VOLTAR À COLEÇÃO ISBN: 978-65-997623-7-6
Volume 3

Experiências Críticas de Ensino na Educação Básica:

Educação Sexual, Questões Étnico-raciais, Inclusivas e Ambientais

As Meninas Negras e suas Vivências nos Espaços dos Morros e Favelas: Quem Ousa Contar essa História?

AUTORAS
Mônica Regina Ferreira Lins
Ana Lúcia da Silva Raia
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1. Introdução

A pesquisa "As meninas negras sob a perspectiva de olhares plurais: o que dizem esses olhares?" nasceu no cotidiano da sala de aula. A autora desse trabalho é professora da educação básica e faz um relato emocionado de suas vivências no chão da escola e de sua luta para acabar com a invisibilidade das meninas negras nos ambientes escolares. Este estudo está entrelaçado nos textos de Jesus (1960), Evaristo (2017), Carneiro (2003), Gonzalez (1988), além de muitos/as outros/as autores/as que discutem o tema do racismo estrutural e suas dores.

Durante a pesquisa, a autora discute que, mesmo com a implementação da Lei 10.639/03 e da Lei 11.645/08 que alteraram o Artigo 26.º da LDBEN/1996, há quase duas décadas, não se verificaram mudanças significativas nos currículos e nas práticas no interior de grande parte das escolas. Semelhante cenário se constata em relação aos discursos de parcela importante das/os professoras/es e profissionais da educação, contudo, muitos debates e ações formativas se consolidaram em âmbito nacional.

Na pesquisa em questão, houve a necessidade de contribuir para o processo de ampliação do debate sobre a importância da existência de protagonistas negras nos livros de Literatura Infantil. Esse movimento é essencial para que as meninas negras consigam se ver representadas nas histórias e encontrarem espaço para descobrir a importância de suas identidades, saberes e culturas, trazendo o foco para as possibilidades de participarem dessa realidade. Compõe-se, então, um currículo plural sem o olhar eurocentrado.

Carolina Maria de Jesus viveu, em sua infância, as dores dessa invisibilidade. Mesmo cursando tão pouco tempo as aulas, Carolina se alfabetizou e se agarrou na esperança de mudar de vida por meio de seus escritos. A leitura de suas produções escritas traz a esperança de ruptura com o colonialismo que se constituiu, em nossa sociedade, como um projeto de dominação. Priorizou-se a não-existência do outro nos aspectos de vida, saúde, educação, e tantos outros direitos aos quais a escritora não teve acesso em sua vida, enquanto criança negra. Dessas dores conhecia bem. Em sua infância e adolescência viu muitos dos seus serem mortos pela violência, fome e pelo extermínio. A poesia de Conceição Evaristo traduz, outrossim, essa violência contra o corpo negro.

Certidão de óbito
Os ossos dos nossos antepassados
Colhem as nossas perenes lágrimas
pelos mortos de hoje.

Olhos dos nossos antepassados,
negras estrelas tingidas de sangue,
elevam-se das profundezas do tempo
cuidando de nossa dolorida memória.

A terra está coberta de valas
e a qualquer descuido da vida
a morte é certa.
A bala não erra o alvo, no escuro
um corpo negro bambeia e dança.
A certidão de óbito, os antigos sabem,
veio lavrada desde os negreiros
(EVARISTO, 2017, p.17).

Conceição Evaristo, por meio de seus escritos, revela uma política de morte ao afirmar que "os ossos dos nossos antepassados, colhem as nossas perenes lágrimas pelas mortes de hoje". Corpos negros são invisíveis para direitos e garantias constitucionais, mas são vistos para serem exterminados, colonizados, explorados e oprimidos pelas políticas racistas e patriarcais. De modo velado, há uma legitimação de que esse corpo negro pode ser exterminado, a qualquer tempo, aos olhos do colonizador, muitas vezes, por um discurso autorizativo de bala perdida, outras por um Auto de resistência nos espaços dos morros e favelas.

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A "morte é certa". Quem vive nesses espaços conhece a dor da perda dos seus. Por isso, resistir não é escolha, é atitude cotidiana. Conviver com a morte nesses espaços é buscar caminhos para assegurar um mínimo de cuidado com o corpo negro. A esperança se confunde com a resistência buscando uma vida com direitos e garantias individuais e coletivas. Espaços que teimam em nos fazer acreditar que os direitos não existem e o que deve vigorar é o silêncio.

Resistir é não aceitar a condição de invisível, pois, ao relacionar os ossos dos nossos antepassados com os mortos de hoje, Evaristo retrata a realidade do extermínio como se ainda estivessem escravizados. A legitimação do poder de matar é vigente, referendando a política de morte contra a vida dos corpos negros.

2. Viver é um ato de resistência

Os reflexos da colonialidade estão presentes no século XXI e, ao fazermos um recorte interseccional de gênero, raça e classe, percebemos o quanto o corpo negro dessa mulher, pobre, negra e favelada ainda sofre maior número de violências. A pesquisa traz a escrita que se move a partir de um lugar de fala de uma mulher, negra, professora da educação básica e ex-moradora da favela de Cidade de Deus. Ela agarrou-se à possibilidade de se profissionalizar para sobreviver em um país que não valoriza saberes plurais.

Após as eleições de 2018, com a política instaurada no Brasil, houve significativo retrocesso no que implica questões, como: políticas públicas de reparação das dívidas históricas que a sociedade brasileira tem com o povo negro, com permanente ataque às ações afirmativas previstas em legislações, além da produção de narrativas do atual governo e de seus apoiadores. Estes, além de invisibilizarem corpos negros, repercutem um discurso de ódio e exclusão. Apesar da decisão do Ministro Édson Fachin, do Supremo tribunal Federal, que proibiu a realização de operações policiais em favelas e morros do Rio de Janeiro, nos últimos meses, durante o período da pandemia do coronavírus, os registros de mortes de pessoas negras, de diferentes idades, não pararam de crescer. A proibição imposta, em caráter liminar, vigorou a partir de 5 de junho de 2020. Essa decisão judicial não teve efeitos práticos nesses espaços, pois corpos como os de Jenifer, João Pedro, Kathlen Romeu e outros viraram estatísticas, apesar do choro de dezenas de mães que perderam seus filhos, em extermínio público, sem o respeito ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.

Nesse cenário, escrever esta dissertação foi enorme desafio, um profundo desarrumar de ideias. Conseguir transbordar palavras para o papel, com o olhar para essa realidade de violência e dor, fez-me perceber a importância da denúncia, seja em que esfera for. Sem sombra de dúvida, precisamos ampliar o grito por justiça. Neste texto que reflete a pesquisa realizada, optou-se pela alternância entre escrever na terceira e na primeira pessoas; não apenas se fala/escreve como observadora; mais que isto, é o registro de alguém que faz parte do que escreve e, ao olhar o outro, reconhece em si as experiências comuns. É um escreviver como exercício de memórias coletivas e individuais.

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Iniciei esses escritos trazendo a história de vida de Maria Rita, minha mãe. No entanto, estava receosa de a academia não aceitar um texto cheio de subjetividades e histórias de vida de uma mulher negra que não fazia parte desse cenário letrado. Ao ler os textos de Carolina Maria de Jesus e Conceição Evaristo, percebi que mulheres como Maria Rita merecem ser apresentadas à academia e a todos/as que tiverem um olhar desconstruído.

Carolina Maria de Jesus, tal como Maria Rita, estudou nos espaços escolares por pouco tempo. Elas precisaram trabalhar para ajudar nas despesas familiares. Apesar de não frequentarem o espaço físico da escola, amavam aprender e ler e escrever; esses exercícios eram suas maiores alegrias.

Entender a história de Maria Rita era o caminho para eu entender e curar minha própria história. A história de vida de Maria Rita é a história de milhares de mulheres negras, mães solos que se agigantam para cuidar de suas crias. São muitas as histórias de dor, de superação, de medo e de resistência. Tais subjetividades precisam ocupar os espaços da academia, pois o olhar colonial quer destruir elementos que formem outras subjetividades. Mignolo (2008) aponta a identidade política que defende o resgate do ser em constante evolução, buscando novo ser, em um mundo com maior igualdade de direitos. Contrapõe-se, a uma política de identidade que valorize a sociedade racializada, invisibilizando quem ousa ser diferente sob o olhar eurocentrado.

Walsh (2013) defende a formação de nova consciência, valorizando culturas outras e respeitando-se saberes plurais.

O trabalho a ser feito é atacar as condições ontológicas-existenciais e de classificação racial e de gênero; incidir e intervir, em interromper, transgredir, desencaixar e transformá-las de maneira que superem ou desfaçam as categorias identitárias [...] (WALSH, 2013, p. 55).

É fundamental que a discussão sobre currículo se dê por meio da pluralidade de culturas, saberes e identidades. A política de cotas, a Lei 10639/03 e a Lei 11645/08, o Estatuto da Igualdade Racial, a demarcação de terras indígenas e quilombolas e outras políticas fazem parte de um processo de reparação acerca das produções de desigualdades, discriminações e exclusões sociais que o nosso povo escravizado e dizimado sofreu. As políticas citadas são conquistas dos Movimentos Negros. Apesar dessas conquistas, direitos estão sendo alvo de manobras, por exemplo, o acesso às universidades públicas e concursos públicos de um modo geral. Há casos de corpos brancos que se declaram negros para terem acesso às vagas por cotas e, quando denunciados, impetram liminares judiciais para continuarem usufruindo de nossas conquistas. Concursos públicos com editais apenas com a apresentação de uma vaga para que não haja reserva de vaga para a cota, são também algumas das práticas utilizadas para impedir ou dificultar direitos conquistados.

3. O enegrecimento do Feminismo

O corpo negro precisa embranquecer para ser aceito por essa sociedade e, nós, mulheres negras, temos uma opressão maior para nos adequarmos a um padrão de "boa aparência", que nos impede de ingressarmos em um número maior de postos de trabalhos, sendo oferecidos apenas serviços domésticos, mesmo o currículo sendo de excelência. A colonialidade subalterniza saberes, moldando-se à sociedade, numa relação de dominação, permitindo existir apenas aos que se adequarem a esse parâmetro de poder.

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Para Gonzalez, é aceitável explorar a mulher, a operária, mas não há uma aceitação quando a pauta se dá sobre o tema do racismo e seus reflexos na mulher negra, invisibilizando a problemática da exploração da mulher negra pela mulher branca. Para a autora:

(...) alguns cientistas sociais caracterizam como racismo por omissão e cujas raízes, dizemos nós, se encontram em uma visão de mundo eurocêntrica e neo-colonialista da realidade (GONZALEZ, 1988a, p. 13).

O Movimento Negro Unificado, criado em 1978, em São Paulo, não foi plenamente eficaz, pois, segundo Gonzalez (1988b) as falas das mulheres negras eram arbitradas por posturas machistas. Não podiam falar a qualquer tempo, mesmo tendo o direito de fala, pois os homens tinham prioridade para falar o tempo todo.

Segundo Carneiro (2003) as mulheres negras sentiram a necessidadede de enegrecerem o feminismo em razão do gênero ser inferiorizado. Houve a necessidade de sexualizar o Movimento Negro, pois a pauta da mulher negra precisava ser discutida, haja vista que a mulher branca lutava contra as opressões de gênero e classe contrapondo-se à mulher negra que lutava contra a opressão de gênero, raça e classe. Para a autora:

Enegrecer o feminismo é a expressão utilizada para designar a trajetória das mulheres negras no interior do movimento feminista brasileiro. Buscamos assinalar, com ela, a identidade branca e ocidental da formulação clássica feminista, de um lado; e, de outro, revelar a insuficiência teórica e prática política para integrar diferentes expressões do feminismo construídos em sociedades multirraciais e pluriculturais. (CARNEIRO, 2003, p.118)

A autora ressalta que há uma desigualdade entre mulheres brancas e negras, estas últimas oriundas do racismo e da subalternização (CARNEIRO, 2001). É preciso enegrecer o feminismo para ecoar o grito de mulheres negras e suas reivindicações.

Carneiro (2003) avalia a falta de espaço dado às mulheres negras no mercado de trabalho, sendo oferecido empregos domésticos, sem grandes pretensões salariais. Há uma secundarização da saúde da mulher, num discurso estereotipado de que a mulher negra é forte, descartando os direitos de reprodução humanizada para essa mulher, desvalorizando-a.

Existe a ideia, através de um suposto culto ao embranquecimento, que homens negros para terem suas imagens validadas, precisam se casar com mulheres brancas. A palmitagem é uma rotina para homens negros cishétero alcançarem a tão sonhada aceitação social.

Mulheres negras sabem lidar com essa solidão, pois, historicamente, vimos nossos amores e filhos serem vendidos ou mortos e, a violência foi tão potente, que essas lembranças devem estar gravadas em nosso DNA. Uma solidão que nos faz, apesar das dores, avançarmos sendo mães solos, no cuidado com a preservação da vida de nossas crias, em alimentá-las. Na canção AmarElo, Emicida nos diz:

Permita que eu fale, e não as minhas cicatrizes
Elas são coadjuvantes, não, melhor, figurantes
Que nem devia tá aqui
Permita que eu fale, e não as minhas cicatrizes

Tanta dor rouba nossa voz, sabe o que resta de nós?
Alvos passeando por aí
[...]

Tenho sangrado demais
Tenho chorado pra cachorro
Ano passado eu morri
Mas esse ano eu não morro.

Fonte: Musixmatch
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Nossas/os antepassadas/os tiveram que ser fortes por elas/es e pelas/os suas/seus. Resistir está intrinsecamente ligado a manutenção da vida, a proteção ao nosso corpo, identidade e saberes. Quantas de nós já sentimos medo por nós e pelos nossos? Quantas mães, por terem a cor da pele preta, sentem medo por seus filhos, por saber que há uma possibilidade deles saírem e não voltarem? Quantas de nós já sentimos a mão cega do racismo em nossos corpos, nos impedindo de prosseguir?

Autoras como Conceição Evaristo teceram histórias com protagonistas negras que poderiam ser qualquer uma de nós, das/os nossas/os... Estar nos espaços dos morros e favelas é, para uma parcela da população, um carimbo de vida descartável sem a menor preocupação se estão vivos ou mortos. A autora escreve:

Lembro-me de que muitas vezes, quando a mãe cozinhava, da panela subia cheiro algum. Era como se cozinhasse, ali, apenas o nosso desesperado desejo de alimento. As labaredas, sob a água solitária que fervia na panela cheia de fome, pareciam debochar do vazio no estômago, ignorando nossas bocas infantis em que as línguas brincavam a salivar sonho de comida. E era justamente nesses dias de parco ou nenhum alimento que ela mais brincava com as filhas. Nessas ocasiões, a brincadeira preferida era aquela em que a mãe era a Senhora, a Rainha. (EVARISTO, 2015, p.16)

No livro "Olhos D'água" (2015), a autora escreve o conto de uma mulher que não lembrava a cor dos olhos de sua mãe, pois ela vivia com os olhos rasos de água, pela vida de sofrimento e fome pela qual passava. A personagem conclui que sua mãe vivia chorando pelas dores pelas quais passava, dor da fome, da invisibilidade, da opressão.

4. A língua como forma de expressão

A língua é uma questão política, segundo Gonzalez (1988a), pois identifica a dimensão da herança linguística das línguas africanas influenciando o português falado no Brasil, no que tange à oralidade. A autora ressalta:

Aquilo que chamo de 'Pretuguês' e que nada mais é do que a marca de africanização no Português falado no Brasil (...). O caráter tonal e rítmico das línguas africanas trazidas para o Novo Mundo, além da ausência de certas consoantes, como o l ou o r por exemplo, apontam para um aspecto pouco explorado da influência negra na formação histórico-cultural do continente como um todo". (GONZALEZ, 1988a, p. 70)

A forma de expressão do povo negro é tida como incorreta e fora do padrão aceitável, de acordo com a norma culta. Carolina Maria de Jesus, em razão de seus escritos, foi marginalizada e invisibilizada por não atender a um suposto padrão eurocentrado de escrita. Rompeu com os estereótipos de ser uma escritora de uma única obra, mostrando ao mundo que sua escrita transbordava emoção e retratava um cenário de fome e de dor mas também de encantamento e poesia, pois Carolina era escritora, compositora, poetisa, mulher e mãe.

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Carolina defendia a importância da educação e lutava para que seus filhos tivessem acesso à escola e aos livros. Mostrava, com o seu exemplo, a importância de amar os livros e a escrita. Quando criança, muitas vezes foi silenciada. Era conhecida como Bitita e já naquela época gostava de aprender, de questionar e por isso era chamada de louca, pois a transgressão feminina é tratada como histeria. Em sua ingenuidade, por tantas dores já vividas, acreditava que se fosse homem a vida seria mais fácil, pois, para ela, homem era a imagem da força: "No mato eu vi um homem cortar uma árvore. Fiquei com inveja e decidi ser homem para ter forças" (JESUS, 1960, p. 16). Uma imagem da sociedade colonial que valoriza o homem hétero e patriarcal e só há validade se passar pelo crivo desse olhar eurocentrado. Mesmo criança, Carolina já percebia tudo isso.

Carolina Maria de Jesus mudou-se para a favela do Canindé, após engravidar de um marinheiro português e perder o emprego, pois "a família que ela trabalhava a colocou para fora de casa" (LEVINE; MEIHY, 1994, p. 22). Mães solos não eram aceitas e Carolina não se curvou a essa imposição social. Cuidou, protegeu e educou seus filhos, optando por não se casar, pois não aceitava ter a permissão de nenhum homem para escrever.

Ecoava, na favela, a voz de muitas mulheres que viviam oprimidas por seus companheiros, sendo ameaçada por esses opressores, mas não se intimidava pois entendia o seu papel enquanto mulher e negra, construindo uma consciência de gênero. Para Fanon (2008, p. 33), "falar é existir absolutamente para o outro" e Carolina ecoava o grito por justiça naquele espaço de fome, dor e violência. Era muitas vezes incompreendida por aquelas que ajudava, pois as mesmas mulheres que ela ajudava eram aquelas que não reconheciam sua importância naquele espaço de opressão. "Ele disse que tudo que eu falo as mulheres lhes conta. São umas idiotas. Eu quero defendê-las [...]. Mas elas não compreendem" (JESUS, 1960, p. 154). Apesar das agressões físicas e verbais Carolina optou por ser uma presença de combate à violência no espaço da favela.

5. Os produtos e sua conversa com a Pesquisa

Como desdobramento prático da pesquisa acadêmica ousei escrever um livro de Literatura Infantojuvenil para apresentar o produto ligado à dissertação. O Livro "Quem deixou as meninas negras escreverem?", principal produto da pesquisa, discute temas como o racismo, mas também temas como dororidade, amizade, irmandade, resistência e representatividade e como essas crianças e jovens tendo acesso a leituras que tratem desses temas, podem discutir esses assuntos.

A ideia do livro de Literatura Infantojuvenil surgiu após desenvolver na dissertação, temas sobre o racismo na literatura infantil e seus reflexos para a autoestima de meninas negras. Um texto que chama para o debate meninas negras, meninas brancas, professores/as, mães e toda a comunidade escolar e sociedade que reconhecem a importância da equidade e da luta antirracista.

O texto retrata a história de três meninas negras, fazendo uma homenagem as autoras Carolina Maria de Jesus, Conceição Evaristo e Maria Rita, minha mãe, que apresenta as duas autoras e faz uma viagem ao seu passado, relembrando as dores e os gozos de sua infância. Os nomes das personagens são uma homenagem às autoras e um convite para que o leitor queira conhecer suas obras.

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O produto foi publicado no formato E-book, tendo maior visibilidade para que atinja um número maior de leitores. Um aspecto importante do produto são as ilustrações que retratam o texto de uma forma potente. O ilustrador, Francisco Fernandes, após ler a história, se encantou pelas personagens e ilustrou todo o texto, dando uma maior visibilidade e publicidade. Uma história que emociona ao leitor a partir do olhar do ilustrador.

O Produto encontra-se publicado e acessível na Plataforma EduCapes, no endereço http://educapes.capes.gov.br/handle/capes/585372, com um total, até os dias atuais de 568 visualizações e 571dowloads. O Produto foi publicado no Portal Geledés, Instituto da Mulher negra, tendo uma maior visualização e divulgação do E-book, em 08/01/2021.

Figura 1. e 2. Título e Lembranças
Fonte: Raia (2020), Fernandes (2020), respectivamente.

A lição de resistência, Maria Rita aprendeu com a vida. Aprendeu com sua mãe a resistir, a acreditar que perseverar no que se acredita faz os passos ficarem mais firmes.

Figura 3. e 4. Roda de Conversa e Encontro
Fonte: Fernandes (2020)

Ela foi além e ensinou a lição de perseverar, de virar o jogo, de se reconstruir para suas filhas, seus netos, e filhas e netas que não eram as dela.Através de seu olhar, narra as histórias de Maria Carolina e Maria Conceição e outras que testemunhou enquanto criança...

Figura 5. e 6. Operação Policial e Amizade
Fonte: Fernandes (2020)

... relatando seus medos, alegrias e semelhanças nessa caminhada. Uma narrativa com detalhes emocionantes de meninas negras que adoravam conversar, escrever e contar histórias.

Figura 7. e 8. Escrevivências e Cotidiano
Fonte: Fernandes (2020)

Histórias que fazem dessas personagens meninas como muitas outras meninas que têm a cor da pele preta e muitos sonhos para viver. Uma história de emoção, resistência e dororidade.

Figura 9. e 10. Capa Frente e Verso
Fonte: Fernandes (2020)

Francisco Fernandes, à época, tinha 13 anos, é carioca e estuda no CAp-UERJ. Esse é o seu primeiro trabalho como ilustrador.

6. Produto II

O Curso de Extensão Vozes Mulheres Negras, segundo produto da pesquisa, é uma proposta decolonial de discussão de temas plurais, tais como o racismo, que deverá ser ofertado aos profissionais da Educação que ingressarem nos quadros da Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro e demais Prefeituras e para pessoas que se interessarem pelo tema.

A criação do curso se deu, pois entendemos que o racismo perpassa pelo chão da escola e muitas vezes não é discutido em razão da omissão do professor que não conhece a temática da luta antirracista.

Um curso de Formação que será implementado pelo Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas, Movimentos Sociais e Culturas da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro - GPMC, em um trabalho de base, numa proposta decolonial de debates com grupos de estudantes da graduação e pós-graduação.

O Produto encontra-se publicado e acessível na Plataforma EduCapes, no endereço http://educapes.capes.gov.br/handle/capes/586860, com um total até os dias atuais de 08 visualizações e 11dowloads.

7. Considerações Finais

A pesquisa "As meninas negras na literatura infantil sob a perspectiva de olhares plurais: o que dizem esses olhares?" representa o que sou, ou melhor, o que me tornei após essa escrita. Uma pesquisa que nasceu no chão da escola, de uma prática vivida e pensada, entrelaçadas pelos textos de Carolina Maria de Jesus, Conceição Evaristo e muitos/as outros/as autores/as negros/as.

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A inquietação se iniciou após perceber que mesmo com a implementação da Lei 10.639/03 não havia mudanças significativas no currículo e cada um/a de nós, nos espaços em que militamos, tínhamos que fazer algo para alavancar essa discussão e dar vida a esse discurso.

A representatividade das personagens negras nos livros de literatura infantil suaviza as dores de milhares de meninas negras que não se viam representadas nesses textos e nas ilustrações.

A conjuntura política, econômica, educacional, social e cultural após a pandemia mostrou a desigualdade entre o asfalto e a favela. A fome é companheira constante de milhões de brasileiros e, como Carolina mostrou em seus escritos, a fome tem cor e tem endereço certo.

Escrever essa dissertação com o olhar para as meninas negras me fez olhar para mim, para a criança que um dia eu fui e que me senti solitária na luta por representatividade. Conseguir discutir essas questões dentro do chão da escola me faz entender a importância do ato de militar.

Construir o produto “Quem deixou as meninas negras escreverem?” foi importante para que educadores/as possam ter acesso a mais um material para implementar as discussões sobre representatividade, identidade, racismo dentro dos espaços da sala de aula e ter uma formação continuada com o Curso Vozes Mulheres Negras.

Precisamos movimentar e descobrir caminhos para combater a discriminação e o racismo, pois, do contrário, o caminha mais fácil é embranquecermos nossos corpos e nossos discursos.

8. Referências

CARNEIRO, Sueli. Enegrecer o feminismo: a situação da mulher negra na América Latina a partir de uma perspectiva de gênero. In: ASHOKA Empreendedores Sociais; TAKANO Cidadania (org). Racismos Contemporâneos. Rio de Janeiro: Takano, 2001. Disponível em: http://www.unifem.org.br/sites/700/710/00000690.pdf. Acesso em: 15 ago. 2021.

________. Mulheres em movimento. Estudos Avançados. v.17, n.49, p. 117-132, 2003.

__________. Olhos d’água. Rio de Janeiro: Pallas: Fundação Biblioteca Nacional. 2015.

__________. Poemas da recordação e outros movimentos. 3. ed. Rio de Janeiro: Malê, 2008.

FANON, Frantz. Pele negra, máscaras brancas. Salvador: EdUfba, 2008.

GONZALEZ, Lélia. A categoria político-cultural de amefricanidade. Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro, n. 92/93, p. 69-82, jan./jun. 1888a.

__________. Por um feminismo afrolatinoamericano. Revista Isis Internacional, Santiago, v. 9, p. 133-141, 1888b.

JESUS. Carolina Maria. Quarto de Despejo. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1960.

LEVINE, R. M.; MEIHY, J. C. S. B.Cinderela negra: a saga de Carolina Maria de Jesus. Rio de Janeiro: UFRJ, 1994.

MÃE. Intérprete: Emicida; Dona Jacira; Anna Tréa. Compositor: Emicida. In: SOBRE Crianças, Quadris, Pesadelos e Lições de Casa...Emicida. São Paulo: Laboratório Fantasma, 2015. 1 CD.

MIGNOLO, W. D. Desobediência epistêmica: a opção descolonial e o significado de identidade em política. Cadernos de Letras da UFF[Dossiê: Literatura, língua e identidade], Rio de Janeiro, n. 34, p. 287-324, 2008.

RAIA, Ana Lúcia da Silva. As meninas negras na Literatura Infantil sob a perspectiva de olhares plurais: o que dizem esses olhares? 2020. 157 f. Dissertação(Mestrado Profissional em Ensino) – PPGEB,CAp-Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2020. 157 f. ERJ157 f.

__________. Quem deixou as meninas negras escreverem? Produto educacional. 2020, 41 páginas, ISBN: 978 - 65 - 88405 - 6 (e-book). Ilustração de Francisco Lins Fernandes.

WALSH, Catherine. Pedagogíasdecoloniales: prácticas insurgentes de resistir, (re)existir y (re)vivir. Tomo I. Quito, Ecuador: EdicionesAbya-Yala, 2013.

CONTATOS
Mônica Regina Ferreira Lins •
Universidade do Estado do Rio de Janeiro •
monicarlins@gmail.com
Ana Lúcia da Silva Raia •
Universidade do Estado do Rio de Janeiro •
raiaanalucia@gmail.com

Notas

1. A construção para a legitimação (anti) jurídica dessa política racista de extermínio surge há 50 anos, em 02.10.1969, com a Ordem de Serviço N, nº 803, da Superintendência da Polícia Judiciária do antigo Estado da Guanabara – depois ampliada pela Portaria E, nº 30, de 06.12.74, do Secretário de Segurança Pública – que “dispensa a lavratura do auto de prisão em flagrante ou a instauração de inquérito policial”. e determina a aplicação do art.292, do Código de Processo Penal, que prevê a lavratura do “auto de resistência” na hipótese específica de resistência à ordem legal de prisão. Disponível em: https://www.justificando.com/Acesso em 20/09/2021.

2. Expressão usada para homens negros cishétero que se relacionam com mulheres brancas. Disponível em:https://www.geledes.org.br/precisamos-falar-sobre-exclusao-amorosa-de-garotas-negras-e-palmitagem/acessado em 21/08/2021.

3. Compositores: Antonio Carlos Belchior / Leandro Roque De Oliveira / Felipe Adorno Vassao / Eduardo dos Santos Balbino Letra de AmarElo © Laboratorio Fantasma ProducoesLtda Me