Governo Federal República Federativa do Brasil Ministério da Educação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior Universidade Federal de Goiás

DIDÁTICA E FORMAÇÃO DE PROFESSORES:
EMBATES COM AS POLÍTICAS CURRICULARES NEOLIBERAIS

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SEÇÃO 1
AUTORES Núbia Lucas Fernandes • Renato Barros de Almeida
Referenciar como: FERNANDES, Núbia Lucas; ALMEIDA, Renato Barros de. A conjuntura política e embates das Diretrizes Curriculares Nacionais e da Base Nacional Comum Curricular: contextualização histórica, social e econômica do currículo no Brasil. In: LIBÂNEO, José Carlos; ROSA, Sandra Valéria Limonta; ECHALAR, Adda Didática e formação de professores: embates com as políticas curriculares neoliberais. Goiânia: Cegraf UFG, 2022, p. 18-26. Disponível em: https://publica.ciar.ufg.br/ebooks/edipe2_ebook/artigo_02.html
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Conjuntura Política e Embates das Diretrizes Curriculares Nacionais e da Base Nacional Comum Curricular: contextualização histórica, social e econômica do currículo no Brasil

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Introdução

Neste artigo, propomos discutir alguns aspectos inerentes a História da Educação no Brasil. Para estruturação da pesquisa documental, faremos o recorte temporal de 1990 a 2018 com a homologação da última etapa da Base Nacional Comum Curricular para o Ensino Médio – BNCC-EM. Para a análise, elencamos algumas categorias a serem ponderadas ao longo do texto: educação, escola e currículo.

Para melhor compreensão, estruturamos este artigo três momentos: a princípio faremos a contextualização histórica-social e econômica dentro do recorte temporal estabelecido analisando as categorias educação e escola no Brasil; logo após, ponderaremos a categoria currículo na sua historicidade; e por fim apresentaremos os desafios da implementação da BNCC para futuras gerações/pesquisas.

A princípio, na contextualização histórica-social e econômica dentro do recorte temporal estabelecido, analisaremos a educação e a escola no Brasil. Os fatos apresentados são considerados a partir de 1990, com o presidente Fernando Collor de Mello, Partido da Reconstrução Nacional (PRN), até o fim do governo da presidente Dilma Rousseff, do Partido dos Trabalhadores (PT). Para tal reflexão, consideraremos a proposições de Cambi (1999); Vieira e Farias (2003); e Araújo, (1998). Assim como de Lima e Lopes (2016); Aguiar e Dourado (2018); e Gentilli (1996) para a compreensão neoliberal apresentada nas categorias de análise.

Logo após, ponderaremos o currículo no Brasil a partir do contexto histórico das políticas curriculares. Nesta seção, consideremos os seguintes marcos históricos: Constituição Federal de 1988 (CF/1988), Lei de Diretrizes e Base da Educação Básica (LDB/1996), Parâmetros Curriculares Nacional (PCNs), Diretrizes Curriculares Nacional (DCNs) e a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Para tal reflexão, dialogaremos com os seguintes autores: Macedo (1999; 2012 e 2015); Gesser (2012); Teixeira (2000); e Silva (2010).

Contextualização histórico-social da educação e da escola 1990 a 2018

Para essa primeira discussão desse artigo nos remeteremos ao momento histórico compreendido a partir da redemocratização do Brasil com destaque nos fatos sobre a educação e a escola a partir de 1990, quando o primeiro presidente eleito pelo voto direto assume o poder – Fernando Color de Mello. Sendo assim, nesta análise documental, perpassaremos pelos fatos que aconteceram nos anos 2000, com a construção de vários documentos importantes para educação, sendo o principal deles as Diretrizes Curriculares Nacional (DCNs) que culminou em 2010 com a consolidação de um único documento e seguiremos até 2018, com o governo do Presidente interino Michel Temer que institui a última parte da Base Nacional Comum Curricular na Etapa do Ensino Médio (BNCC-EM), como etapa final da Educação Básica.

O Brasil, após anos de ditadura militar (1964-1985), vivenciou experiências inusitadas em busca do Estado Democrático. A conquista foi lenta pelos movimentos sociais e as disputas instauradas entre os interesses público e privado. A partir da Constituição Federal (1988), o país vislumbra a construção de uma nação cidadã e almeja políticas públicas que atendam à sociedade civil para a construção do cidadão globalizado.

No dia 15 de março de 1990, o Brasil ingressa em um modelo político que caminha para a atenção dos interesses internacionais. O jovem político e ex-governador do estado de Alagoas, Fernando Collor de Melo assume a presidência do Brasil por meio de alianças estabelecidas com as forças conservadores que se opunham ao seu concorrente à presidência Luiz Inácio Lula da Silva. Para o presidente eleito, havia várias propostas políticas como pauta, sendo algumas delas reduzir a inflação que chegava a 80%, privatização das estatais e reduzir a presença do Estado. O discurso político empreendido era o de inserção do país no

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[...] quadro internacional que impõe novas perspectivas de competitividade no cenário da globalização... a moralização política e o fim da inflação, o novo presidente compromete-se também com a modernização econômica e a redução da presença do Estado no setor. (VIEIRA; FARIAS, 2003, p. 151,152)

Collor não hesitou, no dia seguinte a sua posse promove um plano para o equilíbrio do país. As ações estratégicas envolviam o congelamento dos preços e salários, o desaparecimento de órgãos públicos, a dispensa de funcionários, o comércio de patrimônio público e a política educacional era postergada. A partir dessas medidas, servido de discurso modernizador, o país ficou aberto ao mercado internacional. Mesmo com essas medidas econômicas o país continuava com alta inflação e recessão. E a educação relegada em seu governo apresenta apenas o Programa Nacional de Alfabetização e Cidadania (PNAC), revelado em setembro de 1990. Havia várias críticas ao governo de Collor em relação à política educacional, e

[...] o PNAC vem preencher um vazio até aquele momento não ocupado em termos de definições. Este não se apresenta tão somente como um programa de alfabetização. Seu conteúdo envolve praticamente todas as áreas de atuação do Ministério, exceto o ensino superior. Na verdade, este documento orientador da política educacional do governo que se inicia, estando inteiramente voltado para a perspectiva do cumprimento dos preceitos constitucionais de universalização do ensino fundamental e de eliminação do analfabetismo. (VIEIRA; FARIAS, 2003, p. 163),

As críticas em relação ao governo do presidente Collor se agravam e seu irmão Pedro Collor, em entrevista, em 1992, anuncia as evidências do esquema de corrupção, tráfico de influência e propina organizado pelo tesoureiro, Paulo César Farias, na campanha do presidente. Com isso, uma Comissão de Parlamentar de Inquérito (CPI) é instaurada pelo Congresso Nacional. Em meio a essas reviravoltas no país surgem os ‘Caras Pintadas’ (VIEIRA; FARIAS, 2003) em que jovens vão para as ruas pedindo mudança e conclamando por impeachment do presidente Collor, mas antes da conclusão da CPI, seu vice o substitui, Itamar Franco. Collor renunciou à Presidência da República no final de dezembro de 1992. Itamar Franco ficou no poder até completar o tempo do mandato, sua gestão é marcada pela discrição no país e novos rumos o país vai tomando quando nomeia como ministro da fazenda Fernando Henrique Cardoso, do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB).

No governo de Itamar Franco, a educação brasileira é colocada em pauta em dois momentos específicos: o primeiro foi a organização de discussões para a construção do Plano Decenal de Educação para Todos, em 1993, que teve a influência a participação do Brasil na Conferência de Educação para Todos, em Jomtien, na Tailândia, requisitada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO); Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF); Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e o Banco Mundial. A partir desse evento, surgiu a obrigatoriedade de se elaborar as estruturas dos planos decenais de educação, e o Brasil foi um dos signatários do documento, a Declaração Mundial de Educação para Todos. O segundo momento, se materializa na Conferência Nacional de Educação para Todos, em 1994, que colocava em discussão a pauta do primeiro momento, em outras palavras, ambos os momentos, de 1993 e 1994, organizados no governo de Itamar Franco não caminhavam como um viés específico de planejamento para a educação brasileira. O desenvolvimento dessas ações se delimitava em dar voz a sociedade redemocratizada para vislumbrar um futuro diferente para a educação e a partir dessa ouvidoria elaborar um planejamento local e nacional. O documento nacional foi denominado de Diretrizes de Ação Governamental. Itamar Franco tenta elaborar política educacional no âmbito nacional, mas é no próximo governo que ganha maior articulação.

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Diante de várias ações na busca de retomar o leme do país, o presidente interino, Itamar Franco, conquista popularidade durante o seu mandato e para as eleições de 1994, teve como candidato Fernando Henrique Cardoso (FHC) que foi o único presidente até aquele momento a permanecer no cargo por dois mandatos (01/01/1995 a 31/12/1998 e 01/01/1999 a 31/12/2002). Seu acentuado destaque se deu por promover o Plano Real e conseguir conter a inflação no país. Sendo assim, se inicia a “era FHC”, era de grandes mudanças na educação e grandes privatizações que

[...] as exigências atuais, colocadas pela nova ordem cultural à educação escolar, demandam novas formulações que têm no tema da qualidade total a instrumentalização teórico-prática. A chamada pedagogia da qualidade total assume o papel de operar “inovações” educacionais que devem incidir sobre as práticas administrativas e pedagógicas da escola. Por assim ser, leva-nos a ler suas publicações e outros materiais impressos, enquanto estratégias de prescrição “renovada” de práticas educacionais e de construção de novas significações sociais. É claro que as mudanças ou inovações dos sistemas educacionais e da escola fazem parte do programa de reforma das políticas públicas do Estado, tal como vem acontecendo na América Latina. Descentralização, parceria, extinção de órgãos, privatização, novas formas de gestão, controle local e comunitário das escolas são propostas presentes na agenda neoliberal com grande respaldo nas instituições públicas educacionais. (ARAÚJO, 1998, p. 40).

Fernando Henrique Cardoso (FHC) mostra seu interesse na educação logo em seu documento de campanha, que coloca a educação como uma das cinco prioridades do governo. Na “era FHC”, o marco para a Educação no Brasil é a partir da Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que constitui as Diretrizes e Bases Nacional (LDB); e a Lei n. 9.424, de 24 de dezembro de 1996, que ordena sobre o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF). quando foi promulgada pelo, então, presidente da república, FHC.

As leis promulgadas em 1996 consolidam a padronização do ensino e o controle dos processos por meio de avaliações externas que indicarão ações para as próximas intervenções na política educação. Esse era o discurso que já imperava desde os anos de 1990, com o governo de Collor e que ganha evidência com as leis promulgadas. Desde então, as intenções do governo era atender o mercado internacional, aproximando cada vez mais a educação das características mercadológicas. Nesse contexto, o neoliberalismo que se instala no país (GENTILI, 1996). Lima e Lopes (2016) trazem em seu artigo apresentado no III Congresso Nacional da Educação, em Natal-RN, a seguinte definição para o neoliberalismo

[...] é uma concepção político-ideológica segundo a qual o mercado se traduz em um valor incontestável, de modo que qualquer estorvo à livre circulação de mercadorias é visto como ameaça ao equilíbrio das forças sociais (LIMA; LOPES, 2016, p. 1).

Nesse caminho, o Brasil inicia sua trajetória a partir de 1990, com os seguintes presidentes da república Fernando Collor de Melo (1990-1992), Itamar Franco (1992-1994) e Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), para atender as necessidades do mercado com políticas educacionais na formação do povo brasileiro. E em 2003, o Partido dos Trabalhadores (PT) assume o poder até 2016, primeiro com o presidente Luís Inácio Lula da Silva que fica por dois mandatos, até 2010, e depois com a presidente eleita Dilma Rousseff, que é deposta do cargo em 2016 e seu vice-presidente assume, Michel Temer (2016-2018). Durante o governo do PT várias revisões ocorreram em relação à Educação do Brasil, diretrizes curriculares foram discutidas visando a construção do cidadão com valores e direitos humanos, respeitando a diversidade e edificando a identidade e com algumas ênfases para a construção de uma escola com caráter de formação profissional (CIAVATTA; RAMOS, 2012).

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Após o impeachment da presidente Dilma Rousseff, a educação e a escola assumem carácter ideológico bem claro. A situação do Brasil é convergida à direita, com propostas curriculares que refletem na “[...] formação dos profissionais de educação, bem como os processos avaliativos nas escolas e sistemas de ensino [...]” (AGUIAR, DOURADO, 2018, p. 8). O modelo instaurado é de uma escola com educação para mundo do trabalho, para o desenvolvimento de competências e habilidades que atendam às demandas mercadológicas. A escola está sob a ideologia hegemônica do capital e isso fica mais evidente quanto ao seu papel ideológico, pois a escola

[...] age no sentido da reprodução, seja da força de trabalho e das suas divisões internas e distinções seja da ideologia, da visão do mundo própria da classe social que está no poder e que interpreta, por sua vez, seus interesses. A cultura escolar, é sempre ideológica, como ideologia é a organização da vida escolar, com seus horários, seus papéis, suas práticas disciplinares... A escola contemporânea é, ainda, uma escola em transformação, que procura dar resposta a situações sociais, culturais e de mercado de trabalho profundamente novas, e em contínuo devenir (CAMBI, 1999, p. 628).

No governo do presidente interino Michel Temer (2016-2018) há várias mudanças no Ministério da Educação que viabilizam a política educacional para a reprodução do modelo capitalista. Questões sobre a educação e a escola estão como foco na busca pela tão sonhada “educação de qualidade total” (ARAÚJO, 1998, p. 41) e “aprendizagem de qualidade” (BRASIL, 2018, p. 5) que é apresentada pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC), promulgada em 2018 a versão final que regulamenta quais são as aprendizagens necessárias que o estudante precisa ter ao concluir a Educação Básica.

Nessa perspectiva, analisaremos outros documentos que consideramos importantes para explicar qual(is) a(as) razão(ões) de se estabelecer um currículo nacional comum em meio a diversidade que compõe o Brasil, país de proporção continental. Tentaremos ponderar as intenções ideológicas que compõe a construção do currículo ao longo da história da educação brasileira e quais os seus contextos de produção.

Demarcar historicamente o currículo no Brasil a partir da história das políticas curriculares

Para esse momento do artigo, consideraremos historicamente as políticas curriculares no Brasil. Ao contextualizar o currículo, percebemos as influencias histórico-sociais tanto na elaboração quanto na implementação no Brasil. Nesta seção, consideremos os seguintes marcos históricos: Constituição Federal de 1988 (CF/1988), Lei de Diretrizes e Base da Educação Básica (LDB/1996), Parâmetros Curriculares Nacional (PCNs), Diretrizes Curriculares Nacional (DCNs) e a Base Nacional Comum Curricular (BNCC).

Ao considerarmos as políticas curriculares a partir da redemocratização do Brasil com CF/1988, há evidências dos movimentos sociais da década anterior. Nesse documento já se pode vislumbrar propostas que regulam o aparelho educacional, pois definições do que é pertinente à Educação Básica. A exemplo disso, podemos citar a CF/1988, no Artigo 211, que reforça a integração entre a União, os estados, os municípios e Distrito Federal para a organização dos sistemas de ensino em forma de colaboração e que assegurem a o ensino universal e obrigatório para a Educação Básica

A CF/1988 colocou os fundamentos para organização do sistema educacional no país. Designou os parâmetros para estruturação das políticas educacionais a partir da sua promulgação. No Art. 206, destacamos os incisos I, II e III, definem os princípios para a ministração do ensino.

O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; III- pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino (BRASIL, 1988).
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As políticas educacionais assim como as políticas curriculares a partir da CF/1988 se submeteram a tais princípios orientadores. Na década de 1990, percebe-se outro viés de educação que se difere do proposto pelo CF/1988. As políticas curriculares implementadas estão sob a influência de diferentes forças que são marcos históricos para o final do século. Os princípios estabelecidos são outros, pois a liberdade econômica mundial ganha espaço no currículo escolar. Os modelos apresentados por países industrializados, como Estados Unidos, servem como exemplos para as propostas no Brasil, mesmo com estudiosos que consideram a teoria crítica e recusam o currículo tradicional. Para Verônica Gesser (2002) o currículo tinha finalidades específicas, pois “[...] esta visão curricular estendeu-se até os anos 1990, muito embora o que se viveu e se vem vivendo, na maioria das escolas, é um currículo centrado em valores da educação tradicional e tecnicista” (p. 78).

No governo de Fernando Henrique Cardoso, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB/1996) é promulgada no Brasil. A LDB/1996 apresenta política curricular definida para o Ensino Fundamental e Ensino Médio, mas com a Lei nº 12.796, de 2013, a etapa da Educação Infantil é incluída assim como a mudança do termo “clientela” para “educandos” foi trocado, assim ficou o texto

Os currículos da educação infantil, do ensino fundamental e do ensino médio devem ter base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e em cada estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e dos educandos” (BRASIL, 1996).

Nesse momento histórico de estabelecimento dos currículos, já se apresenta o dever de se ter uma base nacional comum, que já considerava as características diferentes da sociedade, da cultura, da economia e dos educandos. Ao construir esse currículo da educação em cada etapa, faz-se necessária a colaboração da União com os estados, municípios e Distrito Federal para decidirem quais seriam as diretrizes que direcionariam a educação básica. Com isso, em 1998, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) do Ensino Fundamental e, em 2000, do Ensino Médio são estabelecidos, levando em consideração o Art. 9, LDB/1996, que é dever da União

IV - estabelecer, em colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, competências e diretrizes para a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio, que nortearão os currículos e seus conteúdos mínimos, de modo a assegurar formação básica comum (BRASIL, 1996).

A elaboração dos PCNs não levou em consideração a necessidade de um debate mais amplo para a sua construção. Haja vista que o Ministério da Educação (MEC) já visava a caracterização de uma base comum nacional conforme o proposto pela LDB/1996, em seu Art. 9. No entanto, o Art. 9 afirma que para a elaboração das questões de política e cidadania entre as demais instituições que compõe a educação brasileira deve-se ter a colaboração dos Estados, Municípios e Distrito Federal, assim como da sociedade civil. O que de fato não aconteceu na elaboração dos PCNs. (TEIXEIRA, 2000).

Logo, ao considerar a diversidade nacional, o MEC trouxe como pauta os temas transversais para considerarem as características regionais e locais, mas gerou desconforto às comunidades escolares pois não sabiam como trabalhá-los no ambiente escolar. As dúvidas sobre a distinção “[...] entre temas transversais, interdisciplinaridade e trabalho por projetos” (MACEDO, 1999, p. 43) eram várias. Havia como intuito a formação do cidadão ativo a partir de uma base comum curricular. Os PCNs

[...] assumem uma postura aparentemente alternativa. Baseada em autores conteudistas, o documento aponta a importância das disciplinas para que os alunos dominem o saber socialmente acumulado pela sociedade. (MACEDO, 1999, p. 43).
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A teoria tradicional do currículo se materializa no documento que se ocupa em apresentar um planejamento organizado para o ensino de conteúdo. Mesmo nesse caminho, a intencionalidade seria a busca por uma educação histórico-crítica como o chamariz aparente de muitas políticas curriculares e não foi diferente com os PCNs tenta integrar os conteúdos propostos pelas disciplinas tradicionais com os temas transversais (MACEDO, 1999). Os temas transversais eram o diferencial do momento, pois a discussão em pauta atendia as teorias críticas de currículo até certo ponto, mas não avançava para as teorias pós-crítica que abarcam categorias como identidade, sexualidade e multiculturalismo (SILVA, 2010). Na década de 1990

[...] o currículo está sendo discutido em torno de assuntos emergentes relacionados a esse movimento da pedagogia-crítica e neomarxista que vem se estruturando no que se caracteriza como a educação multicultural. Nesta perspectiva, assume-se que o currículo deveria ser organizado em torno de aspectos multiculturais que incluem raça, gênero, diferenças individuais, classe social, problemas sociais e justiça social ou equidade (GESSER, 2002, p. 78).

Para Verônica Gesser (2002), as tensões no movimento das políticas curriculares não pararam, historicamente há várias discussões e expressa as diversas forças e contextos. As contestações, elaborações e objeções continuaram. Em 2010, após uma década da publicação dos PCNs para o Ensino Médio, foi consolidada as novas Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica (DCNs) que substituiria as anteriores.

Elisabeth Macedo (2012, p. 716) nos seus estudos sobre os DCNs busca desfazer a relação estabelecida entre currículo e ensino, pois o documento reduz o currículo ao conhecimento de conteúdos por meio do ensino aos educandos. Ao considerar o “[...] currículo como instituinte de sentidos, como enunciação da cultura, como espaço indecidível em que os sujeitos se tornam sujeitos por meio de atos de criação.”. A defesa por uma perspectiva multicultural nas políticas curriculares se percebe, respeita e abriga o sujeito mesmo que apresente algumas críticas. Essa concepção, por vezes, se envolve numa perspectiva otimista e desconsidera as desigualdades que marcam a educação.

O debate continua sobre as políticas curriculares, a educação e sobre a formação básica comum proposto no Art. 9, inciso IV, da LDB/1996, “que nortearão os currículos e seus conteúdos mínimos, de modo a assegurar formação básica comum” (BRASIL, 1996). Com isso, em 2015 é colocada a primeira versão para consulta pública em relação as bases nacionais comuns para os currículos, com o caráter já normativo de currículo ao desconsiderarem imprevisões do ambiente escolar. Essa proposta se consolidou na versão final em 2018 que apresenta a BNCC (BRASIL, 2018), pois desconsidera o currículo no cerne da sua fundamentação teórico-crítica.

Nessa construção histórica das políticas curriculares, o Ministério da Educação (MEC) justifica a publicação da BNCC/2018 como documento garantidor do “conjunto de aprendizagens essenciais aos estudantes brasileiros” e que está embasado nas DCNs. A elaboração de bases nacionais curriculares proposta em 2015 possui o seguinte texto “direitos e objetivos de aprendizagem” são reforçados na publicação de 2018, porém subtraído o termo “objetivo” na introdução do documento. Logo é retomado o termo no momento dos “marcos legais que embasam a BNCC” ao relacionar o documento com a meta sete do Plano Nacional de Educação 2014-2024 (PNE). Nesse artigo, não desenvolveremos a discussão sobre o PNE. Mas as intenções apresentadas na BNCC alinham-se a uma educação como desempenho/performance O termo performance está presente nos textos documentais estudados por nós, apesar de não ser objeto deste artigo a discussão desse termo, vale esclarecer que em nossa visão é uma terminologia muito ruim pois manifesta uma concepção gerencialista, algo que é possível de controle, manipulado. Em nossa compreensão é equivocado a medida em que essa concepção se afasta da compreensão crítica de conhecimento defendida por nós (MACEDO, 2015). (MACEDO, 2015), como um currículo que exprime ações de domínio das manifestações dos sujeitos envolvidos na educação.

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Elisabeth Macedo (2015), afirma que tal documento exprime uma concepção de currículo que desconsidera o “chão da escola” (p. 903) mesmo sendo construída por grupo de estudos da área do currículo naquela época. Tanto a primeira versão quanto as demais eram propostas utópicas, distante da realidade de sala de aula. A versão homologada está vinculada a modelos de “[...] gestão do ensino, com vistas a apenas projetar a performance do aluno.” (p. 899). O documento aponta conteúdos mínimos que todos devem possuir ao concluir a Educação Básica. Desconsidera a construção crítica de problematização dos conteúdos estabelecidos. O currículo é visto como mera reprodução, sem considerar a emancipação do sujeito.

Vale ressaltar ainda que ao considerar o recorte histórico de análise deste artigo, percebemos que as políticas educacionais implementadas para a Educação Básica no Brasil passaram por alguns avanços e retrocessos a partir de 1990. Aqui destacamos como exemplo, o Ensino Médio. A BNCC, com a reforma desta etapa da educação por meio da lei 13.415/2017, essa reforma apresenta características específicas: atende a uma lógica de mercado e de formação de sociedade. Por conseguinte, essa perspectiva apresentada para a formação dos jovens do Ensino Médio tem a finalidade de preparar mão de obra, na formação de trabalhadores para atender as demandas desse mercado.

As disputas estabelecidas desde a CF/1988 em relação às políticas curriculares, apresentaram diferentes intencionalidades no Brasil. A proposta inicial era a formação cidadã e democrática, porém diferentes governos se passaram e cada um, a seu modo, procurou atender às demandas mercadológicas que se constitui no mundo capitalista. Todos esses debates no Brasil sobre a proposta de bases nacionais comuns culminaram na BNCC com um documento regulador que “[...] corresponde às demandas do estudante desta época, preparando para o futuro” (BRASIL, 2018, p. 5). Futuro esse que busca a performance do estudante e influenciará todas as demais políticas educacionais e políticas de currículo.

Considerações finais

Ao discutirmos o currículo no Brasil nesse artigo, consideramos alguns aspectos inerentes ao recorte temporal entre os anos de 1990 e 2018 e considerar as seguintes categorias: educação, escola e currículo. Com isso, fizemos a contextualização histórica-social e econômica dentro do recorte temporal considerado, analisando as categorias elencadas e apresentamos os desafios da implementação da BNCC para futuras gerações/pesquisas.

Ao remetermos ao momento histórico compreendido a partir da redemocratização do Brasil com destaque nos fatos sobre a educação, escola e currículo, perpassamos por diversos fatos que aconteceram nesses anos de educação brasileira, em especial de 1990 a 2018. Nesta análise, consideramos vários documentos importantes para educação, tomando como ponto de partida a Constituição Federal (CF/1988), seguindo pela Lei de Diretrizes e Base da Educação Básica (LDB/1996), os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs/1998-2000), as Diretrizes Curriculares Nacional (DCNs/2010) até a Base Nacional Comum Curricular na Etapa do Ensino Médio (BNCC-EM/2018), como o último documento regulador da Educação Básica.

Nesse último documento, percebemos as diversas disputas de poder envolvidas nas várias mudanças no Ministério da Educação que viabilizam a política educacional para a reprodução do modelo capitalista. Questões sobre a educação e a escola estão como foco na busca pela tão sonhada “educação de qualidade total” (ARAÚJO, 1998, p. 41) e a “aprendizagem de qualidade” (BRASIL, 2018, p. 5). Com a última versão da BNCC/2018, há a regulamentação de quais são as aprendizagens necessárias que o estudante precisa ter ao concluir a Educação Básica.

Nessa perspectiva, analisamos os documentos já citados para tentarmos explicar quais as razões de se estabelecer um currículo nacional comum homogêneo no Brasil, país de proporção continental. Tentamos ponderar as intenções ideológicas que compõe a construção do currículo ao longo da história da educação brasileira e quais os seus contextos de produção. Percebemos as influências histórico-sociais tanto na elaboração quanto na implementação desses documentos.

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As disputas estabelecidas em relação às políticas curriculares, apresentaram diferentes intencionalidades no Brasil que mostravam as tensões entre os diversos poderes. A proposta inicial expressa na Constituição Federal de 1988 era a formação cidadã e democrática, ao longo dos anos foi se rendendo, em alguns aspectos, às demandas mercadológicas do mundo capitalista. Os debates propostos desde a CF/1988 sobre educação, escola e currículo no Brasil, em especial a proposta de uma base comum nacional culminaram na BNCC, documento regulador que promove intervenções nas demais políticas educacionais e políticas de currículo no país. Nos cabe, enquanto, pesquisadores e educadores acompanharmos o movimento histórico na perspectiva de apreendermos as continuidades, as descontinuidades e as rupturas que compõe a realidade objetiva.

Neste sentido, revelamos algumas contradições existentes e que afetam diretamente a concepção de educação, a propositura de escola e a compreensão de currículo que foi constituída nas disputas pela definição da política de currículo no Brasil. Podemos sintetizar que: a forma de implantação da BNCC, verticalizada, referenciada na lógica das avaliações externas e de larga escala, que atingem diretamente o controle sobre o trabalho docente, a gestão democrática e a organização do trabalho pedagógico; a uniformização na perspectiva descritiva dos conteúdos escolares, enrijecidos em um período letivo definido nacionalmente, fato este que retoma a lógica tecnicista e se diferencia drasticamente das DCNs; e a relação direta entre a escola e o mercado de trabalho expresso na defesa de competências na BNCC, em outras palavras, o realce dado à ideia de competências e habilidades nos permite inferir que com a sociedade atual, cabe às escolas brasileiras, padronizadas nacionalmente, incluir princípios e formas mercadológicas em sua atividade.

Em nossa análise, reduzir o currículo a uma base comum nacional, alinhada à lógica de avaliação com fim de produzir índices de desempenho, a uma padronização hierarquizada de códigos rígidos do conteúdo escolar e ainda a uma concepção de competências e habilidades na lógica de subserviência ao mercado de trabalho. Essa política tende a seguir um rebaixamento da possibilidade de educação como prática social e pedagógica e consequentemente deteriora o desenvolvimento da educação em nosso país.

Enfim, em nossa compreensão, ao discutirmos o currículo no Brasil nesse artigo, em seu movimento, foi possível observarmos que as disputas são históricas, sociais e econômicas e que é necessário revelarmos isso junto à sociedade e comunidade de educadores de modo que juntos possamos resistir na defesa de uma escola pública de qualidade social e pedagógica.

Sobre os autores

NÚBIA LUCAS FERNANDES • Professora efetiva da Secretaria de Estado da Educação de Goiás. Graduada em Letras - Pontifícia Universidade Católica de Goiás – PUC Goiás, Pedagoga - Universidade Estadual Vale do Acaraú – Ceará. Especialista em Gestão Escolar – Faculdade Suldamérica; e Ed. Infantil e Alfabetização - Faculdade Delta. Mestranda em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás – PUC Goiás - Link do Lattes http://lattes.cnpq.br/8588089057646699

RENATO BARROS DE ALMEIDA • Professor efetivo da Universidade Estadual de Goiás e da Pontifícia Universidade Católica de Goiás na Escola de Formação de Professores e Humanidades, no programa de Pós-graduação em Educação. Doutor em Educação pela Universidade de Brasília. Link do Lattes http://lattes.cnpq.br/1288153314499688

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Referências

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