Trabalhando a Interculturalidade Crítica com Alunos de Inglês Iniciantes durante a Pandemia da Covid-19
Letícia Souza Rodrigues (PG/UFG)
Carla Janaina Figueredo (UFG)
Resumo: O presente trabalho tem como objetivo principal mostrar a forma com a qual a interculturalidade crítica foi trabalhada com alunos iniciantes de inglês durante a pandemia no Centro de Línguas da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Goiás (CL/ FL/ UFG). Este artigo é um recorte de dissertação de mestrado e trata-se de um estudo qualitativo de caso, de cunho etnográfico que contou com a participação de 13 alunos do nível 1, iniciantes no curso de inglês. Desse modo, buscou-se revelar a maneira que as aulas de inglês ocorreram durante a pandemia e também discutir o envolvimento dos alunos no processo de aprendizagem através de atividades com base nos pressupostos da interculturalidade crítica. Os dados foram gerados através dos instrumentos: questionário, entrevistas, além de aulas e atividades com perspectiva crítica e notas de campo. A pesquisa teve como base o ensino regular presencial, mas devido ao isolamento social, trabalhou-se com o Ensino Remoto Emergencial (Arruda, 2021; Paiva, 2020). A análise dos dados foi baseada nos domínios culturais propostos por Spradley (1980). O estudo fundamenta-se na perspectiva de língua como prática social (Bakhtin, 2006), na relação língua-cultura (Risager, 2006; Kramsch, 1998, 2012; Figueredo, 2013), e na interculturalidade crítica (Aman, 2014, 2015; Walsh, 2008; Candau (2005, 2010). Os dados revelam que as aulas de inglês com abordagem intercultural foram de grande valia para os participantes da pesquisa, pois eles demonstraram mais autonomia no processo de aprendizagem bem como adquiriram um posicionamento crítico em relação a aspectos linguísticos e culturais.
Palavras-chave: Interculturalidade Crítica. Ensino Remoto Emergencial. Centro de Línguas.
Abstract: The present work has as main objective to show the way in which critical interculturality was worked with beginners of English during the pandemic at the Language Center of the Faculty of Letters of the Federal University of Goiás (CL/FL/UFG). This article is an excerpt from a master's dissertation and it is a qualitative case study, of an ethnographic nature, with the participation of 13 level 1 students, beginners in the English course. In this way, we sought to reveal the way in which English classes took place during the pandemic and to discuss the involvement of students in the learning process through activities based on the assumptions of critical interculturality. The data were generated through the instruments: questionnaire, interviews, in addition to classes and activities with a critical perspective and field notes. The research was based on regular face-to-face teaching, but due to social isolation, Emergency Remote Teaching was used (Arruda, 2021; Paiva, 2020). Data analysis was based on the cultural domains proposed by Spradley (1980). The study is based on the perspective of language as a social practice (Bakhtin, 2006), on the language-culture relationship (Risager, 2006; Kramsch, 1998, 2012; Figueredo, 2013), and on critical interculturality (Aman, 2014, 2015; Walsh, 2008; Candau (2005, 2010). The data reveal that the English classes with an intercultural approach were of great value to the research participants, as they demonstrated more autonomy in the learning process as well as acquired a critical position in relation to linguistic and cultural aspects.
Keywords: Critical Interculturality. Emergency Remote Teaching. Language Center.
Introdução
No decorrer das aulas de inglês para brasileiros iniciantes nos últimos anos, percebemos que os alunos geralmente chegam às aulas com muitos anseios, expectativas, medos e poucas noções acerca da língua-alvo e das comunidades falantes da língua que estão aprendendo e de seu próprio processo de aprendizagem. Durante o primeiro contato que esses estudantes têm com o inglês, é possível observar a existência de conflitos relacionados à língua e às culturas.
A experiência de lecionar uma Língua Estrangeira (LE) para alunos iniciantes é enriquecedora, e, por isso, defendemos que a base do processo de aprendizagem de uma LE deve ser bem consolidada, afim de que o processo seja menos doloroso e faça mais sentido ao estudante. Com a intenção de promover a formação de aprendizes interculturais, capazes de se engajarem em interações com pessoas de diferentes culturas e línguas, iniciamos esta pesquisa em 2020, que resultou em uma dissertação de mestrado em Linguística Aplicada. Este artigo é um recorte que tem como foco as aulas de inglês que foram realizadas através do Ensino Remoto Emergencial (ERE) durante a pandemia da Covid-19, no Centro de Línguas (FL/UFG).
O nosso intuito como professoras de aprendizes iniciantes era fazê-los olhar a língua não somente como um amontoado de regras, mas sim como uma ferramenta de interação social, que consequentemente envolve interações com diferentes culturas (Bakhtin, 2006). Devido ao isolamento social, alguns desafios surgiram e todos os envolvidos no âmbito da educação tiveram de se adaptar. Dessa forma, a pergunta norteadora deste trabalho foi a seguinte: Como trabalhar a interculturalidade crítica com discentes iniciantes na aprendizagem do inglês durante a pandemia? Para responder tal pergunta, o objetivo principal do estudo foi mostrar a forma com a qual a interculturalidade crítica foi trabalhada com estudantes em questão durante a pandemia. Os objetivos específicos foram: 1) Revelar a maneira que as aulas de inglês ocorreram durante a pandemia da Covid-19 no Centro de Línguas FL/UFG; e 2) Discutir o envolvimento desses aprendizes no processo de aprendizagem através das atividades com base nos pressupostos da interculturalidade crítica.
A relação língua e cultura
Esta pesquisa tem como base primordial uma visão sociointeracionista da língua. Ou seja, a língua é entendida como prática social. No que diz respeito a essa questão, Bakhtin (2006) reitera que o sujeito será sempre moldado por condições sociais nas quais estiver inserido, ou seja, toda expressão é moldada pelo meio social. A linha bakhtiniana de pesquisa trata a língua como alvo vivo e em constante mudança, que constitui enunciados concretos carregados de valores e ideologias. Seguindo a linha de Bakhtin, neste trabalho a língua é percebida como prática social. Ademais, é importante mencionar que, para Bakhtin e Volochínov, as condições socioeconômicas não são dominantes, mas sim contribuintes para que o sujeito construa sentidos. (Bakhtin-Volochínov, 2006). Para o Círculo de Bakhtin, a criação ideológica e os signos são históricos e sociais. É chamado de ideológico tudo que engloba os produtos do universo da criatividade humana, como a arte e a filosofia, por exemplo (Faraco, 2009). Por sua vez, cada sujeito carrega, além de suas experiências sociais, suas significações individuais.
As significações podem ser consideradas a cultura de um sujeito. Desse modo, acerca do conceito de cultura, é importante destacar que existem diversas definições. Kramsch (1998) discute cultura de uma forma que se relaciona com o conceito de ideologia de Bakhtin. Para ela, a cultura de um sujeito pode envolver discursos de uma comunidade que compartilha o mesmo espaço social e histórico. Ou seja, em meio às interações do sujeito, ele cria significados e ideologias, que vão formar sua identidade cultural. Neste trabalho, será adotada a definição de cultura de Kramsch (1998, p. 10), em que
cultura pode ser definida como referindo-se aos membros de uma comunidade discursiva, que compartilham um espaço social e histórico e que têm concepções imaginativas em comum. Mesmo quando tais membros deixam a comunidade, eles preservam, onde quer que estejam, um sistema comum de padrões para perceber, acreditar, avaliar e agir. Esses padrões podem ser denominados como sendo sua “cultura”.
Sendo assim, podemos dizer que um indivíduo que está inserido em um espaço social e histórico vai sempre carregar um sistema de valores único, que foi moldado e organizado pelas suas raízes.
É sabido que existe uma relação entre língua e cultura. Desse modo, Risager afirma que “línguas se disseminam através de culturas” e “culturas se disseminam através de línguas” (Risager, 2006, p. 64). Ademais, Kramsch (1998) defende que a língua é o principal meio que conduz nossas vidas sociais, ou seja, expressamos nossa realidade cultural de acordo com o que vivemos e significamos.
Ao se tratar do ensino de línguas, Figueredo (2013) reitera que a relação língua-cultura não é simples, pois existe a possibilidade de conflitos. Muitas vezes, estudantes de uma Língua Estrangeira lidam com diversos desafios dentro da sala de aula. Esses conflitos vão de sentimentos de estranhamento com a língua (o código linguístico em si) até um choque cultural, por se tratar de um contexto sociocultural distinto do qual o estudante está acostumado, por exemplo, (Figueredo, 2013). Neste trabalho, buscamos enfatizar a relação intrínseca entre língua e cultura, e o fizemos através dos pressupostos da interculturalidade crítica.
Considerações sobre a interculturalidade crítica e o ensino de inglês
Muito se fala em uma educação intercultural, mas é preciso se atentar ao significado do termo interculturalidade. Por vezes, interculturality e interculturalidad são traduzidos para o português como interculturalidade. No entanto, existem diferenças teóricas e práticas entre os dois termos. Aman (2015) fala é o termo utilizado pela UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) para definir o método que enfrenta desafios culturais de uma sociedade. Nesse sentido, a interculturality busca um diálogo único em todos os países e aproveita das ligações linguísticas da Europa. Para tal objetivo, são usadas línguas consideradas globais, como o inglês e o francês. A intenção é unir línguas e culturas em um produto único (Aman, 2015). Em contrapartida, o termo interculturalidad é usado para propor um caminho que valoriza todas as línguas e culturas. Nesse viés, a proposta é construir uma sociedade democrática, levando em consideração a igualdade de direitos e também a justiça e as diferenças culturais (Candau, 2010).
Neste trabalho, seguimos os pressupostos do termo interculturalidad, que em muitos estudos, é traduzido para o português como interculturalidade crítica. O objetivo então é levantar questionamentos acerca de questões socialmente impostas, questionar diferenças, desigualdades e levantar alternativas ao caráter monocultural que domina grande parte do mundo (Candau, 2005; 2010).
Aman (2014) defende a importância de uma educação intercultural para equipar os estudantes com conhecimento para desmistificar a ideia de que uma cultura é superior à outra. A interculturalidade crítica aplicada em um contexto de aprendizado de inglês sugere ao professor propor discussões sobre aspectos culturais da língua-alvo em uso. Além disso, revela aos estudantes questões acerca de variedades linguísticas, identidade cultural, aspectos sociais, entre outros.
O objetivo das aulas realizadas com base nos pressupostos da interculturalidade crítica foi fazer com que o aluno se posicionasse, tivesse autonomia em seu processo de aprendizagem de inglês. A intenção principal foi formar estudantes interculturais, capazes de entender melhor e se posicionar diante dos desafios enfrentados, dentro e fora da sala de aula, no que diz respeito à língua inglesa e ao aprendizado dela. Além disso, buscamos oferecer oportunidade aos alunos de refletirem sobre sua própria cultura e as culturas dos falantes da língua que estavam estudando.
No tocante à identidade dos aprendizes, às aulas de inglês e ao processo de ensino e aprendizagem, Figueredo (2013, p. 305) reitera que “[o] processo ensino-aprendizagem de inglês deve abranger uma esfera de interculturalidade em que os indivíduos possam considerar e refletir sobre sua própria língua-cultura em face da língua-cultura alvo”. Em outras palavras, o objetivo não é somente expor fatores que compõem a cultura do outro, como eventos, gírias, costumes, entre outros, mas, também, fazer com que os aprendizes reflitam, relacionem e façam considerações acerca de sua própria cultura.
De acordo com Or e Almeida (2012, p. 07), na perspectiva intercultural, o professor de língua inglesa precisa pensar em cultura a partir de dois questionamentos, sendo eles: 1) Quais elementos culturais de um país que tem o inglês como língua oficial serão abordados de maneira a levar o estudante a refletir sobre sua própria cultura em relação à cultura do outro? e 2) De que maneira o professor pode despertar no aluno uma postura intercultural que o faça resguardar sua identidade? Desse modo, a interculturalidade crítica, aplicada em um contexto educacional de ensino de inglês, busca intensificar discussões acerca de aspectos culturais, sociais e econômicos, além de identidade, variedades linguísticas, entre outros temas que visam colocar o estudante em reflexão.
Ademais, sabe-se que aprender uma língua está muito além de aprender suas regras gramaticais e sistêmicas, aprender uma língua é interagir com o outro. Essa interação acontece e as línguas e culturas são disseminadas, formando assim um “fluxo cultural”, que é uma metáfora criada por Risager e baseada na imagem de um rio, onde as águas fluem. O rio é a sala de aula de LE e as águas que fluem são as culturas dos falantes fluindo por meio da língua. O indivíduo produz textos que são recebidos e interpretados, e então essas interpretações se transformam em outros textos (ou discursos) e são enviados, e o fluxo continua (Risager, 2006). Além disso, é possível declarar que no fluxo cultural o locutor se expressa e dissemina sua cultura para o outro, que pode ser falante de sua língua materna ou não, e ao mesmo tempo é influenciado pela cultura do interlocutor. A metáfora do fluxo linguístico cultural torna possível considerar a língua e a cultura como fenômenos que se propagam, através da interação, em diferentes níveis, do micro ao macro. No nível micro as interações podem ser por meio de conversas multilíngues, com alternância de códigos, e no nível macro pode-se pensar em comunidades linguísticas mediadas por tradução ou adaptação de textos, entre outros (Risager, 2006). O importante aqui é analisar quais fluxos linguístico-culturais estão sendo disseminados no contexto da sala de aula de LE: os fluxos são eurocentrados ou valorizam também culturas e línguas locais? É uma reflexão que cabe ao professor de inglês que atual sob a perspectiva da interculturalidade crítica.
O ensino remoto emergencial
O Ensino Remoto Emergencial (ERE) foi implementado no primeiro semestre de 2020 como forma de diminuir os impactos da pandemia da Covid-19. O Ministério da Educação, juntamente com professores e profissionais da educação, criou estratégias pedagógicas para que as aulas pudessem acontecer de forma on-line. Os representantes de cada estado ou município puderam adotar decretos oficiais sugerindo como as escolas iriam conduzir as aulas no novo formato emergencial (Paiva, 2020).
O ERE está dividido em aulas síncronas e atividades assíncronas. Nas aulas síncronas, o professor e o aluno se encontram ao vivo através de plataformas de aulas on-line, sendo as mais comuns: Zoom e Google Meet. Já as atividades assíncronas são atividades extras, enviadas aos alunos pelos professores para complementar a carga horária e para que o aluno esteja mais conectado aos conteúdos trabalhados, são elas: vídeo-aulas gravadas, exercícios, jogos, leituras, entre outros (Arruda, 2020).
Vários estudos com foco nos efeitos da pandemia foram realizados em 2020 e continuam sendo publicados até o presente momento, início de 2022. O Instituto Península analisou, em 2021, as considerações de quase 3 mil professores acerca do ERE no Brasil. O estudo quantitativo foi realizado através de questionário on-line. Os resultados obtidos na pesquisa apresentam alguns desafios enfrentados pelos profissionais, sendo eles: 1) Os docentes brasileiros não se sentiam preparados para a missão de ministrar aulas remotas; 2) As redes privadas de educação conseguiam oferecer mais suporte aos alunos, se comparado às redes Estaduais e Municipais; e 3) Houve impacto na saúde mental dos docentes participantes da pesquisa. Em contrapartida, Rodrigues e Figueredo (2021) revelaram alguns pontos positivos do ERE, na perspectiva de dois professores de inglês e seus alunos. São eles: 1) A variedade de materiais e recursos disponíveis on-line; 2) A questão de mobilidade – alguns alunos expressaram para o professor a preferência pelas aulas on-line devido ao fato de não precisarem gastar horas no trânsito para chegar à escola; e 3) A autonomia do aluno em seu próprio processo de aprendizagem aumentou. Portanto, podemos perceber que assim como toda modalidade de ensino, o ERE apresenta benefícios e malefícios, os quais todos os profissionais da educação e estudantes estão lidando para preservar um bem mais importante: a saúde de todos.
Na próxima seção, apresentamos de forma mais detalhada os participantes do estudo e a forma como aconteceram as aulas on-line no Centro de Línguas (FL/UFG).
O contexto do estudo
Esta pesquisa qualitativa é um estudo de caso de cunho etnográfico. André (2012) diz que o estudo de caso na área da educação é um estudo descritivo de uma unidade, escola, professor, aluno, ou sala de aula. Deste modo, nesta pesquisa o foco de análise e descrição é uma sala de aula de alunos iniciantes em um curso de inglês.
A instituição de ensino onde esta investigação foi realizada é um projeto de extensão da Faculdade de Letras (FL) da Universidade Federal de Goiás (UFG). A universidade fica na região centro-oeste do Brasil, na cidade de Goiânia.
O projeto é intitulado Centro de Línguas (CL) e conta com aulas de inglês, espanhol, francês, italiano, alemão, português para estrangeiros e libras. O projeto de extensão foi criado em 1995 e tem como objetivo atender à comunidade geral e à comunidade acadêmica com cursos de línguas a preços acessíveis. Apesar de estar localizado dentro de uma universidade pública, o projeto de extensão cobra um valor fixo dos alunos referente ao semestre de estudos. Ao se matricularem, os estudantes pagam uma taxa, que é bem acessível se comparado a valores de escolas de línguas particulares da cidade de Goiânia. A taxa cobre despesas de materiais didáticos, salário dos profissionais, entre outros.
A maioria dos professores do projeto são alunos ou ex-alunos da Faculdade de Letras, ou seja, o projeto oferece tanto oportunidade de estágio para os graduandos quanto oportunidade de trabalho para professores graduados e proporciona experiências de observação e análise de novas metodologias e técnicas de ensino e aprendizagem de línguas.
O projeto contribui para a educação linguística de forma notória, pois oferece um ensino de qualidade e acessível à comunidade. Além disso, o CL colabora com enriquecimento cultural dos cidadãos da cidade de Goiânia e cidades vizinhas, além de considerar a importância de aspectos linguísticos e culturais para a formação do indivíduo.
As aulas de inglês on-line do centro de línguas
As aulas, atualmente, são mediadas por tecnologias e cada instituição escolheu a melhor forma de trabalho de acordo com as necessidades dos alunos (Arruda, 2020). O Centro de Línguas optou por continuar seguindo os horários das aulas, ou seja, se um discente se matriculou em um curso onde as aulas presenciais eram aos sábados pela manhã, ele/ela continuaria assistindo aulas aos sábados no turno matutino, a diferença é que as aulas deixaram de ser presenciais e começaram a ser on-line. Foram feitas pesquisas, no início da pandemia, com o intuito de a instituição saber se todos os matriculados tinham condições de acesso a dispositivos, como computadores de mesa, notebook, celulares e acesso à internet e, após algumas adaptações, as aulas on-line iniciaram. As pesquisas foram feitas através de formulários enviados aos participantes e as aulas começaram somente quando a instituição garantiu que todos tinham condições de participar da modalidade remota. Paiva (2020) afirma que o Brasil não estava preparado para a mudança do ensino presencial para o remoto devido ao fato de que nem todos os estudantes têm acesso a dispositivos e internet. Desta forma, alguns desafios foram surgindo durante as aulas, como falta de conexão, internet de baixa qualidade, entre outros, os quais vou apresentar e detalhar na discussão dos dados.
Algumas das adaptações da Universidade Federal de Goiás para o início do Ensino Remoto Emergencial (ERE) em 2020 foram: um programa de formação para auxiliar professores e alunos, intitulado Programa Integrado de Formação para o Ensino Remoto Emergencial (ERE), que foi iniciado dia 06 de agosto de 2020; além disso, foi criado um E- book com orientações, chamado Diretrizes didático-pedagógicas para a organização do ensino remoto na UFG; ademais, o Programa UFGID de inclusão digital entregou, inicialmente, mais de 100 computadores e tablets para estudantes de baixa renda; entre outros (UFG, 2020).
Com relação às aulas on-line de inglês no CL, os professores usaram a plataforma do Google Meet para lecionar as aulas síncronas, que aconteceram 2 vezes na semana, sendo uma de 1 hora e 40 minutos por dia, ou 1 vez na semana, sendo 3 horas e 20 minutos de aula. As atividades assíncronas foram passadas aos alunos sempre ao final de cada aula. Alguns professores também utilizaram o Google Sala de Aula para enviar materiais extras para os alunos estudarem e praticarem a língua em casa.
O curso de inglês do Centro de Línguas da UFG tem duração de quatro anos, sendo oito semestres, 60 horas de duração. O curso forma alunos de nível básico até o nível intermediário. Assim sendo, as aulas síncronas do nível 1 da turma participante da pesquisa eram realizadas através da plataforma Google Meet, aos sábados, no período vespertino, das 13:30h as 17h. Já as atividades assíncronas (todo o material extra) eram mediadas por uma plataforma própria da instituição em parceria com a universidade, o nome da plataforma é Portal Eduq/CL e apenas alunos devidamente matriculados e professores possuem acesso. O livro didático adotado pela instituição é o English File – Elementary Third Edition da Editora Oxford University Press.
Os participantes do estudo
A turma escolhida para a pesquisa contava com 26 alunos. Desses, 13 preencheram e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) para participarem da pesquisa. É importante deixar claro que, apesar de nem toda a turma estar participando da pesquisa, todos os alunos participaram das aulas sob a perspectiva da interculturalidade crítica. Porém, só serão utilizados os dados daqueles alunos que assinaram o TCLE e concordaram com a participação.
No quadro a seguir, podemos observar alguns dados dos participantes; os pseudônimos, a idade, grau de escolaridade e profissão. Os dados apresentados foram retirados do questionário inicial aplicado no início do estudo, e as informações revelam o perfil dos participantes.
Quadro 01 – Os alunos participantes do estudo
PARTICIPANTES / QUESTIONÁRIO INICIAL | |||
---|---|---|---|
Pseudônimo | Idade | Escolaridade | Profissão |
ANA | 19 | Graduanda em Engenharia Florestal | Estudante |
JOSÉ | 21 | Graduando em Medicina | Estudante |
ROMEO | 37 | Graduado em Análise e Desenvolvimento de Sistemas |
Analista de Sistemas |
BLUE | 23 | Graduado em Farmácia | Farmacêutico |
FRANCIELLY | 28 | Graduanda em Farmácia | Estudante |
MANU | 21 | Graduada em Enfermagem (Técnica) | Técnica de enfermagem |
FÉ | 43 | Graduada em Enfermagem | Enfermeira |
GABRIEL | 24 | Graduando em Arquitetura | Estudante |
PÊAGÁ | 19 | Superior Incompleto | Embalador |
FERNANDO | 31 | Graduado em Eletrotécnica | Técnico em Eletrotécnica |
LUA | 21 | Graduanda em Artes Visuais | Professora |
MARIA | 23 | Graduanda em Fisioterapia |
Estudante |
ZÉ | 33 | Graduado em Farmácia | Farmacêutico e Professor |
Todos os participantes eram maiores de idade, e a idade deles variava de 19 a 43 anos. Dos 13 alunos, 5 eram estudantes de graduação, 7 eram graduados e atuavam em diferentes áreas e 1 deles começou, mas não concluiu o ensino superior.
Spradley e os domínios culturais
Para a análise dos dados gerados, foram utilizados os pressupostos teóricos de Spradley (1980). Em Participant Observation, Spradley (1980) afirma que o domínio cultural é uma categoria de significados culturais que inclui outras categorias menores. Os domínios culturais são constituídos por três elementos básicos, são eles: a) o termo geral; b) os termos incluídos; e c) a relação semântica. O termo geral é a situação de modo amplo, e é o nome que se dá para o domínio cultural. Os termos incluídos são as categorias menores relacionadas ao termo geral. E, por fim, a relação semântica é a responsável pela união do termo geral com o termo incluído. Spradley (1980) ressalta que qualquer descrição de domínios culturais envolve o uso da língua. O autor salienta que os termos gerais, os incluídos e as relações semânticas são palavras e frases que dão significados a tudo que está sendo observado pelo pesquisador: objetos, eventos e atividades, por exemplo.
Spradley (1980) apresenta nove domínios culturais que podem auxiliar o pesquisador etnógrafo na hora de analisar os comportamentos e significados culturais. Os domínios podem ser visualizados no quadro a seguir:
Quadro 02: Modelo de análise dos domínios culturais proposto por Spradley (1980).
Relação | Forma | Exemplo |
---|---|---|
1. Inclusão estrita | X é um tipo de Y | Uma testemunha esperta é um tipo de testemunha. |
2. Espacial | X é um lugar em Y | A sala de júri é um lugar no tribunal. |
3. Causa-efeito | X é o resultado de Y | Servir na sala de júri é o resultado de ter sido selecionado. |
4. Razão | X é a razão para fazer Y | Um alto número de casos é a razão para ir rápido. |
5. Local-para-ação | X é o lugar de fazer Y | A sala de júri é um lugar para ouvir casos. |
6. Função | X é usado para Y | Testemunhas são usadas para apresentar evidências. |
7. Meio-fim | X é um modo de fazer Y | Fazer um juramento é um modo de simbolizar a sacralidade da promessa em júri. |
8. Sequência | X é uma fase (estágio) de Y | Fazer visitas à prisão faz parte (estágio) das atividades do júri |
9. Atribuição | X é uma atribuição (característica) de Y | Autoridade é uma atribuição (característica) do advogado. |
Spradley afirma que toda análise envolve maneiras de pensar, além disso, a análise é uma busca por padrões. Sendo assim, os padrões repetidos observados durante a geração dos dados foram colocados no quadro de domínio cultural que o autor sugere, como no exemplo:
Quadro 03- Modelo do domínio cultural Razão
Termos incluídos | Relação semântica | Termo geral |
---|---|---|
X | É a razão para | Y |
Não conhecer aspectos culturais da língua-alvo |
É a razão para | Acreditar que não é capaz de aprender tal língua |
No exemplo anterior, a fato de o aluno não conhecer aspectos culturais da língua que está estudando é a razão que o faz acreditar que não é capaz de aprender a língua. A relação utilizada no exemplo é a de número 4 de acordo com o quadro proposto por Spradley, é o domínio Razão. O modelo de Spradley para a análise dos domínios culturais foi utilizado neste trabalho para identificar e analisar os significados culturais de alunos iniciantes de um curso de inglês oferecido pelo Centro de Línguas (CL). Significados estes que dizem respeito à língua, ao processo de aprendizagem do inglês e aos diferentes contextos socioculturais em que estão inseridos.
Discussão dos dados
Os instrumentos utilizados para gerar os dados desta pesquisa foram os seguintes: questionário, entrevistas etnográficas e notas de campo. Além disso, foram planejadas e executadas aulas com base na perspectiva da interculturalidade crítica durante o primeiro semestre letivo de 2021 e o primeiro período do curso de inglês dos estudantes. Ademais, a observação participante foi utilizada em todos os momentos de geração dos dados.
Os dados foram analisados com base nos pressupostos teóricos de Spradley (1980). Considerando os domínios culturais propostos pelo autor, apresentados no Quadro 01, foi feita uma seleção de falas e de comportamentos recorrentes dos participantes, durante o período de geração dos dados. Para a discussão, apresentamos recortes de três aulas sob a perspectiva da interculturalidade crítica que foram realizadas durante a geração dos dados deste estudo.
Iniciamos com uma atividade sobre diferentes sotaques da língua inglesa, que foi realizada na Aula 03, no dia 17 de abril de 2021. Foram feitas duas perguntas aos alunos: 1) Quantos sotaques você acha que existem no inglês? e 2) Você acredita ser possível saber falar com todos os sotaques? Desse modo, algumas das respostas foram as seguintes:
Recorte 01 (Fonte: Notas de Campo em 17 de abril de 2021)
Manu: Eu sei que tem o inglês americano e o inglês britânico. Sei que tem os dois, mas não sei as diferenças entre eles.
Fé: Se for igual aqui no Brasil são muitos sotaques, né
Maria: Mas aí temos que aprender todos? Acho que não dá não.
Logo após a discussão inicial, pedi aos alunos que assistissem a um vídeo chamado Different Accents from all over the World (Diferentes sotaques ao redor do mundo). O vídeo foi retirado do Youtube e pertence a um canal chamado English With Nab. O vídeo mostra professores de inglês de vários países falando com seus diferentes sotaques. Primeiramente, eles se apresentam, falam seu nome e de onde são e depois eles pronunciam diferentes palavras. Nesse momento, os alunos puderam perceber a enorme variedade de sotaques que existem no inglês. Eles ficaram impressionados e alguns dos comentários foram:
Recorte 02 (Fonte: Notas de Campo em 17 de abril de 2021)
Lua: Gostei de ver que, mesmo sendo sotaques diferentes, consegui entender as palavras que eles estavam falando.
José: Muito bom o vídeo! Não imaginava tantas variedades assim.
Após a reflexão, algumas perguntas foram feitas aos alunos acerca das variedades linguísticas e de toda a mídia gerada com o slogan “Fale como um nativo”. Conforme a figura abaixo:
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Após as contribuições, expliquei a eles um pouco sobre as variedades da língua inglesa e mencionei que todas as línguas têm suas variedades. Falamos sobre o Brasil e a Língua Portuguesa, as pessoas de cada estado falam com um sotaque diferente, algumas palavras têm até significados diferentes, mesmo assim conseguimos nos comunicar. Como atividade para casa, foi pedido aos alunos que pesquisassem um pouco sobre a língua que estavam aprendendo e suas variedades. Maria citou um exemplo:
Recorte 03 (Fonte: Notas de Campo em 17 de abril de 2021)
Maria: Mandioca e Macaxera é um ótimo exemplo, cada região chama de um nome, mas é a mesma comida.
Kramsch (1998) reitera que, para falantes nativos, não é natural reconhecer que as palavras são signos arbitrários. Essa afirmação serve para qualquer língua, quando se é nativo, as palavras fazem parte de nossas vidas. A autora afirma que para o nativo, palavras e pensamentos são um só. Essa reflexão acerca da palavra só fica mais explícita quando o sujeito começa a aprender uma segunda língua. Por sua vez, um aprendiz de LE, segundo Kramsch (1998) organiza o conhecimento sobre o mundo de forma a prever significados, interpretações e relações de acordo com qualquer nova informação que venha a encontrar.
A segunda atividade foi feita com os alunos ao longo da aula sobre sentimentos, a Aula 06, que aconteceu no dia 22 de maio de 2021. Inicialmente, eles aprenderam vocabulário sobre sentimentos, praticaram através de um jogo de perguntas e respostas, em seguida, iniciamos as reflexões. Pedi aos alunos que falassem quais sentimentos estariam enfrentando durante aqueles dias no que diz respeito ao processo de aprendizagem de inglês, algumas das respostas foram:
Recorte 04 (Fonte: Notas de Campo em 22 de maio de 2021)
José: I am confused and excited
Fé: I am happy por que estou entendendo muita coisa
Ana: I am excited, happy and anxious
Após a discussão, mostramos aos alunos alguns slides com fatores existentes no aprendizado de línguas, como crenças, motivação e diferentes estilos de aprendizagem, a fim de fazer com que os alunos se apropriassem e tivessem autonomia sobre o processo que estavam vivendo. Ana fez um comentário que reforçou ainda mais a importância de compartilhar essas informações com estudantes de LEs.
Recorte 05 (Fonte: Entrevista Final realizada entre 21 a 26 de junho de 2021)
Ana: Você me ensinou a aprender, eu nem sabia que eu precisava disso mas precisava. Aprendi a aprender inglês com as suas aulas.
Ana menciona que aprendeu a aprender. Durante as aulas ela teve oportunidade de refletir sobre o processo de aprender inglês, os fatores que influenciam na aprendizagem e diferentes estilos de aprendizagem. A fala dela de acordo com os domínios culturais de Spradley (1980) se configura no domínio ‘Espacial’, conforme o quadro abaixo revela:
Quadro 04: A sala de aula é um lugar para se refletir sobre a aprendizagem
Termos incluídos | Relação semântica | Termo geral |
---|---|---|
X | É um lugar | Y |
A sala de aula (neste caso virtual) de inglês |
É um lugar para | Se aprender e refletir sobre a aprendizagem |
Santos (2001 apud Candau, 2005, p. 10) assevera que “as pessoas e os grupos sociais têm o direito a ser iguais quando a diferença os inferioriza, e o direito a ser diferente quando a igualdade os descaracteriza”. Desse modo, a reflexão sobre o processo de aprendizagem de uma LE permite que os alunos tenham mais conhecimento sobre os espaços sociais e culturais que ocupam na sociedade. Consequentemente, eles terão mais chances de defender suas próprias identidades, raízes, língua materna e culturas, perante as imposições coloniais. Assim, conforme defende Walsh (2008, p.145), refletir sobre “a interculturalidade implica dar atenção para o modo como as novas constituições destacam lógicas, racionalidades e modos de viver socioculturais historicamente negados e subordinados”.
Conforme os alunos participavam das aulas, suas perspectivas da relação língua e cultura iam mudando. Na Aula 07 , realizada em 05 de junho de 2021, falamos sobre algumas questões culturais que perpassam papéis de gênero. Começamos com um jogo de True or False (Verdadeiro ou Falso) em que os alunos dariam opinião sobre os fatos apresentados. Todos os fatos traziam algum dado linguístico ou cultural. Em seguida, mostrei uma imagem aos alunos para reflexão:
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A imagem é alarmante e mostra um claro choque cultural entre as duas mulheres. Com relação a isso, Figueredo (2013, p. 303) afirma que “é preciso mostrar-lhes que os diferentes olhares sobre a realidade se diferenciam conforme a cultura de cada um, fazendo com que a língua utilizada expresse uma visão de mundo específica”. Desse modo, foi imprescindível mostrar aos alunos que ao aprender inglês eles estariam aprendendo também diferentes culturas, bem como ensinar a eles que toda cultura e língua tem o seu valor e espaço na sociedade.
Recorte 06 (Fonte: Notas de Campo em 05 de junho de 2021)
José: Eu já havia visto essa imagem, realmente é muito legal trazer essa discussão para a sala de aula, por que isso tem tudo a ver com a cultura deles, e consequentemente com a língua delas.
Manu: As duas tiveram um choque cultural.
Ana: O engraçado é que cada uma pensa que o seu jeito de se vestir é o certo, né?
É muito interessante ver a maturidade que os alunos participantes revelaram no decorrer das aulas com relação tanto aos aspectos linguísticos quanto culturais. José, Manu e Ana fizeram comentários muito relevantes para um ambiente de aprendizagem de inglês, pois conforme Bakhtin-Volóchinov (2006), a linguagem não pode ser vista apenas como um sistema e um amontoado de regras gramaticais, mas sim, como um objeto de interação. Ainda na perspectiva bakhtiniana, reforçamos que, nesta pesquisa, a língua é percebida como algo vivo, na qual o sujeito expressa suas ideologias, suas culturas e se transforma a cada interação social.
Com relação ao inglês na modalidade remota emergencial, os alunos comentaram sobre alguns desafios enfrentados. Os desafios mencionados e observados durante o processo de geração dos dados deste estudo, com relação ao ensino remoto foram os seguintes: 1) Falta de uma boa conexão de internet; 2) Áudios atrasados ou com cortes que atrapalhavam o entendimento; 3) Quedas de energia; 4) Falta de oportunidades de comunicação entre os próprios alunos; entre outros.
Algumas notas de campo mostram momentos em que os desafios apareceram na Aula 06:
- Manu saiu da chamada e voltou dizendo que a internet tinha caído;
- Romeo não conseguiu ligar o microfone na aula hoje (mas respondeu a pergunta dirigida a ele no chat)
Entretanto, os desafios mencionados não estão ligados diretamente à língua inglesa, mas sim a outros fatores existentes na modalidade on-line de aulas. Além disso, todos os alunos afirmaram estar satisfeitos com as aulas apesar dos desafios do ERE, como menciona Gabriel na última entrevista:
Recorte 08 (Fonte: Entrevista Final realizada entre 21 e 26 de junho de 2021)
Gabriel: Eu aprendi muito mais do que imaginei porque meu histórico de matérias on-line não é bom. O inglês no modo remoto me surpreendeu positivamente.
Observa-se que os desafios que surgiram não atrapalharam o rendimento das aulas, bem como o objetivo principal da pesquisa que foi trabalhar a interculturalidade crítica em uma turma de iniciantes do curso de inglês.
Ademais, durante a entrevista final, perguntamos aos alunos de que forma as aulas contribuíram para os seus desenvolvimentos pessoal e crítico.
Recorte 09 (Fonte: Entrevista Final realizada entre 21 a 26 de junho de 2021)
Blue: Na última aula que você deu minha percepção mudou sobre a questão de querer falar como um nativo norte americano. Eu não tenho mais essa necessidade, eu quero aprender a falar, entender e ser entendido.
Fernando: Foi muito importante aquilo que discutimos sobre o slogan “Fale como um nativo” e “Fale como um bilíngue”. Me sinto menos pressionado.
Gabriel: A gente acaba exigindo muito de nós mesmos quando nos comparamos com nativos, é uma síndrome de vira-lata. Foi muito bom ver que isso não precisa ser um objetivo.
Quadro 05: Refletir sobre variedades linguísticas e culturais trazem conforto ao aluno
Termos incluídos | Relação semântica | Termo geral |
---|---|---|
X | É um modo de fazer | Y |
Refletir sobre variedades linguísticas e culturais | É um modo de fazer | Com que o aluno se sinta menos pressionado e mais confortável com o processo de aprendizagem |
Ademais, ainda com relação às variedades da língua inglesa, o aluno Blue fala de como sua percepção mudou após as aulas fundamentadas na perspectiva da interculturalidade crítica e na decolonialidade que foram realizadas no curso de inglês nível 1. Os excertos do recorte acima apoiam a reflexão de Kramsch (1998) em sua obra Language and Culture, em que a autora questiona quem tem a autoridade de definir o que realmente representa uma cultura: aquele que está longe observa e estuda a cultura, ou aquele que está perto e vive a experiência dela? A ideia de falar como um nativo é problemática e, através dos dados, podemos perceber que essa crença causa aflição nos aprendizes.
Na próxima seção, finalizamos com as considerações finais deste artigo.
Considerações finais
O primeiro desafio encontrado durante este estudo foi com relação à pandemia da Covid-19. O pré-projeto foi feito para atender os alunos participantes de forma presencial. Porém, com o isolamento social, as aulas passaram a ser on-line e o Ensino Remoto Emergencial foi implementado. Apesar das adaptações que todos os envolvidos no ambiente escolar fizeram, foi possível dar andamento à pesquisa e alcançar os objetivos propostos.
Ao aprenderem sobre as variedades linguísticas, os alunos demonstraram se sentir mais confortáveis ao soarem diferente de um modelo padrão que é imposto, o nativo de inglês. Essa reflexão serviu para os participantes se sentirem menos pressionados a alcançarem um padrão que não precisa ser seguido. Eles entenderam a questão levantada por Kramsch (1998), em que o aprendiz de uma LE se apropria da língua para que atenda às suas próprias necessidades e interesses.
Com relação à cultura, os alunos refletiram sobre o fato de a educação ser baseada em valores chamados de universais, advindos da cultura europeia e ocidental. Desse modo, aprenderam que não existe uma cultura inferior ou superior à outra, mas sim que é preciso valorizar a interação entre sujeitos de diferentes grupos culturais (Candau, 2005). Além disso, os alunos estão mais sensíveis para repensar seus próprios atos para com a língua inglesa e o processo de aprendizagem, a fim de se desvincularem da herança colonial que carregam. Um exemplo disso está na fala do participante Gabriel sobre o complexo de vira-lata do/a brasileiro/a.
Ademais, destacamos a importância de adotar uma prática intercultural de ensino de inglês o quanto antes possível, pois apesar das limitações e dos desafios que tivemos com o ERE, percebemos um grande avanço com relação aos significados culturais dos alunos após as aulas. O ideal seria que eles tivessem acesso às reflexões sobre língua e culturas nos anos de Educação Básica, entretanto, esta não é a realidade. Porém, pensando no contexto de escolas e centros de línguas, como foi o caso deste estudo, o ideal é que a perspectiva intercultural seja adotada no primeiro semestre do curso. É preciso receber os alunos e logo no início romper a visão limitada em relação ao inglês e aos aspectos culturais que perpassam o aprendizado de uma LE.
Ao fim desta investigação, reforçamos ainda mais a importância do professor como mediador no processo de selecionar materiais de caráter intercultural para suas aulas. Em outras palavras, acreditamos profundamente na relevância do contato dos alunos brasileiros com outras realidades culturais para o processo de aprendizagem de Inglês como Língua Estrangeira.
Referências
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Notas
1. Graduada em Letras-Inglês e mestre em Estudos Linguísticos pela Universidade Federal de Goiás. Atua como professora de língua inglesa em escolas regulares e de idiomas. Sua experiência como pesquisadora em educação linguística é destacada por seus estudos no campo da interculturalidade crítica, fundamentados, sobretudo, pela compreensão de língua como prática social.
2. Professora associada do Departamento de Línguas e Literaturas Estrangeiras da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Goiás. Graduada em Letras Português/Inglês, mestre e doutora em Estudos Linguísticos pela UFG, atualmente sua área de pesquisa concentra-se nos pressupostos do Círculo de Bakhtin que fundamentam a Análise Dialógica do Discurso. Pela arquitetônica bakhtiniana, a pesquisadora investiga os elementos constituintes e sempre dinâmicos da educação linguística no Brasil.