El sur también existe: o ensino crítico de espanhol como língua adicional
Yasmina Pacheco Costa
Resumo: O ensino de línguas adicionais tem um primeiro objetivo muito claro, que é o ensino de um novo código linguístico, mas ele não pode e nem deve limitar-se somente a isso, pois o mesmo está inserido em um contexto social, que o influencia e é influenciado por ele. Nessa perspectiva, ao ensinar uma nova língua, é importante que nós como professores consideremos as questões sociais nos materiais que levamos para a sala de aula. Os materiais devem propiciar aos alunos não só a aprendizagem da língua, mas também reflexão sobre si e sobre o mundo. O objetivo deste artigo é discutir sobre as questões que permeiam o ensino crítico de línguas adicionais e, a partir disso, apresentar uma proposta de Sequência Didática (Dolz; Noverraz; Schneuwly) que busca despertar a criticidade nos alunos em um Centro de Idiomas e, por fim, expor a percepção da aplicação da mesma em duas turmas diferentes.
ESResumen: La enseñanza de lenguas adicionales tiene un primer objetivo muy claro que es la enseñanza de un nuevo código lingüístico, pero no puede ni debe limitarse sólo a eso, ya que se inserta en un contexto social, en el que influyen. y está influenciado por él. Desde esta perspectiva, a la hora de enseñar una nueva lengua, es importante que nosotros como profesores consideremos las cuestiones sociales en los materiales que llevamos al aula, que deben permitir a los estudiantes no sólo aprender la lengua, sino también reflexionar sobre sí mismos y el mundo. El objetivo de este artículo es discutir las problemáticas que permean la enseñanza crítica de lenguas adicionales y a partir de ello presentar una propuesta de Secuencia Didáctica (Dolz; Noverraz; Schneuwly) que busca despertar la criticidad en los estudiantes de un Centro de Idiomas y finalmente exponer la percepción de su aplicación en dos clases diferentes.
Introdução
Acredito que um dos primeiros questionamentos que nós professores fazemos a nós mesmos ao ingressar nessa profissão é: Quais são de fato nossos papéis dentro de sala de aula? Pensando na minha realidade como professora de Espanhol com Língua Adicional (ELA), a função mais clara que tenho dentro da sala de aula é ensinar aos meus alunos uma nova língua, que envolve ensinar a estrutura gramatical desse sistema, desenvolver as quatro destrezas linguísticas (compreensão leitora, compreensão oral, produção oral e produção escrita) e, também, ensinar alguns aspectos culturais que sejam pertinentes para o desenvolvimento da comunicação nessa língua-alvo.
Mas ser professor de línguas é realmente preocupar-se apenas com o desenvolvimento da comunicação? Na tentativa de responder a essa pergunta, Paulo Freire (2021) já nos indicava que nossa tarefa como educadores é político-pedagógica, isso quer dizer que para além das disciplinas que lecionamos, também temos que considerar o contexto político, social e histórico em que estamos inseridos. Como professores, “precisamos assumir posturas morais e críticas a fim de tentar melhorar e mudar o mundo estruturado na desigualdade” (Pennycook,1998, p. 39).
Dentro da perspectiva do ensino de Línguas Adicionais (LA), de maneira alguma podemos esquecer que a língua é um “espaço de construção de sentidos e representação de sujeitos e do mundo” (Jordão, 2013, p. 73), logo não podemos deixar de considerar o seu caráter ideológico, pois a linguagem como um todo, foi construída “em torno de questões de poder e dominação” (Pennycook, 1998, p. 28). Dessa forma, o ensino de LA não pode focar apenas no caráter comunicativo, ele deve ir para além disso, trazendo para sala de aula discussões do âmbito social e político. Ao ir na contramão disso, o ensino de LA estaria “mais vinculado à acomodação do que a qualquer noção de poder” (Pennycook, 1998, p. 27).
Procurando trilhar esse caminho do ensino crítico de LA, nas próximas seções deste artigo procuro discutir um pouco mais sobre qual o papel do ensino de ELA e apresento uma proposta de aula e minha perspectiva sobre aplicação dela dentro de um Centro de idiomas.
O ensino crítico de língua adicionais
O ensino de LA, assim como a educação de maneira geral, está inserido em contexto social que não pode e nem deve ser ignorado. Desde a Paideia grega, já se via a necessidade de uma “formação harmônica do homem para a vida da polis” (Brandão, 1989, p. 16), ou seja, uma educação que prepara as pessoas para o convívio e a participação social em todos os sentidos. Desse modo, a nossa tarefa, como professores, não é apenas a mera transmissão de conteúdos, também temos um papel na formação moral e social dos nossos alunos, como aponta Paulo Freire:
[...] transformar a experiência em puro treinamento técnico é amesquinhar o que há de fundamentalmente humano no exercício educativo: o seu caráter formador. Se se respeita a natureza do ser humano, o ensino dos conteúdos não pode dar-se alheio à formação moral do educando” (2021, 34).
Para pensar o ensino de LA nessa ótica, é preciso ressignificar alguns de conceitos, o primeiro a ser ressignificado é o de língua. Como professores de LA, temos a língua como a nossa primeira e principal ferramenta de trabalho. Tendo em vista todas as questões sociais que evolvem a educação, que obviamente também envolvem o ensino de línguas, não podemos lidar com a língua de maneira isolada, deixando de lado o meio que ela está inserida e as pessoas que a falam. Em busca de um ensino crítico, devemos levar em consideração que:
[...] a língua é discurso, espaço de construção de sentidos e representação de sujeitos e do mundo. Os sentidos não são “dados” por uma realidade independente do sujeito: eles são construídos na cultura, na sociedade, na língua. Isso significa dizer que a língua, que tem sua existência nas práticas sociais, é um espaço ideológico de construção e atribuição de sentidos… (Jordão, 2013, p. 73).
Esse sentido ideológico da língua está relacionado à construção de sentidos, a língua faz parte do mundo e ajuda a formá-lo e conformá-lo, logo ela é atravessada por questões culturais, sociais e morais. Nesse ponto, também vale ressaltar o caráter coletivo da linguagem, ela “não é produto exclusivo da subjetividade individual, mas está também ancorada externamente ao indivíduo em seu contexto social, histórico, político, cultural” (Jordão, 2013, p. 74).
A particularidade ideológica não está ligada apenas língua, todas as atividades que propomos e os materiais que levamos aos alunos também estão carregados de ideias e princípios:
Assim, qualquer prática de construção de sentidos, inclusive a leitura e a escrita, é ideológica e acontece em referência a determinados sistemas de crenças, valores, interesses. Nessa perspectiva, entender a língua como ideologia não é dizer que ela seja necessariamente “dissimulada” ou “impeditiva” do acesso à “realidade”. Ideologia aqui é entendida no sentido foucaultiano de perspectiva cultural, social, moral, ou melhor, como sendo aquele elemento mesmo do processo de construção de sentidos que permite que o processo aconteça (Jordão, 2013, p. 74).
Também é importante repensar qual seria o papel do professor nesse contexto, o professor de LA ensina uma nova língua, mas ele é o eixo central de todo o conhecimento? Na perspectiva crítica de ensino devemos considerar que o conhecimento “é saber construído socialmente e sempre ideológico, incompleto, deslizante, múltiplo e relativo; é saber sempre passível de contestação, questionamento e transformação” (Jordão, 2013, p. 81). Então, o que quer que seja que ensinamos, não fazemos sozinhos, o conhecimento em sala de aula é construído em conjunto com os alunos, e cabe ao professor ter:
[...] um repertório variado de abordagens e estratégias, e que lança mão delas conforme julgue adequado para as necessidades de seus alunos: “o bom ensino é como a dança: você tem que saber vários passos de dança de modo que, dependendo de quem é o seu parceiro e qual música está tocando, você possa mudar o repertório” (webcast, 47 minutos). (Jordão, 2014, p. 129).
Enquanto professores de LA, devemos buscar “uma educação linguística entre educadores e educandos em que se entrelacem o ensino linguístico, a perspectiva educacional, a formação cidadã e a criticidade por meio das línguas” (Ferraz, 2019, p. 27). Referente ao repertório, ao material que elegemos para nossas aulas, assim como tudo que já foi dito aqui, também é ideológico. Fazer a opção por um material ou outro também produz sentido e ressignifica nossa prática. Então, dependendo das escolhas que fizermos, podemos priorizar mais certas visões de mundo do que outras. É claro que sempre vamos tender a privilegiar aquilo que faz sentido para nós, mas como professores temos que abrir espaço para a diversidade e abordar e ouvir todas as perspectivas.
A seguir discuto um pouco mais sobre as vozes (Bakhtin, 1992) que ecoam no nosso discurso em sala de aula.
Vozes do sul e América Latina
Ao ensinar, fazemos isso a partir de um ponto de vista que, muitas vezes, está baseado naquilo que é hegemônico, ou seja, aquilo que é dominante. Os processos históricos que passamos, enquanto humanidade, acabaram determinando que algumas ideias, vozes e classes tivessem mais espaço que as outras (Marx, 2002).
Dentro da nossa sociedade ocidental, sempre prevaleceu aquilo que é dito e criado no norte, melhor dizendo, aquilo que é dito e criado por países desenvolvidos ou por pessoas privilegiadas (homens, brancos, heterossexuais e de classes abastadas). Como professores, temos a árdua tarefa de criar espaços de discussões nas nossas aulas que colaborem “para que se abram alternativas sociais com base nas e com as vozes dos que estão à margem: os pobres, os favelados, os negros, os indígenas, homens e mulheres homoeróticos, mulheres e homens em situação de dificuldades sociais e outros” (Moita Lopes, 2016, p. 85).
A fim de ir na contramão da hegemonia, que muitas vezes parece incontestável, as nossas melhores e mais concretas alternativas estão no sul (Santos, 2000). Pois é o:
[...] hemisfério “sul surge como protagonizando a globalização contra-hegemônica, cuja manifestação mais consistente é o Fórum Social Mundial” ou quando ele indica a necessidade de escavar “tradições suprimidas ou marginalizadas, representações particularmente incompletas porque menos colonizadas pelo cânon hegemônico da modernidade (Boaventura Santos, 2004: 19)” (Moita Lopes, 2016, p. 88).
Nesse sentido, cabe a nós, professores de LA, “problematizar os modos de produzir conhecimento, de forma a falar diretamente às mudanças avassaladoras que vivemos na vida contemporânea” (Moita Lopes, 2016, p. 91).
Pensando na perspectiva de professores de ELA, as vozes do sul nos são ainda mais caras, já que ensinamos uma língua que é o idioma oficial em 21 países e, com exceção da Espanha (Europa), os outros 20 países hispanofalantes (Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Costa Rica, Cuba, El Salvador, Equador, Guatemala, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, Porto Rico, República Dominicana, Uruguai, Venezuela - América Latina e Guiné Equatorial - África) fazem parte daquilo que chamamos de vozes do sul, pois ao largo da história passaram por violentos processos de colonização e escravização e além abrigarem em grande parte povos negros, indígenas e desprivilegiados de maneira geral.
Trazer as perspectivas do sul significa, acima de tudo, deixar que aqueles que são invisibilizados e silenciados falem por si. Parece-me lógico, como professora de língua espanhola e mulher latino-americana, trabalhar com a América Latina para trazer à tona aquilo e aqueles que estão escondidos, já que esse é um espaço historicamente marginalizado e ao mesmo tempo um espaço onde se ecoam várias vozes e diferentes pontos de vista.
Para trabalhar com algo tão amplo como a América Latina, é preciso compreender que não estamos falando de uma única cultura ou uma única voz, que se estende por todo esse território, mas sim de diversos tipos de manifestações culturais e vozes que coexistem juntas. Ana Pizarro (2004) divide a América Latina em sete grande áreas, que se definem “con mayor claridad a lo largo de la segunda mitad del siglo XX, emergiendo de acuerdo a las necesidades de sus acontecimientos” (p.77): Área Meso-americana e Andina (norte do México, Cordilheira dos Andes e a América Central), Área do Caribe e Costa Atlântica (arquipélago das Antilhas e a Costa Atlântica que se prolonga Brasil), Área Sul-Atlântica (começa em São Paulo e abrange todo o sul do Brasil e parte do norte da Argentina), Área do Brasil (abarca algumas subáreas), Área de Grandes Planícies (Páramo mexicano, Sertão brasileiro, Savana venezuelana e Pampa argentino), Área dos Latinos nos Estados Unidos (migrantes latinos) e Área Amazônica (inclui oito países: Brasil, Colômbia, Peru, Venezuela, Equador, Bolívia, Suriname e Guiana Francesa).
Essa divisão, proposta por Pizarro (2004) nos ajuda a perceber a grande diversidade que coexiste no território latino americano. Escolhendo lidar com essa diversidade, como professores de ELA, também vamos trabalhar com as vozes do sul e contribuindo para ressignificação da nossa prática e para a produção de sentidos plurais e superando uma visão única e hegemônica.
O ensino crítico para além da teoria
Na tentativa de contemplar um ensino crítico e que dê voz para aqueles que estão no sul, elaborei uma sequência didática (SD) para ser aplicada em duas turmas de nível 1 do Centro de Línguas da Universidade Federal de Goiás. A SD “é um conjunto de atividades escolares organizadas, de maneira sistemática, em torno de um gênero textual oral ou escrito” (Dolz; Noverraz; Schneuwly, 2011, p. 82), que tem o objetivo de ajudar os estudantes a dominar um gênero oral ou escrito, ou seja, “as sequências didáticas servem, portanto, para dar acesso aos alunos a “práticas de linguagem novas ou dificilmente domináveis'' (Dolz; Noverraz; Schneuwly, 2011, p. 83). Escolhi trabalhar com a SD porque ela vai do simples ao complexo, intensificando o grau de dificuldade a cada passo, a sua estrutura dinâmica, permite que o professor trabalhe com mais liberdade nas suas aulas, podendo modificar cada etapa de acordo com as demandas apresentadas pelos alunos.
Para compor as SD, com a intenção de trazer amostras de textos reais e que contemplem as vozes do sul, escolhi dois textos escritos pelo autor uruguaio Mario Benedetti, o primeiro, é o poema “El Sur también existe”, publicado em 1986, e o segundo é o vigésimo quinto capítulo do livro Primavera con una Esquina Rota (1982), intitulado Beatriz (Una palabra enorme). Os dois textos tratam da ditadura, uma realidade obscura vivida por vários países latino americanos no século passado. Mas no caso específico dos textos, é retratada a ditadura uruguaia, que foi vivida na pele pelo autor.
O escritor Mario Benedetti que sempre esteve ligado ao engajamento político de esquerda foi obrigado a abandonar o Uruguai “poucos meses depois do golpe de Estado que no dia 27 de junho de 1973 dissolveu o Parlamento” (Barreto, 2014, p. 35). Benedetti, durante anos de sua vida, viveu em exílio e deixou-se a escrever “ficção para compensar as vítimas da repressão da sua condição de exilados, de presos, de torturados” (Barreto, 2014, p. 41).
Tratar da ditadura em sala de aula significa trazer luz para um dos processos históricos vividos pelo povo latino-americano que ajudaram a perpetuar a hegemonia do norte. Fazer isso pela perspectiva de Mario Benedetti é ouvir aqueles que tanto sofreram com isso. Nós professores, como aponta Freire (2021), temos o dever de nos posicionar contra as imoralidades existentes na nossa sociedade e, sem dúvida, devemos considerar a ditadura uma delas.
A SD foi desenvolvida com objetivo de propiciar aos alunos uma prática de compreensão e interpretação de textos em língua espanhola. Mas, além disso, tinha-se o objetivo de discutir mais sobre os significados atribuídos à palavra Liberdade. O produto final dessa sequência didática foi a realização de uma atividade de interpretação do texto Beatriz (Una palabra enorme) (Apêndice A). A seguir apresento a SD desenvolvida:
Temática: ¿Qué es Libertad? |
---|
Tiempo: 1 clases, 1h20. |
Nivel: 1, básico |
Objetivo general: lectura e interpretación de texto |
Objetivos específicos: discutir los sentidos de la palabra libertad, ejercitar la comprensión lectora en lengua española |
Destrezas lingüísticas: comprensión auditiva, comprensión lectora, producción oral y producción escrita. |
Contenidos culturales: dictadura en Uruguay |
Contenidos lingüísticos: Expresar opiniones, uso del presente de indicativo. |
Paso 1 Calentamiento: etapa a ser realizada en el primer momento de la clase para introducir el tema a los alumnos
|
Paso 2 Comprensión lectora y auditiva:
|
Paso 3 Comprensión lectora:
|
Paso 4
|
Percepções sobre a prática
Apliquei a SD em duas turmas de nível 1 do Centro de Línguas da Universidade Federal de Goiás. Cada turma tem 25 alunos matriculados, esses alunos apresentam idades e profissões diversas, o que já pressupõem uma possível divergência de opiniões nos mais variados temas. Importante ressaltar que essa aula foi realizada no contexto online por meio do Google Meet.
Ao trabalhar com dois grupos, eu já esperava reações diferentes, já que se trata de pessoas e realidades diferentes. A primeira turma que teve contato com a SD (doravante chamarei de Turma A) teve uma recepção muito mais calorosa ao assunto, o que quero dizer, é que ele estava muito mais aberta à discussões. O Paso 2, que trata do poema “El Sur también existe”, tinha a intenção de introduzir um pouco sobre o autor Mario Benedetti, mas essa etapa gerou bastante interesse nesse grupo. A Turma A mostrou-se altamente interessada na temática trazida pelo texto e as discussões geradas a partir dela tomaram bastante tempo da aula.
A discussão do poema iniciou-se com algo básico, mas relacionado à compreensão dos léxicos e depois partiu para as possíveis interpretações que poderiam dar-se ao texto. Foram levantados temas como a soberania que os países nortenhos exercem sobre a América Latina, principalmente os Estados Unidos, e como este teve influência direta na instalação e manutenção das ditaduras nos países latinos. A partir deste panorama, foi levantada a relação direta do autor do texto com a ditadura.
No Paso 3, que seria o foco principal da SD, os alunos da Turma A também demonstraram bastante interesse e discutiram o texto com muito afinco. A partir da leitura, os estudantes compartilham suas interpretações em grupo, o que gerou um embate interessante e que vale a pena ser mencionado aqui. Um dos estudantes apresentou uma opinião divergente do restante do grupo ao discutir os significados da palavra Liberdade. Para esse estudante, nós ainda vivemos uma espécie de ditadura, já que nem sempre temos a liberdade de falar o que pensamos. Ao falar isso, ele citou o caso de um humorista que havia sido condenado a apagar alguns posts que fez em uma rede social, afirmando que isso tinha sido um atentado à liberdade de expressão do mesmo. Quase que instantaneamente, os outros alunos se manifestaram, pois esse era um caso recente e de conhecimento público, a fala da parte restante do grupo foi contra o humorista, já que ele tinha sido acusado e condenado por racismo e, por isso, os posts haviam sidos deletados. Essa discussão tomou uma parte considerável da aula. Como professora, era meu dever deixar que todas aquelas vozes fossem ouvidas e ecoadas, mas ao final, também me posicionei contra o racismo, já que “qualquer discriminação é imoral e lutar contra ela é um dever por mais que se reconheça a força dos condicionamentos a enfrentar.” (Freire, 2021, p. 59).
Mas, ao final de toda essa discussão, acredito que o mais importante, foi o feedback dos alunos sobre isso, principalmente do estudante que iniciou a discussão. Ele disse que gostou muito da aula e da discussão, pois todos tiveram a oportunidade de expressar suas opiniões e agiram de forma respeitosa uns com os outros. Nesse momento, senti que meu dever como professora, ali naquele momento, havia sido cumprido.
A segunda turma (doravante Turma B), também discutiu sobre os assuntos abordados na SD, mas diferente da Turma A, não demonstrou tanto entusiasmo e nem ultrapassou o conteúdo do texto. Precisei intervir muito mais na Turma B, para dar andamento na discussão, do que na Turma A.
Essa distinção entre as turmas também é interessante, pois aponta que nunca daremos a mesma aula duas vezes, pois sempre teremos perspectivas diferentes e reações diferentes.
Considerações finais
Nosso trabalho como professores de LA ultrapassa o ensino de línguas, ele tem a oportunidade de discutir e ressignificar mundos. Ao nos dedicarmos a essa tarefa precisamos criar espaços que não perpetuem apenas as vozes hegemônicas, as vozes do norte, mas que possibilitem que as vozes do norte e do sul ecoem de forma equitativa, procurando dar visibilidade àqueles e àquelas que foram historicamente invisibilizadas.
A América Latina serve aos professores de ELA como uma excelente ferramenta para dar voz àqueles que vêm do sul, não só porque se trata de um espaço historicamente inviabilizado, mas também porque possui uma relação próxima com a língua espanhola.
Além disso, ao aplicar o ensino crítico em sala de aula, devemos estar sempre preparados para ouvir nossos alunos e lidar com as suas diferentes percepções a respeito dos temas que propomos.
Referências
Barreto, I. P. P.. A Ditadura Uruguaia na Ficção de Mario Benedetti. Literatura E Autoritarismo, 2014, (23).
BRANDÃO, C. R.. O que é educação? .19.ed. São Paulo: Brasiliense, 1989.
BAKHTIN, M..Problemas da poética de Dostoiévski. Tradução de Paulo Bezerra. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008;
DOLZ, J.; NOVERRAZ, M.; SCHNEUWLY, B.. Sequências didáticas para o oral e a escrita: apresentação de um procedimento. In: ROJO, R.; CORDEIRO, G. S. (Org.). Gêneros orais e escritos na escola. 3. ed. Tradução de Roxane Rojo e Glaís Sales Cordeiro. Campinas: Mercado de Letras, 2011. 95-128.
FERRAZ, D. M.. (Pós) modernidade, (pós) estruturalismo e educação linguística: construindo sentidos, ensejando transformações. In: ANDRADE,M. E. S. F.; HOELZELE, M. J.L.R.; CRUVINEL, R C. (Orgs.). (Trans)formação de professoras/es de línguas: demandas e tendências da pós-modernidade. Campinas: Pontes Editores, p.19-42,2019.
FREIRE, P.. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática docente. Rio de Janeiro: Paz&Terra, 2021.
JORDÃO, C. M.. Abordagem comunicativa, pedagogia crítica e letramento crítico - farinhas do mesmo saco? In: ROCHA, C. H.; MACIEL, R. F. (Org). Língua estrangeira e formação cidadã: por entre discursos e práticas. Campinas: Pontes Editores, 2013. p. 69-90;
JORDÃO, C. M.. Aprendendo língua estrangeira com o professor Jacotot: criticidade na Pedagogia crítica e no Letramento crítico. In: MATHEUS, E.; OLIVEIRA, N. E studos críticos da linguagem e formação de professores de línguas: contribuições teórico- metodológicas. Campinas: Pontes Editores, 2014. p. 121-143.
MARX, K. O capital: crítica da economia política: Livro I; tradução de Reginaldo Santana, 18 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.
MOITA LOPES, L. P. da. Linguística aplicada e vida contemporânea: problematização dos construtos que têm orientado a pesquisa. In: MOITA LOPES, L. P. da (Org.). Por um Linguística Aplicada Indisciplinar. São Paulo: Parábola Editorial, 2006, p. 85-105.
PENNYCOOK, A.. A linguística aplicada dos anos 90: em defesa de um abordagem crítica. IN: SIGNORINI, I,: CAVALCANTI, M. C. (Org.). Linguística aplicada e transdisciplinaridade. Campinas: Mercado das Letras, 1998. p. 23 - 49.
PIZARRO, A. Áreas culturales en la modernidad Tardía. In: PIZARRO, A.. El sur y los trópicos:Ensayos de cultura latinoamericana. Murcia: Compobell, 2004. p.177-192.
Apêndice: Actividad Evaluativa - Comprensión Lectora
Notas
1. Licenciada em Letras: Espanhol pela Universidade Federal de Goiás (2022), discente do curso de especialização em Linguística Aplicada: ensino e aprendizagem de línguas estrangeiras pelo Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada à Educação (CEPAE/UFG). Atualmente, é professora bolsista da área de Espanhol no Centro de Línguas da UFG.