O impacto da pandemia nas mulheres em ensino remoto: um olhar sobre o contexto emergencial a partir de uma sequência didática

Hellen Cristina Lopes de Carvalho (D/UFG)

Lorrainy de Jesus Souza (M/UFG)

Susanna Lourenço Cunha (D/UFG)

PT

Resumo: O objetivo deste artigo é trazer um pouco da nossa experiência enquanto mulheres, estudantes e professoras de espanhol como língua estrangeira (ELE) no Centro de Línguas da Universidade Federal de Goiás, no contexto de Ensino Remoto Emergencial gerado pela pandemia da covid-19. Dessa forma, trazemos reflexões sobre o impacto da pandemia nas mulheres em ensino remoto a partir de uma Sequência Didática (SD) criada especialmente para as aulas remotas. Além da introdução, nosso texto se divide em quatro partes: na primeira seção, trataremos da Fadiga de Zoom e seu impacto nas mulheres, uma vez que, sendo professoras e tendo um alto número de alunas mulheres, nos vimos na obrigação de trazer para sala de aula virtual reflexões que abordassem esse tema; na segunda seção, falamos sobre a importância da formação crítica e colaboração mútua entre docentes e discentes; na quarta seção, apresentamos a SD usada na sala de aula remota sobre a Fadiga de Zoom; e na última seção, trazemos nossas considerações finais a partir de nossas experiências com as aulas remotas e a SD trabalhada em sala. Para tal, nos sustentamos principalmente nos pressupostos teórico-críticos de Judith Butler (2018, 2019), Guacira Lopes Louro (2018), Michelle Perrot (2003), Ariana Cosme e Rui Trindade (2002), Géraldine Fauville et al. (2021), Ira Shor y Paulo Freire (1986), António Nóvoa (1992; 2009), dentre outras/os.
Palavras-chave: : pandemia; Fadiga de Zoom; mulheres; feminismo; ELE.

ES

Résumé: El objetivo de este artículo es compartir un poco de nuestra experiencia como mujeres, estudiantes y profesoras de español como lengua extranjera (ELE) en el Centro de Línguas de la Universidade Federal de Goiás, en el contexto de Enseñanza Remota Emergencial generado por la pandemia de la covid-19. Con ello, compartimos reflexiones acerca del impacto de la pandemia en las mujeres en enseñanza remota a partir de una Secuencia Didáctica (SD) creada especialmente para las clases remotas. Además de la introducción, nuestro texto se divide en cuatro partes: en la primera sección, abordamos sobre la Fatiga por Zoom y su impacto en las mujeres, ya que, como profesoras y con un alto número de alumnas mujeres, nos vimos en la obligación de llevar a la clase virtual reflexiones sobre este tema; en la segunda sección, hablamos sobre la importancia de la formación crítica y la colaboración mutua entre docentes y discentes; en la cuarta sección, presentamos la SD utilizada en el aula remota sobre la Fatiga por Zoom; y en la última sección, compartimos nuestras consideraciones finales a partir de nuestras experiencias con las clases remotas y la SD trabajada en el aula. Para ello, nos basamos principalmente en los presupuestos teórico-críticos de Judith Butler (2018, 2019), Guacira Lopes Louro (2018), Michelle Perrot (2003), Ariana Cosme y Rui Trindade (2002), Géraldine Fauville et al. (2021), Ira Shor e Paulo Freire (1986), António Nóvoa (1992; 2009), entre otras/os.
Palabras clave: pandemia; Fatiga por Zoom; mujeres; feminismo; ELE.

Introdução

Após vários alertas noticiados na mídia sobre a propagação da covid-19 e, a princípio, países asiáticos e europeus sofrendo com a pandemia, em março de 2020, com o primeiro caso de contaminação confirmado em fevereiro no Brasil, escolas e universidades do país pararam suas atividades presenciais. Com a alta taxa de contaminação, a doença logo se espalhou pelo mundo, o que fez com que as políticas de isolamento social optassem por fechar estabelecimentos e instituições, numa tentativa de conter a epidemia. Consequentemente, além dos desafios já enfrentados pela comunidade escolar e universitária nas aulas presenciais – como falta de infraestrutura, dificuldades de aprendizagem, dificuldade de acesso ao ambiente escolar, pouco investimento e desvalorização de docentes, entre outros –, novos desafios surgiram: garantir que todas as pessoas tivessem acesso à uma educação efetiva e de qualidade em um contexto pandêmico. No entanto, em um país de grandes dimensões como o nosso, marcado por desigualdades históricas de gênero, raça e classe, de que forma essa educação, que no presencial já se mostrava dificultosa, poderia chegar a todas as pessoas?

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De acordo com Hugo Rosas (2021), ao citar a pesquisa da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), um dos maiores desafios desde o início da pandemia foi o acesso de discentes ao conteúdo escolar, o que também está relacionado à conectividade da pessoa estudante à internet com aparato tecnológico adequado. Cientes dessas dificuldades, instituições de ensino público disponibilizaram os materiais necessários para as aulas para que estudantes e responsáveis pudessem buscá-los nas respectivas escolas e universidades. Institutos, universidades públicas e campanhas feitas em alguns estados, como o fez a Universidade Federal de Goiás (UFG), arrecadaram computadores, tablets e celulares para doar a estudantes de baixa renda de escolas e universidades públicas, juntamente com a cessão de planos de internet ou bolsas para arcar com os custos dos planos. Todavia, enquanto a educação pública corria atrás das ferramentas necessárias para efetivação do ensino remoto emergencial, a privada já estava há meses à frente, mantendo as aulas de maneira síncrona e assíncrona, bem como por meio do ensino híbrido, evitando aglomerações no ambiente escolar e acadêmico.

Segundo Rosas (2021), dados da pesquisa “Retratos da Educação na Pandemia: um olhar sobre múltiplas desigualdades” (2020) evidenciam ainda mais a desigualdade exacerbada pela pandemia em diferentes regiões do Brasil, no que diz respeito às pessoas estudantes que tiveram atividade escolar entre maio e julho de 2020. Entre as regiões mais afetadas encontram-se o Nordeste e o Norte, onde cerca de 25% das pessoas estudantes não tiveram atividade escolar nos meses mencionados. Além disso, com o advento da pandemia e o seu impacto na economia, discentes perderam seus empregos ou sequer conseguiram algum, o que também agravou a evasão escolar, em cursos livres e universidades. Diante desse cenário assustador e da falsa esperança incrustada pelo Governo Federal, de que a pandemia não era algo grave e que o Brasil “não podia parar”, alguns estados tentaram o retorno das aulas de forma presencial, colocando em risco a vida de toda a comunidade que, muitas vezes, sem acesso à informação de qualidade e com desinformações propagadas pelo próprio presidente do país, não seguiam as normas sanitárias básicas para evitar a propagação do vírus. Após resultados negativos de tais medidas, governantes tiveram que voltar atrás do “o Brasil não pode parar” e seguir com as recomendações sanitárias do Conselho Nacional de Saúde.

Docentes em todas as modalidades da educação também enfrentaram muitos desafios no contexto pandêmico, entre eles o medo do desemprego, salários reduzidos, a desmotivação e dificuldades ocasionadas pelas demandas do ensino remoto emergencial; a falta de capacitação, a pouca ou nula infraestrutura e conectividade, a dificuldade de manter o engajamento discente e o receio pelo abandono escolar. Conforme Rosas (2021), tais desafios afetaram drasticamente a saúde física e mental de docentes, resultando em ansiedade, estresse, depressão, dores ocasionadas pela sobrecarga laboral, bem como o cansaço constante. Em um ano que não parecia ter fim, finalmente chegamos a 2021, que se mostrou tão desafiador quanto o ano anterior. Desse modo, a qualificação docente e o acesso às atividades escolares remotas se tornaram pautas urgentes.

Na pandemia, o ensino remoto emergencial exigiu um trabalho árduo nos diferentes segmentos da educação, pois, sem nenhum planejamento, escolas, universidades, ONGs e projetos educacionais tiveram que (re)adaptar suas atividades educacionais para manter o aprendizado de pessoas estudantes. Apesar dos vários pontos negativos da oferta desse tipo de ensino apresentados anteriormente, ele nos trouxe várias reflexões sobre os avanços tecnológicos e a educação. Em seu artigo “Nativos e inmigrantes digitales”, Marc Prensky (2010) aborda essas questões e discute sobre as mudanças ocasionadas pela tecnologia no modo de pensar das novas gerações nas últimas décadas do século XX, denominadas pelo autor como “nativos digitais”, ou seja, aquelas pessoas que nasceram a partir da década de 80. Segundo o estudioso, todas essas transformações atingem diretamente a educação, a qual, sem as devidas atualizações, torna-se antiquada para as novas gerações. Prensky (2010) traz reflexões relevantes sobre esse assunto, bem como propostas para mudanças no modo de ensinar, como adaptar e (re)criar conteúdos na “língua” das pessoas nativas digitais.

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No entanto, a ideia defendida por Prensky (2010), de que as novas gerações possuem uma facilidade nata com a tecnologia e aprendem de forma diferente da pessoa imigrante digital, mostrou-se contraditória no contexto pandêmico brasileiro, no qual, tanto a comunidade escolar quanto a acadêmica (independentemente da idade), enfrentaram dificuldades no manuseio de ferramentas tecnológicas básicas, como o e-mail e pacote Microsoft Office, bem como na adaptação à nova modalidade de ensino, o que evidencia um déficit na educação digital no Brasil e que ela ainda se encontra nos moldes tradicionais de ensino (TAVARES, 2005; DERING, 2021). É válido ressaltar que, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua – Tecnologia da Informação e Comunicação (Pnad Contínua TIC), de 2019, dentre as pessoas brasileiras que não possuíam acesso à internet (cerca de 12 milhões de domicílios), razões de natureza comportamental se apresentavam como empecilhos para este não acesso, como não saber usar a internet (25,7%) e não ter interesse em acessar a rede (32,9%) (BRASIL, 2021). Além disso, para que se tenha um ensino online de qualidade e de forma exitosa, devem ser considerados fatores “que perpassam desde o perfil do aluno e a sua motivação para a aprendizagem, o acesso à conexão à internet e aos recursos tecnológicos, a formação e competência digital dos professores para a docência nesta modalidade de ensino” (VIEIRA; SILVA, 2020. p. 1015); destacamos este último fator que, em razão da urgência por uma adaptação, não se cumpriu em grande parte das instituições.

Com isso, durante a pandemia, ao ser incorporado de forma abrupta nas escolas e universidades públicas, o ensino remoto trouxe à luz um assunto que por alguns anos se manteve à deriva: a estruturação das tecnologias de forma efetiva na educação e a familiarização com as ferramentas digitais. Devido à preocupação em manter a qualidade do ensino, tal imersão se iniciou em vários segmentos da educação, tanto na prática quanto na teoria, nas quais, plataformas digitais como Zoom, Google Meet, Google Classroom, Moodle, Google Jamboard, Kahoot, entre tantas outras que foram surgindo e sendo descobertas, tornaram-se fundamentais para a continuidade do ensino e dinamização das aulas. Ademais, inúmeras pesquisas científicas publicadas no contexto pandêmico trouxeram valiosas reflexões e contribuições sobre o ensino remoto e o uso das Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs) na educação.

No Centro de Línguas (CL), projeto de extensão da Faculdades de Letras da Universidade Federal de Goiás (FL/UFG) que atende tanto a comunidade interna quanto a externa oferecendo cursos de idiomas, não foi diferente. Tivemos que nos adaptar em meio ao decréscimo de matrículas, a uma realidade nunca vivenciada pela administração, pelas pessoas estagiárias, docentes, discentes e toda a equipe CL. Em março de 2020, após o início do semestre de forma regular de forma presencial, todas as aulas foram suspensas devido às exigências de isolamento e, somente no segundo semestre desse mesmo ano, voltamos às atividades regulares, mas de forma online, o que também fez emergir todas as dificuldades tecnológicas, físicas, psicológicas e financeiras apresentadas anteriormente. Além da suspensão das aulas, o processo seletivo para novas pessoas docentes também foi impactado e, posteriormente, isso resultou em uma sobrecarga para docentes que já atuavam no projeto.

Todavia, em meio a tantos desafios, buscamos a melhor forma para nos adaptar à nova realidade, trabalhando em equipe e compartilhando o pouco ou muito que cada docente sabia sobre aulas online, sempre preocupadas/os com a qualidade do ensino-aprendizagem, com o acolhimento e a formação crítica das pessoas estudantes, pois, em uma situação tão catastrófica, exercer a empatia e reconhecer a situação em que estávamos vivendo era de grande importância.

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Em vista disso, o objetivo deste artigo é trazer um pouco da nossa experiência enquanto mulheres, estudantes e professoras de espanhol como língua estrangeira (ELE) no CL, em um momento delicado e doloroso, mas de muita empatia e união entre docentes e discentes. Dessa forma, nosso texto se divide em quatro partes: na primeira seção, trataremos da Fadiga de Zoom e dos impactos da pandemia nas mulheres, uma vez que, sendo professoras e tendo um alto número de alunas mulheres, nos vimos na obrigação de trazer para sala de aula virtual reflexões que tratasse do tema, assunto abordado na nossa Sequência Didática (SD) elaborada especialmente para as aulas remotas; na segunda seção, falamos sobre a importância da formação crítica e colaboração mútua entre docentes e discentes; na quarta seção, apresentamos a SD usada na sala de aula remota sobre a Fadiga de Zoom; e na última seção trazemos nossas considerações finais a partir de nossas experiências com as aulas remotas e a SD trabalhada em sala.

A Fadiga de Zoom e os impactos gerados nas mulhere

Crises sanitárias, como a da covid-19, exacerbam desigualdades sociais em diferentes âmbitos: no educacional e no econômico, como já mencionados, no racial, no de classe e também no de gênero. Desse modo, trataremos nesta seção como, nas mulheres, os efeitos da pandemia são particularizados e evidenciados quando vistos pela ótica das desigualdades de gênero, os quais colocam as mulheres em um lugar de vulnerabilidade, como é o caso da chamada Fadiga de Zoom, o esgotamento mental e físico provocado pelas videochamadas, que acometeu durante a pandemia – e ainda acomete – mais as mulheres que os homens (FAUVILLE et al., 2021). Para Jeremy N. Bailenson (2021) existem quatro possíveis explicações para a Fadiga de Zoom: 1) o uso excessivo do olhar atento; 2) o uso excessivo da carga cognitiva; 3) o aumento da autoavaliação na observação de si mesma/o em vídeo; 4) e restrição à mobilidade física.

Conforme Geraldine Fauville et al. (2021), a forma como as pessoas se comunicam não verbalmente afetam homens e mulheres de maneiras diferentes, como é evidenciado, segundo os autores, por pesquisas na área da psicologia sobre como o gênero influencia a comunicação não verbal. Além disso, os pesquisadores afirmam que vários estudos sugerem que as mulheres são mais afetadas do que os homens pela ansiedade do espelho, isto é, a alta frequência de olhar sua própria imagem refletida, o que pode vir a causar diversos problemas psicológicos, como a depressão.

O estudo de metanálise (INGRA et al ., 1988) sobre trabalhos de psicologia publicados ao longo de 20 anos, que examinaram como espelhos podem desencadear uma crescente atenção autofocada, indicou baixa relação entre a visualização da autoimagem refletida e os efeitos negativos, no entanto, constatou que esse efeito é maior em mulheres que em homens (FAUVILLE et al ., 2021). Dessa forma, entende-se que seja mais provável que as mulheres tenham maior atenção focada em si mesmas do que os homens durante a visualização de si em tempo real, e é mais provável que as mulheres sintam um efeito negativo como consequência dessa atenção focada em si mesmas, principalmente em contextos estressantes (FAUVILLE et al., 2021).

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Há muitos efeitos de gênero na comunicação não verbal que podem estar relacionados a outros mecanismos não verbais na videoconferência, por exemplo, como apresentam Fauville et al. (2021), as mulheres tendem a sorrir mais e exibir mais expressões faciais do que os homens, o que está associado à consciência de estar sendo observada e à autoconsciência. Além disso, as mulheres têm mais facilidade para lembrar detalhes sobre a aparência e os comportamentos não verbais de outras pessoas do que os homens, como também são mais precisas no julgamento de emoções e interpretação da personalidade de alguém com base na comunicação não verbal. No geral, a videoconferência pode aumentar a carga cognitiva associada a esses mecanismos não verbais mais para as mulheres do que para os homens (FAUVILLE et al., 2021).

O estudo de Fauville et al. (2021), com mais de 10.000 participantes, evidenciou que: 1) a Fadiga de Zoom aumentou com a frequência, a duração das reuniões e a intermitência das reuniões;

2) as mulheres apresentaram mais fadiga do que os homens, mesmo após o controle das diferenças de uso, contexto, demografia, raça, geração e personalidade; 3) as mulheres também eram mais propensas do que os homens a usar termos relacionados a agendamento e fadiga ao descrever a experiência de videoconferência em suas respostas abertas; 4) as mulheres apresentaram mais ansiedade do espelho associada à visão de si mesmas em videoconferências do que os homens, já que a ansiedade do espelho é o principal mediador do efeito de gênero sobre a fadiga; 5) o excessivo uso da primeira pessoa do singular é um dado comportamental convincente de que as mulheres eram mais autocentradas do que os homens ao descreverem sua experiência de videoconferência.

Não nos assusta e não é difícil entender porque as mulheres são as mais afetadas pela Fadiga de Zoom. Quando falamos de mulheres e das violências de gênero que sofremos, é inevitável falar de corpo, é nele e a partir dele que essas violências nos atravessam. Conforme Guacira Lopes Louro (2018, n. p., grifo nosso),

a determinação dos lugares sociais ou das posições dos sujeitos no interior de um grupo é referida a seus corpos. Ao longo dos tempos,os sujeitos vêm sendo indiciados, classificados, ordenados, hierarquizados e definidos pela aparência de seus corpos; a partir dos padrões e referências, das normas, valores e ideais da cultura. Então, os corpos são o que são na cultura. A cor da pele ou dos cabelos; o formato dos olhos, do nariz ou da boca; a presença da vagina ou do pênis; o tamanho das mãos, a redondeza das ancas e dos seios são, sempre, significados culturalmente e é assim que se tornam (ou não) marcas de raça, de gênero, de etnia, até mesmo de classe e de nacionalidade. Podem valer mais ou valer menos.

Dessa forma, entende-se que os papéis de gênero, socialmente atribuídos a cada pessoa, são estabelecidos como naturais; as pessoas performam práticas do que socialmente é compreendido como feminino e masculino, o que, como afirma Judith Butler (2019), advém de uma conversão cultural incorporada, regulatória e punitiva para quem performa de maneira “errada”. Os atos não são puramente individuais, existem antes mesmo de nascermos, tornando-se uma imposição relacionada ao sexo biológico e aos papéis de gênero que devemos exercer. As identidades de gênero são prescritas no discurso e no corpo, não estáveis, são apoiadas em sanções sociais e tabus que se modificam e se adaptam no tempo, conforme cada cultura e em cada contexto social.

No patriarcado ocidental, existe uma cultuação do belo que recai principalmente sobre o corpo das mulheres, este que deve ser apresentável, atraente, jovem, simpático, feliz e público, mas que também é um corpo abjeto, ou seja, daquelas pessoas que “não gozam do status de sujeito, mas cujo habitar sob o signo do ‘inabitável’ é necessário para que o domínio do sujeito seja circunscrito” (BUTLER, 2022, p. 197). Nas palavras de Michelle Perrot (2003, p. 14), “no espaço público, o corpo da mulher é comparável aos dois corpos do rei [...]: o corpo privado deve permanecer oculto; o público é exibido, apropriado e carregado de significação”. Por isso, os padrões de beleza irreais, impostos pela sociedade patriarcal, tornam tão difícil e exaustivo as mulheres olharem para si, principalmente quando essa mulher foge à norma branca e magra. Como comprovam os dados de um estudo feito pela Singu (marketplace de beleza e bem-estar), que

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quase 70% das mulheres sentem a pressão do chamado “capital estético” no ambiente de trabalho – ainda que digitalmente. A grande maioria das 1.300 entrevistadas afirmou que se sente pressionada para estar com a beleza “em dia” durante as videochamadas e 20% disseram que precisam estar “impecáveis” por exigência do trabalho. (OYA CARE, 2022).

Por isso,influencers, as redes sociais e seu tráfego pago, a publicidade e a comunicação de massa têm um papel fundamental na constância desses padrões estéticos, que são utópicos, impostos com intensidade às mulheres e delas cobrados com maior rigor, como atesta Naomi Wolf (2018, n. p.) ao falar sobre a aparência no âmbito profissional:

Os corpos dos homens e das mulheres são comparados de forma a simbolizar para ambos os sexos a comparação entre as carreiras dos homens e das mulheres. Não se espera também dos homens que mantenham uma aparência profissional? Sem sombra de dúvida. Eles devem se inserir num certo padrão de boa apresentação, muitas vezes trajados num estilo uniforme e adequado ao contexto. No entanto, fingir que a existência de padrões para a aparência masculina significa que os dois sexos recebem tratamento igual é ignorar o fato de que na contratação, bem como na promoção, as aparências de homens e mulheres são avaliadas de forma diferente; e que o mito da beleza se estende para muito além das normas de vestuário, penetrando num outro campo.

O capitalismo explora os corpos para gerar lucro, sendo um sistema intrinsecamente ligado às violências de gênero sofridas por mulheres, violências estas intensificadas desde o início da transição do feudalismo para o capitalismo, como defende Silvia Federici (2017) em Calibã e a bruxa : mulheres, corpo e acumulação primitiva. Conforme a filósofa, no âmbito do capitalismo “o corpo é para as mulheres [...] o principal terreno de sua exploração e resistência, na mesma medida em que o corpo feminino foi apropriado pelo Estado e pelos homens, forçado a funcionar como um meio para a reprodução e a acumulação de trabalho” (FEDERICI, 2017, p. 35).

Diante dessas informações e dados relevantes em um contexto pandêmico, mas também de ensino e aprendizagem, levar esse tipo de discussão para a sala de aula foi, para nós, imprescindível, pois nos proporcionou (auto)conhecimento e empatia com as mulheres que ali buscavam aprender e compartilhar suas experiências. Além disso, muitas alunas vivenciavam, no ensino remoto, carga mental e dupla jornada exaustivas, dividindo o mesmo espaço de estudos com cônjuge, crianças e/ou parentes. Dessa forma, na seguinte seção falemos sobre a importância dessa formação crítica e da colaboração mútua entre docentes e discentes.

Criticidade e colaboração mútua entre docentes e discentes

A educação é uma área que historicamente enfrenta os desafios que a perpassam. São adversidades relacionadas a todos os âmbitos, como as relações humanas, entraves teóricos e metodológicos, mas principalmente relacionados à prática docente. António Nóvoa (2009, n. p.) já apontava que a “educação vive um tempo de grandes incertezas e de muitas perplexidades. Sentimos a necessidade da mudança, mas nem sempre conseguimos definir-lhe o rumo. Há um excesso de discursos, redundantes e repetitivos, que se traduzem numa pobreza de práticas”. Ainda sobre os desafios do ser docente, Ariana Cosme e Rui Trindade (2002, p. 33) afirmam que:

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ser professor, hoje, significa que se tem que enfrentar dilemas, resistências abertas e latentes, tomar decisões urgentes sem ter a certeza de que sejam as melhores decisões que se podem assumir, confrontar-se com os seus limites e algumas incertezas. Por isso é que ser professor obriga a que sejamos capazes de encontrar um outro modo de nos realizarmos profissionalmente.

À vista do que fora exposto por Nóvoa (1992; 2009), Ariana Cosme e Trindade (2002), o sentimento é de que essas afirmações sejam atemporais. Podemos observar que mesmo após mais de uma década, os problemas e desafios – sejam eles os mesmos ou novos – permeiam o âmbito da educação. Dessa forma, evidencia-se que tanto a formação docente inicial quanto a formação continuada são necessárias para que pessoas educadoras saibam lidar com as particularidades que envolvem o ensino. Esta última, torna-se ainda mais necessária em contextos emergenciais, como foi a pandemia, exigindo de docentes uma formação que considerasse as especificidades de um ensino que ainda estava sendo compreendido e continuamente adaptado.

Ser docente é, portanto, fazer-se ciente de que existe e é exigido um continuum. Sendo assim, além do contato com outras metodologias, teorias, contextos, práticas e tecnologias, é essencial que pessoas professoras estejam em contato com profissionais da área para compartilharem as demandas, desafios e experiências de ensino e aprendizagem. Desse modo, resultam reflexões necessárias para o aprimoramento e progresso de todas as pessoas envolvidas no contexto educacional. Conforme Nóvoa (1992), “o diálogo entre os professores é fundamental para consolidar saberes emergentes da prática profissional. Mas a criação de redes coletivas de trabalho constitui, também, um fator decisivo de socialização profissional e de afirmação de valores próprios da profissão docente”.

Este diálogo entre docentes e demais profissionais da área educacional foi essencial para a adaptação emergencial que a covid-19 impôs à educação. Se antes já existiam os desafios, a pandemia e seu consequente isolamento social trouxeram novas dificuldades e preocupações. No CL, após a retomada das aulas de forma remota, o diálogo entre docentes experientes com as novas pessoas que entraram para estagiar na sua área – que passaram a fazer parte da equipe CL por meio do último processo seletivo – foi fundamental para um trabalho efetivo, em que, por iniciativa da própria equipe de docentes, foram criadas reuniões para compartilhar estratégias, materiais, ferramentas digitais e aclarar as dúvidas, principalmente por se tratar de pessoas que iriam assumir suas primeiras turmas como docentes em um contexto novo para todo mundo.

Segundo José Carlos Libâneo (2015), a dissociação entre o conhecimento disciplinar e o conhecimento pedagógico é um dos problemas mais persistentes na organização dos currículos para a formação profissional de docentes, assinalando também a dificuldade das pessoas educadoras em incorporar e articular a sua prática docente. Sobre a definição desses conhecimentos – disciplinar e pedagógico –, o autor afirma que o “conhecimento disciplinar se restringe à metodologia do ensino das disciplinas, no entanto, desvinculada do conteúdo que lhes dá origem”. Já o conhecimento pedagógico “é frequente a predominância do aspecto metodológico das disciplinas sobre os conteúdos. Nesse caso, o sentido de pedagógico se limita a um conhecimento teórico genérico” (LIBÂNEO, 2005, p. 2-3).

Em busca de aperfeiçoar e adaptar-se ao novo contexto educacional que a pandemia nos submeteu, foi necessário compreender esses conhecimentos e fazer a integração dos mesmos para um melhor desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem. Libâneo (2012) afirma que “no trabalho do professor estão associados dois requisitos profissionais, o domínio do conhecimento que ensinam e domínio do conhecimento pedagógico de ensinar”. Sendo assim, a maneira como um conteúdo é ensinado requer a consideração da abordagem epistemológica desse conteúdo, levando em consideração as particularidades discentes em termos de características individuais, sociais e de personalidade, bem como os contextos socioculturais e institucionais em que a aprendizagem ocorre (LIBÂNEO, 2012, p. 9).

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Em outros termos, devido à crise sanitária mundial ocasionada pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2), a população de modo geral se viu afetada, tanto em seu âmbito pessoal quanto no profissional. No que se refere à educação, nosso interesse de análise, fomos forçadas a enfrentar desafios e mudanças emergenciais para darmos continuidade ao nosso trabalho. Dentro das áreas de licenciatura, a formação docente, seja ela a inicial ou continuada, é um tema recorrente, dado que a pessoa profissional que atua no campo da docência precisa estar preparada para a sua prática e, além disso, deve buscar constantemente o seu aprimoramento profissional para lidar com os desafios e mudanças da educação. Libâneo (2004) afirma que é na escola, no contexto de trabalho, que docentes enfrentam e resolvem problemas, elaboram e modificam procedimentos, criam e recriam estratégias de trabalho e, com isso, vão promovendo mudanças pessoais e profissionais.

Apesar das inúmeras variações na formação docente, na busca de inovação e progressão das abordagens e métodos, o contexto imposto pela covid-19 trouxe incertezas e indagações sobre como funcionariam os contextos educacionais nestas condições emergenciais, uma vez que a educação não imaginava e nem estava preparada para realizar-se por completo de maneira remota. Outros dois grandes desafios que se acentuaram nas aulas emergenciais remotas foram: a relação docente-discente e a relação ensino-aprendizagem. No tocante ao desafio docente-discente, a necessidade de uma relação entre as pessoas envolvidas de cooperação, respeito e crescimento foi extremamente indispensável; e no que se refere ao ensino-aprendizagem, a troca de papéis, experiência e aprendizado entre docente-discente nas aulas fez-se necessária e teve/tem grande importância para os desdobramentos deste novo cenário educacional.

Vale salientar que sabemos que já existiam essas relações docente-discente e ensino- aprendizagem em alguns contextos de ensino, porém frisamos que na circunstância pandêmica essas relações destacaram-se ou pelo menos deveriam ter se destacado mais. Com isso, faz-se necessário evidenciar que as interações docente-discente e discente-discente também foram altamente impactadas resultando em consequências no ensino-aprendizagem, uma vez que produções orais são transpostas às mensagens escritas no chat ou até mesmo deixam de existir; e a interpretação de expressões e/ou gestos não verbais que auxiliavam pessoas educadoras no processo de ensino também se reduziram por existir a possibilidade de não ligar câmeras e microfones.

Na seção anterior foi realizada a discussão sobre os impactos das videochamadas em mulheres e neste tópico, discorremos sobre as dificuldades enfrentadas durante o ensino remoto emergencial assim como a importância do desenvolvimento da criticidade de docentes que se repercute na formação crítica de discentes, uma vez que trabalhar gêneros na escola não se resumiria em apenas trabalhar com textos que falam sobre conceitos. Sobre isso, Ira Shor e Paulo Freire (1986, p.85) afirmam que

mais essa dicotomia entre ler palavras e ler realidade se exerce na escola, mais nos convencemos de que nossa tarefa, na escola ou na faculdade, é apenas trabalhar com conceitos, apenas trabalhar com textos que falam sobre conceitos. Porém, na medida em que estamos sendo treinados numa vigorosa dicotomia entre o mundo das palavras e o mundo real, trabalhar com conceitos escritos num texto significa obrigatoriamente dicotomizar o texto do contexto.

Com isso, na seção seguinte é feita a descrição da SD desenvolvida durante esse contexto emergencial de pandemia e isolamento social, na qual essas questões são recuperadas e desenvolvidas no âmbito educacional.

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Sequência didática: Fatiga por Zoom

Além da figura docente e discente, as instituições de ensino também enfrentam, de acordo com Ivani Policarpo e Marlizete Steinle (2008, p.5), “o grande desafio de atender as demandas provenientes do impacto das atuais transformações decorrentes do processo evolutivo da sociedade. Ao mesmo tempo, se instrumentaliza e se aperfeiçoa para de forma competente intensificar o seu propósito - um ensino de qualidade”.

Destarte, materiais e recursos didáticos são ferramentas utilizadas por pessoas educadoras para auxiliar o ensino-aprendizagem de discentes de acordo com o conteúdo pretendido. Tendo como objetivo selecionar materiais e recursos didáticos para as aulas remotas, professoras e professores precisaram considerar que pessoas discentes não eram acostumadas a ter aulas – 100% remotas ou maior parte – por meio de aparelhos tecnológicos como computador/notebook, celular e/ou tablet. Normalmente, esses aparelhos eram mais utilizados em contextos de passatempo, socialização, entretenimento etc., tornando difícil a dissociação entre essas funcionalidades com a emergencial que a pandemia da covid-19 ocasionou: uso para contexto educacional.

Como as tecnologias facilitam o acesso a diversas áreas e propósitos, inclusive, possibilita o acesso simultâneo a diversos conteúdos, dessa forma, a atenção, que é responsável por selecionar, organizar e filtrar as informações, fica sobrecarregada. Com essa “disputa” entre centrar-se em entretenimento ou nas aulas, resulta para a pessoa docente mais uma tarefa: selecionar materiais e recursos didáticos alternativos que possibilitem uma maior interação, dinamicidade e eficiência. Além disso, ter aulas em um espaço que não seja as quatro paredes das salas de aula que estávamos acostumadas, é um desafio enorme e exige uma maior colaboração e mais autonomia discente.

O contexto online em que fomos inseridas ocasiona cansaço visual, físico e mental gerado pelo uso das telas, principalmente em contextos pedagógicos, pois nos exigem uma postura e foco visual específico para conseguir acompanhar as aulas e manter atenção mesmo com possíveis distrações e ruídos alheios ao ambiente educacional. À vista dessa percepção extraída da realidade da nossa experiência docente, desenvolvemos uma sequência didática (SD) que trabalhasse essa temática em aula e, ao mesmo tempo, conseguíssemos dar prosseguimento no conteúdo programático do curso de espanhol.

A “sequência didática” (SD), na qual está centrado este trabalho, é um conjunto de atividades que estão organizadas para um gênero textual, seja este oral ou escrito (DOLZ, NOVERRAZ, SCHNEUWLY, 2011). Segundo Joaquim Dolz, Michèle Noverraz e Bernard Schneuwly, a finalidade de uma SD é auxiliar a pessoa estudante no domínio de um texto ou gênero de texto, em que tem como resultado o desenvolvimento da competência comunicativa, ou seja, a/o discente poderá escrever ou falar de maneira mais adequada em determinado contexto. Considerando esta definição, a seguir, descrevemos as atividades que foram trabalhadas em duas aulas – 1 hora e 20 minutos de aula síncrona e 20 minutos de aula assíncrona, cada aula – e que tinham como objetivo: conscientizar e desenvolver o pensamento crítico sobre o impacto das aulas remotas; introduzir o conteúdo “dar e receber conselhos”; e revisar o “modo imperativo”. Esta SD abarcou o gênero textual de infográficos e foi composta por atividades orais e escritas, além disso, teve como produto final a produção de infográficos relacionados ao tema. Cabe ressaltar que a SD foi aplicada em níveis mais avançados do curso de espanhol do CL, como o nível 5 e o nível 6, nos quais trabalhamos o modo imperativo, podendo ser adaptada para níveis iniciantes.

Primeiramente, a apresentação da situação deu-se da seguinte maneira: no Padlet, plataforma online que permite criar e compartilhar murais virtuais, que, no nosso caso, foi utilizado para realizar uma lluvia de ideas; todas as pessoas receberam um link para acessar o mural virtual e, assim que acessaram, depararam-se com a expressão: Clases Remotas; a partir da qual deveriam escrever palavras que remetessem a ela, criando uma lluvia de ideas para a discussão. Em seguida, a professora fez perguntas que guiaram as pessoas discentes na sua primeira produção escrita no próprio Padlet: 1) ¿Qué opinas sobre las clases remotas?; 2)¿Cuáles son las ventajas y desventajas de las clases remotas; 3)¿Cómo percibes tu desarrollo y aprendizaje en este contexto?. Em seguida, tinham que ler suas respostas e, assim, começar uma discussão conjunta, em espanhol, sobre o tema. Pressupondo que em algum momento alguém iria comentar sobre esgotamento ou cansaço causado pelo excesso de tela, a professora perguntou se elas/es achavam que existia alguma diferença desse esgotamento entre homens e mulheres, dando início a uma prévia discussão em que as pessoas discentes falaram a partir de sua própria experiência.

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Em seguida, a professora compartilhou o instazine – conteúdo informativo publicado no feed da rede social Instagram, normalmente no formato “carrossel” – “Fadiga de Zoom e as mulheres: novo fenômeno, velhos problemas”, produzido pela Oya Care e postado em seu Instagram (@oya.care) no dia 27 de dezembro de 2021. A Oya Care é uma plataforma digital de saúde criada em 2020, que tem como objetivo oferecer serviços de telemedicina e acompanhamento médico remoto, sendo a primeira clínica digital focada em saúde de mulheres no Brasil. De acordo com o instazine da clínica, o esgotamento pandêmico afeta significativamente mais as mulheres do que os homens. O estudo que gerou o instazine é o mesmo que citamos na primeira seção deste trabalho, de Geraldine Fauville et al. (2021), que entrevistou mais de dez mil pessoas e constatou que uma em cada sete mulheres relatou sentir-se “muito” ou “extremamente” afetada pelas videochamadas, enquanto entre os homens, apenas um em cada vinte entrevistados afirmou o mesmo (OYA CARE, 2022). Após a leitura desse material, as/os discentes fizeram uma prática oral discutindo o conteúdo lido e se estavam de acordo ou não com o que fora exposto. Logo, seguiram para a segunda produção escrita: individualmente ou em grupos, deveriam traduzir o instazine que estava em português para espanhol. Para isso, cada estudante recebeu uma parte do material e, ao final, compartilharam as suas produções.

A penúltima atividade consistia na construção de um infográfico a partir do que foi discutido e trabalhado, no qual cada estudante deveria dar conselhos às pessoas sobre como combater a fadiga causada pela exposição excessiva às telas. Para isso, a professora deu um texto como material de suporte e para ajudá-las/os na criatividade/embasamento teórico, intitulado: ¿Qué es la “Fatiga por Zoom” y por qué afecta más a las mujeres?. Cabe ressaltar que a professora criou um modelo de infográfico no Canva – site de design gráfico que permite criar diversos tipos de conteúdo visual –, em que cada estudante deveria encontrar seu nome e editar seu material como quisesse, podendo adicionar imagens etc. Antes de editarem seu infográfico, a professora apresentou a plataforma e suas possibilidades de edição. Após elaborarem, deveriam apresentar a sua produção à classe.

Por fim, após a criação e apresentação, a professora, presumindo o conteúdo gramatical que utilizariam nas produções, introduziu o conteúdo programático Dar y recibir consejos e, como atividade assíncrona, passou uma revisão do modo imperativo afirmativo e negativo.

Nesta seção, trouxemos uma proposta de atividades para lidar com a exaustão das pessoas estudantes com as aulas online, buscando alternativas para tornar o ambiente virtual mais dinâmico e estimulante. Essa sequência didática foi desenvolvida a partir da nossa experiência como docentes nas aulas remotas e busca produzir soluções, juntamente com discentes, a um dos principais problemas que enfrentamos: a fadiga das telas. Como mulheres e cientes das desigualdades de gênero que são acentuadas em contextos como o da pandemia, trouxemos para a sala de aula reflexões sobre como a pandemia afeta de forma diferente mulheres e homens.

No tópico a seguir, refletimos sobre a eficácia dessas estratégias e as principais dificuldades encontradas no processo de ensino e aprendizagem nesse contexto virtual. Além disso,compartilhamos nossas impressões e opiniões acerca desse desafio que foi adaptar-se ao novo formato de aula e buscar alternativas para tornar a experiência do ensino online mais proveitosa e satisfatória para todas as pessoas envolvidas.

Considerações finais

Por todo exposto, seja pela perspectiva docente ou discente, verifica-se, como fator primordial e necessário, a formação docente inicial e continuada. Além disso, validamos o quão importante foi a seleção de materiais didáticos para o ensino remoto emergencial e, mesmo não sendo o foco da pesquisa, acreditamos que para o ensino presencial também é importante trazer reflexões sobre questões que de alguma forma nos atravessam e que possibilitam o diálogo e o debate crítico para nossa emancipação.

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Concluímos que, com base no nosso referencial teórico, a formação docente, fundamentada nos conceitos de conhecimentos disciplinar e pedagógico, alinhada com a seleção de material/recurso didático resulta no progresso e aprimoramento do processo de ensino- aprendizagem; principalmente nestes contextos emergenciais, como o que a pandemia da covid-19 impôs, em que docentes e discentes precisaram adaptar-se e reinventar-se de acordo com as exigências da atualidade.

Ademais, compreende-se que a educação digital, se realizada de forma efetiva, unindo a prática à teoria, pode melhorar a qualidade do ensino, possibilitar sua continuidade e aumentar o engajamento das pessoas estudantes. Para tanto, com investimento e implementação de política públicas que garantam e democratizem o acesso às tecnologias, é preciso que as escolas e universidades públicas sejam adaptadas às transformações e que haja maior valorização e investimento na capacitação de professoras e professores, proporcionando, assim, uma formação continuada eficaz e efetiva para o desenvolvimento de um ensino de qualidade.

Referências

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Notas

1. Doutoranda e Mestra (2023) da área de Estudos Literários do Programa de Pós-Graduação em Letras e Linguística da Universidade Federal de Goiás (UFG). Possui graduação em Letras Língua Portuguesa pela Universidade Estácio de Sá (2022) e em Letras Espanhol pela UFG (2019). Atualmente, é bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES); integrante do corpo editorial da Revista Brasileira de Política e Administração da Educação (RBPAE); tradutora, revisora e professora de espanhol como língua estrangeira. Entre 2023 e 2024, participou do projeto de extensão Inova Export: Internacionalização de Empreendimentos Inovadores (FACE/UFG), em que atuou como revisora e tradutora (simultânea e de textos) do par de línguas espanhol/português. Entre 2018 e 2022, foi professora de espanhol do Centro de Línguas da Faculdade de Letras (UFG) e do Núcleo de Línguas / Idiomas sem Fronteiras (NucLi-IsF/UFG).

2. Mestranda em Estudos Linguísticos pelo Programa de Pós-graduação em Letras e Linguística da Universidade Federal de Goiás (UFG). Licenciada em Letras: Espanhol pela UFG. Atualmente é bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e integrante do Laboratório de Processamento da Linguagem (LAPROLIN) da UFG. Foi professora no Centro de Línguas da UFG (2021-2022).

3. Doutoranda e Mestra em Estudos Linguísticos no Programa de Pós-graduação em Letras e Linguística da Universidade Federal de Goiás (PPGLL/UFG). Licenciada em Letras: Espanhol pela Faculdade de Letras (FL) da UFG. Atualmente é bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e integrante do Laboratório de Processamento da Linguagem (LAPROLIN). Foi professora de espanhol do Centro de Línguas da FL/UFG (2019-2022) e do Nucli-IsF da UFG (2022).

4. Utilizamos “n. p.” para indicar citação “não paginada” de livros em formato e-book ou kindle. Nesse caso, recomenda-se fazer a busca digitando parte da citação no recurso de busca do livro eletrônico.

5. Todas as escritoras citadas neste artigo terão o seu primeiro nome acompanhado do sobrenome, pois o sobrenome apaga a produção intelectual das mulheres, uma vez que, na tradição ocidental machista, o sobrenome sempre é do pai ou do marido.

6. Disponível em: https://pt-br.padlet.com.

7. Disponível em Anexo e também em: https://www.instagram.com/p/CX_ZTaLpGH6/?igshid=YmMyMTA2M2Y=. Acesso em: 29 fev. 2023.

8. Site Oya Care: https://www.oya.care/.

9. Disponível em: https://www.salud180.com/salud-a-z/que-es-la-fatiga-por-zoom-y-por-que-afecta-mas-a- mujeres#block-facebook-comments-facebook-comments. Acesso em: 29 fev. 2023.

10. Utilizamos neste artigo a versão traduzida ao espanhol do texto: MARC, Prensky. Digital natives, digital immigrants. On the horizon, v. 9, n. 5, p. 1-6, 2001.