VOLTAR À COLEÇÃO ISBN: 978-65-997623-7-6
Volume 3

Experiências Críticas de Ensino na Educação Básica:

Educação Sexual, Questões Étnico-raciais, Inclusivas e Ambientais

“O Que É Racismo?”: proposta de intervenção didática antirracista para a EJA

AUTORAS
Thâmara Nayara A.P. Borges
Anna Maria Dias Vreeswijk
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O presente trabalho faz parte da pesquisa de mestrado intitulada “Racismo e Educação de Jovens e Adultos: análise do ensino para as relações étnico-raciais em uma escola EJA”, desenvolvida por Thâmara Nayara A. P. Borges sob a orientação de Anna Maria Dias Vreeswijk no Programa de Pós Graduação em Ensino na Educação Básica (PPGEEB) do Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada à Educação da Universidade Federal de Goiás (Cepae/UFG) e defendida em 2018.

O objetivo deste texto é apresentar a pesquisa empírica realizada numa escola de Educação de Jovens e Adultos (EJA) sobre o tema racismo, assim como a construção de uma sequência didática voltada para o ensino das relações étnico-raciais e aplicada nesta escola campo.A EJA trata-se de uma modalidade da Educação Básica voltada em garantir o direito à aprendizagem a adolescentes, jovens, adultos e idosos trabalhadores que não puderam concluir seus estudosem escola regular na idade apropriada.

Localizada na região norte da cidade de Goiânia (GO), a escola campo foi inaugurada em 2004. Segundo o Projeto Político Pedagógico (PPP) da instituição, em 2017 foram matriculados 107 alunos na modalidade EJA. Desse total, 22 alunos foram matriculados no primeiro segmento, destinado a alunos não alfabetizados. Os outros 85 alunos foram matriculados no segundo segmento, destinado a alunos já alfabetizados. A pesquisa realizada envolveu 24 alunos do segundo segmento, todos maiores de 18 anos, que aceitaram participar voluntariamente respondendo ao questionário inicial.

Na época de realização da pesquisa, a escola contava com um total de dez professores. Entre eles, apenas três professoras aceitaram e participaram efetivamente da pesquisa. Muitos, para justificar a não participação, alegaram estar ocupados demais, revelando um sufocante cotidiano de trabalho que impede professores de se envolverem com outras atividades.

Assim, a pesquisa empírica se trata de um estudo de caso, por meio da aplicação de questionários a professores e alunos. A pesquisa também se constituiu como uma pesquisa ação, pois, a partir dos dados obtidos com a pesquisa empírica, foi proposta e aplicada uma sequência didática na escola campo.

A produção da sequência didática neste trabalho se apresenta como um eixo central, que tenta contribuir com a efetivação da Lei 10.639/2003.A elaboração de um produto educacional em forma de uma sequência didática já estava estabelecida antes do contato com a escola. A hipótese da necessidade desse material foi construída a partir das experiências das autoras como professoras da educação básica, das suspeitas levantadas por livros e pela bibliografia, mas toda a elaboração da sequência foi baseada nas respostas dos questionários aplicados aos alunos, principalmente porque na maioria delas foi identificado que os alunos não utilizam o livro didático (LD). Após essa constatação, foi aplicado um questionário aos professores, para que se pudesse entender o motivo da não utilização do LD. Neste questionário, os professores também sugeriram ideias para a elaboração da sequência didática desta pesquisa em questão.

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O primeiro passo da pesquisa teve como objetivo identificar o perfil dos alunos da EJA, sua compreensão do que significa o racismo e suas possíveis experiências com o racismo, seja como oprimido, reprodutor do racismo ou espectador de circunstâncias racistas. Ao responderem à questão “O que você entende por racismo?”, a maioria dos estudantes relacionou racismo a xingamentos referentes à cor da pele, como chamar alguém de “preto”. Um aluno citou que o racismo era crime, enquanto outros o assemelharam com o bullying e alguns com o desrespeito. Cinco alunos deixaram essa questão em branco.

A percepção dos alunos participantes que buscaram explicar o racismo como uma forma bullying e relacionaram o racismo a atos individuais demonstra que o tema está sendo discutido dentro da escola, mas é um indício de que o racismo não é historicizado em toda sua complexidade. Nessa primeira parte, foi detectada a necessidade de introduzir um conceito acadêmico de racismo, para ampliar a compreensão do mesmo, percebendo o racismo como um fenômeno histórico e engendrado na sociedade brasileira.

No questionário aplicado aos alunos, uma questão fazia referência ao uso de materiais pedagógicos e o seu significado para os alunos da EJA: “As aulas e os materiais que a escola utiliza correspondem à sua realidade? Você consegue relacionar com o seu cotidiano ou com sua vivência?” A pergunta não era explícita sobre o uso dos livros didáticos em sala de aula, mas as respostas dos alunos puderam denunciar que esse material é pouco utilizado. Entre os 24 questionários aplicados, 14 alunos responderam que não usavam o livro, enquanto cinco não responderam. Percebendo que o livro didático era pouco usado em sala de aula, foi aplicado um novo questionário às professoras participantes, que tentou delimitar os motivos e os problemas encontrados nos livros didáticos. A primeira questão era objetiva, mostrando às professoras que os alunos disseram que os livros não eram usados em sala de aula. Foi pedido para que marcassem uma ou mais alternativas que conseguissem justificar o não uso do LD.

As três professoras, identificadas na pesquisa como X, Y e W, responderam ao questionário. Respondendo à primeira questão, as professoras Y e X marcaram a alternativa C, e as professoras X e W marcaram também a alternativa B, que são as seguintes:

b) O material didático disponível na escola não é suficiente para a quantidade de alunos.
c) O material didático não se ajusta à realidade dos alunos da EJA.

Diante desta constatação, fica mais evidente o descaso com essa modalidade, pois mesmo com poucos alunos por turma, os materiais ainda não são em número suficiente. Além disso, vários materiais são pouco adequados à realidade e à faixa etária dos alunos, com conteúdo extremamente resumido e simplista. Várias coleções da EJA são coleções voltadas para o ensino regular, destinadas para crianças e adolescentes. As editoras fazem apenas pequenas adaptações nessas coleções para submeter ao PNLD-EJA.

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A segunda questão do questionário voltado para as professoras fazia referência à frequência com que os professores usavam o livro didático em sala de aula. A professora Y disse que nunca usa o livro em sala, a professora X respondeu que às vezes usa o LD, e a professora W afirmou que, mesmo com as debilidades, sempre usa o livro didático.

A terceira pergunta trouxe uma questão do racismo ao perguntar se os professores encontravam alguma dificuldade em trabalhar o tema racismo em sala. As professoras X e W disseram que não têm dificuldade para trabalhar esse tema, já a professora Y explicou que “A maior dificuldade é a de encontrar materiais que tratam do tema/assunto que é tão importante e que está prescrito em lei, mas não o encontramos. Sempre faço uso de materiais/cursos que procuro por conta própria”.

A quarta questão perguntava se as professoras julgavam importante a produção de um material que auxiliasse o professor a respeito do racismo. Duas responderam de forma positiva, e a professora W negativa. Ainda nessa questão, foi pedido que as professoras deixassem sugestões sobre a produção desse material. A professora Y sugeriu que se usassem vídeos, e-books, literaturas e materiais discursivos atuais; a professora W sugeriu a confecção de um painel com fotos, a professora X sugeriu o uso de recursos audiovisuais.

Levando em consideração as possibilidades e os desafios da escola campo, assim como as contribuições iniciais de alunos e professores, foi elaborada a sequência didática. Os principais objetivos pedagógicos foram a informação, a sensibilização e o estímulo para uma ação antirracista transformadora.

Os alunos que participaram da aplicação da sequência não foram os mesmos que responderam o primeiro questionário. Seria ideal trabalhar com o mesmo público que participou de todo o processo da pesquisa, mas isso se tornou muito difícil. Na EJA, a rotatividade dos alunos é grande porque cada série tem um período de seis meses. Os primeiros questionários foram aplicados no primeiro semestre de 2017 e a aplicação da sequência foi realizada no segundo semestre de 2018. Durante esse período, houve uma mudança de alunos e das turmas. Sendo assim, o tempo gasto com coleta de dados, análise dos dados e elaboração da sequência não foi compatível com um semestre, mas esse fato não impossibilitou a continuidade da pesquisa, porque foi identificado um perfil bem parecido entre os alunos das turmas.

Na aplicação da sequência, participaram 22 alunos, a maioria mulheres (13 alunas). Dentre o total de alunos, 40,9% têm idade entre 14 e 20 anos, 27,2% têm idade entre 31 e 40 anos, 22,7% têm entre 21 e 30 anos e 4,5% entre 41 e 50 anos, e a mesma quantidade, 4,5%, tem entre 51 e 60 anos. Sendo assim, essa turma está bem diversificada com a presença de jovens e adultos. Os gráficos abaixo demonstram a divisão da turma quanto à religião e raça:

Tabela 1. Caracterização dos participantes por religião
Fonte: As autoras
Tabela 2. Caracterização dos participantes por raça ou cor
Fonte: As autoras
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Quanto à religião, a maioria são evangélicos (12 alunos) e católicos (5 alunos), o restante não se identificou como pertencente a uma religião. Quanto à raça ou cor, a maioria se identificou como parda (14 alunos) e preta (4 alunos), dois se identificaram como indígenas e dois como brancos. Reforçamos com essa constatação o que foi ressaltado no começo do trabalho, ou seja, que a maioria do público EJA é composta por negros e pardos, para quem a escola muitas vezes vem de forma tardia, pois as necessidades na vida os obrigam na maioria dos casos a trabalhar cedo para compor a renda familiar.

A sequência foi aplicada por uma professora de História atuante no ensino regular da rede pública. Essa primeira aplicação foi feita para analisar e testar a melhor forma de aplicação, mas a proposta é que esse material possa ser replicável por qualquer professor, especialmente que atue na EJA. A aplicação foi realizada em três aulas.

Na primeira, os alunos preencheram a ficha de identificação e a aula foi dedicada a trabalhar o conceito de racismo com os alunos. Foi dada a oportunidade dos alunos se expressarem oralmente sobre o que era racismo para eles (repetindo assim a metodologia usada com o primeiro grupo de alunos). As respostas se assemelharam ao primeiro grupo, pois reforçavam a falta de respeito com os negros expressa, principalmente, em forma de xingamentos. Após esse momento inicial, os alunos receberam uma folha com três trechos que trazem o conceito de racismo para diferentes autores.

O primeiro foi o conceito partindo de Hall (2003), com o objetivo de demonstrar que raça é uma construção política e social, organizada em torno do sistema de poder que excluí e explora. Foi debatido com os alunos a herança eurocêntrica do racismo no Brasil e os discursos de superioridade e eugenia. O segundo trecho era de Gomes e Munanga (2004), que reforçava também que o racismo surgiu com as relações capitalistas e mercantis e alerta que na escola esse racismo tem sido em muitos casos naturalizado e até institucionalizado, reforça também o papel da escola em combater o racismo. Essa citação gerou vários debates. Foi falado sobre o silenciamento do tema nas escolas e nas aulas. Os alunos afirmaram que, por a escola ser um ambiente de muita socialização, atitudes racistas acontecem constantemente. Foi debatido também sobre a importância de se falar sobre racismo no ambiente escolar e combatê-lo.O terceiro trecho trabalhado foi a música “A cor do homem”, de Milton Nascimento e Fernando Brant, que traz reflexões sobre a humanização e igualdade entre os seres humanos, reforçando que não podemos categorizar em melhor ou pior, superior ou inferior.

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Na segunda aula foi trabalhado o mito da democracia racial no Brasil com o apoio de slides. Primeiro, foi discutido com os alunos a situação dos ex-escravizados pós-abolição, ressaltando que a abolição não significou liberdade, pois os negros ficaram desvalidos na nova configuração da sociedade. Isso foi trabalhado como apoio de citações de Fernandes (2007) e Schwarcz (2012). Discutimos sobre a imigração e o mito do branqueamento analisando a pintura “A redenção de Cam” de Modesto Broccos (1895). Esse quadro exemplifica o mito de que o cruzamento das raças poderia clarear o país. Foi demonstrado para os alunos que ainda na atualidade há existência de racismo, isso foi feito com dados que explicitam que os negros ainda são a maioria dos desempregados, os que têm menos acesso a curso superior e o maior índice de homicídio, principalmente entre os jovens. Analisamos a relação desses dados com o racismo estrutural. Os alunos foram levados a perceber que não se tratam de casualidade ou coincidência, mas que esses fatos são intencionais e fazem parte de uma estrutura racista.

Na terceira aula, foram exibidos slides trazendo a imagem de personalidades negras: Zumbi dos Palmares, Dandara, André Rebouças, Antonieta Barros,Martin Luther King, Nelson Mandela, Joaquim Barbosa, Nilma Lino Gomes e Marielle Franco. Essas personalidades foram trazidas a fim de superar a representação negativa que os alunos negros podem ter de si, reforçada muitas vezes pela mídia hegemônica, pelos meios de comunicação de massa, mas também pela historiografia tradicional, na história pública, no imaginário coletivo e até pela escola ao projetarem o negro como escravo sujeito passivo da história. Essas imagens trazem histórias de pessoas que contribuíram para uma mudança na sociedade, seja brasileira ou não. Longe de enfatizar que a solução para o racismo estrutural é a ação individual, a aula enfatiza a luta dessas pessoas contra a estrutura desigual e sua inserção em movimentos sociais e coletivos. O objetivo pedagógico ao valorizar essas personalidades é dar visibilidade as lutas negras e sua importância para as conquistas e denúncias na sociedade brasileira e estimular a ação transformadora por parte dos alunos. Não se trata apenas de negros que venceram em sua trajetória individual de vida, mas de indivíduos que lutaram coletivamente em prol dos outros.

Na terceira aula ainda, os alunos fizeram uma atividade final para avaliar o aprendizado proposto pela sequência. É necessário ressaltar que o período em que a sequência didática foi aplicada coincidiu com um trabalho feito na escola sobre africanidades. Desta forma, os alunos já estavam desenvolvendo algumas discussões e leituras sobre o assunto, o que contribuiu com um bom resultado da sequência e maior motivação dos alunos e professores em participar.

Depois de aplicada toda a sequência didática, ou seja, no final da terceira aula, após todo o conteúdo trabalhado, os alunos responderam as perguntas individualmente em uma atividade escrita. A primeira pergunta da atividade era: “A partir das leituras e discussões em sala de aula, o que é racismo?” Essa questão já havia sido feita ao primeiro grupo de alunos pesquisados, mas a intenção de repeti-la nesse estágio da pesquisa é perceber em que medida as aulas e os debates contribuíram para a compreensão do significado de racismo, lembrando que, no primeiro grupo, a maioria das respostas relacionou racismo como uma atitude individual de discriminação contra a cor de pele negra ou uma forma de bullying.

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Essa questão procura ampliar o conceito dos alunos e não o classificar como certo ou errado, em consonância com as considerações de Barca:

[...] se o professor estiver empenhado em participar numa educação para o desenvolvimento, terá de assumir-se como investigador social: aprender a interpretar o mundo conceitual dos seus alunos, não para de imediato o classificar em certo/errado, completo/incompleto, mas para que esta sua compreensão o ajude a modificar positivamente a conceitualização dos alunos, tal como o construtivismo social propõe. (BARCA, 2001, p. 132).

Foi nesse sentido que foi proposta a atividade trazendo o conceito de racismo e a repetição da pergunta, para construir junto com os alunos uma maior compreensão sobre o que é racismo e de que forma ele pode atuar em nossa sociedade, pois os conceitos históricos são compreendidos de forma gradual, e para isso é necessário que o aluno também traga seu entendimento com base em suas experiências sociais enquanto sujeito (BARCA, 2001).

Ou seja, a pergunta “O que é racismo?” foi feita a dois grupos de estudantes em três momentos ao longo da pesquisa: inicialmente, para a primeira turma de participantes que preencheu o formulário inicial destinado aos alunos. Essas respostas foram importantes para identificarmos os limites dos conhecimentos trazidos pelos/as estudantes da EJA para a escolae nos orientar na elaboração da sequência didática. Posteriormente, foi feita numa segunda turma de alunos em que iríamos aplicar à sequência didática. Respondida apenas oralmente no início da primeira aula, as falas desses alunos se aproximaram em vários aspectos das respostas obtidas por escrito nos questionários aplicados na primeira turma. E, na terceira e última vez, essa pergunta foi feita na atividade, respondida por escrito pelos alunos da segunda turma de participantes após a aplicação da sequência didática.

Os alunos que responderam a atividade avaliativa da sequência didática são identificados neste trabalho por letras do alfabeto de A a V. Depois dos debates em sala, é perceptível a influência dessa atividade na reformulação do conceito de racismo na percepção dos alunos, visto que os próprios alunos recorreram ao material da sequência em suas respostas e houve uma mudança significativa nas respostas obtidas antes e depois da aplicação da sequência. Algumas respostas da atividade avaliativa ajudam a identificar isso:

Racismo é diferença de cor, classe social. Racismo é achar que alguém é superior ao outro porque é branco e outro negro, ou porque um é rico e outro pobre. (Estudante B)

Racismo é a falta de igualdade, da raça humana, muitas pessoas a maioria das vezes de cor de pele mais clara, acham que é melhor que um negro, pardo e outros, a desigualdade social é uma triste realidade, onde a maioria das pessoas sofridas do nosso país são negros. (Estudante J)

Racismo é quando você chama uma pessoa negra quando você branco ser acha melho do que aquela pessoa de pele escura muitos negros andam na rua e a polícia bate por a pessoa é negra. (Estudante S)
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Esses alunos já conseguem perceber que o racismo está ligado a um discurso de superioridade e que o racismo interfere na condição econômica e na forma como os negros são tratados na sociedade. O estudante J consegue identificar que há uma diferença entre brancos e negros e que, em nosso país, os negros sofrem vulnerabilidade social. O estudante S denuncia a ação policial que julga as pessoas pela cor da pele. Essas respostas vão além da percepção do racismo com uma atitude apenas individual ou como uma forma de bullying.

Outros alunos reconhecem que existe racismo no Brasil e em diversos lugares da sociedade:

É quando queremos ser melhor de que outro só porque é de outra cor e ainda hoje existe o racismo em casa na escola no trabalho em todos lugares não mudou quase nada. (Estudante D)

O racismo até hoje são encontrado sem diversas partes do país, por que os negros são descrinina mais ainda. EU SOU NEGRO COM ORGULHO (Estudante H)

Racismo e discriminação é desigualdade entre pessoas, preconceito contra sexo e religiões, em nosso mundo o preconceito não para. Só com uma boa Educação. (Estudante O)

Racismo começou na época da escravatura principalmente no Brasil, o ser humano trata negros com indiferença, descriminação, excluem, exploram, etc. Em todos os lugares tem racismo. (Estudante R)

O estudante H ressalta até seu orgulho de ser negro, o que é um ponto extremamente positivo: pensar que as aulas podem contribuir para elevar a autoestima dos alunos negros. O estudante O reconhece que a educação é uma forma de acabar com o racismo, o que fortalece a importância de tratar e trabalhar esse tema em sala de aula. O estudante R identifica que no Brasil o racismo começou com a escravatura e até a atualidade existe em todos os lugares do nosso país. Esses alunos conseguiram perceber que a democracia racial no Brasil é uma falácia.

Outros alunos fizeram a relação com a discriminação por cor:

O Racismo no Brasil é considerado um problema por causa de cor que eu acho um absurdo porque todos nós somos iguais. Ninguém é melhor do que ninguém. (Estudante M)

Racismo são pessoas que descriminão a raça negra. (Estudante N)

Racismo pra mim é quando outra pessoa não aceita a cor que a outra pessoa tem e sente melhor que essa pessoa, então pra mim é um preconceito. (Estudante P)

A segunda questão era referente ao racismo estrutural e exigia dos alunos uma análise dos dados da questão.

Qual a relação entre os dados abaixo e o Racismo Estrutural?

A maioria dos alunos conseguiu fazer uma boa análise dos dados e identificar a existência do racismo estrutural no Brasil. Foram elencadas algumas respostas que possibilitam essa identificação:

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Esses dados nos diz que mesmo a política sócio-econômica dizendo que os negros tem aprovação na sociedade não é verdade. Pois o negro enfrenta dificuldades (Estudante A)

Eles revelam que ainda no Brasil existe muito racismo em muitas coisas. Como no desemprego, estudos, homicídios, religiões. (Estudante B)

71% dos homicídios causados no Brasil são contra negros? por que os Governantes ainda tem racismo entre eles, pois a população negra é mais atingida de uma forma desproporcional. (Estudante H)

O racismo estrutural é o negro sem empregos, sem universidades e salários mínimos. (Estudante K)

No brasil, os negros são os mais mortos, são mais dezipregados e ganha menos. (Estudante P)

De acordo como os dados a cima, podemos afirmar que os negros ainda são discriminados no Brasil, mesmo tento tendo o mesmo direito que os brancos, eles ainda são tratados com indiferença e na maioria das vezes não aceitos e rejeitados. (Estudante R)

Conseguiram, portanto, perceber que o “fracasso” e as condições desfavoráveis em que a maioria dos negros brasileiros vive não são fruto do seu pouco esforço ou merecimento, mas que fazem parte de uma cadeia social que os discrimina e os exclui.

A terceira pergunta fez referência ao período pós-abolição:

A partir da leitura do trecho abaixo e dos debates em sala de aula, responda:

Para os negros a Abolição da escravatura, ao invés de propor a liberdade e uma nova condição social, acabou proporcionando uma forma nova de exploração e de subjugação. O negro que antes era mão de obra predominante, nesse novo momento, sua força de trabalho é considerada desqualificada, inferior e desnecessária. Ao invés de através da liberdade adquirir uma ascensão social e econômica, sua nova condição o aprisionou ao ciclo da miséria e o condicionou a um destino trágico. (FERNANDES, 2007, p. 109).

A abolição significou liberdade para os negros? Explique.

A maioria dos alunos conseguiu interpretar e analisar o trecho percebendo que a abolição da escravatura não garantiu liberdade total aos antigos escravos, mesmo porque não foram reposicionados na nova sociedade emergente. Podemos perceber a compreensão dos alunos nas seguintes respostas:

Não. Em partes a abolição é somente no papel, o negro ainda é discriminado no trabalho, na escola até mesmo pelos familiares etc. (Estudante A)

Não porque de certa forma os negros ainda sofrem racismo. (Estudante Q) Praticamente não, pois ainda existe o racismo, ainda existe a rejeição e o preconceito contra o negro. (Estudante R)

Não foram libertado direito porque até hoje eles tão desempregados. (Estudante S)

É interessante ressaltar que o estudante S consegue relacionar até a condição do negro pós-abolição e a condição atual, com os altos índices de desempregos, reforçando o racismo impregnado em nossa sociedade e que, de fato, a democracia racial não existe no Brasil.

Contudo, alguns alunos não conseguiram interpretar o texto, mas colocaram na resposta a sua consciência histórica, reforçando que a libertação dos escravos garantiu liberdade aos mesmos, como podemos perceber:

Quando chegou a abolição da escravatura todos tiverão liberdade para trabalha e viverem em paz (Estudante F)

Depois que os negros ganha a liberdade eles tiven sua própria independência financeira com seu próprio trabalho com categoria reconhecido em catório. (Estudante H)

Porque com a Abolição os escravos conseguiram se libertar e viver como pessoas normais e livres. (Estudante O)
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A última questão exigia dos alunos uma avaliação de todo o processo. Com isso, pensamos a avaliação não apenas como um instrumento que mensura e pontua o aprendizado do aluno, mas sim como um instrumento pelo qual professor e alunos refletem sobre o processo de ensino. A autoavaliação dos alunos agrega muito valor ao trabalho pedagógico. Essa avaliação foi elaborada na seguinte indagação: “Após as aulas e os debates feitos em sala, escreva com suas palavras o que você considerou significativo ou o que aprendeu sobre as questões raciais.”

Grande parte dos alunos se sensibilizou para uma educação antirracista, ressaltando a importância de combater o racismo em todas as esferas da sociedade e enfatizaram em suas respostas a busca pela igualdade. Isso é identificado nos trechos a seguir:

Aprendi que somos todos iguais preto pardo que cor ou raça não define nosso caráter e que todos nos temos direitos iguais, e que devemos respeita independente de raça ou cor. Direitos iguais pra todos. (Estudante C)

Eu aprendi que somos uma só cor de pele e que não devemos ter descriminação com o próximo. (Estudante E)

Uma simples cor de pela não significa nada quando a pessoa tem um bom caráter, existem pessoas ruins e boas independente da cor ou raça. É uma pena que nosso país ainda existam pessoas ignorantes a ponto de achar que a cor da pele é mais importante que qualquer coisa. Devemos lembrar que em todos nós corre o sangue vermelho, não tem cor escura ou clara. Por dentro somos todos iguais!!! (Estudante J)

Aprendi que todos nos temos direitos iguais tanto como branco, preto ou pardo e ninguém é melhor que ninguém, somos todos iguais. (Estudante U)

Não podemos mensurar o aprendizado de cada aluno apenas por suas respostas a essa última questão ou até às questões anteriores, mas, analisando as respostas das questões anteriores, pode-se perceber que o aprendizado vai além disso, pois conseguiram ampliar seu conceito de racismo. Para além de apenas um preconceito de cor e de uma atitude individual, perceberam que no Brasil o Racismo é estrutural e que a abolição da escravatura não garantiu liberdade ao povo negro. Outros alunos expressaram seu aprendizado com mais detalhes:

Bom aprendi que embora as práticas do racismo estarem expostas na sociedade, cada um de nós devemos eliminar a prática do racismo de dentro para fora. Trabalhando assim nossa mente para uma sociedade melhor. (Estudante A)

O que aprendi de novo foi os conceitos de racismo, sobre os heróis negros que eu não conhecia. E sobre a importância deles. (Estudante B)

É que temos que batalhar por direitos, igualdades, empregos iguais, escolas, universidades e etc. (Estudante K)

Com os debates e as aulas, posso concluir que somos todos iguais, cor, religião, opiniões são só detalhes, não podemos discriminar, todos merecem respeito, direitos iguais, sem exclusão, exploração e preconceito (Estudante R)

Aprendi que ainda existe racismo como os negros (Estudante T)

O que eu aprendi é que temos que lutar contra o racismo. (Estudante V).
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Podemos elencar como limites desse trabalho as poucas aulas em que a sequência foi aplicada, impedindo assim maior liberdade para discussões e envolvimentos em debates com os alunos, também o fato de ser uma professora externa que não conhece a fundo a realidade e o desenvolvimento de cada aluno, pode ter comprometido a análise.

Levando em consideração os resultadosobtidos por meio das respostas aos questionários e o envolvimento dos alunos e professores nos dias em que a sequência foi aplicada, pode-se concluir que trabalho foi satisfatório e cumpriu com os objetivos propostos, que eram: identificar a concepção dos alunos sobre o racismo, conceituar o racismo, demonstrar a existência do racismo estrutural em nossa sociedade atual, reconhecer o africano escravizado como um sujeito histórico, apresentar as personalidades negras, compreender que a abolição da escravatura não garantiu liberdade para os negros libertos. Também foram alcançados em grande medida os objetivos ligados a questão ética de sensibilizar os alunos e de valorizar a ação transformadora e antirracista.

A sequência didática pode ser acessada no portal Educapes, no seguinte link: http://educapes.capes.gov.br/handle/capes/561354

Referências

BARCA, Isabel. Educação Histórica: uma nova área de investigação. Revista da Faculdade de Letras, v. 2, p. 13-21, 2001.

FERNANDES, Florestan. A persistência do passado. In: ______. O negro no mundo dos brancos. São Paulo: Global, 2007, p. 104-130.

GOMES, Nilma Lino; MUNANGA, Kabengele. Para entender o negro no Brasil de hoje. São Paulo: Global, 2004.

HALL, Stuart. Da Diáspora: identidades e mediações culturais. Tradução: Adelaine La Guardia Resende et al. Belo Horizonte: UFMG. 2003. Disponível em: https://hugoribeiro.com.br/biblioteca-digital/Da_Diaspora_-_Stuart_Hall.pdf. Acesso em: 25 maio 2022.

BROCOS, Modesto. A Redenção de Cam. 1895. Original de arte, óleo sobre tela, 199 x 166 cm. Rio de Janeiro: Museu Nacional de Belas Artes. Disponível em:http://enciclopedia.itaucultural.org.br/obra3281/a-redencao-de-cam . Acesso em: 26 abr. 2020.

SCHWARCZ, Lilia Moritz: Raça e silêncio. In: ______. Nem preto nem branco muito pelo contrário: cor e raça na sociabilidade brasileira. 1. ed. São Paulo: Claro Enigma, 2012, p. 30-36.

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