VOLTAR À COLEÇÃO ISBN: 978-65-86422-78-8
Volume 1

Narrativas de professores para professores:

Produtos educacionais para o ensino na educação básica

Um Novo Olhar Para o Seu Lugar:
O Bairro como Lugar do Ensino de Geografia no Ciclo II do Ensino Fundamental

AUTORES
Mariângela Azevedo
Elson Rodrigues Olanda
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1. Apresentação

A proposta pedagógica apresentada neste capítulo é parte da pesquisa de mestrado intitulada, O ensino do lugar e o lugar do ensino: o conceito de lugar geográfico como dimensão de uma educação emancipadora no ciclo II do ensino fundamental. A dissertação foi defendida no Programa de Pesquisa e Pós-Graduação em Ensino na Educação, no Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada à Educação da Universidade Federal de Goiás (PPGEEB/CEPAE/UFG) em abril de 2016 (cf.https://repositorio.bc.ufg.br/tede/bitstream/tede/6735/5/Disserta%C3%A7%C3%A3o%20-%20Mari%C3%A2ngela%20Oliveira%20 de%20Azevedo%20-%202016.pdf).

O trabalho, realizado no período de 2014 a 2016, buscou problematizar, no ensino de Geografia, a relação entre o conceito de lugar e a possibilidade de uma educação que se proponha emancipadora no Ciclo II do Ensino Fundamental. Procuramos articular as discussões do ensino de Geografia e do conceito de lugar, às visões de mundo, ser humano e ensino e às concepções de Geografia e sua historicidade. O método de análise delineou-se no materialismo histórico dialético por considerarmos o ensino escolar como uma atividade humana e social.

Intentamos mostrar que a Geografia, desde o Ensino Fundamental, pode ser proveitosa para a leitura e a compreensão do mundo em sua complexidade e que o conceito de lugar é capaz de configurar-se como revelador da realidade ante as novas demandas da globalização econômica. Objetivando a práxis da pesquisa, realizamos investigações e análises de como os conteúdos de Geografia que tratam do conceito de lugar têm sido abordados no Ciclo II do Ensino Fundamental e que tipo de conhecimentos podem se formar a partir das práticas pedagógicas utilizadas para tal. As reflexões advindas da pesquisa, ao final, nos embasaram na elaboração de uma proposta didática de abordagem do conceito de lugar, tendo como conteúdo o bairro, a que compartilhamos no presente texto.

Nosso objetivo macro foi o de propor uma metodologia de trabalho pedagógico do conceito de lugar, no ensino de Geografia, por meio do tema o bairro, em uma perspectiva crítica de um projeto de educação emancipadora. Os objetivos específicos serão detalhados em cada plano de aula, descritos a seguir.

O tempo estimado para aplicação da proposta é de 08 aulas de 50 minutos, no período de um mês, sendo que o público-alvo foram alunos do Ciclo II do Ensino Fundamental de uma escola da Rede Municipal de Ensino de Goiânia. O bairro pensado para a proposta é o Jardim Guanabara III, por se tratar do bairro onde a escola fica e onde a professora pesquisadora trabalha.

Proposta pedagógica – o bairro

AULA 01

Tempo: 50 min.
Tema: O que sabemos sobre o bairro?
Objetivo geral: Sondar os conhecimentos prévios dos alunos acerca do bairro onde moram e valorizar seus saberes cotidianos na articulação com os saberes escolares.

Objetivos específicos:

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Atividades:
Diálogo: roda de conversa sobre o que os alunos têm a dizer sobre o bairro, suas histórias, experiências, problemas, brincadeiras, passeios, etc.
Anotação no quadro, pela professora, dos principais aspectos comentados pelos alunos no diálogo. Os alunos deverão, também, anotar no caderno, ao mesmo tempo em que a professora faz as anotações no quadro.
Desenho do bairro, realizado pelos alunos, em papel sem pauta.
Exposição, no mural da escola, dos desenhos dos alunos.

Atividade não presencial − Entrevista: converse com seus pais, familiares e/ou amigos, sobre aspectos da história do bairro:

  1. Há quanto tempo existe o bairro?
  2. Como era o bairro há 10 anos?
  3. Havia mais construções ou mais terrenos vagos?
  4. omo eram as casas, o que havia de serviços, estabelecimentos comerciais, etc.?
  5. Desde quando sua família mora no bairro?
  6. Existem histórias que sua família tenha vivenciado no bairro que você tenha achado interessante? Conte-nos essas histórias.
  7. O que mudou no bairro durante o tempo que sua família e/ou amigos moram nele.
  8. Procure fotos do bairro que mostrem como ele era no passado.

AULA 02

Tempo: 50 min.
Tema: O bairro no passado e o bairro no presente.
Objetivo geral: Possibilitar a reflexão sobre as modificações espaciais ocorridas no bairro durante seu processo histórico e suas motivações.

Objetivos específicos:

Atividades:
A partir da pesquisa realizada na atividade não presencial da aula anterior, dialogar a respeito das investigações realizadas sobre a história do bairro (cada aluno comenta algo que pesquisou).
Elaboração de texto: O que eu sei da história do meu bairro.
Leitura socializada dos textos produzidos em sala de aula.

AULA 03

Tempo: 50 min.
Tema: Pesquisa de campo: um olhar problematizador para o bairro – em busca da práxis.
Objetivo geral: Articular as discussões das aulas anteriores à realidade observável na espacialidade do bairro.

Objetivos específicos:

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Atividades:
Orientação, pela professora, dos pontos a serem observados no trabalho de campo. Roteiro de observação:

  1. Como é o bairro? Bonito? Feio? Por quê?
  2. Há presença de muitas ou poucas árvores? Há Jardins?
  3. Existem odores? De que tipo?
  4. Quais os tipos de construções predominantes?
  5. Condição da sinalização de trânsito, limpeza das ruas, condição do asfalto.
  6. Tipos de estabelecimentos comerciais existentes.
  7. Diferenças nos tipos de construções (casas em boas condições de morar? Moradias precárias?), criadouros de mosquito Aedes Aegypti?
  8. Presença de lugares públicos de lazer e condições destes, caso existam.
  9. Condições do esgoto sanitário, córregos e rios que passem pelo bairro.
  10. Visita às imediações da escola. Anotação dos aspectos observados a partir da orientação da professora e demais aspectos que considerem relevantes.
  11. Atividade não presencial: Elaboração de texto − Na aula de hoje, visitamos o bairro nas imediações da escola e constatamos diversos problemas. Escreva um texto sobre os problemas encontrados no bairro, no trabalho de campo e outros problemas que você conhece. Existem alagamentos quando chove? Falta água tratada no bairro? O serviço de transporte coletivo é de boa qualidade? Em seu texto, comente se esses problemas só existem no nosso bairro ou em outros lugares da cidade e do mundo e dê sua opinião sobre por que isso acontece. Converse com familiares e amigos antes de escrever.

AULA 04

Tempo: 50 min.
Tema: Representações cartográficas do bairro − aprendendo a planta baixa, o título e a legenda.
Objetivo geral: Introduzir a compreensão das representações cartográficas no ensino de Geografia por meio do estudo do bairro.

Objetivos específicos:

Atividades:

AULA 05

Tempo: 50 min.
Tema: Jornal mural do bairro
Objetivo geral: Oportunizar o conhecimento do bairro em suas dinâmicas sociais.

Objetivos específicos:

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Atividades:
Construção de um jornal mural coletivo com os recortes trazidos pelos alunos na pesquisa realizada na atividade não presencial da aula anterior.
Roda de conversa sobre os temas das publicações que compõem o jornal mural.
Atividade não presencial: Em grupo de 03 alunos, escolher e fotografar 02 lugares do bairro que frequentam, passam ou qualquer outro escolhido. Escrever no caderno porque escolheram fotografar esses lugares específicos e o que sabem sobre ele. Enviar as fotos para o e-mail da professora, ao final do estudo do bairro, as fotos serão impressas para compor uma exposição aberta à comunidade escolar.

AULA 06

Tempo: 50 min.
Tema: Conhecendo as representações do bairro por meio de recursos digitais.
Objetivo geral: Localizar o bairro pelas ferramentas do google maps.

Objetivos específicos:

Atividades:

AULA 07

Tempo: 50 min.
Tema: Meu olhar para o meu lugar.
Objetivo geral: Desenvolver a capacidade crítica geográfica das paisagens no bairro.

Objetivos específicos

Atividades:

AULA 08

Tempo: 50 min.
Tema: O bairro que eu tenho o bairro que eu quero e preciso.
Objetivo geral: Possibilitar o avanço dos conteúdos escolares à dimensão política da educação geográfica: para que serve o que se aprende?

Objetivos específicos:

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Atividades:

2. Avaliação

A avaliação se dará pela observação, pela professora, da participação dos alunos, engajamento nas atividades propostas e empenho em realizar cada etapa com dedicação. Além disso, as elaborações escritas, textos, entrevistas, registros de observação, pesquisas e outros trabalhos escritos serão analisados em seus conteúdos, pela professora, objetivando identificar o nível de reflexão do aluno diante do tema abordado, levando em consideração as especificidades cognitivas individuais dos educandos.

A participação oral nas discussões será valorizada como essencial no processo avaliativo.

Recursos didáticos

3. Sugestões bibliográficas e outras referências

Para professores:

ALMEIDA, R. D. Do desenho ao mapa: iniciação cartográfica na escola. São Paulo: Contexto, 2001.

- Auxilia o professor na elaboração de práticas de ensino de leitura e interpretação de mapas por crianças.

AZEVEDO, M. O. O ensino do lugar e o lugar do ensino: o conceito de lugar geográfico como dimensão de uma educação emancipadora no ciclo II do ensino fundamental. 150 f. Dissertação (Mestrado em Ensino) Programa de Pesquisa e Pós-Graduação em Ensino na Educação Básica, Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada à Educação da Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2016.

- Na Dissertação, além da seqüência didática apresentada neste trabalho (e- book) há problematizações sobre o conceito de lugar na Geografia acadêmica e na Geografia escolar como o objetivo de trabalhar o conceito de lugar geográfico numa perespectiva emancipadora.

COSTELA, R. Z.; SCHAFFER, N. O. A Geografia em projetos curriculares: ler o lugar e compreender o mundo. Brasil: Edelbra, 2012.

- O livro traz um projeto trabalho de ensino do conceito de lugar na Geografia escolar.

FREIRE, P. Uma educação para a liberdade. 4. ed. Porto: Dinalivro, 1974.

- Paulo Freire nos brinda com profundas reflexões sobre o papel huma-nizador da educação.

SANTOS, M. O espaço do cidadão. 7. ed. 1 reimpressão. São Paulo: Edusp, 2012.

- Milton Santos articula o conhecimento geográfico à dimensão social e humana no contexto da sociedade capitalista.

STRAFORINI, R. Ensinar Geografia: O desafio da totalidade mundo nas séries iniciais. 2. ed. São Paulo: Annablume, 2008.

- O livro traz, em leitura esclarecedora, uma proposta de ensino de Geografia que articule o conhecimento geográfico à totalidade-mundo.

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CAVALCANTI, L. S. Geografia, escola e construção de conhecimentos. Campinas: Papirus, 2010.

- Leitura indispensável ao professor de Geografia reflexivo. Trata dos resultados da pesquisa em que a autora investigou as representações sociais que os alunos têm dos conceitos geográficos.

ILHA das flores. Documentário. Duração: 13min. Roteiro e direção de Jorge Furtado. Brasil: 1989. Disponível em: . Acesso em: 25 fev. 2016.

- A dinâmica escolhida para tratamento dos problemas de um determi-nado lugar, a Ilha das flores chama a atenção por se articular a proble-máticas mundiais, como a miséria e a desigualdade.

Para Alunos:

CRUZ, J. D. Lugar. Álbum: Hot dog latino. Anhanguera discos, 2002.

- A música do compositor e cantor goiano/tocantinense, Juraíldes da Cruz, contribui com uma didática diferenciada no ensino de Geografia, proporcionando diversas leituras do lugar Brasil através da arte musical.

OLIVEIRA, I. J.; ARRAIS, T. A. Geografia de Goiás. São Paulo: Scipio-ne, 2012.

- O livro trabalha conteúdos da Geografia do 4º e 5º ano do Ensino Fundamental, levando em consideração as especificidades do Estado de Goiás.

ROSA, A. T. et al. O espaço urbano da região metropolitana de Goiânia. Goiânia: Gráfica e editora Vieira, 2010. (Col. Aprender com a cidade (fascículos didáticos)).

- Nesse fascículo, a cidade é abordada como o lugar da vida cotidiana. As ilustrações, os assuntos e a linguagem, despertam nos alunos o interesse e a identificação com o tema.

A seguir apresentamos algumas imagens realizadas em campo du-rante a execução do trabalho.

Figura 1. Saída para atividade de campo em observação e análise do bairro Jardim Guanabara, Goiânia-GO. Foto: AZEVEDO, M., 2015. Organização: OLANDA, E. R., 2017
Figura 2. Atividade de campo para observação e análise do bairro Jardim Guanabara, Goiânia-GO. Foto: OLANDA, E. R., 2015. Organização: OLANDA, E. R., 2017
Figura 3. Pesquisa sobre a historicidade do bairro a partir de imagens e registros de moradores e alguns problemas antigos e atuais no Jardim Guanabara, Goiânia-GO. Fotos: AZEVEDO, M., 2015. Organização: OLANDA, E. R., 2017
Figura 4. Exposição montada com pesquisas de imagens da história do bairro Jardim Guanabara, Goiânia-GO. Foto: AZEVEDO, M., 2015. Organização: OLANDA, E. R., 2017
Figura 5. Apresentação de maquetes do bairro (entorno da escola) e painel sobre as desigualdades sociais do Jardim Guanabara Goiânia-GO. Foto: OLANDA, E. R.. 2015. Organização: OLANDA, E. R., 2017
Figura 6. Desigualdade socioeconômica evidenciada na paisagem do Jardim Guanabara, Goiânia-GO. Foto: AZEVEDO, Mariângela, 2015 Organização: OLANDA, E. R. 2017

4. Considerações finais

Durante a realização das atividades constantes na proposta pedagógica, procuramos perceber se as aulas foram capazes de abranger aspectos, discutidos na dissertação de mestrado, como essenciais para que o ensino possa propiciar uma formação do conceito de lugar de modo crítico, reflexivo e emancipador.

Buscamos relacionar a prática de ensino com as concepções metodológicas dialéticas nas dimensões do espaço e do tempo, ou seja, geográfica e histórica, contradições, análises multiescalares, superação do lugar enquanto localidade para uma dimensão de mundo, problematização e relação entre todo e parte e consideração das relações entre trabalho humano e espaço.

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Procuramos estabelecer uma intencionalidade pedagógica clara na abordagem do conceito de lugar, articulando o conceito aos conteúdos trabalhados, indo além da abordagem conteudista, comum nas escolas, e quase sempre atrelada exclusivamente ao livro didático. Buscamos a utilização de recursos didáticos considerados mais significativos, tais como: filmes, músicas, poemas, charges, textos jornalísticos, mapas, aulas de campo, entrevistas, pesquisas, recortes, murais, cartazes e outros recursos didáticos que podem ser utilizadas no ensino de Geografia para um exercício mais criativo. Os recursos utilizados propiciam que o ensino de Geografia fique mais próximo do que ele realmente deve ser, um conhecimento para a vida. A vida não se compõe de uma só dimensão, mas de múltiplas.

A Geografia está presente no dia a dia de variadas maneiras, não somente em questionários teóricos e em outras atividades descritivas; ela está no dia a dia, nas ruas, nos passeios, na televisão, na feira, no supermercado e em tantas outras situações e, por isso, pode e deve ser articulada à vida das pessoas.

Os conteúdos, na proposta de trabalho apresentada, foram articulados à realidade vivenciada pelos alunos, construindo uma conexão entre teoria e prática – práxis, ação transformadora necessária ao ensino crítico.

Em busca de identificar a articulação entre lugar e cotidiano, condição que consideramos necessária para abarcar o movimento social dos lugares, constatamos que isso se deu de maneira efetiva. Os alunos se reconheciam como moradores do bairro, participando das aulas com inúmeros exemplos e contos reais de seu dia a dia. As dimensões consideradas nas discussões superaram o imediatismo, já que trataram de problemáticas que são do bairro e do mundo ao mesmo tempo, como a violência, a desigualdade social, a falta d’água, a poluição e tantos outros.

Percebemos a ação dialógica, criativa, criadora, intervencionista, autônoma, ativa e questionadora nos momentos de aula. Observamos muitas intervenções orais dos alunos e, houve preocupação com a valorização pedagógica do que era trazido por eles em suas falas. Os educandos puderam expressar-se, problematizar vivencias, se sentiam motivados nas aulas de campo, uma vez que estas foram prazerosas, extrapolando o espaço da sala de aula para o universo social externo. Puderam ampliar o pensamento e a percepção sobre a realidade, construindo articulações entre todo e parte. Entre o que viam nos noticiários de televisão, na escola e no lugar mais imediato em que vivem suas vidas.

A experiência com este trabalho demonstrou que o ensino de Geografia escolar pode propiciar uma leitura de mundo crítica e reflexiva, que contribua para a formação de seres humanos questionadores da complexidade da realidade, que olhem com estranheza para seu lugar, seu espaço imediato, superando o olhar comum, desinteressado e alienado. A formação do conceito de lugar geográfico na escola pode vislumbrar possibilidades transformadoras por meio da emancipação intelectual.

Atualmente (2017), após dois anos da vivência do projeto, os alunos, agora já nas turmas mais avançadas, ainda comentam em detalhes as atividades realizadas naquela ocasião, em que aprenderam um novo olhar para o seu lugar.

CONTATOS
Mariângela Azevedo •
Mestre em Ensino na Educação Básica pelo Programa de Pós-Graduação em Ensino na Educação Básica do CEPAE/UFG •
mariangela.azevedo@hotmail.com
Elson Rodrigues Olanda •
Doutor em Geografia pela Universidade Estadual Paulista. Docente do PPGEEB/CEPAE/UFG •
elson.olanda@gmail.com