14. A Leitura, Interpretação e Produção de Textos como Recursos Didáticos no Ensino de Matemática

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Ana Karine Moreira da Silva
Brunna Brito Passarinho

Resumo: Este relato de experiência provém de uma intervenção pedagógica realizada na regência do estágio supervisionado do curso de Licenciatura em Matemática da PUC Goiás, em 2017, e objetivou promover o ensino de Matemática utilizando a leitura, interpretação e escrita de textos como recursos didáticos. A intervenção pedagógica foi desenvolvida em uma turma do 3º ano do Ensino Médio de uma escola pública de Goiânia-GO, abordando o conteúdo de Matemática financeira. Apoiando-se em Brito e Oliveira (2007), Lopes e Kato (2011), Ribeiro e Kaiber (2011), Smole e Diniz (2001) e Chica (2001), foram propostas as seguintes atividades: análise de um problema matemático; confecção de glossários matemáticos; elaboração de problemas matemáticos; abordagem da charge no contexto da Matemática e produção de resenhas críticas levando em consideração a aprendizagem matemática. A partir da realização da intervenção pedagógica, foi possível observar a falta de contato da turma com as atividades propostas, as dificuldades de leitura, interpretação e produção de textos matemáticos dos alunos em geral, a grande dependência que possuem do professor para ler e interpretar problemas e a falta de habilidade em elaborar textos matemáticos e descrever procedimentos de resolução. Além disso, a realização das atividades oportunizou que os alunos tivessem autonomia na leitura e interpretação de textos matemáticos, os levou a se atentarem para os termos específicos da Matemática, a se colocarem na posição de propositores de problemas, a terem contato com um gênero textual não tão comum nas aulas de Matemática, como a charge, e a descrever e opinar sobre suas aprendizagens.

Palavras-chave: Recursos didáticos. Leitura matemática. Interpretação matemática. Escrita matemática. Ensino de Matemática.

Introdução

As experiências vivenciadas durante a realização dos estágios supervisionados, do curso de Licenciatura em Matemática, apontaram que muitas dificuldades de aprendizagem dos alunos estão relacionadas às dificuldades em ler e compreender os textos matemáticos. Além disso, foi possível perceber os entraves que os alunos possuem em verbalizar o conhecimento matemático, seja de forma oral ou de forma escrita.

Tais dificuldades de aprendizagem estão ligadas ao ensino tradicional de Matemática que, ao privilegiar apenas o desenvolvimento de técnicas e procedimentos de resolução de exercícios, não favorece o desenvolvimento das habilidades de leitura, interpretação e produção de textos matemáticos. Nesse contexto, é escasso o desenvolvimento de iniciativas pedagógicas que buscam desenvolver tais habilidades de aprendizagem dos alunos na disciplina de Matemática. Assim, o presente relato de experiência se justifica diante da necessidade de apresentar sugestões de atividades que desenvolvam a leitura, a interpretação e a produção de textos no ensino da Matemática, bem como de discutir e refletir sobre essa temática.

Smole e Diniz (2001) explicitam que o estilo em que os problemas matemáticos são escritos, a falta de compreensão de conceitos, o uso de termos específicos da Matemática, que não fazem parte do vocabulário usual dos alunos ou que possuem significados diferentes na Matemática e fora dela, são elementos que podem constituir-se como obstáculos para a compreensão dos alunos. Diante disso, as autoras defendem que a “dificuldade que os alunos encontram em ler e compreender textos de problemas está, entre outros fatores, ligada à ausência de um trabalho específico com o texto do problema” (SMOLE; DINIZ, 2001, p. 72).

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Nesse sentido, Brito e Oliveira (2007) apontam que os conhecimentos matemáticos trazidos pelos livros didáticos, por meio do código matemático e linguístico, geralmente se tornam verdadeiros enigmas obscuros insolúveis aos alunos, levando a sua rejeição e ao baixo rendimento de aprendizagem matemática. Desse modo, a falta de hábito de leitura e de contextualização adequada dos problemas matemáticos levam à dificuldade de ter empatia com a Matemática e ao insucesso escolar.

Devido à especificidade dos textos matemáticos, não basta pedir que o aluno somente os leia e também não é suficiente relegar esse trabalho às aulas de língua materna, sendo imprescindível que todas as áreas do conhecimento tomem para si a tarefa de formar leitores (SMOLE; DINIZ, 2001). Além disso, Chica (2001) salienta que, durante a escolaridade, o aluno também deve realizar diferentes experiências com a escrita, em diferentes áreas do conhecimento, inclusive na Matemática. Conforme a autora, propor que os alunos produzam textos matemáticos por meio da formulação de problemas cria um espaço que estimula a criatividade e a autonomia dos alunos diante da Matemática.

Por ser tão desafiante para os alunos, a formulação de problemas deve ser um espaço para eles comunicarem ideias, fazerem colocações, investigarem relações e adquirirem confiança em suas capacidades de aprendizagem. Este é um momento para desenvolver noções, procedimentos e atitudes em relação ao conhecimento matemático (CHICA, 2001, p. 158).

Dessa maneira, a leitura, interpretação e produção de textos são evidenciadas como habilidades fundamentais que devem ser desenvolvidas no ensino de Matemática, uma vez que contribuem para a elucidação da linguagem matemática, para a desmitificação dessa área de conhecimento e também para a aprendizagem matemática autônoma.

Nessa perspectiva, Lopes e Kato (2011) salientam que compreender um texto nem sempre é tarefa fácil, pois envolve interpretação, decodificação, análise, síntese, seleção, antecipação e autocorreção do que foi lido. Além disso, as autoras explicitam que a realização de uma intervenção pedagógica realizada com alunos dos anos finais do Ensino Fundamental a respeito da leitura e interpretação de problemas de Matemática as levou à percepção de que “se o aluno não entende a linguagem do texto matemático, não avança na sua estratégia cognitiva” (LOPES; KATO, 2011, p. 19).

Além disso, ao apresentarem recortes de um estudo qualitativo sobre a interpretação e produção de textos matemáticos por alunos do Ensino Médio, Ribeiro e Kaiber (2011) explicitaram a importância de propor e persistir em estratégias que desenvolvam tais habilidades. Isso porque, mesmo apresentando dificuldades e resistência em relação à leitura e interpretação de textos matemáticos, os alunos manifestam que sentem a necessidade desse tipo de trabalho em sala de aula.

Estes referenciais teóricos respaldaram a elaboração e a realização da intervenção pedagógica, apresentada neste relato de experiência, que objetivou promover o ensino da Matemática utilizando a leitura, interpretação e produção de textos como recursos didáticos. Para isso, buscamos como objetivos específicos: propor atividades aos alunos que desenvolvam a leitura e a interpretação de textos matemáticos e propor atividades aos alunos que estimulem a produção de textos matemáticos.

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Metodologia

A intervenção pedagógica foi estruturada ao longo dos quatro estágios supervisionados do curso de Licenciatura em Matemática da PUC Goiás e foi realizada em uma turma de 3º ano do Ensino Médio, no Instituto de Educação de Goiás (IEG), em Goiânia-GO, no primeiro semestre de 2017, abordando o conteúdo de Matemática financeira. Assim, propusemos atividades sobre porcentagem, aumento e desconto, pagamento à vista e a prazo, lucro, prejuízo e juros.

Apoiando-se em Smole e Diniz (2001), Brito e Oliveira (2007), Lopes e Kato (2011), Ribeiro e Kaiber (2007) e Chica (2001), elaboramos cinco atividades: três com foco na leitura e interpretação de textos matemáticos e duas com foco na produção de textos matemáticos, conforme o Quadro 1 abaixo.

Quadro 1 - Estrutura da intervenção pedagógica
Fonte: elaborado pelas autoras.
Atividade Foco
Análise de um problema matemático Leitura e interpretação de textos matemáticos
Confecção de um glossário matemático Leitura e interpretação de textos matemáticos
Elaboração de um problema e descrição dos procedimentos de resolução Produção de textos matemáticos
Abordagem de outros gêneros textuais Leitura e interpretação de textos matemáticos
Produção de resenha crítica Produção de textos matemáticos
Figura 1 – Problema matemático proposto. Fonte: elaborado pelas autoras.

No entanto, para respaldar a resolução deste problema, também foi proposto aos alunos um questionário de análise, para que pudessem aprofundar a leitura e a interpretação do texto do problema, compreender as informações fornecidas e terem melhores condições de resolução.

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Figura 2 – Questionário de análise do problema matemático proposto. Fonte: elaborado pelas autoras.

Na segunda atividade, os alunos confeccionaram glossários matemáticos. Para isso, eles foram orientados a ler novamente o texto do problema da primeira atividade, identificar todas as palavras relacionadas à Matemática e pesquisar os seus respectivos significados. A pesquisa poderia ser feita em dicionários, no livro didático ou na internet. Feito isso, os alunos deveriam registrá-los em livretos de papel, construindo, assim, seus próprios glossários de Matemática. Além disso, eles também foram orientados a customizar os glossários da forma que achassem conveniente.

A terceira atividade propôs que os alunos elaborassem um problema matemático e descrevessem os procedimentos para resolvê-lo. Dessa forma, eles deveriam criar e redigir um problema abordando o conteúdo de Matemática financeira e depois resolvê-lo, descrevendo de forma detalhada os procedimentos para a sua resolução.

A quarta atividade estava relacionada à abordagem do conteúdo matemático por meio de outros gêneros textuais, mas, devido à quantidade limitada de aulas para desenvolver a intervenção pedagógica, optamos somente pelo gênero charge. Assim, apresentamos aos alunos uma charge relacionada à Matemática financeira e propusemos a eles um questionário a respeito dela, em que deveriam lê-la e interpretá-la para responder às questões. A charge abordava a desigualdade salarial e trazia um diálogo envolvendo porcentagem. Desse modo, no questionário, os conhecimentos de Matemática financeira foram relacionados a essa temática social e econômica.

Figura 3 – A Matemática por meio da charge. Acesse a charge em: http://chargedopilincho.blogspot.com/2011/01/igualdade-salariais.html. Fonte: elaborado pelas autoras.

Na quinta e última atividade da intervenção pedagógica, os alunos produziram uma resenha crítica sobre as quatro atividades anteriores que realizaram. Dessa forma, conforme as características apresentadas por esse gênero textual, cada aluno deveria descrever o processo de realização das atividades desenvolvidas e também expressar a sua opinião a respeito dele. Além de estimular a produção de textos matemáticos, essa atividade objetivou identificar a perspectiva dos alunos a respeito da realização da intervenção pedagógica.

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As atividades foram desenvolvidas em cinco aulas de Matemática, durante uma semana, sendo acompanhadas pelo professor regente da turma e também pela professora de estágio. Todas as atividades foram realizadas em sala, com exceção apenas da confecção do glossário matemático, que orientamos os alunos a realizarem em casa.

Resultados e Discussão

Já na primeira atividade, ao analisarem o problema matemático proposto a respeito do evento de formatura do Ensino Médio, foram perceptíveis as múltiplas e significativas dificuldades dos alunos em atentar-se para as informações do problema, o que revelou a grande dependência que possuem do professor para ler e interpretar os textos matemáticos. Essa observação foi ao encontro do que explicitam Ribeiro e Kaiber (2011), quando apontam a falta de autonomia do aluno na resolução de questões matemáticas.

Embora poucos alunos tenham chegado à resolução final do problema de forma correta, percebemos que, ao analisarem o problema proposto, primeiramente, os alunos se familiarizaram com as suas informações, adquirindo, assim, um maior domínio do problema para o resolverem. Essa situação evidenciou a necessidade do desenvolvimento das habilidades de leitura e interpretação, mesmo diante da resistência inicial dos alunos e das dificuldades manifestadas ao longo do processo (RIBEIRO; KAIBER, 2011).

Os glossários matemáticos, produzidos pelos alunos em casa, revelaram a dedicação deles com essa segunda atividade. A maioria deles identificou muitas palavras do problema proposto na atividade anterior e registrou corretamente os seus significados dentro do contexto matemático. Eles também se dedicaram bastante à customização de seus glossários, o que produziu uma grande variedade de materiais personalizados por cada aluno. Além da aprendizagem desenvolvida durante a realização desta atividade, ao terem contato com o vocabulário específico da Matemática, os glossários matemáticos se constituíram como fontes de consulta produzidas por eles mesmos, pois podem ser consultados por eles sempre que tiverem necessidade (SMOLE, DINIZ, 2001).

Figura 4 – Glossários matemáticos produzidos pelos alunos. Fonte: elaborado pelas autoras.
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Figura 5 – Trecho do glossário matemático produzido por uma aluna do 3º ano. Fonte: elaborado pelas autoras.

A realização da terceira atividade demonstrou diferentes níveis de produção dos alunos. Alguns elaboraram problemas muito semelhantes ao problema proposto na primeira atividade; a maior parte da turma elaborou problemas bem simples e poucos deles elaboraram problemas bem estruturados e contextualizados. Essa realidade reforça que produzir textos matemáticos, inclusive por meio da formulação de problemas, é um processo progressivo, afinal, como ressalta Chica (2001, p. 153), esse tipo de proposta “requer paciência, pois tal atividade demanda muitas idas e vindas, cabendo ao professor orientar os alunos sem atropelar o processo de criação”.

Além disso, embora a maioria deles tenha conseguido resolvê-los corretamente, muitos apresentaram dificuldades em descrever os procedimentos de resolução dos problemas elaborados. Ainda assim, os alunos demonstram muito gosto por esta atividade, ao assumir o controle sobre o texto e as ideias matemáticas e deixarem de ser resolvedores para serem propositores de problemas (CHICA, 2001).

Ao apresentarmos a charge para abordar a Matemática financeira na quarta atividade, ainda que tenham estranhado algo tão incomum nas aulas de Matemática, os alunos foram muito participativos e demonstraram considerável interesse pela atividade. Assim, observamos que a inserção de um gênero textual diferente para abordar o conteúdo chamou a atenção e despertou o interesse da turma de forma muito significativa, além de contribuir para a formação de leitores nas aulas de Matemática, como explicitam Lopes e Kato (2011).

Por fim, na quinta atividade, apesar de os alunos manifestarem e afirmarem que já estavam acostumados com a produção de resenhas críticas na disciplina de Língua Portuguesa, uma grande parcela deles demonstrou não dominar os elementos de escrita desse tipo de texto. Assim, apresentaram muitas dificuldades tanto em descrever as atividades que realizaram, como em manifestar os seus pontos de vista sobre elas, conforme a percepção que tiveram durante a realização da intervenção pedagógica. No entanto, como pontua Ribeiro e Kaiber (2011), a partir dessa atividade, cada aluno teve oportunidade de escrever sobre suas experiências de aprendizagem, aumentando a sua bagagem de conceitos e o seu vocabulário.

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Conclusões

Durante a realização de todas as atividades em sala, foi nítido o estranhamento inicial dos alunos diante das atividades propostas, o que evidenciou a falta de costume da turma com a leitura, interpretação e produção de textos nas aulas de Matemática, conforme identifica Brito e Oliveira (2007). Assim, muitos estudantes se mostraram apáticos, desmotivados e dispersos quando as atividades foram apresentadas. Em contrapartida, percebemos que, ao se envolverem na realização do que foi proposto, os alunos foram gradativamente demonstrando interesse e dedicação pelo estilo das aulas e das atividades, sobretudo na confecção dos glossários matemáticos, ao elaborarem problemas matemáticos e na atividade em que o conteúdo de Matemática financeira foi abordado por meio da charge.

A realização da intervenção pedagógica possibilitou identificar, de forma explícita, as dificuldades de leitura, interpretação e produção de textos matemáticos dos alunos em geral, a grande dependência que possuem do professor para ler e interpretar os problemas propostos e a falta de habilidade que eles têm em elaborar textos matemáticos e descrever procedimentos de resolução. Além disso, a realização das atividades oportunizou os alunos a autonomia na leitura e interpretação de textos matemáticos, possibilitou que eles se atentassem para os termos específicos da Matemática, se colocassem na posição de propositores de problemas, tivessem contato com um gênero textual não tão comum nas aulas de Matemática, como a charge, e escrevessem e opinassem sobre suas aprendizagens.

A partir disso, reconhecemos que a realização da intervenção pedagógica contribuiu para promover a leitura, interpretação e produção de textos no ensino da Matemática, mas que o desenvolvimento e o amadurecimento de tais habilidades vão muito além de uma breve intervenção pedagógica. É necessário que essas atividades sejam reconhecidas como parte fundamental do ensino de Matemática e que sejam abordadas de forma contínua pelo professor na disciplina.

Referências

BRITO, Frederico Reis Marques de; OLIVEIRA, Leni Nobre de. As Dificuldades da Interpretação de Textos Matemáticos: algumas reflexões. In: CONGRESSO DE LEITURA DO BRASIL – NO MUNDO HÁ MUITAS ARMADILHAS - COLE, 16, 2008, Campinas. Anais [...] Campinas: ALB, 2007, p. 1-9.

CHICA, Cristiane. Por que formular problemas? In: SMOLE, Kátia Stocco; DINIZ, Maria Ignez. (Org.). Ler, escrever e resolver problemas: habilidades básicas para aprender matemática. Porto Alegre: Artmed, p. 151-173, 2001.

LOPES, Sílvia Ednaira; KATO, Lilian Akemi. A Leitura e a Interpretação de Problemas de Matemática no Ensino Fundamental: algumas estratégias de apoio. Curitiba: SEED/PR, 2011.

RIBEIRO, Vânia Gomes da Silva; KAIBER, Carmen Teresa. Leitura e Interpretação de Textos Matemáticos: construindo competências no Ensino Médio. In: CONGRESSO NACIONAL DE EDUCAÇÃO MATEMÁTICA, 2, 2011, Ijuí-RS. Anais [...]. Ijuí: Ed. UNIJUÍ, 2011. 1 CD-ROM; 4 3/4 pol.

SMOLE, Kátia Stocco; DINIZ, Maria Ignez. Ler e aprender Matemática. In: SMOLE, Kátia Stocco; DINIZ, Maria Ignez. (Org.). Ler, escrever e resolver problemas: habilidades básicas para aprender matemática. Porto Alegre: Artmed, p. 69-86. 2001.