VOLTAR À COLEÇÃO ISBN: 978-65-997623-7-6
Volume 3

Experiências Críticas de Ensino na Educação Básica:

Educação Sexual, Questões Étnico-raciais, Inclusivas e Ambientais

Trajetórias de Vida de Mulheres Negras e suas reverber(ações) na luta antirracista

AUTORAS
Cláudia Gomes Cruz
Mônica Regina Ferreira Lins
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1. Introdução

O presente relato tem por objetivo apresentar, em linhas gerais, a pesquisa Trajetórias de vida de mulheres negras e suas colaborações para a (re)Educação das relações étnico-raciais e o produto educacional, bem como o audiovisual Nós somos porque somamos. Com a orientação da Prof.ª Dr.ª Mônica Regina Ferreira Lins, ambos foram desenvolvidos no Programa de Pós-Graduação de Ensino em Educação Básica (PPGEB) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Esta pesquisa se originou em virtude dos atravessamentos entre a trajetória de vida da pesquisadora (mulher negra), a trajetória da população negra que, em sua maioria, dadas as interdições históricas não usufrui dos mesmos privilégios da branquitude. Por isto, muitas vezes precisa interromper caminhos educacionais. Levou-se em conta, também, a urgência de se (re)educarem as relações étnico-raciais.

Compreendendo branquitude como lugar social de privilégio. Nesta pesquisa, objetivou-se reverberar vozes negras, muitas vezes desautorizadas face ao racismo, a fim de pontuar que a despeito deste sistema de opressão, mulheres negras são sujeitos históricos e políticos (Carneiro, 2003). Contudo, é importante destacar que não procurávamos quaisquer mulheres negras e o porquê disto.

Almeida (2018, p. 49) ressalta que “o racismo, enquanto processo político e histórico, é também um processo de constituição de subjetividades de indivíduos cuja consciência e afetos estão, de algum modo, conectados com as práticas sociais”. Sendo assim, ser uma pessoa negra não significa se ver desta forma e/ou compreender a operacionalização dessa opressão em termos individual, institucional e estrutural. Daí a importância de romper com falas únicas que levam à massificação de tais ideias excludentes. Neste sentido, considerando também que os estabelecimentos de ensino, muitas vezes, reproduzem, naturalizam e/ou se isentam diante de opressões estruturais, destacou-se o seguinte objetivo de pesquisa: fomentar, a partir das narrativas de mulheres negras conscientes da própria negritude e da importância da luta antirracista, reflexões e intervenções na expectativa de colaborar para o combate de práticas racistas, preconceituosas e discriminatórias no cotidiano escolar, quiçá em outros cotidianos. Logo, trata-se de uma pesquisa qualitativa.

A metodologia utilizada foi a de Histórias de Vida; a expectativa era conhecer e analisar histórias de vida perpassando pelos trajetos escolares das mulheres negras que nos propusemos entrevistar. Após um questionário exploratório em que elas se autodeclararam negras, e cientes de que a pauta racial deve ser discutida e visibilizada, chegamos às seguintes pessoas: Renata da Conceição Vergilho de Paula (Estimuladora materno-infantil na Prefeitura Municipal de Duque de Caxias), Mônica da Silva Gomes (Técnica em Assuntos Educacionais na Universidade Federal do Rio de Janeiro e Professora Inspetora Escolar do Estado do Rio de Janeiro) e Edna Olímpia da Cunha (Professora na Prefeitura Municipal de Duque de Caxias). Nesse momento, as principais bases teóricas já estavam definidas e amadurecidas.

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Utilizamos os escritos de Almeida (2018), autor que organiza os estudos acerca do racismo estrutural fazendo-nos refletir sobre os impactos dessa opressão na sociedade, bem como o favorecimento da perpetuação do status quo. Ou seja, a manutenção dos privilégios para uns em detrimento de outros. Por outros se deduzem pessoas negras, indígenas e quaisquer pessoas fora dos padrões eurocêntricos. Visando dialogar com epistemologias outras, também recorremos às contribuições da opção decolonial e do pensamento feminista negro, por meio dos estudos de autores, como Mignolo (2007) e Bernardino-Costa e Grosfoguel (2016) e de feministas negras, entre as quais, Collins (2016), Carneiro (2003) e Ribeiro (2017). Esses estudiosos vislumbram novas formas de pensar a sociedade que vivemos, rompendo com uma única forma de conceber o conhecimento. Diante do exposto, consideramos que a pesquisa e o audiovisual que a integra dialogam com o disposto na Lei Nº 10.639/03 e Lei Nº 11.645/08. Essas Leis alteram a LDB Nº 9.394/96 incluindo a obrigatoriedade da cultura afro-brasileira e indígena nos currículos escolares, assim como previsto na Resolução Nº 01/04. Neste caso, trata-se de diretrizes curriculares para a educação das relações raciais visando (re)educar pensamentos e ações avessas às pautas que valorizam o respeito aos direitos humanos e a justiça social.

2. Se os interditos vêm de longe, nossos passos e saberes também...

Quanto à questão racial, Ianni (2004) ressalta que não se trata de um desafio contemporâneo e sim histórico, uma vez que as opressões são redimensionadas a depender do contexto social. Por esse motivo, antes de adentrar nas histórias de vida das mulheres negras, consideramos pertinente fazer um pequeno apanhado histórico sobre os interditos pelos quais a população negra foi e ainda é alvo. Temos em vista demonstrar os impactos do racismo nas trajetórias de vida desse grupo étnico, em relação aos direitos civis, com destaque para o processo de escolarização.

No primeiro capítulo foram destacadas algumas dessas interdições, como o impedimento de acesso das pessoas negras, que foram escravizadas, à instrução primária, disposto na Constituição de 1824 e na Lei Nº 1 de 1837. Posteriormente, ocorreram obstáculos referentes à escolarização da população negra, como a eugenia prevista na Constituição de 1934. Além disso, foram evidenciadas políticas implementadas pelo governo brasileiro para beneficiar outros grupos, como a Lei Nº 5.465 de 1968, conhecida como Lei do Boi. Sendo esta a primeira lei de cotas deste país destinadas às pessoas que possuíam condições financeiras, logo, não se destinava às pessoas negras, sem posses em sua maioria.

Neste quesito, Hasenbalg (2005) amplia o debate, distinguindo que os impasses na trajetória da população negra, vão além da herança escravagista de nosso país. Segundo ele, a condição subalterna em que muitas pessoas negras foram lançadas, dá-se em virtude da ausência de políticas públicas por parte do Estado as quais deveriam ter sido implementadas à época e não o foram.

Apesar deste cenário, a história de pessoas negras na formação da sociedade brasileira, em muitos cotidianos, continua sendo contada sob o viés eurocêntrico. Dessa forma, as pessoas que foram apregoadas como inferiores, muitas vezes, precisam gritar para se fazerem ouvir. Todavia, o racismo e esta grita por reivindicações de direitos não constituem ação contemporânea; são uma postura histórica. Contudo, apesar das constantes tentativas de invisibilizações, pessoas negras continuam resistindo.

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Para comprovar, realçamos as contribuições dos Movimentos Negros, tomando por base o entendimento de Gomes (2017) que o apresenta como educador e ator político. Com base nesse movimento, denuncia-se o mito da democracia racial e ressignificam-se os olhares em relação às pessoas negras no intuito de romper com os estereótipos a elas atribuídos.

E também foi e tem sido esse mesmo movimento social o principal protagonista para que as ações afirmativas se transformassem em questão social, política, acadêmica e jurídica em nossa sociedade, compreendidas como políticas de correção de desigualdades raciais desenvolvidas pelo Estado brasileiro (GOMES, 2017, p.18).

Desta forma, é notório que o Estado brasileiro implementa ações afirmativas com recorte racial em virtude da pressão dos movimentos sociais. Entretanto, mesmo com a amplitude das discussões que apontam tais iniciativas como correções de desigualdades, visando à equidade, ainda ecoam narrativas avessas que as classificam como falta de capacidade. Isto não aconteceu de 1968 a 1985, durante a vigência da Lei Nº 5.465, quando os beneficiários das cotas não tinham a cor da pele que se rejeita, ou seja, a cor da pele preta.

A luta por direitos é árdua e tem história. A Impressa Negra, a Frente Negra Brasileira, o Teatro Experimental do Negro, a Marcha contra o Racismo são alguns exemplos dessas histórias de lutas; os números que nos dizem muito sobre a disparidade racial. Os estudos de Paixão e Carvano (2012) destacam, por exemplo que, no censo de 1890, algumas informações importantes, como ocupação e escolaridade, não foram coletadas. Se fossem, certamente, ficaria evidente quem estava na base da pirâmide social e educacional, uma vez que até bem pouco tempo ainda havia pessoas negras escravizadas por isto, impedidas de ter acesso à educação, salvo algumas exceções.

Nascimento (2016) amplia o debate sobre o genocídio do povo negro ao evidenciar que este não se resume à morte; estende-se às inúmeras manobras de extermínio da cultura, da história, da visibilidade e tudo mais que remeta às potencialidades de pessoas negras. Inclui-se ainda o estímulo ao branqueamento da raça, bem como o branqueamento cultural, com destaque para a violência em relação às mulheres negras. Dessa forma, a ampliação da ideia de genocídio dialoga com as discussões levantadas ao longo do capítulo, pois nos permite perceber nuances do racismo confirmando que, no Brasil, a democracia racial nunca existiu.

3. Mulheres negras e os diálogos com o feminismo negro, a opção decolonial e o processo ensino-aprendizagem...

No segundo capítulo vimos que mulheres, em geral, foram impedidas de exercerem seus direitos de cidadania por muito tempo. O direito ao voto e aos direitos políticos, por exemplo, foram conquistados mediante uma história de reivindicações, porém, se pensarmos nas mulheres negras, presentes nessas lutas, chegaremos à conclusão que já estavam travando outras, em frentes diferentes, desde muito tempo devido à racialização que foram submetidas. Portanto, visando destacar à figura da mulher negra, objeto de investigação da pesquisa, optamos por pontuar que as que vieram antes de nós são protagonistas na luta por sobre(vivência) e fundamentais na denúncia de que o feminismo hegemônico não contemplava todas as mulheres.

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O caráter universal do feminismo hegemônico, grosso modo, impossibilitava que as subjetividades das mulheres fossem levadas em consideração, o que significa dizer que raça, classe e orientação sexual, por exemplo, que também são categorias que merecem atenção em relação às opressões que sofrem, não as recebia. Logo, segundo Bairros (1995) as lutas por direitos iguais aos homens privilegiavam mulheres heterossexuais da classe média.

Aqui no Brasil, podemos dizer que, o feminismo começa a enegrecer a partir de 1980, com as contribuições de mulheres negras como Lélia Gonzalez e Sueli Carneiro que denunciavam a falta de representatividade negra nos espaços. Isso não quer dizer, que outras, antes delas, não o fizeram. A grita das nossas, encontra sintonia com o pensamento de militantes e ativistas norte-americanas como Angela Davis, bell hooks e Patrícia Hill Collins.

Davis (2016), em sua obra Mulher, Raça e Classe já refletia sobre o entrelace das opressões. Contudo, o conceito de interseccionalidade, que remete a esta ideia de não as hierarquizar, foi cunhado por Kimberlé Creshaw, uma norte-americana, estudiosa das questões de raça e gênero. Tal conceito é compreendido por Akotirene (2018) como uma ferramenta metodológica para se pensar novas formas de se combater as desumanidades que atentam contra grupos distintos dos padronizados.

“Ao politizar as desigualdades de gênero, o feminismo transforma as mulheres em novos sujeitos políticos”, diz Carneiro (2003, p.119). E ao enegrecê-lo, vai na contramão dos estereótipos que o colonialismo nos impunha e que a colonialidade (reprodutora de aparatos com padrões epistemológicos coloniais) continua a nos ultrajar. Portanto, pôr em prática novas formas de ser, saber e poder é fundamental. E, assim, estabelecemos costuras entre o pensamento feminista negro, a opção decolonial e o processo ensino-aprendizagem, já que os dois primeiros visam o rompimento com uma história única (Adichue, 2009), ou seja, uma geopolítica do conhecimento que reduz e/ou invisibiliza culturas e povos.

Nesta perspectiva, trazemos para roda de conversa alguns autores, a saber: Mignolo (2007) que sugere a desobediência epistêmica apontando a necessidade de desobedecer frente aos paradigmas excludentes e (re)aprender, de uma maneira mais humana e respeitosa. Gomes (2012) que discorre sobre a descolonização dos currículos na expectativa de subverter padrões hegemônicos, o que dialoga com Candau (2008) e Zeichner (2008), que ressaltam a importância do respeito à dignidade humana e a prática educativa atrelada a justiça social, respectivamente.

4. As trajetórias de Edna, Mônica e Renata e seus impactos

O próximo passo no trajeto da pesquisa foi apresentarmos as mulheres negras, profissionais da educação, com mais consubstancialidade. Então, no terceiro capítulo, optamos por relatar as trajetórias de cada uma das mulheres, separadamente, para depois trazermos suas visões de mundo a partir de suas vivências. Mesmo cientes da inseparabilidade entre trajetórias de vida e as visões acerca de algumas questões a partir destas trajetórias ousamos estruturar o capítulo desta forma a fim de conhecer algumas particularidades de cada uma das mulheres e, posteriormente, suas expectativas e reflexões sobre a luta antirracista.

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Como neste relato é inviável trazer todos os elementos por elas apontados, abaixo segue um poema sobre cada uma delas, que de antemão, avisamos não devem ser interpretados como um resumo ou uma definição das mulheres, apenas um aperitivo de suas potencialidades.

Renata

Renata é estimuladora materno-infantil
Que se intitula pertencente da tradicional família preta do Brasil
Por conta das constantes tentativas da branquitude em estereotipar,
Pessoas e famílias pretas, predefinindo os lugares que podem ocupar.

Durante seu trajeto na escola
Foi alvo de apelidos relacionados a cor de sua pele
Contudo, não os internalizou.
A autoestima ajudou.

Dona de uma autoestima estimulante,
Ela que brinca ser a última paleta do tom de cor,
Considera que para ser negro no Brasil
É necessário ser da sua cor.

Mesmo julgando a prática do racismo óbvia,
Demonstra preocupação com a negritude e parte da população,
Pois acredita que o colorismo confunde,
Fazendo com que muitos não reconheçam o racismo e sua amplitude.

Não se considerava inatingível em relação as ofensas na escola,
Mas entendia que eram mais sobre quem as proferia do que sobre ela
A despeito disso tudo, destaca que criava tendências,
Inovando modelitos e penteados diferentes dos padrões predeterminados.

Maria, além de mãe, é o seu maior exemplo,
Sua grande incentivadora.
Tem grande influência no seu pensar e portar
Diante da sociedade que aí está.

Gosta de usar salto quinze,
Dar nome ao samba,
De preparar o cozido,
Mas entende que vai além disso.

Entende que mulheres negras
São constantemente estereotipadas
E que tais banalidades
Não traduzem a extensão de suas habilidades.

Cita a vivência enquanto passista:
Uma experiência que traz boas recordações e também reflexões,
Porque muitas vezes ao defender a agremiação,
Foi vítima de objetificação.

Cita também, experiências exercendo sua função na área da Educação,
Relembra dos olhares e falas depreciativas acerca de seu turbante e fio de conta,
Dos livros sobre a cultura africana, proibidos de serem utilizados,
Que denotam que a diversidade e a laicidade do Estado, muitas vezes, são direitos violados

Renata não é uma heroína
E também não é uma vítima
Mas algumas percepções podemos ter: é irreverente e segura para valer!
Renata é quem ela quiser ser, podes crer!

Mônica

Mônica é técnica em assuntos educacionais
Também professora inspetora escolar.
É mulher que se fez forte
Para o mundo enfrentar.

Ingressou na escola aos dez anos de idade
Porque não teve outra oportunidade.
Seu esforço foi tremendo,
Pois se sentia defasada e perdendo.

A escola, foi para ela, lugar de acolhimento
Porque lá recebia alimento.
Alimento do corpo e da esperança
O que lhe trazia conforto e bonança.

A escola, também foi, lugar de enfrentamento
Onde a cor da pele e o cabelo foram,
Muitas vezes, alvo de estupidez
Precisando combater com intrepidez.

Falar de sua infância lhe causa dor,
Apesar de ser consolador
O fato de ter superado
Tantos obstáculos deste mundo desolador.

De acordo com Mônica
Algumas lembranças
Apagou da memória
Para não precisar reviver certas histórias.

Atuou como empregada doméstica,
Operadora de telemarketing, recreadora e monitora.
Atuou no Projeto Afroascendente
E lá incentivou e ganhou amigos que considera parentes.

Esteve em contato com mulheres negras impactantes
Uma delas Andrea, enquanto estudantes.
O contato virou relação de sororidade e dororidade
O que as fez criar laços de irmandade que possivelmente atravessará a eternidade.

Durante sua trajetória
Sentiu na pele o racismo desta sociedade
Que reduz histórias como a sua à superação
Tapando os olhos para opressão.

Ser forte foi o que lhe restou
Estudar, aprender e reaprender também gostou
Por isso, a mestra pensa em voltar a estudar
Seguindo seu caminhar.

Mônica não é uma heroína
E também não é uma vítima.
Mas algumas percepções podemos ter: é insistente, dedicada e ousada para valer!
Mônica é quem ela quiser ser, podes crer!

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Edna

Edna é professora
Também é encantadora
Seu amor pela profissão
Nos enche de emoção.

Tal amor nasceu,
Cresceu e floresceu
Em virtude da admiração
Pelos professores que nunca escondeu.

Durante a infância
Ouviu críticas em relação ao cabelo
No ambiente escolar e familiar,
Pois construções sociais não escolhem lugar.

Construções que precisam mudar
A fim de mostrar
Que a beleza negra tem seu lugar
Independentemente do cabelo que usar.

Os pais sempre a incentivaram
Vê-la formada sempre desejaram.
O grau de estudo que não atingiram
Edson e Amara, através da filha concluíram.

Durante a graduação para dar conta das demandas
Fez da biblioteca sua aliada
E da máquina olivetti dada pela mãe
Sua companheira de caminhada.

Lá também ampliou a percepção
Sobre a desigualdade de raça e classe
Quando constatou que muitos como ela,
Negros e pobres, advindos da periferia, não tiveram a mesma sorte.

Graduada em Letras e Mestre em Educação
Sua trajetória de escolarização segue em ação.
Na UERJ, instituição que defende com todo entusiasmo,
Cursa o Doutorado onde vem ampliando seu aprendizado.

Seu percurso é de luta,
Leciona para o Ensino Fundamental
E a modalidade de Educação de Jovens e Adultos
Onde semeia e colhe frutos.

Na escola que se encontra lotada
Desenvolve o Projeto Em Caxias a filosofia encaixa
Que proporciona aos professores e alunos
Trocas de experiências e saberes profundos.

Entende a escola como lugar de resistência,
Pois além de conteúdos impacta nossa existência.
Já em relação ao estudar
Considera um modo de vida espetacular.

Edna não é uma heroína
E também não é uma vítima
Mas algumas percepções podemos ter: é apaixonada pela educação e pelo saber que nos faz crescer!
Edna é quem ela quiser ser, podes crer!

Neste momento da pesquisa estabelecemos diálogos e inferências possíveis entre a trajetória das mulheres e os aportes teóricos apresentados. Na dissertação e, recentemente, no artigo intitulado Mulheres negras e a (re)educação das relações étnico-raciais: uma pesquisa, três histórias de vida e inúmeros aprendizados que se encontra na obra 10 anos de Insurgência: síntese do Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas, Movimentos Sociais e Culturas apresentamos alguns relatos e possíveis diálogos, a saber:

Não foi uma coisa que me depreciou, foi uma coisa que atinge porque é uma ofensa, é uma ofensa direta e tudo. Você não é inatingível, mas não é uma coisa que eu trouxe pra minha vida”. (RENATA, 2020)

Renata, neste trecho, faz referência ao apelido de “meia-noite” que, segundo ela, atravessou seu Ensino Fundamental. Nele, existe a possibilidade de diálogos com as prerrogativas de Souza (1983) que atenta sobre a dor contida em tornar-se negra em um mundo branco e, apesar disso, recriar potencialidades, bem como com as prerrogativas de Collins (2016) que evidencia a importância de se autodefinir e autoavaliar, a fim de não se deixar influenciar pelos estereótipos.

Professores negros também, eu tive o que? Professor negro? No Ensino Fundamental um ou dois, no ensino médio um ou dois, na faculdade (deixa eu ver) nenhum, entendeu? (EDNA, 2020)
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Edna, neste relato, expõe suas lembranças em relação aos professores negros que teve na trajetória escolar. Nele, existe a possibilidade de diálogos com Almeida (2018) que é categórico ao ressaltar que “as instituições são racistas porque a sociedade é racista” (ALMEIDA, 2018, p. 36)

E aí quando eu passei para 2ª fase, aí eu me dediquei mesmo. Estudei assim: eu estudava de madrugada, sabe? Com aquela lampadazinha no quintal, num esforço danado e consegui entrar pra UFF, para Pedagogia. (MÔNICA, 2020)

Neste trecho, Mônica, fala sobre sua aprovação para 2 ª fase da Universidade Federal Fluminense. Nele, é possível propor reflexões mais consubstanciais sobre desigualdades sociais, racismo e sexismo, por exemplo.

Antes de continuar, vale ressaltar que tais possibilidades de diálogos apresentadas não excluem outras. O mesmo acontece quando, na pesquisa, discorremos sobre as visões das mulheres sobre a escola, os estereótipos em torno da mulher negra, a hierarquização de saberes, a influência da escolarização na ampliação da temática racial, a escolarização como via para ascensão social, a função da escola e, por fim, sobre o que é ser negra no Brasil.Para citar outros exemplos, temos:

Por exemplo, no curso de letras, a gente deveria ler Quarto de Despejo, né? Carolina Maria de Jesus e tantas e tantas outras que a gente poderia pensar, poderia. (...)Onde tá essa literatura, né?” (EDNA, 2020)
O que é ser a mulher negra no Brasil? É ser um estereótipo, né?” (RENATA, 2020)
Ninguém chega a lugar nenhum sem ajuda de ninguém e hoje mais que nunca eu tenho essa noção. (MÔNICA, 2020)

As experiências de vida das mulheres, bem como suas visões de mundo, obviamente, a partir de tais experiências e outros entrecruzamentos de saberes nos possibilitam refletir porque literaturas, como de Carolina Maria de Jesus, Conceição Evaristo e tantas outras não possuem a mesma passabilidade da literatura considerada canônica, leia-se, branca; refletir porque é tão difícil ainda conceber mulheres negras como produtoras de conhecimentos e, também sobre o poder da troca, das mãos que se estendem para impulsionar outras trajetórias. Não é possível discorrer sobre todas as visões apontadas pelas mulheres como dito anteriormente, porém vale ressaltar que as três, bem como a pesquisadora que vos escreve, também refuta a hierarquização de saberes, bem como a meritocracia.

Nós nos formamos em casa, na rua, na escola, na universidade, em vastos lugares e em contato com outras pessoas e, para além disso, Mônica, Renata e Edna nos comprovam que histórias de vida ensinam. Ensinam a pensar fora desses padrões de competitividade, dando lugar a representatividade.

A representatividade não extermina o sistema de opressão, visto que a proporcionalidade da mesma nos espaços ainda não é suficiente para romper com a estrutura desigual de nosso país, no entanto, mesmo que soe clichê, a representatividade importa e muito!

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Na pesquisa ressaltamos que Bernardino-Costa e Grosfoguel (2016) distinguem lugar epistêmico e lugar social, pois muitos oprimidos internalizam pensamentos epistêmicos dominantes, mesmo estando em lugares desprivilegiados. Logo, ocupar um lugar social não significa que, naturalmente, o lugar epistêmico será equivalente com a realidade, dada a influência do sistema moderno/colonial. Neste sentido, as mulheres negras que aqui destacamos, apresentam lugar social e epistêmico coerentes, pois em nenhum momento das entrevistas menosprezaram com falas, gestos ou trejeitos a luta dos seus demonstrando orgulho da trajetória e dos caminhos trilhados até aquele momento.

Por fim, consideramos relevante sinalizar que nenhuma delas descarta os saberes advindos das histórias de vida, bem como nenhuma delas considera a escolarização a única salvadora dos males sociais, mas acreditam que ela, mais precisamente, a escola é o caminho e que ela deve ser para, com e de todos.

4. Sobre o produto educacional...

Arte de divulgação do produto criada por Maria Alice Mattos, mestranda do PPGEB.

O audiovisual mencionado anteriormente está intimamente ligado à pesquisa. Nele é possível conhecer um pouco mais sobre as mulheres acima: suas trajetórias, lutas, conquistas, re(existências) e os impactos de suas vivências na educação. Na sequência da imagem, temos: Edna, Mônica e Renata.

“Nós somos porque somamos” pode ser baixado na íntegra na Plataforma Educapes através do link https://educapes.capes.gov.br/handle/capes/584778e já conta com 987 downloads e 459 visualizações. Por se tratar de um audiovisual, acreditamos ser um meio de maior visibilidade, sendo inviável mensurar seu alcance. No entanto, pelo número de acessos é possível inferir que o produto tem proporcionado reflexões e diálogos em alguns cotidianos. Nesta perspectiva, acreditamos, também, que o audiovisual pode ser utilizado como um recurso metodológico que, com objetivos preestabelecidos, pode auxiliar na luta antirracista, servindo de incentivo para reflexões e intervenções no cotidiano escolar e em outros cotidianos como prevê nosso objetivo. Este é o nosso desejo, nosso objetivo! Que “Nós somos porque somamos” se multiplique!

5. Considerações Finais

A partir das narrativas de mulheres negras que atuam na Educação foi possível comprovar a potência dos nossos, bem como compreender que histórias de vida podem se materializar em produções de conhecimentos que colaboram para o bem de pessoas negras e não negras.

A pesquisa possibilitou o entendimento de que a modernidade vista por muitos como uma motivação para o desenvolvimento na verdade carrega consigo elementos, posturas e formas de conviver que corroboram para manutenção do status quo, ou seja, a racialização de grupos considerados inferiores em relação à visão eurocêntrica de mundo. Portanto, refletir acerca dessas manobras estruturais de opressão se fazem urgentes para denunciar desumanidades ainda tão presentes na sociedade. Possibilitou ainda, ratificar a hipótese de que mulheres negras conscientes de sua negritude e da importância de combater práticas excludentes impactam positivamente outras pessoas e cotidianos, além de nos proporcionar reflexões acerca da função da escola diante das opressões estruturais que, sem pedir licença, adentram seus espaços.

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Renata, Edna e Mônica não foram apresentadas como redentoras dos males sociais, mas como sujeitos políticos que apresentam narr(ativas) que dialogam com epistemologias de feministas negras e com a opção decolonial, apesar de em nenhum momento das entrevistas citarem teorias. E, o principal: são narrativas ativas, pois através do conhecimento de si enquanto mulheres negras estão nas brechas combatendo práticas excludentes e racistas nos cotidianos que elas circulam.

Concluímos assim que mulheres negras e histórias de vida ensinam. Contudo, é preciso pontuar que, infelizmente, nem todos indivíduos tem percepção da própria realidade e, por isso, a necessidade de continuarmos prezando pela multiplicidade de saberes que concorre para visões outras sobre a forma de ser, poder e viver na sociedade que aí está visando contribuir para sociedade que virá.

6. Referências

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CONTATOS
Cláudia Gomes Cruz •
Prefeitura Municipal de Duque de Caxias •
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Mônica Regina Ferreira Lins •
Universidade do Estado do Rio de Janeiro •
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