaliar os alunos de forma ética, justa e responsável nesse período?”, “o que é possível manter das avaliações que eram feitas de forma presencial e o que é necessário ser adaptado para que essas avaliações sejam possíveis e coerentes com a nova forma de apresentação do conteúdo?”, “quais ferramentas online serão mais profícuas para este trabalho?”.
Possíveis respostas para essas e outras questões que foram recorrentes durante o período de planejamento do ensino remoto se evidenciaram de forma natural à medida que o curso foi sendo desenvolvido. Além disso, é válido destacar todas as orientações dadas pela coordenação do CL/FL/UFG, o suporte técnico fornecido pela equipe da secretaria do projeto, de forma ímpar, e o suporte didático e pedagógico oferecido por meio da supervisão.
O Ensino Remoto Emergencial, a pandemia e seus desdobramentos
Após o período de planejamento das atividades, chegava o momento do início das aulas. Sabíamos que aquele novo formato de ensino-aprendizagem, além de ser desafiador para nós, professores, era também um grande desafio para nossos alunos. Muitos deles haviam desistido do curso e outros se diziam extremamente descontentes com a situação, uma vez que haviam se matriculado em um curso presencial que, devido às circunstâncias, aconteceria de forma remota.
É válido ressaltar que além da situação desconfortável causada pelo descontentamento dos alunos com relação à forma que daríamos continuidade ao curso, em agosto de 2020, vivíamos um momento ímpar enquanto sociedade. O isolamento social, o medo da COVID-19, o desemprego, o contexto político do país, os altos índices de contaminação e o luto pela morte de vítimas da doença geravam um sentimento coletivo de angústias e incertezas. Assim, nas primeiras aulas, vimos a necessidade de uma conversa franca com os alunos, de modo a ouvi-los e expondo, de forma natural e sincera, que diante de tantas de dificuldades que enfrentávamos naquele momento, o Ensino Remoto Emergencial seria mais um desafio para todos nós, professores e alunos.
Ao discorrer sobre a importância da escuta na sala de aula, Scrivner (2012) aponta que esta é uma habilidade tão importante para professores quanto para os alunos. O autor aponta para a importância de uma escuta empática por parte do professor, de modo a fornecer suporte aos alunos nos momentos em que os mesmos comunicam fatos relacionados às suas vidas pessoais. Nesse sentido, foi possível notar que, embora fossem breves, os momentos de compartilhamento de experiências pessoais, principalmente ao longo das primeiras aulas, geraram um ambiente mais confortável para todos.
Em vários momentos, nos vimos diante de situações extremamente difíceis, uma vez que, infelizmente, em distintas ocasiões, fomos surpreendidos com a notícia do falecimento de familiares próximos de alunos, por COVID-19. Nesse sentido, embora estivéssemos em um ambiente de ensino-aprendizagem, morte, luto e perdas foram temas recorrentes nas aulas, principalmente nos períodos mais severos da pandemia, pois tais temas não poderiam ser negligenciados diante do momento que vivíamos.
De acordo com Valgas (2013), ao longo de diferentes etapas do ciclo da vida, o ser humano é acometido de várias perdas que causam impacto sobre o indivíduo e impõe desafios adaptativos, muitas vezes, marcados por dor e intenso sofrimento. Durante a pandemia de COVID-19 diversas perdas nos permearam. Mesmo aqueles que felizmente não sofreram a perda de familiares e/ou amigos próximos, enfrentaram os impactos causados pela perda da possibilidade da convivência em sociedade, uma vez que, por várias semanas, era permitido somente o funcionamento de atividades essenciais. Muitos de nós passamos a trabalhar de forma remota, perdendo o convívio com os pares no ambiente de trabalho e até mesmo a ideia do lar como um ambiente relacionado exclusivamente aos aspectos da vida pessoal, visto que o teletrabalho avançou de forma significativa durante tal período. Muitos perderam seus empregos, seus negócios, suas perspectivas. De modo geral, podemos dizer que durante a fase crítica da pandemia, perdemos nosso mundo presumido (PARKES, 2009).
O impacto de tais perdas não poderia ser ignorado uma vez que naquele momento faziam parte da experiência que vivíamos enquanto sociedade, enquanto seres humanos. De acordo com Scrivner (2012), ao criar um ambiente aberto de suporte para os alunos, o professor ajuda-os a se sentirem valorizados e dar valor a eles mesmos. Além disso, conversas francas e abertas foram fundamentais para que os alunos pudessem se sentir confortáveis e confiantes para expressar suas opiniões com relação ao próprio ensino remoto, uma vez que muitas vezes solicitamos a apreciação dos alunos no que tange as atividades desenvolvidas. Nesse sentido, é válido ressaltar que, em vários momentos, a avaliação positiva de muitos alunos nos deixou mais confiante e motivada.
Ainda de acordo com Scrivner (2012), uma atmosfera positiva na sala de aula afeta a atitude dos alunos com relação às atividades realizadas nas aulas e seus níveis de engajamento com a língua. Destarte, diante de tantas questões difíceis que permeavam nossas vidas e consequentemente nossas aulas naquele período, além da escuta empática, como uma forma de promover uma atmosfera positiva na sala de aula, vimos a necessidade da implementação de atividades envolvendo jogos e músicas durante as aulas.
Engh (2013) aponta que ao uso de canções e de música na sala de aula de inglês não é uma prática nova e afirma que vários autores defendem o uso da música em contextos de ensino de língua estrangeira, tanto pelos benefícios relacionados à língua em si quanto aos relacionados à motivação, uma vez que a música gera interesse nos aprendizes. Assim, uma vez que durante vários meses vivíamos as dores e os desafios impostos pela pandemia de COVID-19, percebemos que era preciso promover atividades que além de seus objetivos didáticos, conteudistas, fossem prazerosas e capazes de motivar os alunos. Mais uma vez, a busca por novas ferramentas online foi imprescindível para que atividades, envolvendo jogos e música, fossem possíveis .
A interação como o maior desafio
Uma vez que concebemos a língua como prática social e que tal concepção é inerente às nossas práticas no papel de professora de língua inglesa, é válido discutirmos, ainda que de forma breve, alguns pontos relacionados ao conceito de língua por meio de uma perspectiva sociointeracionista, destacando as contribuições de Bakhtin (2006) para o campo da filosofia da linguagem.
Ao versar sobre a interação verbal e a estrutura sociológica da enunciação, Bakhtin (2006) explica que a verdadeira natureza da língua está no caráter social da interação verbal e não em um sistema de formas linguísticas, na enunciação de um indivíduo de maneira isolada ou no ato psicofisiológico envolvido na produção de tal enunciado. De acordo com Oliveira (2014), a inclusão de elementos como o sujeito, suas especificidades culturais e os contextos da produção e recepção da língua representa uma mudança significativa nos rumos da linguística e uma mudança importante para os rumos do ensino de inglês como língua estrangeira.
Ao discorrer sobre aspectos teóricos gerais do ensino comunicativo de línguas, Oliveira (2014) menciona que em tal abordagem, a língua é concebida como interação social, como comunicação. Ainda segundo o autor, nas abordagens de proposta comunicativa, o aluno é visto como um ser capaz de construir seu próprio conhecimento e de negociar sentidos nas interações sociais. Assim, o professor atua como facilitador da aprendizagem e não como modelo a ser imitado e os erros dos aprendizes são vistos como algo inerente ao processo de aprendizagem, uma vez que ocorrem naturalmente.
Ainda segundo Oliveira (2014), o objetivo do ensino na proposta comunicativa é auxiliar o aluno a desenvolver sua competência comunicativa na língua em questão. Nesse sentido, acreditamos que o maior desafio do Ensino Remoto Emergencial, no contexto do ensino de línguas estrangeiras sob um viés comunicativo, foi proporcionar aos alunos momentos no qual os mesmos pudessem interagir e produzir enunciados na língua alvo, ou seja, a língua inglesa, principalmente de forma oral.
A princípio muitos elementos do ensino presencial foram facilmente adaptados às aulas remotas, de forma intuitiva, principalmente no que tange à apresentação e à prática do conteúdo. De acordo com Scrivner (2012), embora a intuição não seja reconhecida e seja constantemente desvalorizada na formação docente, o uso da intuição de forma inteligente é uma habilidade essencial para o professor. Ainda de acordo com o autor, treinamentos, conferências e livros podem trazer certo conhecimento para o professor, mas o verdadeiro ofício de ensinar é vivo, acontece in loco, onde o professor tem que tomar decisões instantâneas a cada segundo, muitas vezes diante de situações imprevisíveis.
Embora pudemos contar com a intuição para o estabelecimento de novas formas de apresentação e prática do conteúdo, a produção por parte dos alunos se apresentou como um grande desafio. Ações simples e profícuas que eram possíveis no ensino presencial, como pequenas tarefas orais em dupla ou pequenos grupos em diversos momentos da aula, correção de atividades em duplas etc. não se apresentavam mais como possibilidades para proporcionar momentos de interação que fomentassem a produção linguística dos estudantes.
Além disso, uma vez que durante as aulas remotas muitos alunos permaneciam com suas câmeras desligadas, a comunicação não verbal foi comprometida. Ao não ver as expressões faciais da maioria dos alunos, era difícil saber, por exemplo, se uma explicação gramatical, ou até mesmo uma instrução estava sendo suficientemente clara, se os alunos já tinham concluído determinada atividade etc. Assim, embora estimulássemos de forma constante e explicássemos a importância das câmeras ligadas, era angustiante ver e acompanhar as reações de poucos alunos durante as aulas.
Como uma forma de minimizar as limitações inerentes a essa falta de contato visual, passamos a estimular o uso de outras ferramentas do Google Meet, como o chat pelo qual todos os participantes da videoconferência podem enviar mensagens por escrito que são recebidas pelos outros participantes de forma instantânea. Nesse sentido, o chat foi uma ferramenta importante principalmente durante os momentos de apresentação e prática de conteúdo, pois os alunos podiam digitar perguntas para a professora que, por sua vez, podia esclarecer de forma instantânea as dúvidas em questão. Mais tarde outras funções úteis foram sendo disponibilizas pelo Google Meet, como “levantar a mão” para solicitar a fala e o envio de ideogramas (emojis) como formas de reação.
Como trabalhávamos com grupos com aproximadamente vinte alunos e em razão das limitações relacionadas ao tempo de duração das aulas nem sempre era possível promover atividades que permitissem a produção oral de todos os estudantes. Além disso, embora a participação dos alunos fosse sempre estimulada pela professora, além de manter as câmeras desligadas, muitos estudantes não participavam ativamente das aulas nem mesmo quando chamados pelo nome. Muitas vezes, os alunos apresentavam justificativas relacionadas à timidez ou até mesmo ao fato de estarem em ambientes inadequados, como locais barulhentos, com outras pessoas próximas etc.
Algumas versões do Google Meet permitiam que o organizador da videoconferência organizasse salas temáticas, ou seja, era possível dividir o grande grupo em sub salas que funcionavam de forma simultânea. Como não contávamos com essa função, para promover a prática oral em duplas ou trios, vimos, como alternativa, o uso de videochamadas por meio do aplicativo de mensagens WhatsApp. Como o uso de grupos de WhatsApp com os alunos já era uma prática comum mesmo antes do Ensino Remoto Emergencial, vimos nessa ferramenta uma possibilidade de promover a interação e a conversação entre os alunos. Assim, muitas vezes, após a apresentação e prática do conteúdo, a turma era dividida em pequenos grupos ou duplas para que pudessem realizar atividades orais por meio de uma chamada via WhatsApp, paralela à videoconferência do Google Meet.
Embora essa estratégia tenha se mostrado profícua, existiam algumas limitações, principalmente no que tange à dificuldade da professora em monitorar e auxiliar os estudantes durante a realização de tais atividades. Como uma forma de minimizar essas limitações, os alunos eram orientados a retomar a comunicação com a professora pelo Google Meet sempre que fosse necessário, como em casos onde apresentassem dificuldades de pronúncia, e anotar eventuais dúvidas que pudessem ser esclarecidas após as atividades de conversação, principalmente no que tange a possíveis dúvidas gramaticais.
Outra estratégia adotada no intuito de estimular a prática oral, foi a orientação para o envio de áudios no grupo de WhatsApp. Nessas ocasiões, após a apresentação e prática de determinado conteúdo, os alunos eram orientados a gravar um áudio curto e enviá-lo para que a professora e toda a turma pudessem ouvi-lo. Como exemplo, podemos citar uma atividade realizada como conclusão de uma lição sobre objetos do cotidiano (vocabulário) e o uso do artigo indefinido, singular e plural de substantivos (gramática). Na atividade em questão, os alunos deveriam gravar um áudio no qual diziam quais objetos tinham sobre suas mesas de estudo/trabalho e se a mesma estava organizada ou não.
Tais relatos e exemplos nos mostram a importância da flexibilidade do professor diante dos novos desafios que nos são impostos. Além disso, as experiências vividas por meio do ensino online , tem nos mostrado que embora esta modalidade de ensino seja permeada por desafios, a pandemia de COVID-19 nos colocou diante de uma urgência até então muitas vezes negligenciada por professores e pela sociedade em geral, a necessidade de novas perspectivas e possibilidades de ensino.
“E ali logo em frente, a esperar pela gente, o futuro está”
Ao versar sobre o pensamento sistêmico como o novo paradigma da ciência, Vasconcellos (2002) aponta que embora a ciência tradicional ainda se apresente de forma hegemônica, estamos passando por uma transição paradigmática. Ainda segunda a autora, a revolução digital mudou a maneira como as pessoas pensam e aprendem, o que exige que professores e outros profissionais, ampliem seus olhares.
Nesse mesmo sentido, de acordo com Moreira e Schlemmer (2020), impulsionadas pelas tecnologias digitais, as relações sociais e pedagógicas contemporâneas têm sofrido grandes transformações e a evolução tecnológica e digital tem sido determinante na reconfiguração dos ecossistemas e ambientes educacionais. Os autores destacam que os computadores e a internet não constituem soluções instantâneas para a didática tradicional e que a ênfase não deve estar na tecnologia em si, mas na forma como pensamos a educação, uma vez que embora as tecnologias se apresentem como uma oportunidade de inovação, a realidade exige uma mudança de paradigma. Embora o ensino remoto tenha sido adotado de forma emergencial mediante a crise sanitária iniciada em 2020, como uma forma de atender a demanda dos próprios alunos, a oferta de turmas online tem sido mantida no CL/FL/UFG, mesmo após a retomada das ofertas de turmas presenciais. Podemos inferir que muitos alunos optam pelo ensino online considerando as facilidades inerentes à tal forma de ensino, principalmente pelo fato de não ser necessário o deslocamento até o campus da UFG, onde as aulas presenciais ocorrem. Além disso, é sabido que a oferta de turmas online tem atraído estudantes de diferentes regiões do Brasil e até mesmo de outros países.
Nesse sentido, embora consideramos muitos desafios que são inerentes ao ensino online, alguns deles citados por nós nesse capítulo, acreditamos que essa forma de ensino seja um legado positivo deixado pela crise gerada durante a pandemia de COVID-19. Nessa perspectiva, Moreira e Schlemmer (2020) apontam que:
O que outrora se delineava em breves traços é hoje uma realidade possível de concretizar devido a esta migração forçada. No entanto, em grande parte dos casos, estas tecnologias foram e estão sendo utilizadas numa perspectiva meramente instrumental, reduzindo as metodologias e práticas a um ensino apenas transmissivo. É, pois, urgente e necessário transitar deste ensino remoto de emergência, importante numa primeira fase, para a educação digital de qualidade que defendemos (MOREIRA E SCHLEMMER, 2020, p. 7).
No que tange ao ensino de línguas estrangeiras, acreditamos no potencial do ensino online e, diante às experiências vividas durante o tempo de trabalho nesse formato, ousamos apontar a questão da interação e da produção oral dos estudantes, como o maior desafio de tal forma de ensino, principalmente na perspectiva do ensino comunicativo. Destarte, acreditamos que seja preciso manter as discussões inerentes a essa temática, desenvolver novas pesquisas, aprimorar ferramentas e estratégias para que possamos cada vez mais contar com o ensino online como uma alternativa ao ensino tradicionalmente presencial.
Referências
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SRICRIVENER, J. Classroom Management Techniques. Cambridge: Cambridge University Press, 2012.
VALGAS, H. M. A Musicoterapia em situações de luto: Possibilidades de Intervenção. 2013. 236 f. Dissertação (Mestrado em Música). Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2013.
VASCONCELLOS, Maria José Esteves. Pensamento sistêmico: o novo paradigma da ciência. Campinas: Papirus, 2002.
Notas
1. Bacharel em Musicoterapia e Mestre em Música (linha de pesquisa música, educação e saúde), pela Universidade Federal de Goiás. Licenciada em Letras-Inglês pela Faculdade de Letras da Universidade Federal de Goiás. Atua como professora de inglês do Centro de Línguas (CL/FL/UFG) desde 2015.
2. Aplicativo de videoconferências do Google.
3. Tal medida foi revista no semestre seguinte, quando as aulas passaram a ter uma hora e vinte minutos de duração.
4. Alguns sites utilizados à época foram: https://edpuzzle.com/, https://quizizz.com/?lng=en, https://matchthememory.com, https://www.liveworksheets.com/, https://wordwall.net.
5. Com o fim das limitações impostas às atividades presenciais, o termo Ensino Remoto Emergencial foi sendo substituído pelo termo “ensino online”.
6. Verso da canção Aquarela.