VOLTAR À COLEÇÃO ISBN: 978-65-86422-78-8
Volume 1

Narrativas de professores para professores:

Produtos educacionais para o ensino na educação básica

África, um Novo Olhar:
O Ensino de História da África na Educação Básica

AUTORES
Patrícia da Silva Soares
Danilo Rabelo
05

1. Introdução

Como professora da educação básica da rede estadual e estudiosa da História da África e dos afrodescendentes, tenho procurado manter um estreito vínculo entre minhas pesquisas de natureza historiográfica e aquelas relacionadas ao ensino de História.

Dentre as características mais marcantes da atualidade podem-se citar a globalização, a informação imediata em tempo real e a possibilidade de conectar-se com qualquer parte do mundo a qualquer tempo. A reflexão mais cuidadosa, entretanto, introduz inúmeras dúvidas quanto à abrangência desse mundo de informação e conhecimento. Quando voltamos nosso olhar para o continente africano a dúvida se torna mais explícita.

Quais são as imagens que o brasileiro possui da África hoje, em pleno século XXI? Esse continente continua praticamente desconhecido, submetidos aos mesmos e velhos preconceitos. Ele é visto como uma África formada somente por selva, com populações isoladas, famintas, aculturadas, vivendo em choupanas. Uma visão de uma suposta inferioridade do africano trazido ao Brasil na colonização e de seus descendentes.

Mônica Lima fala como a participação africana na nossa formação foi tratada por nossos historiadores:

O fato é que nossos antigos historiadores trataram indevidamente, ou ignoraram a participação africana em nossa formação, influenciados por preconceitos originários da sociedade escravista, entre os quais os ideais de branqueamento da população brasileira nutridos, desde meados do século XIX, por boa parte das elites nacionais (LIMA, 2004, p.1).

Nesses estudos conservou-se, entretanto, um grande vazio no que se refere ao conhecimento sobre a África. Segundo Tedesco (2006), as referências ao continente ou a algumas de suas regiões eram predominantemente relacionadas ao tráfico de negros trazidos ao Brasil para trabalhar como escravos. Negro e africano constituíam-se, desta maneira, sinônimos de povos cuja identidade era circunscrita ao fato de terem sido escravizados. Da mesma maneira, e talvez por isso mesmo, a ideia que possuímos de África hoje é, também, uma totalidade. Não conseguimos imaginá-la como um continente onde habitam povos diferentes com culturas diversas e marcado por uma grande diversidade ecológica. A imagem predominante que temos dela é que de lá vieram os negros/escravos para trabalhar na plantation da América.

O principal problema encontrado no processo de ensino e aprendizado da História Africana não é relativo à história e à sua complexidade, mas é com relação aos preconceitos adquiridos num processo de informação equivocada sobre a África. Estas informações dotadas de preconceito produziram um imaginário igualmente pobre, extremamente alienante e fortemente restritivo. Seu efeito é tão forte que as pessoas, quando colocadas em frente a uma nova informação sobre a África, têm dificuldade na articulação de um novo raciocínio sobre a história deste continente, sobretudo de imaginar diferente do raciocínio habitual. A imagem do africano na nossa sociedade é a do selvagem acorrentado à miséria. Essa imagem foi construída pela insistência e persistência das representações sobre a África como a terra dos macacos, dos leões, dos homens nus e dos escravos.

É inequívoco que a construção de uma identidade passa pelo conhecimento da própria História, para fazê-la presente como referência cultural. Partindo dessa premissa, o argumento principal para o ensino da História Africana está no fato da impossibilidade de uma boa compreensão da história brasileira sem o conhecimento das histórias dos atores africanos, indígenas e europeus. Sem estes elementos, constrói-se uma história parcial, distorcida e promotora de racismo.

06

A exclusão da História Africana é uma dentre as várias demonstrações do racismo brasileiro, pois produz a eliminação simbólica do africano da história brasileira. Desse modo, nos parece fundamental desvincular a história das sociedades africanas dessa “história eurocêntrica” e limitar nossa compreensão do continente africano apenas ao contexto do mercantilismo e do tráfico negreiro ou, séculos depois, da colonização efetiva daqueles territórios.

Considerando as questões levantadas, é que construímos uma proposta didática de História da África para alunos de Ensino Médio, que visa à desconstrução das representações estereotipadas e negativas sobre o continente africano e que se desenvolva para estimular o questionamento dos processos históricos, de compreender as diferentes construções historiográficas e as diversas visões existentes em relação a experiências vividas pela sociedade africana.

Este trabalho propõe a transposição dos novos estudos historiográficos sobre a África para situações de ensino, por meio da construção de material didático que ajude no preenchimento de lacunas deixados em nossos currículos e livros didáticos marcados pelo eurocentrismo e pelo preconceito, que cumpra com as recomendações da Lei Federal 10.639/03 e com a sugestão de trabalho com a pluralidade cultural feita pelos Parâmetros Curriculares Nacionais e nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasilira e Africana. A proposta foi elaborada para ser aplicada tanto em cursos à distância (Educação à Distância - EAD), como em cursos presenciais.

2. Sobre Metodologias, Técnicas e Escolha dos Sujeitos

A pesquisa foi dividida em dois momentos. Primeiro, a formulação do Material Didático de História da África (Objeto Educacional), intitulado História da África: além dos limites da imaginação, e, segundo, a aplicação e teste desse objeto educacional com alunos do Ensino Médio do Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada à Educação da Universidade Federal de Goiás (CEPAE/UFG), por meio dos estagiários da Faculdade de História da Universidade Federal de Goiás UFG em um curso semipresencial, com aulas presenciais e em um AVA (Ambiente Virtual de Aprendizagem).

2.1 O Objeto Educacional e Sua Construção

Ao iniciar a pesquisa para a formulação do Material Didático de História da África foram feitas três perguntas: Por que trabalhar? O que trabalhar? Como trabalhar?

Para responder a pergunta sobre o porquê trabalhar História da África, analisei a Lei 10639 que foi sancionada em 2003 e tornou obrigatório o Ensino de História da África e cultura afro-brasileira e africana na Educação Básica. Esta Lei altera a Lei de Diretrizes e Bases da educação Nacional 9394/1996, acrescentando os artigos 26-A, 79-A e 79-B, e estabelece que em todo o currículo escolar devem ser ministrados conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira, incluindo o estudo da “História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil” (BRASIL, 2003). De acordo com a Lei 10639/2003, esses conteúdos devem ser trabalhados em todas as disciplinas, item fundamental para a compreensão por parte do aluno da participação dos africanos na formação do brasileiro em todos os âmbitos social, cultural, político e econômico.

07

Para Santos (2005) historicamente, o sistema de ensino brasileiro não é só eurocentrista como também desqualifica o continente africano e inferioriza racialmente os negros, produz e reproduz a discri-minação racial contra os africanos e seus descendentes. Além disso, uma vez que o negro brasileiro faz parte de um grupo da população estigmatizada, não basta desenvolver um trabalho centrado nas questões étnico-raciais, mas é preciso rever o olhar dirigido para o próprio continente africano mantido, até o advento da Lei 10.639/03, em um “silêncio” que exterioriza a continuidade do preconceito. A História da África nos currículos de história no Ensino Fundamental e Médio adquire, assim, o papel de fundamentação e estabelecimento de sentido para as experiências vivenciadas pelas comunidades negras e afro-brasileiras. Do mesmo modo ela é essencial na discussão das questões relacionadas à construção de preconceitos e estereótipos em relação a essa população e na própria desconstrução de certas imagens e do próprio estigma. Hoje, quando a Lei Federal 10.639/03 determina a obrigatoriedade do ensino da História da África e da Cultura Afro-brasileira nos parece adequado à efetivação deste projeto.

Quanto à pergunta sobre qual conteúdo de História da África deveria-se propor para trabalhar com alunos da Educação Básica, foram analisadas as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasilira e Africana e o atual Currículo Referência da Rede Estadual de Educação de Goiás, tentando entender: O que propõem em relação a Conteúdos e Expectativas de Aprendizagem para História da África? Qual conteúdo poderia selecionar para atender aos alunos e professores da Rede Estadual de Educação de Goiás?

A Lei 10639/03 foi um avanço no processo de democratização do ensino e na luta antirracismo, no entanto, é bem genérica em seu conteúdo, não estabelece metas para sua implementação, não faz referência à necessidade de qualificação dos professores da Educação Básica para ministrarem os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira e das universidades reformularem seus programas para formação de professores (SANTOS, 2005, p. 33). As maiores dificuldades encontradas para sua implementação são, particularmente, relativas ao ensino de História da África, para que ela possa se concretizar e se desdobrar de forma positiva em prática escolar. Por isso, foi aprovado em 10 de março de 2004, pelo Conselho Nacional de Educação o parecer nº CNE/CP 003/2004 que foi transformado em resolução CNE/CP 001/2004 em 22 de junho de 2004 e em 2009 o Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações Etnicorraciais e Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. O objetivo desses documentos é o de instituir Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana que regulamentam as alterações trazidas à Lei 9394/1996 pela Lei 10639/2003.

As Diretrizes apontam possíveis temas e objetos a serem tratados nas salas de aula sobre História da África. Porém, segundo Oliva (2009), a proposta concentra suas atenções nas questões relacionadas aos estudos da história e da cultura afro-brasileiras. No caso específico de História da África, o documento enfatiza a questão de que o trabalho dos professores deve visar quebrar a tendência de ler as sociedades africanas apenas pelas faces negativas do continente ou pelo grande conjunto de estereótipos que recaem sobre elas. Os autores apontam uma série de conteúdos como a tradição oral africana; religiosidade; reinos antigos como Núbios e Egípcios; Sociedades pré-coloniais como Mali, Congo, Zimbábue; a escravidão na perspectiva do dominado; o período colonial na perspectiva do colonizado; período de independência e resistência; além de temáticas como as tecnologias, arte, luta social de autoria africana.

08

O documento ressalta a necessidade de mudança de mentalidade, de maneiras de pensar e de agir, não só dos indivíduos, mas também das instituições de ensino para a implementação da História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. No entanto ressalta que não se trata de mudar o foco do eurocentrismo para o afrocentrismo, mas sim de ampliar o foco dos currículos escolares para a diversidade cultural, racial, social e econômica brasileira.

No Estado de Goiás, desde 2012, existe um Currículo Referência a ser seguido pelos professores da Rede Estadual de Educação. Segundo seu próprio texto, ele encontra-se em consonância com legislações vigentes, Diretrizes e Parâmetros Curriculares Nacionais, mas também nas matrizes de referências dos exames nacionais e estaduais (GOIÁS, 2012, p. 8). Em uma análise sobre os conteúdos determinados pela Lei 10639/2003 no referido Currículo na disciplina de História, percebemos uma tentativa de implementação das Diretrizes, mas no Ensino Fundamental ainda sob a perspectiva em que a África aparece ainda dentro da História do Dominador. No Ensino Médio, já temos conteúdos específicos sobre o continente africano e seus povos, como por exemplo, no 2º ano do Ensino Médio o conteúdo “África”. Contudo, não há uma descrição de objetos e temas que devem ser tratados em sala de aula. Se pensarmos na vastidão de povos e culturas que se desenvolveram no continente africano ao longo da História, o conteúdo “África” é generalizante e muito vasto, caberá ao professor recortar e decidir o conteúdo que trabalhará ficando na maior parte das vezes com o que é apresentado pelo livro didático.

Após essas análises e pautado na minha experiência como professora da Educação Básica do Estado de Goiás e nas minhas pesquisas sobre formulação de material didático de História da África fiz a escolha em trabalhar com o Ensino Médio e com a temática da descons-trução das representações estereotipadas sobre a África e o africano. A escolha pelo Ensino Médio foi pela dificuldade que tenho em encontrar material didático para essa fase da Educação Básica. Para o Ensino Fundamental, mesmo com todas as críticas em relação a conteúdo, os livros didáticos de História contemplam pelo menos um capítulo para História da África, algo que não vemos em todos os livros do Ensino Médio. E a proposta curricular para Ensino Médio no Estado de Goiás está mais bem estruturada e em consonância com as Diretrizes.

Quanto à temática sobre as Representações do Continente Africano que visa à desconstrução das imagens construídas em nossa cultura, de uma África indistinta, um bloco de fome, escravidão, pobreza, doença e sequidão, foram selecionados visando à reconstrução da imagem do próprio afrodescendente brasileiro, pois ligamos a imagem do africano, dominado, escravizado, selvagem à própria imagem do negro. O conteúdo visa estabelecer um sentido positivo para a formação da identidade do aluno negro e a formação de cidadãos atuantes e democráticos, capazes de compreender as relações sociais e étnico-raciais de que participam, ajudam a manter e ou reelaborar.

Juntamente com esses questionamentos não poderíamos deixar de perguntar que método didático se deveria desenvolver para estimular um olhar mais relativizado em relação às sociedades africanas ou qualquer sociedade culturalmente diversa da nossa. Como trabalhar a temática sobre Representações do Continente Africano, visando à desconstrução de estigmas e estereótipos?

09

Segundo Vygotsky (1998) são as apropriações que o sujeito faz da cultura na qual está inserido que vão lhe propiciando condições de aprendizagem e de desenvolvimento. Para esse pesquisador o processo de desenvolvimento não seria anterior à aprendizagem. A criança se desenvolveria na medida em que, sob a orientação de pessoa mais experiente, se apropriasse da cultura elaborada pela humanidade. Esse novo entendimento mudou a abordagem dada às questões relacionadas à aprendizagem, pois aumenta a importância da dimensão interativa. Anteriormente, o foco da aprendizagem era basicamente o indivíduo, e a partir dessa nova concepção, passa a centralizar nas questões interacionais.

Porém, nem toda interação resulta em aprendizagem. Para que uma interação social possibilite a construção de determinado saber que tenha valor educativo, é necessário que ela tenha potencialidade para provocar uma ação produtiva, que forneça, além da dimensão afetiva, desafio e apoio para a atividade cognitiva. O processo de aprendizagem é social, ao assumirmos essa posição, o foco da nossa atenção desloca-se para as interações e as metodologias de ensino tornam-se fundamentais.

A palavra Método vem do latim, methodu, méthodos, que significa caminho para chegar a um fim; conjunto de procedimentos técnicos e científicos; ordem pedagógica na educação; sistema educativo ou conjunto de processos didáticos. Assim, ao abordar métodos de ensino e de aprendizagem, trata-se de um caminho para se chegar ao objetivo proposto. No caso específico da educação escolarizada, o fim último seria a aprendizagem do aluno de maneira eficaz (LACANALLO et al., s/d, p. 2).

Diante disso, os métodos deveriam propiciar ao aluno aprender de maneira eficiente os conteúdos culturais sistematizados pela humanidade, bem como a aprendizagem de valores, comportamentos e ações úteis à sociedade em cada momento histórico. Os métodos devem criar condições para que os alunos se tornem cidadãos que pensem e atuem por si mesmos; que eles sejam pessoas livres de manipulações e que consigam ter a capacidade de pensar e examinar criticamente as ideias que lhes são expostas e a realidade social que compartilham. Na concepção do filósofo John Dewey, o objetivo da educação é proporcionar condições para que os indivíduos continuem sua própria educação.

Além disso, Dewey considera o conhecimento como fruto do ato de pensar com base na experiência e afirma que o único caminho direto para o aperfeiçoamento duradouro dos métodos de ensinar e aprender consiste em centralizá-los nas condições que estimulam, promovem e põem à prova a reflexão e o pensamento. Pensar é o método de se aprender inteligentemente, de aprender aquilo que se utiliza e recompensa o espírito (Dewey, 2007). Para compreender o sentido da experiência, o espírito deve rememorar as situações concretas que se apresentam fora da escola, às ações que na vida comum despertam interesse. São outras etapas do método de educar:

10

Para Dewey, o essencial é a interação entre o aluno, o assunto e modo pelo qual o conhecimento lhe é apresentado. Desse modo, o aluno será posto em uma situação ativa, entendido como o construtor de sua própria aprendizagem, competindo ao professor o papel de desafiador e não apenas o de fornecedor de respostas prontas. Portanto, a função principal do professor é de mediador da aprendizagem dos alunos. Partindo dessas argumentações, foi formulado um método de ensino para o trabalho de História da África com alunos do Ensino Médio. A partir deste método, foi construído o material didático História da África: além dos limites da Imaginação, que propõe aos alunos algumas problemáticas sobre História, diversidade, África etc.

O método proposto também pode ser trabalhado para a construção de material didático sobre outros povos estigmatizados e estereotipados aos olhos da nossa cultura como indígenas, ciganos, muçulmanos etc. O objetivo principal é a desconstrução da representação estereotipada e negativa sobre o continente africano e seus povos ao longo da nossa história. Para tanto essas diretrizes contam com cinco etapas:

  1. Problematização do real. Partir da problematização da nossa realidade com algumas questões motivadoras para o estudo da temática. No nosso caso, duas problemáticas são apresentadas ao aluno: Por que estudar História da África no Brasil? Por que foi necessária uma lei (Lei 10639/03) para fazer conteúdo tão importante para a compreensão da História Nacional?
  2. Sondagem do conhecimento do aluno sobre a temática a ser trabalhada. É apresentado ao aluno um questionário para que docentes e discentes visualizem as representações da sociedade trabalhada em nossa cultura.
  3. Trabalho com outras representações da sociedade analisada. Neste caso, é apresentado ao aluno imagens de várias regiões da África atual em uma hashtag do Twitter onde africanos de vários países postam imagens das suas cidades, da sua vida cotidiana, da diversidade das várias regiões do continente. Também é trabalhado trechos de livros literários produzidos por africanos de diferentes regiões, nos quais o aluno pode ter uma visão do continente por outros olhos.
  4. Interpretação de Textos e Fontes Históricas. Neste item trabalha-se com encontros culturais de alguns povos africanos do século X a XV e a produção de novas culturas, híbridas por causa das trocas promovidas pela análise de textos historiográficos e fontes históricas. Tem como objetivo entender a dinâmica do continente anterior ao século XV, que diferente da representação de isolamento que temos hoje, estava todo interligado por rotas de comércio e os diversos povos encontravam-se, trocavam mercadorias e cultura.
  5. Avaliação Final. Atividade que volta ao questionamento inicial, sobre a sociedade trabalhada e apresentação do conhecimento construído pelo aluno em relação ao povo estudado. O que permanece e o que mudou com as análises feitas nas aulas anteriores.

O material didático – História da África: além dos limites da imaginação – será disponibilizado integralmente no Repositório Institucional da UFG (https://repositorio.bc.ufg.br/) e no site do Programa de Pós Graduação Ensino na Educação Básica, CEPAE-UFG (https://pos. cepae.ufg.br/p/6565-dissertacoes) e tem a seguinte estrutura:

10

MÓDULO 1 - REPRESENTAÇÕES DA ÁFRICA

Capítulo 1 - A Lei nº 10639/03
Texto: A Importância da História da África no Brasil
Atividade: A Lei 10639/2003 e a Sala de Aula

Capítulo 2 - Imagens da África
Questionário: Imagens da África
Atividade: Representações do Continente Africano
Texto: Olhares para a África: os Limites da Imaginação
Texto: Diversidade e Pluralidade na África
Atividade: Viagem pela África
Atividade: “Olhares para África: os Limites da Imaginação”

Capítulo 3 - Literatura Africana
Texto: Literatura africana: descolonização da história e outras histórias da África
Atividade sobre Literatura Africana
Atividade de Fechamento do Módulo

MÓDULO 2 – SOCIEDADES AFRICANAS

Capítulo 1 - Fontes para o Estudo da História da África
Texto: Fontes para o Estudo da História da África
Atividade: Fontes para o Estudo da História da África
Texto: Tradição Oral Africana
Atividade: Tradição Oral Africana

Capítulo 2 - Sociedades Africanas Intercâmbios Culturais
Texto: Ritmos Históricos Africanos até Século XV
Atividade de Pesquisa Sociedades Africanas
Texto: A Costa Ocidental Africana: Estados do Sudão Ocidental: Gana, Mali E Songai
Atividade: Análise de Documento Histórico
Atividade: Sociedades Africanas
Atividade Final

É importante ressaltar que não entendemos o material didático como uma cartilha que deve ser seguida passo a passo, mas um objeto de aprendizagem aberto e dinâmico, em que o professor busca apoio na elaboração de suas aulas. O material formulado segue uma dinâmica, com começo, meio e fim, porém o professor pode selecionar apenas os textos e atividades que serão úteis na elaboração de seus planos de aula e para seus alunos.

2.2 Caracterização da Pesquisa e dos Informantes

Após a elaboração do material didático (objeto educacional) - História da África, Além dos Limites da Imaginação – planejou-se seu teste e aplicação com alunos do Ensino Médio do CEPAE/UFG, por estagiários da Faculdade de História da UFG no Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada à Educação/UFG em uma disciplina eletiva no primeiro bimestre de 2016, Educação para Relações Étnico-Raciais em EAD, logo após a pesquisa ser aprovada pelo Comitê de Ética da UFG. Os estagiários aplicaram o material em aulas semipresenciais com atividades avaliativas em formato EAD na plataforma Moodle gerenciada pelo Centro Integrado de Aprendizagem em Rede (CIAR-UFG).

Neste estudo foi avaliado como o material didático produzido funciona em salas de aula virtual, semipresencial e presencial e desenvolvemos estratégias de trabalho em História da África para alunos do Ensino Médio. Para isso, acompanhei as aulas propostas juntamente com a professora da disciplina eletiva e professora de estágio Cristina de Cássia Pereira Moraes, ajudei na montagem dos planos de aula, analisei o material produzido pelos estagiários a partir do material didático proposto e, ao final, apliquei um questionário aos estagiários em que eles analisaram a disciplina em que trabalharam e o próprio material didático. O questionário não tem identificação do voluntário, foi estruturado com questões fechadas e abertas com campos específicos, para que o estagiário acrescente justificativas as suas respostas enriquecendo nossa pesquisa. Esse questionário foi direcionado apenas aos estagiários da Faculdade de História UFG que demonstraram interesse em participar de forma voluntária.

11

Durante os meses de maio, junho e julho de 2016, todas as terças-feiras, foram feitas discussões sobre a construção dos planos de aula com os estagiários, no período matutino na Faculdade de História da UFG, e aulas dos estagiários com os alunos do CEPAE/UFG, no período vespertino no Laboratório de Informática do CEPAE/UFG, para aplicação do material didático (objeto educacional) - História da África, Além dos Limites da Imaginação. No total foram onze dias de aulas no CEPAE/UFG, entre 3 de maio e 15 de julho de 2016, cada dia com duas aulas de uma hora, no total foram 22 aulas, assim distribuídas: dez aulas para aplicar os textos e atividades do Módulo I - Representações de África -; dez aulas para aplicar os textos e atividades do Módulo II -Sociedades Africanas -; e duas aulas para a avaliação final. Em agosto de 2016 foi aplicado o questionário de avaliação do material didático aos estagiários. Foram nove questões específicas sobre o material didático em que o estagiário poderia responder dentro de três alternativas: concordo; discordo; indeciso e justificar suas respostas. Sete estagiários que acompanharam as aulas e as reuniões de discussão do material didático responderam ao questionário.

Ao analisar os questionários, percebemos que algumas adequações do material didático, História da África: além dos limites da imaginação, foram necessárias. Contudo, ele cumpriu com a proposta de servir para implementar a Lei 10639/03 e de trabalhar com as representações sobre o continente africano e sua diversidade. Em suma, os textos e as atividades contribuíram para que os alunos pensassem historicamente e criticamente a História de algumas sociedades africanas e discutissem alguns aspectos da nossa cultura como o racismo e o estereótipo construído sobre africanos e afrodescendentes.

A experiência de trabalhar com estagiários resultou em uma troca de experiências muito produtiva. Por causa da falta de experiência deles em sala de aula, como pesquisadora participante pude lhes oferecer suporte para pensarem e construir seus planos de aula, bem como pensar os objetivos e as estratégias didáticas. Também foi oferecido a eles material historiográfico como apoio para o estudo de conteúdos sobre História da África. Em contrapartida, os estagiários trouxeram um novo fôlego à pesquisa com novas ideias, métodos e teorias, como por exemplo, o trabalho com tempo presente, a construção de conceitos e análise de textos literários e documentários.

3. Considerações Finais

Hoje, a Lei Federal nº 10.639/03 determina a obrigatoriedade do ensino da História da África e da cultura afro-brasileira. Mas que conteúdos de História da África propor para trabalhar com alunos da Educação Básica?

A representação que o brasileiro sobre o continente africano e seus povos não sofreu grandes transformações desde o início do século XX. Ele ainda é visto como uma região selvagem, isolada, distende, de onde vieram os “escravos” no período colonial. Para tanto, elaborou-se nesta pesquisa um objeto ou produto educacional que contribua para atender as exigências da Lei 10639/03 e desconstruir as representações estereotipadas sobre a África. A metodologia utilizada na construção da pesquisa foi dividida em duas partes: primeiro a construção do material didático sobre História da África para Ensino Médio (Objeto Educacional), e a segunda a aplicação desse material por estagiários da Faculdade de História da Universidade Federal de Goiás, com alunos do Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada a Educação UFG.

12

A Lei 10639 que foi sancionada em 2003, e torna obrigatório o Ensino de História da África e cultura afro-brasileira e africana na Educação Básica foi analisada para responder à pergunta sobre por que trabalhar História da África. E chegou-se à conclusão de que, historicamente, o sistema de ensino brasileiro não é só eurocêntrico como também desqualifica o continente africano e inferiorizava racialmente os negros, produzindo e reproduzindo a discriminação racial contra os africanos e seus descendentes. A inserção da História da África no currículo de História no Ensino Fundamental e Médio é um elemento essencial de fundamentação e de estabelecimento do sentido para as experiências vivenciadas pelas comunidades afro-brasileiras, além de proporcionar importante contribuição na discussão das questões de natureza étnico-raciais como racismo, discriminação racial.

Após as análises do Currículo Referência e das Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações Étnico-Raciais e Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana e nas pesquisas sobre formulação de material didático de História da África foram delimitados o nível de ensino e a temática a ser trabalhada, isto é, o Ensino Médio e a temática da desconstrução das representações estereotipadas sobre a África e o africano. A temática sobre as representações do continente africano foi selecionada, visando à desconstrução das imagens construídas em nossa cultura, de uma África indistinta, um bloco de fome, escravidão, pobreza, doença e sequidão, almejando à reconstrução da imagem do próprio afrodescendente brasileiro, pois ligamos a imagem do africano, dominado, escravizado, selvagem à própria imagem do negro. O conteúdo visa estabelecer um sentido positivo para a formação da identidade do aluno negro e a formação de cidadãos atuantes e democráticos, capazes de compreender as relações sociais e étnico-raciais de que participam, ajudam a manter e ou reelaborar.

Outra vantagem dessa metodologia de ensino de História da África reside no fato de que ela também pode ser trabalhada com outros povos estigmatizados e estereotipados aos olhos da nossa cultura como indígenas, ciganos, muçulmanos etc. Portanto, o objetivo principal é a desconstrução das imagens sobre o continente africano e seus povos ao longo da nossa história.

A aplicação e teste do material didático (objeto ou produto educacional) foi com alunos do Ensino Médio do Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada à Educação da Universidade Federal de Goiás (CEPAE/UFG), por intermédio dos estagiários da Faculdade de História da Universidade Federal de Goiás UFG em um curso semipresencial, com aulas presenciais e em um Ambiente Virtual de Aprendizagem. Durante a aplicação do material didático foram realizadas reuniões semanais com os estagiários para discutir a produção dos planos de aula, as aulas no CEPAE/UFG também foram observadas. Ao final, os estagiários responderam a um questionário em que avaliaram positivamente o objeto educacional confirmando que o mesmo cumpriu com a proposta de servir para implementar a Lei 10639/03 e de trabalhar com as representações sobre o continente africano e sua diversidade no Ensino Médio.

13

Neste estudo trabalhamos com a representação sobre a África e seus povos construídos em nossa cultura, mas também entendemos que a atualização das representações sociais é um fenômeno do tempo de longa duração, isto é, estável e resistente a mudanças. Porém, com a Lei 10639/03, resultado das lutas políticas do Movimento Negro, enxergamos um novo horizonte para a mudança dessas representações, tanto no meio acadêmico como no imaginário coletivo. Já estão chegando às universidades brasileiras os estudos de uma nova geração de historiadores africanos já despojados da carga emocional dos seus precursores, procurando explicar o continente sob as mais variadas perspectivas. E com a implementação da Lei 10639/03 nas salas de aula da Educação Básica, a nova geração de brasileiros terá contato com a história e cultura do continente africano desde o início de seus estudos e com professores capacitados para trabalhar com tais temáticas, justificando esse nosso trabalho África, Um Novo Olhar: O Ensino De História Da África Na Educação Básica.

O trabalho com os alunos e estagiários mostrou-se extremamente produtivo, instigando novos estudos e a pretensão de construir mate-rial didático sobre outras sociedades africanas que também constituí-ram culturas híbridas por causa do contato com vários povos, como as sociedades da Costa Oriental Africana, os suaílis. A pesquisa também deixou o desejo e a pretensão de construir mais objetos de aprendiza-gem que ajudem os professores a levarem as Tecnologias da Informa-ção para as suas aulas.

O trabalho com os alunos e estagiários mostrou-se extremamente produtivo, instigando novos estudos e a pretensão de construir material didático sobre outras sociedades africanas que também constituíram culturas híbridas por causa do contato com vários povos, como as sociedades da Costa Oriental Africana, os suaílis. A pesquisa também deixou o desejo e a pretensão de construir mais objetos de aprendizagem que ajudem os professores a levarem as Tecnologias da Informação para as suas aulas.

4. Notas

5. Referências

BRASIL. Lei nº 10639. Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”, e dá outras providências. In: Diário Oficial da União, Brasília, 9 de janeiro de 2003.

_______. Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão. Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Brasília: MEC/SECADI, 2013.

14

_______. Resolução CNE/CP, 01/2004. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. In: Diário Oficial da União, Brasília, 22 de junho de 2004.

_______. Parecer CNE/CP 003/2004. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. In: Diário Oficial da União, Brasília, 19 de maio de 2004.

DAVIS, C., SILVA, M., e ESPÓSITO, Y. (1989). Papel e valor das interações sociais na sala de aula. Cadernos de Pesquisa, 71, 49-54.

DEWEY, J. Experiência e Educação. Petrópolis: Editora Vozes, 2010.

______. Democracia e Educação: capítulos essenciais. São Paulo: Ática, 2007.

GOIÁS. Currículo Referência da Rede Estadual de Educação de Goiás. Goiânia, 2012.

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico 2010: características da população e dos domicílios. Rio de Janeiro: IBGE; 2010. Disponível em: file:///C:/Users/Fabiana/Documents/dados%20ibge/cd_2010_caracteristicas_populacao_domicilios.pdf Acesso em 14/02/2016.

LACANALLO L. F; SILVA S. S. C; OLIVEIRA D. E. M. B; GASPARIN J. L; TERUYA T. K. Métodos de Ensino e de Aprendizagem: uma análise histórica e educacional do trabalho didático In: http://www.histedbr.fe.unicamp.br/acer_histedbr/jornada/jornada7/_GT4%20PDF/M%C9TODOS%20DE%20ENSINO%20E%20DE%20APRENDIZAGEM%20 UMA%20AN%C1LISE%20HIST%D3RICA.pdf Acesso: 22/05/2017.

LIMA, M. A África na Sala de Aula. Nossa História, Rio de Janeiro, Ano 1, n. 4, fevereiro 2004, p. 84 -86.

OLIVA, Anderson Ribeiro. O que as lições de história ensinam sobre a África? Reflexões acercadas representações da história da África e dos africanos nos manuais escolares brasileiros e portugueses. In: Revista Solta a Voz, Goiânia: 2009, v. 20, n. 2, p. 197-214.

RABELO, D. A Educação e o Combate ao Racismo. Goiânia: Ciar-UFG, 2015 In: http://temporario.ciar.ufg.br/historia-africa/modulo2/capi-tulo9/conteudo/1-1.html Acesso: 08/03/2017.

SANTOS, S. A. dos. Ação Afirmativa ou a Utopia Possível: O Perfil dos Professores e dos Pós-Graduandos e a Opinião destes sobre Ações Afirmativas para os Negros Ingressarem nos Cursos de Graduação da UnB. Relatório Final de Pesquisa. Brasília: ANPEd/ 2° Concurso Negro e Edu-cação, 2002.

______. A Lei nº 10.639/03 como fruto da luta anti-racista do Movimento Negro. In: Educação anti-racista : caminhos abertos pela Lei Federal nº 10.639/03 / Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade. – Brasília : MEC/SECADI, 2005.

TEDESCO, M. do C. F. Povos Africanos Antes da Chegada dos Europeus. In: SILVA, M.; GOMES, U. J. (Orgs). África Afrodescendência e Educação. Goiânia: UCG, 2006, p.23-37.

VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. 6. ed. São Paulo: Mar-tins Fontes, 1998

CONTATOS
Patrícia da Silva Soares •
Mestre em Ensino na Educação Básica pelo Programa de Pós-Graduação em Ensino na Educação Básica do CEPAE/UFG •
patriciassoares1@gmail.com
Danilo Rabelo •
Doutor em História, pela Universidade de Brasília. Docente do PPGEEB/CEPAE/UFG •
rabelodanilo62@ufg.br